quinta-feira, 9 de março de 2017

Dia Internacional da Mulher 2017

É verdade que não se devia ter necessidade de celebrar o Dia Internacional da Mulher. Não devia topar-se motivo para celebrar num dia a condição feminina, uma condição humana tão similar da do homem (varão) – igualdade na diferença – na complementaridade solidária. Mas não podemos ser hipócritas: temos que ler a História, a Sociedade e a Política.
Por motivos que o bom senso não percebe, muitos varões deliberaram que a mulher era inferior. E esta ideia propagou-se por toda a Terra e galgou séculos e milénios de tal modo que ainda há energúmenos – como Donald Trump, Temer, um eurodeputado polaco ou o Jorge Máximo (é de recordar o caso da UBER) – que acham que as mulheres não passam de objetos de uso e descarte, excelentes no supermercado ou, ao menos, seres menos capazes de discernimento e de trabalho, merecedoras de menores salários ou que são como as leis e servem para ser violadas.
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A Ministra da Justiça de Portugal recordou ontem, Dia Internacional da Mulher, uma listagem das exigências que se faziam durante o regime anterior à revolução abrilina.
Na verdade, em sessão presidida pelo Presidente da República, Francisca Van Dunem referiu que a reforma do direito da família, preparada por um grupo de trabalho presidido por Isabel Magalhães Colaço e concluída há 40 anos, “operou uma alteração radical no enquadramento jurídico do matrimónio, da filiação e da adoção, eliminando da ordem jurídica todos os condicionamentos à capacidade civil da mulher”.
Com efeito, em 1974, apenas 25% dos trabalhadores eram mulheres, só 19% trabalhavam fora de casa (86% eram solteiras e 50% tinham menos de 24 anos); ganhavam menos cerca de 40% que os homens. A lei do contrato individual do trabalho permitia que o marido proibisse a mulher de trabalhar fora de casa. A mulher não podia exercer o comércio sem autorização do marido. E, se ela exercesse atividades lucrativas sem a concordância do marido, ele podia rescindir o contrato.
A mulher não tinha acesso às seguintes carreiras: magistratura, diplomacia, instituição militar e polícia (mais tarde passou a poder ingressar na PSP); e tinha dificuldade em ingressar noutras como a medicina, a engenharia e a arquitetura. Certas profissões (por ex., enfermeira, hospedeira do ar) implicavam a limitação de direitos, como o direito de casar; e uma professora primária só podia casar com autorização do Ministro da Educação Nacional, que era concedida se o futuro cônjuge tivesse um perfil social e económico compatível e garantisse meios de subsistência à família.
O único modelo de família aceite era o resultante do contrato de casamento. A idade do casamento era de 16 anos para o homem e 14 anos para a mulher. A mulher, face ao Código Civil, podia ser repudiada pelo marido no caso de não ser virgem na altura do casamento. O casamento católico era indissolúvel (os casais constituídos sob esta modalidade depois de 1940 não se podiam divorciar civilmente). A família era dominada pela figura do chefe de família, que detinha o poder marital e paternal. Salvo casos excecionais, o chefe de família era o administrador dos bens comuns do casal, dos bens próprios da mulher e bens dos filhos menores. O Código Civil determinava que “pertence à mulher durante a vida em comum, o governo doméstico”.
Fazia-se a distinção entre filhos legítimos e ilegítimos (nascidos dentro e fora do casamento): os direitos de uns e outros eram diferentes. As mães solteiras não tinham qualquer proteção legal. A mulher tinha legalmente o domicílio do marido e era obrigada a residir com ele. O marido tinha o direito de abrir a correspondência da mulher. Se o marido matasse a mulher em flagrante adultério (ou a filha em flagrante corrupção), era apenas passível de um desterro de seis meses. Até 1969, a mulher não podia viajar para o estrangeiro sem autorização do marido.
Era proibida a publicidade dos contracetivos. Os médicos da Previdência Social não estavam autorizados a receitar contracetivos orais, a não ser a título terapêutico. E a mulher não tinha o direito de tomar contracetivos contra a vontade do marido, sob pena de este poder invocar o facto para fundamentar o pedido de divórcio ou a separação judicial de pessoa e bens.
O aborto era punido em qualquer circunstância, com pena de prisão de 2 a 8 anos. Estimavam-se os abortos clandestinos em 100 mil/ano, sendo esta a terceira causa de morte materna.
Cerca de 43% dos partos ocorriam em casa, 17% dos quais sem assistência médica; e alguns distritos não tinham maternidade.
Assim, nas palavras da Ministra, a reforma de 1977 foi uma reforma que “selou a igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, acolhendo uma regra de consenso conjugal e de direção conjunta dos assuntos da família”, suprimindo a figura do “chefe de família” e pondo termo legal ao instituto do poder marital. E acentuou:
“Isso repercutiu-se, nomeadamente, na disciplina atinente à administração dos bens, que até então pertencia ao marido, na sua qualidade chefe de família, incluindo, sublinhe-se, a administração dos bens próprios da mulher”.
Foi também fixada a idade núbil aos 16 anos para os indivíduos dos dois sexos, elevando em dois anos a idade da mulher, a fim de garantir a igualdade formal e, sobretudo, para assegurar a maturidade psíquica e maior espaço para a formação e profissionalização. Paralelamente, foi suprimido regime dotal e voltou a ser objeto de revisão em 1977 a disciplina do divórcio e da separação judicial das pessoas e bens, que fora alterada em 1976, facilitando-se o divórcio por mútuo consentimento, independentemente da idade dos cônjuges.
