sexta-feira, 31 de março de 2017

Novo Banco é vendido por 1000 milhões de euros

O Banco de Portugal (BdP) revelou importantes pormenores relativos à venda do Novo Banco (NB), acordada hoje, dia 31 de março, que o Jornal Económico especifica.
Na verdade, Carlos Costa, governador do BdP, numa curta declaração aos jornalistas, sem especificar grandes pormenores, esclareceu que o acordo de venda de 75% do NB, por parte do Fundo de Resolução,  à gestora de fundos norte-americana Lone Star “permite um significativo reforço do capital do NB e a entrada de um acionista que assume um compromisso de médio e longo prazo com o banco”. E sublinhou que aquela gestora de fundos é dotada dos meios necessários à execução de um plano que garanta, em definitivo, a plena recuperação em termos compatíveis com o papel determinante que o mesmo tem no financiamento da economia nacional”.
Em comunicado mais explícito, o BdP sustenta que o culminar do processo de venda “é mais um passo na estabilização do setor bancário nacional”, acrescentando que  a diversificação das fontes de financiamento com a entrada novos investidores “é vantajosa” e que “este desenvolvimento permite também o reforço da credibilidade do setor bancário por via do desfecho bem-sucedido dum processo de venda aberto, transparente, concorrencial e de alcance internacional”.
A este respeito, o BdP esclarece os termos do negócio:
“A Lone Star irá realizar injeções de capital no Novo Banco no montante total de 1.000 milhões de euros, dos quais 750 milhões de euros no momento da conclusão da operação e 250 milhões de euros no prazo de até 3 anos. Através da injeção de capital a realizar, a Lone Star passará a deter 75% do capital social do NB e o Fundo de Resolução manterá 25% do capital. Entre as condições acordadas, está a existência de um mecanismo de capitalização contingente, em que o Fundo de Resolução, enquanto acionista, se compromete a realizar injeções de capital no caso de se materializarem certas condições cumulativas, ‘relacionadas com o desempenho de um conjunto delimitado de ativos do NB e com a evolução dos níveis de capitalização do banco’.”.
Por outro lado, os obrigacionistas terão de injetar 500 milhões de euros para reforçar a solidez do NB – troca de obrigações por dívida subordinada, no valor de 500 milhões de euros, de cujo sucesso dependerá toda a operação. Além disso, fica sabido que as possíveis injeções de capital a realizar no âmbito do mecanismo de capitalização contingente beneficiam duma almofada de capital “resultante da injeção a realizar nos termos da operação e estão sujeitas a um limite máximo absoluto”.
O regulador bancário assume que a assinatura do contrato permite o cumprimento do prazo de venda fixado nos compromissos do Estado junto da Comissão Europeia e assegura que a conclusão da operação faz cessar o regime das instituições de transição ao NB”.
No acordo de venda ficam ainda estipulados mecanismos de salvaguarda dos interesses do Fundo de Resolução, nomeadamente “de alinhamento de incentivos e de fiscalização, não obstante as limitações decorrentes da aplicação das regras de auxílios de Estado”.
O BdP salienta que a conclusão do processo de venda necessita ainda da obtenção das autorizações regulatórias usuais do BCE e da Comissão Europeia e frisa “a realização de um exercício de gestão de passivos, sujeito a adesão dos obrigacionistas, que irá abranger as obrigações não subordinadas do NB e que, através da oferta de novas obrigações, permite gerar pelo menos 500 milhões de euros de fundos próprios elegíveis para o cômputo do rácio CET1”.
Trata-se de acordo e não de venda, a qual depende do êxito da operação acima referida.
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O Primeiro-Ministro veio garantir aos jornalistas em São Bento, tendo ao seu lado o Ministro das Finanças, que a venda do NB à Lone Star não terá impacto direto ou indireto nas contas públicas, nem novos encargos para os contribuintes, constituindo “uma solução equilibrada”.
Na sua declaração inicial, o Chefe do Governo defendeu que o acordo de venda do banco cumpre “as três condições colocadas pelo Governo” em janeiro passado, sendo uma delas a de que este processo “não terá impacto direto ou indireto nas contas públicas, nem novos encargos para os contribuintes”. E esclareceu:
“Ao contrário do inicialmente proposto, não é concedida qualquer garantia por parte do Estado ou de qualquer outra entidade pública. O necessário reforço de capital é integralmente assegurado pelo investidor privado, e eventuais responsabilidades futuras não recairão sobre os contribuintes, mas sobre os bancos, que asseguram o capital do fundo de resolução.”.
Em relação às restantes duas condições colocadas pelo Governo para a concretização da venda – a que se juntam as exigências feitas pela Comissão Europeia –, o acordo de venda do NB, segundo o Chefe do Executivo, “afasta o espectro da liquidação” da instituição financeira que resultou da resolução do BES. Pelo que garantiu:
“O Novo Banco continuará a cumprir o seu papel muito relevante no financiamento da economia, em especial das pequenas e médias empresas, com proteção integral dos depositantes e sem novos sacrifícios involuntários dos detentores das obrigações”.
O Primeiro-Ministro sustentou também, como Carlos Costa, que o acordo de venda salvaguarda a estabilidade do nosso sistema financeiro, “porque eventuais responsabilidades futuras estão substancialmente garantidas pelo conjunto de ativos confiados à gestão do fundo de resolução”. Esclareceu, numa referência à atuação do anterior Executivo:
“Por outro lado, não serão exigidas aos bancos contribuições extraordinárias e o fundo de resolução ainda beneficiará da futura alienação dos 25 por cento de capital que continuará a deter no Novo Banco. Esta é uma solução equilibrada: a que melhor protege os contribuintes, a economia e a estabilidade do sistema financeiro no quadro do processo de resolução [do BES] iniciado em agosto de 2014.”.
E concluiu, como começou, não haver impacto direto ou indireto nas contas públicas ou para contribuintes, pois o esforço de capital é integralmente assegurado pelo investidor e as necessidades futuras não afetarão os contribuintes.
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Porém, o Primeiro-Ministro admitiu que fora também estudada a hipótese de o NB ser nacionalizado, mas advogou que essa opção, a ser implementada, implicaria encargos para os contribuintes de até 4,7 mil milhões de euros. Com efeito, questionado sobre uma eventual nacionalização do NB – cenário que traria um “impacto muito distinto” junto dos contribuintes do que decorre da venda da entidade – António Costa disse: “Estudámos bem essa solução”.
E concretizou que, em vez de ser a Lone Star a injetar mil milhões de euros no banco, “o Estado teria de realizar o capital inicial”, que seria “entre 4,0 mil e 4,7 mil milhões de euros”, porque as regras comunitárias implicam o reconhecimento imediato de eventuais necessidades futuras.
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O NB é o banco de transição que ficou com os ativos menos problemáticos do Banco Espírito Santo (BES), alvo de uma intervenção das autoridades em 3 de agosto de 2014, e que estava em processo de venda.
Desde fevereiro que o Governo estava a negociar a venda do NB em exclusivo com o fundo norte-americano Lone Star Funds, que passou para a frente nas negociações depois de, no final de 2016, ter sido noticiado que, entre os concorrentes, o fundo chinês Minsheng tinha a melhor proposta financeira, mas não apresentou provas de que conseguiria pagar o montante oferecido, devido às restrições de movimentação de divisas na China.
O Lone Star Funds foi fundado em 1995 e investe nos setores financeiro e no imobiliário. Em Portugal, tem um investimento em Vilamoura.
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O PSD, através do seu líder parlamentar, Luís Montenegro, considerou que a venda do NB anunciada pelo BdP é uma má decisão, que ocorre depois de um processo de desvalorização daquela instituição bancária. A este propósito, afirmou:
“A decisão de hoje não é uma boa decisão, é uma má decisão. Vem na sequência de um processo de desvalorização do Novo Banco, que, entre outras coisas, teve o contributo do Ministro das Finanças quando, por mais de uma vez, acenou com a possibilidade da nacionalização ou mesmo da liquidação do banco”.”.
Para Montenegro, aquilo não só foi prejudicial, como o “Governo veio hoje reconhecer que isso teria custos que eram incomportáveis”.
Segundo aquele dirigente socialdemocrata, aquela má decisão só aconteceu porque o Governo deveria ter “acordado mais cedo” para a “necessidade de se proceder a uma venda integral do Novo Banco”. E justifica:
“A venda que hoje foi anunciada é uma venda parcial e ainda por cima acarreta a possibilidade de os contribuintes poderem ter de assumir parte dos custos que estão associados a um processo de capitalização futura do Novo Banco”.
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Chegados ao ponto que chegámos, uma boa solução para o NB é impossível. As constrições das instâncias europeias, embora mais flexíveis hoje, não facilitaram o negócio, até porque a ideia é concentrar a atividade bancária numa meia dúzia de grandes bancos, dando a entender que os pequenos não têm direito a existir. E o NB tem em Portugal um quota de mercado de 20% e está voltado para as empresas. Por outro lado, o tempo que se perde em negociações, ao invés de jogar a favor, desgasta estas instituições, pois acumula desconfianças e incertezas sobre o futuro.
Quanto à reação do PSD, é de questionar como é que o Partido queria ver isto resolvido, sobretudo porque também não o fez em tempo, como será de questionar se queria a nacionalização do NB ou a sua liquidação, já que não terá reivindicado a possibilidade de as instâncias europeias deixarem que Fundo de Resolução permanecesse como detentor do capital do NB.
Além disso, deve dizer-se que Mário Centeno, sem grande jeito para o debate político, conseguiu o que outros não alcançaram: uma venda parcial, podendo o Estado ficar com a detenção de alguma parte do capital, tal como conseguiu a recapitalização da CGD nos moldes conhecidos e, embora ficasse mal na fotografia em todo o processo, conseguiu vencer o cerco que lhe foi movido por muitos com notória visibilidade dos socialdemocratas, incluindo o PR e o Presidente do TC – ambos agora apolíticos (!).
Devo dizer que a venda do NB, se for avante, apesar de não haver encaixe direto para o Estado, é melhor que a venda do BPN, do Banif e da criação do próprio NB. Porém, não creio na objetividade da declaração de António Costa sobre a ausência absoluta de “impacto direto ou indireto nas contas públicas” ou de novos encargos para os contribuintes”. Com efeito, o Fundo de Resolução tem capacidades limitadas e o Estado por si ou por uma empresa pública (scilicet, os contribuintes), direta ou indiretamente – dado ou emprestado – lá terá de acudir às necessidades reais ou factícias do Fundo de Resolução.
Entretanto, enquanto o pau levanta, folgam as costas.

2017.03.31 – Louro de Carvalho

A rebatização do aeroporto da Madeira

A partir do passado dia 29 de março, o aeroporto Internacional da Madeira, localizado no concelho de Santa Cruz, passou a ser Aeroporto Internacional Cristiano Ronaldo. O Presidente da República e o Primeiro-Ministro marcaram, nesse dia, a sua presença numa cerimónia de homenagem ao futebolista, que passa a ter o nome associado ao Aeroporto Internacional da Madeira, a ilha onde nasceu. A partir desse dia, em termos comerciais, o aeroporto da Madeira passou efetivamente a usar o nome de Cristiano Ronaldo, mas a designação oficial será confirmada só aquando da conclusão do processo burocrático desencadeado para a alteração.
O Aeroporto da Madeira, que também era conhecido como Aeroporto de Funchal ou Aeroporto de Santa Catarina, foi inaugurado em 18 de julho de 1964 com uma pista de 1 600 metros de extensão e é um dos mais importantes de Portugal e que serve a ilha da Madeira (há também o de Porto Santo, de menor dimensão), operando voos domésticos e com destinos internacionais dentro da Europa e para a América Latina.
Dada a incapacidade da pista em receber aviões capazes de dar vazão ao fluxo de turistas que procuravam a ilha da Madeira, em 1972, começou a ser pensada a ampliação para possibilitar os voos intercontinentais. Foi então apresentado um projeto do engenheiro Edgar Cardoso e, no ano seguinte, foi inaugurado um novo terminal, capaz de receber 500 mil passageiros por ano. Entre 1982 e 1986, a pista foi aumentada para 1 800 metros e procedeu-se à ampliação da plataforma de estacionamento de aviões – obra inaugurada a 1 de fevereiro de 1986, pelo Presidente da República António Ramalho Eanes.
Entretanto, o engenheiro António Segadães Tavares adaptou os estudos de Edgar Cardoso e projetou nova ampliação da pista. Assim, a 15 de setembro de 2000, teve lugar a inauguração da extensão da pista para 2 781 metros, construída agora parcialmente em laje sobre o mar, ficando assente em 180 pilares. O aeroporto encontra-se agora qualificado para receber aviões de grande dimensão como o Airbus 340 e o Boeing 747 (que esteve no ato da inauguração da pista) bem como quase qualquer tipo de aviação civil ou militar, sendo a principal porta de entrada de turistas na Região Autónoma, bem como de correio postal, carga e outros serviços essenciais. 
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Para assinalar o momento da atribuição do nome de Cristiano Ronaldo ao aeroporto, foi ali colocado um polémico busto do jogador madeirense internacional.
Cristiano marcou presença no evento, que contou com várias personalidades da política, como o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o Primeiro-Ministro, António Costa, o Presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque, entre outros.
O Presidente Marcelo, que, ainda há bem pouco tempo, considerou inadequada e precipitada a atribuição do nome do jogador ao aeroporto, no momento da inauguração do aeroporto rebatizado, considerou-a como “uma escolha excecional para uma pessoa excecional” (faz-me lembrar o que disse Isabel II de Inglaterra sobre o funeral de Diana: um funeral especial para uma pessoa especial).
Agora, na cerimónia de atribuição do nome de Cristiano Ronaldo ao Aeroporto Internacional da Madeira, o Presidente da República enalteceu papel do internacional português, “admirado por milhões de portugueses e também por milhões de estrangeiros” espalhados pelo Mundo, designadamente na divulgação do nome da Madeira e de Portugal. Referiu a este respeito:
“Cristiano Ronaldo é um exemplo de excelência a título individual, como melhor jogador do mundo, e a título coletivo, como capitão da Seleção campeã da europa. Essa excelência alimenta o nosso orgulho. Ronaldo projeta a Madeira e projeta Portugal.”.
E adiantou:
“Celebrar esta evidência e afirmá-la para bem da internacionalização [de Portugal] e da plataforma entre culturas, civilizações, continentes e oceanos não só faz sentido como serve o interesse nacional”.
O que Marcelo Rebelo de Sousa diz de Ronaldo não espanta, dada a admiração inúmeras vezes confessada pelo futebolista. Porém, a posição anterior de Marcelo, que parecia uma crítica aos decisores, agora é como que desmentida e retratada. Com efeito, o Chefe de Estado enalteceu a escolha “arriscada e corajosa” de atribuir o nome de uma personalidade como Ronaldo a uma obra pública ainda em vida, salientando que “muita gente prefere atribuir a obras desta envergadura o nome de personalidades que já não pertencem ao mundo dos vivos, cujo percurso inteiro pode ser avaliado com distância e menor peso das inclinações de cada momento”. Explicou a este respeito:
“Esta escolha [mudança do nome do aeroporto] foi arriscada e, por isso, corajosa. Não é por acaso que se atribuem grandes obras a pessoas que já cá não estão. Neste caso, a escolha foi feita a saber destes riscos, que a homenagem era merecida e a gratidão era devida, certamente a pensar em duas razões determinantes: a responsabilidade de Cristiano Ronaldo e a confiança ilimitada que a Madeira e todo o Portugal nele depositam.”.
E concluiu dizendo:
“Este grande atleta e grande homem vai viver com a constante ligação às suas raízes, que nos habitámos a admirar nos primeiros 32 anos da sua vida. Será sempre assim, mesmo quando não entrar em nenhum relvado. A Madeira e Portugal confiam ilimitadamente nele. Será sempre um exemplo. Esta é uma escolha excecional para uma pessoa excecional que nunca nos desiludirá.”.