A governante aludiu ainda ao avanço obtido na revisão com o princípio da não discriminação entre filhos nascidos no matrimónio e fora dele e a possibilidade de estabelecimento da filiação da mãe, a partir do nascimento, independentemente de ser casada ou não. E frisou:
“Estas grandes inovações, ousadas em 1977, tornaram-se `ius commune´ (direito comum), provando o sucesso desta Reforma, empreendida por visionários a quem as gerações seguintes devem o merecido aplauso, e reconhecimento”.
Na cerimónia, o Chefe de Estado condecorou quatro juristas que contribuíram para a revisão do Código Civil em 1977, que estabeleceu a igualdade entre homem e mulher no direito da família. Foram eles Francisco Pereira Coelho, que não pôde estar presente, e, a título póstumo, António de Almeida Santos, Isabel de Magalhães Collaço e Maria da Nazareth Lobato Guimarães.
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Este é o aspeto positivo da evolução da condição da mulher em parceria igualitária com o homem. Mas há muito caminho a percorrer. Se há mais mulheres que homens na educação e ensino, na justiça e advocacia e mesmo na medicina – elas têm ainda mais dificuldade que os homens em ascender ao topo, nomeadamente na administração e gestão. Há 4 empresas no PSI 20 sem mulheres na administração, situação que tem de mudar a partir de 1 de janeiro de 2008. A lei exigirá que as empresas cotadas (na bolsa) tenham 20% de mulheres nas administrações – o que agora só a Corticeira Amorim e a Sonae GPS cumprem. Em 2020, a fasquia aumenta para os 33,3%.
A nível da governação, o panorama não é famoso no atinente à participação das mulheres. Assim, Ana Vitorino, Ministra do Mar, diz que é a segunda vez que chega ao Governo (em 2005, ficou com a pastas dos Transportes), sendo que as áreas que lhe foi dado gerir eram um deserto em dirigentes do sexo feminino, mas garante que por onde passa tenta obter, pelo menos um terço de mulheres nas administrações.
Mas pior do que isto, em termos médios, para conseguirem igualar o salário dos homens, as mulheres teriam de trabalhar 61 dias por ano a mais. Muitas mulheres, para acederem a cargos de administração, têm de mostrar competências excecionais e fazer esforços titânicos. Por outro lado, muitas para fazerem valer o mérito do exercício de cargos mimetizam os homens no que eles têm de menos recomendável e, muitas vezes, a igualdade de direitos e oportunidades traz à mulher uma sobrecarga de trabalhos na articulação entre a profissão e a vida familiar.
Se olharmos para o panorama internacional, a situação também não é famosa. No G20, o clube dos poderosos, só figuram a alemã Merkel e a britânica May, tendo a derrota de Hillary nos EUA constituído um rude golpe para as mulheres na política mundial. É de relevar que no G20 se encontra a Arábia Saudita onde as mulheres nem sequer podem conduzir.
A nível mundial, há atualmente apenas 6 primeiras-ministras, sendo que a Merkel (alemã), que está há mais anos no poder, se seguem Sheikh Hasina (Bangladesh), Erna Solberg (Noruega), Saara Kuugongelwa-Amadhila (Namíbia), Beata Szydlo (Polónia) e Theresa May (Reino Unido); e são uma dúzia as mulheres Presidentes da República – Kolinda Grabar-Kitarovic (Croácia), Ellen Johnson Sirleaf (Libéria), Marie Louise Coleiro Preca (Malta), Michelle Bachelet (Chile), Atifete Jahjaga (Kosovo), Dalia Grybauskaite (Lituânia), Laimdota Straujuma (Letónia), Ewa kopacz (Polónia), Ameenah Gurib (Maurícia), Hilda Cathy Heine (Ilhas Marshall), Kersti Kaljulaid (Estónia) e Tsai Ing-wen (Taiwan).Por outro lado, continuam os costumes mortais contra as mulheres em vários países, questões da burka e burkini, excisão feminina, exploração sexual, tráfico de mulheres e trabalho escravo feminino. A Rússia regrediu na legislação sobre a violência doméstica – violência doméstica no feminino que se torna flagelo social em muitos países, nos quais se inclui Portugal.***Enquanto se evoca o sofrimento das mulheres pioneiras dos direitos das mulheres nos Estados Unidos (28 de fevereiro 1909) ou na Rússia (23 de fevereiro de 1917), talvez seja oportuno escutar, em ano de centenário fatimita, a postuladora da causa de canonização dos beatos Francisco Marto e Jacinta Marto, que aponta Nossa Senhora e a Irmã Lúcia como as “duas grandes figuras femininas da Mensagem de Fátima”, que traduz o Evangelho de uma “forma materna”. A Irmã Ângela Coelho sustenta que a Mensagem de Fátima revela  “uma forma materna” de exprimir as “verdades do Evangelho”, traduzida também nas expressões que a Virgem diz a Lúcia  ‘não tenhas medo, eu nunca te deixarei’, ou ‘o meu coração será o teu refúgio. E assegura que Lúcia revela nos seus escritos que não é indiferente à valorização que a Igreja fez da mulher no Concílio Vaticano II e também “ao atribuir o título de doutora da Igreja à reformadora do Carmelo Teresa de Ávila”. Com efeito, Ângela Coelho refere:
Talvez ao Dia Internacional da Mulher faça bem a reflexão sobre a dimensão espiritual, antropológica e cósmica da mulher e do seu papel no cuidado do Planeta como a Casa Comum.
“A Irmã Lúcia vibra nos seus escritos quando Paulo VI atribuiu o título de doutora da Igreja a Santa Teresa de Ávila por perceber que a mulher tem a missão dentro da Igreja, pela participação do sacerdócio comum dos fiéis, pelo batismo, de anunciar o Evangelho, a Boa Nova”.

2017.03.09 – Louro de Carvalho

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