Ronaldo, obviamente, gostou de ver o seu nome no aeroporto. Na verdade, o internacional português também discursou na cerimónia de atribuição do seu nome ao Aeroporto. Mostrou-se muito feliz por ter o seu nome no Aeroporto da Madeira. E, por isso, gradeceu a Miguel Albuquerque, Presidente do Governo Regional da Madeira, por ter dado este passo, declarando:
“Ver o meu nome ser dado a este Aeroporto é muito especial. Eu prezo muito as minhas raízes. Em todas as entrevistas que faço, tento falar de Portugal e da Madeira. Acho que as homenagens devem ser feitas quando as pessoas são vivas e agradeço ao Presidente do Governo Regional por cumprir este sonho.”.
E, prometendo continuar a trabalhar pelo seu país, declarou:
“Agradeço a quem propôs e decidiu esta homenagem. Sei a responsabilidade que tenho e tentarei sempre dignificar Portugal e, especialmente, a Madeira, com paixão, espírito de sacrifício, como tenho feito até aqui.”.
O capitão da seleção nacional, de 32 anos, deixou um agradecimento especial ao Presidente do Governo Regional da Madeira e destacou a “coragem e firmeza” de Miguel Albuquerque em rebatizar o aeroporto com o nome de Cristiano Ronaldo, referindo:
“Nunca te pedi que fizesses isto. Não sou hipócrita. Fico feliz e honrado. Sei que algumas pessoas não estão de acordo e, volto a dizer que não sou hipócrita, algumas dessas pessoas estão aqui neste momento. Somos livres, vivemos em democracia e todos temos direito à nossa opinião.”.
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Porém, a atribuição do nome Cristiano Ronaldo ao Aeroporto Internacional da Madeira não foi um assunto consensual entre os madeirenses e entre dos habitantes do Continente. 
“Ele é madeirense e muito famoso e cada pontapé que dá na bola é um elogio para Madeira”, disse à Lusa Rosa Lopes, 64 anos, empresária de comércio, realçando que “há outros madeirenses mais antigos que mereciam ter o nome no aeroporto”, como, por exemplo, o ex-Presidente do Governo Regional Alberto João.
Também partilha esta opinião Teresa Camacho, de 48 anos, funcionária pública, para quem Ronaldo constitui uma “grande promoção e publicidade” para a Madeira, mas, na verdade, “não contribui diretamente para o desenvolvimento da ilha”, ao contrário do que considera ter acontecido com o ex-governante, que a descobriu para a requalificação e bateu o pé aos sucessivos governos da República e às instâncias europeias em favor Região Autónoma.
Sandra Câncio, funcionária pública de 39 anos, também é perentória:
“Para mim, o nome Aeroporto da Madeira deveria ser mantido. A ser alterado, esta alteração deveria ser motivada pela vontade popular em homenagear alguém que tenha sido muito importante para a Madeira. Neste caso, parece mais uma forma de publicidade e de promoção.”.
Outros cidadãos entendem que não faz sentido dar o nome de pessoas vivas a este tipo de infraestruturas, como é o caso de Celso Freitas, empresário de comércio de 36 anos, que entende existirem outras individualidades que “fizeram tanto pela Madeira e não têm sequer o nome numa rua”.
Mário Pereira, 55 anos, motorista aposentado, que discorda da nova designação, lembra que “o aeroporto já era da Madeira muito anos de Cristiano Ronaldo ter nascido”, pelo que “não é pelo facto de ele ser uma vedeta que se vai agora andar a mudar o nome”.
Por esta bitola de pensamento alinha Carlos Gomes, nadador-salvador de 57 anos, para quem “não se devia mudar o nome do aeroporto”, dado que a imagem de Cristiano Ronaldo já está por demais divulgada e ligada à nossa ilha, pelo que não era necessário tal mudança.
Susana Canha, 46 anos, funcionária pública, expressa, por seu lado, uma posição contrária à mudança de nome do aeroporto, bem vincada:
“A imagem de Cristiano Ronaldo já está por demais divulgada e ligada à nossa ilha, pelo que não era necessária essa mudança. O que faz sentido é manter a denominação anterior, uma vez que o nome da nossa ilha será sempre mais importante e permanente do que qualquer outra individualidade.”.
Para algumas pessoas ouvidas pela agência Lusa, a decisão do Governo Regional em atribuir o nome de Ronaldo ao Aeroporto Internacional da Madeira é indiferente, como no caso de Paulo Bento, empresário de comércio, e de António Silva, funcionário público. Um lembra que Cristiano Ronaldo já tem uma estátua, uma praça e um hotel com o seu nome no Funchal; o outro sublinha que o mais importante é que o aeroporto se mantenha sempre a funcionar em pleno. Além disso, por entre discussões e debates em rodas de amigos, nas redes sociais e nos cafés, há sempre espaço para a ironia e para o sarcasmo. Por exemplo, Artur Gomes, um empresário de 29 anos do ramo da informática, disse à Lusa que achava que o aeroporto se deveria chamar dona Dolores, explicando, entre sorrisos, que “era melhor dar o nome da mãe em vez do nome do filho”.
E não esqueço a postura anterior de Marcelo…
Também não me convence a ideia de virem agora clamar pela atribuição ao aeroporto do nome de Alberto João, sobretudo por parte de quem sempre disse mal dele, mesmo com a generosidade das razões de Seixas da Costa, de partido diferente. E não me encanta a explicação de Guilherme Silva de que Alberto João não quis atribuir o seu nome a obra nenhuma. Era o que faltava: o governante fazer uma coisa dessas. A acontecer, era Miguel Albuquerque que o devia propor, ultrapassando divergências pessoais e ou estratégicas.
Quanto a Ronaldo, fico-me pela crítica que se fez ao facto de o Nobel da Paz lhe ser atribuído antes de se lhe reconhecer currículo de valia marcante a confiar no futuro. Futebol não é uma nação! Oxalá Albuquerque não tenha decido assim para evitar Jardim…
2017.03.31 – Louro de Carvalho

quarta-feira, 29 de março de 2017

A Doutrina Social da Igreja implica um discernimento cristão

A propósito do cinquentenário da publicação da Populorum Progressio (PP), muitos foram aduzindo que a análise que ela faz da realidade era adequada ao tempo da publicação e que as suas linhas gerais mantêm forte atualidade e pertinência. E veem que a Doutrina Social da Igreja (DSI) é aprofundada e ampliada, com base em análises atualizadas, por documentos de João Paulo II, Bento XVI e Francisco. Parece, no entanto, estar a esquecer-se um outro documento de Montini, não menos importante e produzido 4 anos depois da publicação da PP.
Octogesima Adveniens é o incipit que dá o nome à Carta Apostólica datada de 14 de maio de 1971, de Paulo VI, comemorativa dos 80 anos da Encíclica Rerum Novarum (de Leão XIII), que, ampliando e aprofundando a DSI, trata sobretudo do compromisso sociopolítico dos cristãos. Analisando as várias ideologias – as correntes socialistas (n.º 31), o marxismo (n.os 32-34) e o liberalismo (n.º 35), que exigem um discernimento cristão (n.º 36) – aborda o renascimento das utopias com as suas virtualidades e os seus riscos (n.º 37).
Sendo uma carta dirigida ao Cardeal Maurício Roy, Presidente do Conselho dos Leigos e da Pontifícia Comissão Justiça e Paz, parece revestir-se duma índole menos solene que a encíclica. No entanto, torna-se um dos documentos básicos da DSI. Não é uma encíclica, com o que significa de documento solene do magistério pontifício, a meu ver por três ordens de razões: Paulo VI abandonara já o recurso às encíclicas e optara por instrumentos menos solenes e majestáticos como a carta apostólica e sobretudo a exortação apostólica (provavelmente mais ao jeito de Jesus de Nazaré); o destinatário da carta é o Cardeal Presidente da Pontifícia Comissão Justiça e Paz (organismo a que dizem respeito estas matérias); e, além de fazer a análise da realidade, levar à produção de um juízo ditado pelo discernimento à luz do Evangelho e da leitura dos sinais dos tempos e incitar ação – é o método do VER, JULGAR e AGIR, da Ação Católica – o texto pretendia ser um incentivo à discussão do tema da Justiça no Mundo na II Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos, de 30 de setembro a 6 de novembro de 1971, juntamente com o tema do sacerdócio ministerial, de que resultou um documento sobre a Justiça no Mundo, datado de 30 de novembro daquele ano e assinado pelo Cardeal Jean Villot, Secretário de Estado.
Com efeito, Paulo VI, que se formatou antes do Vaticano II (ainda teve cerimónia de coroação no início do Pontificado, usou a tiara e foi transportado na sede gestatória), rapidamente aprendeu com o Concílio em que participou e a que presidiu nas II, III e IV sessões, abandonando tais símbolos de poder e solenidade e assumindo os valores da colegialidade, delegação de competências e sinodalidade.
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O contexto
No atinente ao contexto em que surgiu a Carta Pastoral, é de referir que a questão social tinha adquirido uma dimensão global. Eram já alarmantes as condições laborais da produção, a iniquidade das relações internacionais, o consumismo em grandes setores da população e o atraso agropecuário persistente. Além disso, agudizavam-se outros problemas conexos com os anteriores, tais como: a explosão demográfica, o desemprego, a injustiça social, os egoísmos instalados, o feminismo exacerbado, as discriminações raciais, as emigrações desordenadas, o impacto incontrolado dos meios de comunicação, entre outros.
Neste marco histórico, alguns dirigentes cristãos – leigos e religiosos – inclinavam-se a enveredar impacientes por caminhos revolucionários violentos e armados. Pensavam que podiam lançar mão do revolucionário método de análise e práxis para ver as grandes diferenças sociais e, em consequência, penetrar nesse dinamismo sem admitir os postulados filosóficos e ideológicos do marxismo e sem cair nas consequências ditatoriais do mesmo. Também era o tempo em que alguns países iam adotando diversas versões das chamadas economias mistas com que se experimentavam diversos graus de intervenção governamental na socioeconomia.
Neste momento de confusão era urgente que o Magistério da Igreja desse alguma orientação seguir, ou não, em busca dos remédios para os males sociais no quadro de uma ética que permeasse uma sociedade, justa, responsável, livre e pacífica. Aos cristãos Paulo VI fornece linhas de orientação para assinalar escolhos e navegar com afoiteza nestes tempos tempestuosos.
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Estrutura e conteúdo
A Carta Apostólica, com 52 números, está subdividida em quatro capítulos, preenchidos com o desenvolvimento de tópicos, dispostos da seguinte forma:
Parte duma relativamente extensa introdução (1-7), que se inicia com um vocativo epistolar dirigido ao Cardeal Roy e que, chamando a atenção para a importância do 80.º aniversário da Rerum Novarum, “cuja mensagem continua a inspirar a ação em ordem à justiça social”, refere que a efeméride nos animaa retomar e a prosseguir” o ensino dos seus predecessores, “em resposta às necessidades novas de um mundo em transformação” e assegura que “a Igreja caminha, de facto, juntamente com a humanidade e compartilha a sua sorte no seio da história”. E o Papa sustenta que a Igreja, ao anunciar aos homens a Boa Nova do amor de Deus e da salvação em Cristo, “ilumina também a sua atividade com a luz do Evangelho e ajuda-os, deste modo, a corresponderem aos desígnios divinos do amor e a realizarem a plenitude das suas aspirações” (n.º 1). Reconhece a sensibilidade cada vez maior na busca de uma maior justiça (n.º 2), não só no meio das comunidades cristãs, mas também no mundo inteiro; aponta a diversidade das situações dos cristãos no mundo (nos 3-4); enuncia a mensagem específica da Igreja (n.os 5-6); e releva a amplidão das mudanças atuais (n.º 7).
Depois, vem o capítulo I, dedicado aos NOVOS PROBLEMAS SOCIAIS (n.os 8-21), com os itens seguintes: a urbanização (n.os 8-9); os cristãos na cidade (n.os 10-12); os jovens e o lugar da mulher (n.º 13); os trabalhadores (n.º 14); as vítimas das mudanças (n.º 15); as discriminações (n.º 16); o direito à emigração (n.º 17); a criação de postos de trabalho (n.os 18-19); os meios de comunicação social (n.º 20); o meio ambiente (n.º 21). É de notar a referência ao meio ambiente de que tanto se fala hoje como sendo um problema. Sobre isto o texto explana:
“À medida que o horizonte do homem assim se modifica, a partir das imagens que se selecionam para ele, uma outra transformação começa a fazer-se sentir, consequência tão dramática quanto inesperada da atividade humana. De um momento para outro, o homem toma consciência dela: por motivo da exploração inconsiderada da natureza, começa a correr o risco de destruí-la e de vir a ser, também ele, vítima dessa degradação. Não só já o ambiente material se torna uma ameaça permanente, com poluições e lixo, novas doenças, poder destruidor absoluto; é mesmo o quadro humano que o homem não consegue dominar, criando assim, para o dia de amanhã, um ambiente global, que poderá tornar-se-lhe insuportável. Problema social de envergadura, este, que diz respeito à inteira família humana. O cristão deve voltar-se para estas perspetivas novas, para assumir a responsabilidade, juntamente com os outros homens, por um destino, na realidade, já comum.”.
Como se vê, não se tem inventado muito nos últimos anos!
O capítulo II aborda a temática das ASPIRAÇÕES FUNDAMENTAIS E CORRENTES DE IDEIAS (n.os 22-41), desenvolvendo itens como: as vantagens e limitações dos reconhecimentos jurídicos (n.º 23); a sociedade política (n.os 24-25); as ideologias e liberdade humana (n.os 26-29); os movimentos históricos (n.º 30); a atração das correntes socialistas (n.º 31); a evolução histórica do marxismo (n.os 32-34); a ideologia liberal (n.º 35); o discernimento cristão (n.º 36); o renascer das utopias (n.º 37); a interrogação das ciências sobre o homem (n.os 38-40); e a ambiguidade do progresso (n.º 41).
O n.º 22 é uma espécie de justificação do capítulo e introdução aos itens que são abordados, exprimindo-se nos termos seguintes:
Ao mesmo tempo que o progresso científico e técnico continua alterando profundamente a paisagem do homem, bem como os seus próprios modos de conhecer, de trabalhar, de consumir e de ter relações, exprime-se, cada vez mais nítida, nestes novos contextos, uma dupla aspiração, mais viva à medida que se desenvolvem a sua informação e a sua educação: a aspiração à igualdade e a aspiração à participação; trata-se de dois aspectos da dignidade do homem e da sua liberdade”.
O capítulo III, numa ótica de discernimento aborda a temática OS CRISTÃOS PERANTE ESTES NOVOS PROBLEMAS (n.os 42-47), com o desenvolvimento dos tópicos seguintes: o dinamismo da doutrina social da Igreja (n.º 42); para uma maior justiça (n.os 43-44); a mudança de estruturas (n.º 45), pois, embora necessária, não basta a mudança individual; o significado cristão da ação política (n.º 46); e a compartilha das responsabilidades (n.º 47).
E, finalmente, o capítulo IV lança o APELO À AÇÃO (n.os 48-52), com dois itens: a necessidade de se comprometer na ação (n.os 48-49); e pluralismo das opções (n.os 50-52).
Este último item levou alguns a subtitular a Octgogesima Adveniens como sendo sobre o pluralismo das opções políticas dos cristãos – o que seria redutor.
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Considera o Papa que, sendo tão diversas as situações das diversas comunidades católicas, não se podem dar linhas concretas de ação, mas se deve discernir em cada lugar o que é melhor para agir e pôr em prática as exigências evangélicas em cada contexto e face a cada problemática. Propõe-se iluminar os diversos problemas sociais que, por sua complexidade e amplitude, são verdadeiramente preocupantes. Escreveu a Carta Pastoral precisamente para ir ao encontro dos problemas novos que menciona – a urbanização, a situação dos jovens, da mulher, dos trabalhadores, as discriminações, os meios de comunicação e o meio ambiente – e, iluminando, à luz do Evangelho, a análise dos novos problemas sociais, dá diretrizes para a sua solução e orientações sobre o pluralismo na vida política.
O Pontífice reconhece que o crescimento e o progresso em diversos campos causam a crescente aspiração à igualdade e à participação mais ativa, o que fica patente na elaboração de novos códigos de direitos humanos e nos acordos internacionais que se têm firmado. Não obstante, sustenta que muito falta ainda para que as leis estejam adequadas às necessidades da época e que a desigualdade é a principal causa dos problemas sociais.
Paulo VI afirma que a sociedade política tende cada vez mais para modelos democráticos, mas há de estar baseada num projeto conexo com a vocação humana e suas expressões na sociedade sem impor nenhuma ideologia. Verificando a diversidade de situações dos cristãos no mundo, convoca-os para um pluralismo ético na ação. Porém, reitera que os católicos não podem aderir a ideologias opostas aos princípios evangélicos, como o marxismo eivado do materialismo histórico e o liberalismo ateu. Detém-se em examinar a evolução das ideologias, em especial do socialismo, do marxismo e da chamada “ideologia liberal”. E apresenta criticamente as ciências humanas no mesmo nível das ideologias, por submeterem a exame os conhecimentos que se têm sobre o homem, mas tanto os seus métodos como os seus pressupostos não lhes permitirem dar as respostas globais que pretendem oferecer. Assim, pode prevalecer a ambiguidade do progresso material.
Reconhece o Papa um chamamento, a nível universal, à prática duma maior justiça. Faz um juízo sobre as ideias sociais que fundamentam as tendências contemporâneas, que implicam a atividade económica e a dignidade das pessoas. Refere-se com toda a clareza ao liberalismo, ao marxismo e certas correntes teológicas da libertação. Defende o direito e o dever a participar na vida social. Fala de ação política sã.
Contém, pois, a Carta Pastoral a confirmação e a ampliação da DSI: maior justiça e uma presença dos cristãos na ação política, com uma participação ativa na responsabilidade das diversas formas do Estado. Em suma, as suas ideias basilares são: a ampliação da doutrina social da Igreja; pessoa humana é e deve ser o princípio, o sujeito e o fim de todas as instituições; o modelo democrático e o modelo socialista poderiam favorecer os povos se se aplicassem com verdadeiros propósitos.
*Atualidade da Octogesima Adveniens
A participação política é um dever de todos os homens. Mas devemos hoje continuar a interrogar-nos: se todos os sistemas socioeconómicos podem ser aceites por um cristão; se todas as políticas e estratégias são válidas, prescindindo da sua base ideológica; que critérios devemos assumir na busca de soluções para os problemas atuais no seu conjunto e cada um em particular. Na verdade, todos os cidadãos têm uma obrigação social de participação política no país, com vista a aliviar as necessidades dos pobres, mas os homens de empresa têm-na por maioria de razão, pela situação privilegiada que possuem e o seu impacto mais eficaz.
Hoje são válidos os ensinamentos pontifícios, mesmo depois da queda dos socialismos reais, para não se cair no neoliberalismo ou em extremismos similares. É bom recordar que todos somos responsáveis por todos e por cada um e que não podemos nem devemos permanecer indiferentes, quais espectadores passivos da situação económica e social dos demais.
Em suma, na atualidade, a democracia, que todos dizem professar, é só uma palavra e não vivemos numa democracia sólida e abrangente; as injustiças sociais evidenciam-se no tratamento que se dá à pessoa humana no trabalho, na migração, na saída da pátria, na pobreza, na fome, na guerra, na educação, na saúde, na habitação, no comércio, na cultura e na segurança social; campeia a economia de casino, a atitude da exploração e do descarte; destrói-se o Planeta; e as tendências religiosas perdem-se cada vez mais – perde-se a fé.
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Em contraponto, surgem sinais evidentes de preocupação pelos outros; evidenciam-se mostras de abnegação e solidariedade; superabundam os focos de busca do absoluto, de abertura ao transcendente e de entrega à espiritualidade; e cresce a busca de justiça, equidade e cooperação. É, porém, necessário ler os sinais de esperança e ser coerente com aquilo em que se acredita!

2017.03.29 – Louro de Carvalho   

segunda-feira, 27 de março de 2017

O desenvolvimento integral (total e universal): benefício e dever

O semanário Ecclesia, de 24 de março, insere um dossiê sobre a Encíclica Populorum Progressio (PP), de Paulo VI, cujo cinquentenário de publicação ocorreu a 26.

Desse dossiê, além dum texto da responsabilidade do editor, subordinado ao título “Papa Francisco, herdeiro da Populorum Progressio”, constam testemunhos de António Bagão Félix, antigo Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) e ex-Ministro da Segurança Social (de Durão Barroso) e das Finanças (de Santana Lopes), de Pedro Vaz Patto, Presidente da CNJP, Manuela Silva, antiga Secretária de Estado do Plano e Professora Jubilada do ISEG, da UL, Acácio F. Catarino, antigo Presidente da Cáritas Portuguesa, João José Fernandes, Diretor Executivo da Oikos – Cooperação e Desenvolvimento, e g.m.v, no  L’Osservatore Romano’.

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Francisco, primeiro Papa das Américas, tem assumido a grande influência de Paulo VI na sua vida. Por isso, o editor cita passagens da PP referidas no atual pontificado, que mostram a importância que o Papa reconhece ao referido texto de 1967.
Assim, na mensagem para o Dia Mundial das Migrações 2013, Montini enunciava assim as aspirações dos homens de hoje:
“Ser libertado da pobreza, ter garantido de modo seguro o próprio sustento, a saúde, o emprego estável, ter uma maior participação nas responsabilidades, fora de qualquer opressão e ser protegido de condições que ofendem a dignidade humana; poder desfrutar de uma educação melhor; numa palavra, fazer conhecer e ter mais, para ser mais” (PP, n.º 6).
Por isso, o desenvolvimento não se reduz ao mero crescimento económico, obtido, muitas vezes, sem tem em conta os mais fracos e indefesos.
Na Evangelii Gaudium, frisa-se que o Reino, que se antecipa e cresce em nós, abrange tudo, à luz do princípio de discernimento de Paulo VI sobre o verdadeiro desenvolvimento: “Todos os homens e o homem todo”. E, para falarmos dos direitos, devemos alongar mais o olhar, abrir os ouvidos ao clamor dos outros povos e de outras regiões do país e crescer numa solidariedade que leve todos os povos a “tornarem-se artífices do seu destino”. Ademais, a paz não se limita à ausência de guerra, fruto do equilíbrio precário das forças, mas constrói-se diariamente na busca da ordem querida por Deus, portadora duma justiça mais perfeita entre os homens. Paz que não surja como fruto do desenvolvimento integral de todos não tem futuro e será sempre semente de conflitos e formas variadas de violência.
Na mensagem para o Dia Mundial da Paz 2014, o Papa sustenta quea fraternidade é fundamento e caminho para a paz” e refere que as encíclicas sociais dos Predecessores, neste sentido, oferecem ajuda valiosa, exemplificando com as definições de paz da PP, de Paulo VI (segundo a qual o desenvolvimento integral dos povos é o novo nome da paz), e da Sollicitudo Rei Socialis, de João Paulo II (a paz como opus solidaritatis, fruto da solidariedade). Porém, o Papa Montini afirma que “tanto as pessoas como as nações se devem encontrar num espírito de fraternidade”.
Em seu discurso aos membros do corpo diplomático a 13 de janeiro de 2014, o Papa argentino recorda o conceito de paz acima exposto e diz que enforma o espírito que anima a ação da Igreja em todo o mundo, através dos sacerdotes, missionários, fiéis leigos que, com grande espírito de dedicação, se prodigalizam, além do mais, em múltiplas obras de índole educativa, sanitária e assistencial, ao serviço dos pobres, doentes, órfãos e quem quer que precise de ajuda e conforto.
Também em mensagem por ocasião da conferência sobre o impacto humanitário das armas nucleares, 2014, o Papa declara:
A paz deve ser construída sobre a justiça, o desenvolvimento socioeconómico, a liberdade, o respeito pelos direitos humanos fundamentais, a participação de todos nos assuntos públicos e a construção da confiança entre os povos. 
E, insistindo no axioma de Paulo VI do desenvolvimento como “o novo nome da paz”, conclui:
“É nossa responsabilidade tomar medidas concretas que promovam a paz e a segurança, permanecendo, porém, sempre atentos ao limite constituído por abordagens a curto prazo de problemas de segurança nacional e internacional”.
O discurso ao Conselho da Europa, em Estrasburgo, a 25 de novembro de 2014, fez-lhe dizer:
“O Beato Paulo VI definiu a Igreja ‘perita em humanidade’. No mundo, à imitação de Cristo, ela – apesar dos pecados dos seus filhos – nada mais procura que servir e dar testemunho da verdade. Nada mais, à exceção deste espírito, nos guia no apoio dado ao caminho da humanidade.”.
Na mensagem para o Dia Mundial da Paz 2015, citou Paulo VI para bradar ao mundo que “não há verdadeiro humanismo senão o aberto ao Absoluto, reconhecendo uma vocação que exprime a ideia exata do que é a vida humana”. E censura o lodaçal da indiferença:
“A indiferença para com o próximo assume diferentes fisionomias. Há quem esteja bem informado, ouça o rádio, leia os jornais ou veja programas de televisão, mas fá-lo de maneira entorpecida, quase numa condição de rendição: estas pessoas conhecem vagamente os dramas que afligem a humanidade, mas não se sentem envolvidas, não vivem a compaixão. Este é o comportamento de quem sabe, mas mantém o olhar, o pensamento e a ação voltados para si mesmo.”.
E, na Laudato Si’, manifesta a confiança nas capacidades do homem:
“Convém recordar sempre que o ser humano é ‘capaz de, por si próprio, ser o agente responsável do seu bem-estar material, progresso moral e desenvolvimento espiritual’. O trabalho deveria ser o âmbito deste multiforme desenvolvimento pessoal, onde estão em jogo muitas dimensões da vida: a criatividade, a projetação do futuro, o desenvolvimento das capacidades, a exercitação dos valores, a comunicação com os outros, uma atitude de adoração.”.
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Bagão Félix afirma que a ‘Populorum Progressio’ teve para si um impacto “muito grande” e muito o interessou como “estudante de economia e católico”, porque, como tema da política internacional, o tema do desenvolvimento dos povos era atual no seio das Nações Unidas. E explica, manuseando a sua primeira edição da PP em português e toda sublinhada:
“Eu tinha 18 anos quando saiu, estava no 2.º ano da Faculdade em Lisboa. Não havia praticamente máquinas de fotocópias ou muito pouco, não havia internet, mas havia estas edições.”.
Depois, atesta que o Papa “teve a coragem de o colocar [o tema do desenvolvimento] de maneira absolutamente clara, aliás na esteira da Doutrina Social da Igreja, que não é terceira via entre capitalismo e coletivismo, mas faz parte da Teologia Moral”. E considera que a proposta papal, por exemplo, para o regime português de António Salazar “era bastante fraturante”. Por outro lado, refere o contexto em que surgiu a Encíclica: com mais ou menos dificuldades, “com injustiças também muito notórias”, os países europeus, como França, Itália, Alemanha, descolonizaram “a bom gosto ou a mau gosto, ou contrafeitos”; e Portugal, para lá do Estado Português da Índia que tinha sido incluído na União Indiana, estava em guerra em África com os movimentos autonomistas nas colónias ultramarinas.
Neste contexto, Paulo VI logo no início da Encíclica faz a “clara distinção” entre colonização, “necessária no devir histórico”, e colonialismo, “doença da colonização”. Segundo Bagão Félix, documento de 1967 assinalava um tempo de “grande transformação no mundo”, particularmente em África com a independência de antigas colónias de vários países europeus, e vai ao encontro duma palavra-chave, a globalização, “curiosamente”, desenvolvida cerca de 50 anos depois por uma segunda ‘Populorum Pogressio’, a ‘Caritas In Veritate’, de Bento XVI. Realçando que “através dos títulos, percebemos a profunda atualidade que está enraizada nesta encíclica”, explica:
“Etimologicamente, ‘desenvolvimento’ é o contrário de envolvimento, “é desenvolvimento”, é libertação porque se está envolvido “numa malha, agrilhoados; e desenvolver é retirar essas marcas”.
Para Bagão Félix, aquando a publicação deste documento “não havia sequer” a noção do que hoje “anda nas bocas do mundo”, a globalização que, “ao contrário do que muita gente pensa não é o aumento das trocas comerciais”, mas a “erosão” da noção de tempo e de espaço nas relações económicas, culturais, mediáticas. Em 1967 não havia esta noção, mas existia um ponto “muito caro” à Doutrina Social da Igreja: “a destinação universal dos bens e da opção preferencial pelos últimos, os pobres, os mais desfavorecidos, no sentido não só económico mas a tal ideia de desenvolvimento”. Neste sentido, “Paulo VI foi visionário até do ponto de vista mais económico, da ciência económica”.
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Pedro Vaz Patto sustenta que celebrar o 50.º aniversário da PP tem significado particular para as comissões Justiça e Paz, pois a Encíclica anuncia a criação da estrutura que deu origem ao Pontifício Conselho da Justiça e da Paz (ora componente do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral) e, subsequentemente, às comissões Justiça e Paz nacionais e diocesanas.
Sobre a relevância e atualidade da PP, destaca a noção de desenvolvimento humano integral (o nome do referido dicastério), que explicita como o desenvolvimento de todos os homens e do homem todo. É ir ao encontro da aspiração a realizarconhecer e possuir mais, para ser mais. O crescimento económico só é positivo quando é instrumento para ser mais. O desenvolvimento, pessoal e comunitário é um dever que corresponde aos desígnios de Deus e pressupõe abertura ao Absoluto, porque “o homem pode organizar a terra sem Deus, mas sem Deus só a pode organizar contra o homem” (n.º 42). Esta noção de desenvolvimento foi retomada e aprofundada posteriormente na Caritas in Veritate e na Laudato Sì.
Continua evidente que o crescimento económico não gera, por si, o desenvolvimento humano integral. E é mais clara a noção de que dele faz parte o equilíbrio ecológico, sendo de relevar o valor do desenvolvimento humano, contra o ecologismo radical, que parece pô-lo em causa.
A confiança acrítica nas regras do mercado (que tem virtualidades) não leva ao desenvolvimento de todos os homens e gera desigualdades e injustiças. Isto, que era evidente há 50 anos, continua a sê-lo hoje (com as desigualdades a acentuarem-se como nunca, apesar da diminuição da pobreza absoluta).
E a PP reafirmou o princípio do destino universal  dos bens, ao qual devem subordinar-se os direitos de propriedade e de comércio livre. Por isso, segundo a Encíclica,
O supérfluo dos países ricos deve pôr-se ao serviço dos países pobres e a regra que existia outrora em favor dos mais próximos deve aplicar-se hoje à totalidade dos necessitados do mundo inteiro” (n.º 49).
Paulo VI resistiu à influência das teses neomalthusianas da redução  demográfica sem limites éticos, o que se revela plenamente justificado nesta época de “inverno demográfico” e quando o próprio governo chinês se apercebe dos malefícios da política do filho único. E é inteiramente atual a referência ao diálogo de civilizações:  “entre as civilizações como entre as pessoas, o diálogo sincero torna-se criador de fraternidade” (n.º 73). E, num tempo de “guerra mundial aos pedaços”, é pertinente a ideia da PP: “o desenvolvimento é o novo nome da paz” (n.º 76).
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Manuela Silva sublinha as profundas mudanças, registadas desde a publicação da PP, na sociedade, na economia, na tecnologia, na cultura; os progressos na corrida espacial; as ameaças e riscos inesperados; os novos desafios no domínio da geoestratégia política; etc… Todavia, reconhece que, ao revisitar a PP, se descobre a sua manifesta relevância e atualidade. Assim, aconselha a que, individualmente e em pequenos círculos de reflexão, “se aproveite a celebração do 50.º aniversário da sua publicação para uma leitura atenta e responsabilizante”; e deixa umas três notas com “o propósito de suscitar um maior desejo de aprofundar esta encíclica de Paulo VI”, que surge “em grande sintonia com a doutrina consagrada no Concílio Vaticano II”.
- Antes de mais, realça o conceito de desenvolvimento integral
O desenvolvimento não se reduz a um simples crescimento económico. Para ser autêntico, deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo. (…) O que conta para nós é o homem, cada homem, cada grupo de homens, até se chegar à humanidade inteira.”.
Subjacentes a este conceito estão, a seu ver, duas traves mestras: a centralidade da pessoa humana (o homem todo) e a humanidade inteira (todos os homens) como o sujeito destinatário do desenvolvimento. (…). Assim, o desenvolvimento integral do ser humano não pode realizar-se sem o desenvolvimento solidário da Humanidade.
- Depois, faz ressaltar o contributo dos cristãos e das comunidades eclesiais. Na verdade, a vocação cristã de presença no mundo tem de concretizar-se em iniciativas coletivas inovadoras inspiradas no Evangelho e na busca de um desenvolvimento integral, “que hoje adjetivamos também de humano e sustentável”. Aqui, as comunidades eclesiais (religiosas, paroquiais e outras) devem cuidar deste desafio, “a começar pela séria revisão dos modos de gestão das obras sociais em que estão envolvidas”. Com efeito, “os espaços eclesiais devem ser um lugar em que se faz ouvir a voz dos pobres e se presta atenção ao seu clamor”.
- Também a tarefa de transpor a doutrina da PP para a atualidade conduz à identificação de novos desafios, entre os quais, se destacam:
O “modelo económico e financeiro que, privilegiando o lucro a qualquer preço, gera exclusão e potencia danos ecológicos irreparáveis” (esta economia mata, denuncia Francisco); o “rumo da ciência e da técnica cujos progressos não se dirigem prioritariamente, como seria devido, para a satisfação de necessidades reais, sobretudo dos mais carenciados e vulneráveis”, mas “subverte valores fundamentais”; as “desigualdades de riqueza e de rendimento que se acumulam a ritmo vertiginoso e atingem níveis tais que estão a pôr em risco a coesão social e a democracia”; os “múltiplos contornos da crise de sustentabilidade ecológica”; a “problemática do acolhimento de migrantes e refugiados”; as “intoleráveis situações de guerra aos pedaços, de terrorismos vários e de escalada de armamento”, etc..
E termina com palavras de Paulo VI, oportunas e responsabilizantes:
(…) Cada homem é membro da sociedade: pertence à humanidade inteira. Não é apenas tal ou tal homem; são todos os homens que são chamados a este pleno desenvolvimento. (…) Herdeiros das gerações passadas e beneficiários do trabalho dos nossos contemporâneos, temos obrigações para com todos, e não podemos desinteressar-nos dos que virão depois de nós aumentar o círculo da família humana. A solidariedade universal é para nós não só um facto e um benefício, mas também um dever.
Na verdade, o desenvolvimento integral é um benefício e um dever.
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Segundo Acácio Catarino, a PP “acha-se bem marcada pela inovação conciliar”, em especial pela Gaudium et Spes. “Amplamente difundida, profundamente estudada”, teve continuidade e atualizações pontifícias em mais duas encíclicas, publicadas no 20.º aniversário e no 42.º: a Sollicitudo Rei Socialis (SRS), de João Paulo II; e a Caritas in Veritate (CV), de Bento XVI. Também Francisco deu sequência à PP, sobretudo na exortação apostólica Evangelii Gaudium (EG), em 2013, e na encíclica Laudato Si` (LS), em 2015.
Apesar da repercussão da PP, a sua mensagem fundamental não foi assumida pela generalidade dos cristãos: na verdade, “ela convidava à assunção e à prática do desenvolvimento integral” e “considerava indispensável o papel dos leigos  na renovação da ordem temporal” – o que exige que a ação socioeclesial não se limite à assistência e à prestação de serviços sociais,  mas integre “a vertente económica e todas as outras dimensões do desenvolvimento”. E o papel dos cristãos leigos, na renovação da ordem temporal, postula que a assumam como “tarefa própria”,  através de “livres iniciativas e sem esperar passivamente ordens e diretrizes” (...) da “hierarquia” (n.º 81). Ora, se os leigos se comprometeram (individualmente e em grupo) com o desenvolvimento na atividade pessoal, familiar, profissional, cultural, social, política e outras, esqueceram-se de:
- Assumir e animar, no interior da Igreja, as responsabilidades pelo desenvolvimento integral, em pluralismo, diálogo e comunhão; participar ativamente no desenvolvimento local, atribuindo prioridade às situações de carência mais grave; articular o desenvolvimento local, o regional, o nacional e o mundial; contribuir para a transformação do sistema capitalista; e preservar a dimensão transcendente, eterna, do desenvolvimento integral.
A PP cita, no n.º 14, o dominicano L.-J. Lebret, que percebeu o papel da laicalidade inserida na ordem temporal e que, liderando (e participando em)  programas de desenvolvimento em vários países, legou a herança de teorização e de práticas, largamente participadas, e abriu caminhos que interpelam e estimulam a procurar atualizá-los e complementá-los em cada dia e situação.
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Para José João Fernandes, a PP propõe o Desenvolvimento Integral como Condição da Paz.

Surgindo duas décadas após a conclusão da II Guerra Mundial, da fundação das Nações Unidas (1945) e da aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), encontra o mundo dividido – uma estrutura bipolar que separava “dois blocos ideológicos” e um “processo de descolonização” que revelava já “a desigualdade económica promovida por um comércio internacional que privilegiava os países industrializados em detrimento dos países produtores de matérias-primas”.
Face a tal cenário, Paulo VI assume que a Igreja pretende oferecer o que “possui como próprio: uma visão global do homem e da humanidade” (n.º 13). E, nesta linha, aborda a questão social na sua dimensão internacional, propondo o “desenvolvimento integral e solidário como concretização do princípio do Bem Comum”. Na tradição aristotélico-tomista, o “Bem Comum” é o fim da comunidade e é, antes de mais, “autêntico bem”, correlativo à natureza humana e a todos os membros da comunidade. “Bem”, porque enriquece todos os seres humanos ao facilitar o desenvolvimento integral; e “comum”, porque “pode e deve ser procurado por todos, constituindo-se numa espécie de “produto social” destinado a ser participado por todos. 50 anos depois, somos interpelados a orientar a nossa ação, não em função do crescimento do produto interno bruto (PIB), mas deste “produto social”, devido a todos os seres humanos.
A grande novidade de Paulo VI é “o alargamento da responsabilidade dos poderes públicos da esfera nacional para a esfera internacional”. A PP acentua a importância dos acordos e convenções internacionais (n.os 61, 77) e vai mais longe, insistindo na construção de “uma nova ordem política mundial”. Com efeito, a cooperação internacional
“Exige instituições que a preparem, a coordenem, a orientem até que constitua uma ordem jurídica universalmente reconhecida (…) Quem não vê a necessidade de alcançar progressivamente a instauração de uma autoridade mundial, que possa atuar eficazmente no terreno jurídico e no da política?” (n.º 78).
Agora, aos problemas da paz e do risco de conflitos nucleares (ex: a península coreana), da pobreza e desigualdade, somam-se os riscos ambientais e das alterações climáticas, os migrantes e refugiados, o terrorismo, as violações dos mais elementares direitos humanos. E nenhum tem solução satisfatória na ação individual dos cidadãos ou dos Estados. Daí, a necessidade de instituições internacionais capazes de facilitar a governabilidade e o bem comum à escala global; daí, a urgência de reforma das Nações Unidas e a sua democratização.
O conceito de desenvolvimento de Paulo VI foi retomado pelos sucessivos Papas, em especial Bento XVI, na encíclica Caritas in Veritate (CV), no n.º 8, refere a intenção de “homenagear, retomar e atualizar os ensinamentos da Populorum Progressio” sobre o desenvolvimento humano integral. E, falando da caridade, Bento XVI avisa que esta “não é só o princípio das microrrelações, como as amizades, a família, o pequeno grupo, mas também as macrorrelações, como as relações sociais, económicas e políticas” (n.º 2). A esta luz, poderemos dizer “que não trabalha na promoção da paz quem se remete a uma caridade particular, de microrrelações, ignorando a necessidade de atuar, com justiça, sobre as condições sociais, económicas e políticas”.
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Já o artigo do L’Osservatore Romano’, acima referido, nos refere a PP como a Encíclica esquecida, como o seu autor. Porém, a Encíclica, da Páscoa de 1967, “suscitou no mundo um enorme clamor”, igualável aos contrastes que fez surgir, um ano e meio depois, “a Humanae vitae para o controlo natural dos nascimentos”. E foi sobre estes dois documentos que incidiu o solene balanço do Pontificado feito pelo próprio Montini a 29 de junho de 1978, segundo ele, quando “o decurso natural da nossa vida chega ao ocaso” (faleceu 40 dias mais tarde).
Nesse balanço, o Pontífice – tão distante no tempo como a PP – declarou que estas duas encíclicas pretendiam defender a vida humana “ameaçada, perturbada ou até suprimida”: uma escolha definida pelo Papa como “imprescindível no quadro do seu ensinamento para servir a verdade”. Logo a seguir ao Concílio, nova tomada de consciência das exigências da mensagem evangélica impôs que a Igreja se colocasse de outro modo ao serviço dos homens.  
Como sucede recorrentemente na tradição cristã, “antigo e novo misturam-se na Populorum progressio”, texto evangélico na sua raiz, mas que “sabe unir com eficácia, num olhar clarividente, a experiência pessoal de Montini, contributos do pensamento contemporâneo, o ensinamento social dos Papas e a visão de antigos autores cristãos”. Com efeito, segundo Ambrósio, o santo bispo de Milão citado na Encíclica, “a terra é dada a todos, e não apenas aos ricos”. O mesmo prelado esclarece que o direito de propriedade nunca deve danificar a utilidade comum. Esta é a doutrina tradicional dos Padres da Igreja e dos grandes teólogos!
O texto, concebido e amadurecido no início dos anos 60, vê com lucidez, que a questão social não é mera questão moral, mas tem uma dimensão mundial. O Papa menciona explicitamente as viagens feitas à América Latina e à África como cardeal e à Terra Santa, à Índia e a Nova Iorque, à sede da ONU, como sucessor de Pedro, que escolheu o nome de Paulo para explicar uma das afirmações mais incisivas da Encíclica – “Os povos da fome interpelam hoje de maneira dramática os povos da opulência” – e se declarar “advogado dos povos pobres”.
Meio século depois, a visão de Montini, em suas linhas gerais e na sua diagnose dramática e radical, permanece válida:
“O mundo está doente. O seu mal reside menos na delapidação dos recursos ou no seu açambarcamento por parte de alguns do que na falta de fraternidade entre os homens e entre os povos.”.
Francisco repete-o incansavelmente – mesmo incompreendido por muitos – reavivando a memória de Paulo VI, o que poucos notam.
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Que estes diversificados testemunhos, mas convergentes na temática do desenvolvimento integral, induzam uma profícua releitura da Encíclica com vista à reflexão/ação/reflexão.

2017.03.27 – Louro de Carvalho