terça-feira, 21 de março de 2017

Pedido afastamento do ignóbil Presidente do Eurogrupo


Numa entrevista ao jornal alemão “Frankfurter Allgemeine Zeitung”, publicada no passado dia 19, domingo, Jeroen Djisselbloem afirmou: “Como socialdemocrata, considero a solidariedade um valor extremamente importante. Mas também temos obrigações. Não se pode gastar todo o dinheiro em mulheres e álcool e, depois, pedir ajuda.”.
A declaração do ainda Ministro das Finanças holandês surge na sequência de um comentário sobre a forma como a Europa lidou com a crise, porfiando que, na crise do Euro, os países do norte da Europa se mostraram solidários com os países afetados pela crise.
Obviamente que o Presidente do Eurogrupo não falou expressamente dos países do sul da Europa, mas, como é bom de ver, não estava a referir-se a outros, pois esses é que passaram por programas de resgate problemáticos.
O Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Augusto Santos Silva, considerando que aquelas “são declarações muito infelizes e, do ponto de vista português, absolutamente inaceitáveis”, pediu o afastamento do presidente do Eurogrupo, declarando a partir de Washington, nos Estados Unidos, onde se encontrava:
“Hoje, no Parlamento Europeu, muita gente entende que o Presidente do Eurogrupo não tem condições para permanecer à frente do Eurogrupo e o Governo português partilha dessa opinião”.
Mais adiantou, na sua declaração condenatória:
“Há, por um lado, o aspeto de uma graçola que usa termos que hoje já não são concebíveis, [pois] essa ideia de gente que anda a gastar dinheiro com vinho e mulheres é uma forma de expressão que, com toda a certeza, não é própria de um Ministro das Finanças europeu”.
Depois, apontando-lhe ignorância em relação ao que se tem passado na Europa, perorou:
“Pelos vistos, o Presidente do Eurogrupo continua, passados estes anos todos, sem compreender o que verdadeiramente se passou. O que se passou com países como Portugal, Espanha ou Irlanda não foi termos gasto dinheiro a mais. O que aconteceu foi que nós, como outros países vulneráveis, sofremos os efeitos negativos da maior crise mundial desde os tempos da grande depressão e as consequências de a Europa e a sua união económica e monetária não estar suficientemente habilitada com os instrumentos que nos permitissem responder a todos aos choques que enfrentamos.”.
A sustentar que Djisselbloem não tem nenhumas condições para permanecer a frente do Eurogrupo, aduziu:
“Quem pensa assim pensa erradamente e infelizmente o Presidente do Eurogrupo já nos habituou demasiado a ver erradamente as coisas e a ver menos do que devia, ou mesmo desvalorizar, o esforço que os países estão a fazer”.
E, assegurando que o ajustamento português se fizera à custa de muitos sacrifícios do povo, suportados com uma resiliência e resistência deveras assinaláveis, exortou:
“Devemos valorizar o esforço dos países que conseguiram ultrapassar a crise e não estar a desprezá-los. Com toda a franqueza, é uma coisa que não fica bem a ninguém.”.
Com efeito, se dúvidas havia sobre se o Primeiro-Ministro holandês deveria manter Dijsselbloem como Ministro das Finanças no Governo a formar na sequência das recentes eleições legislativas – apesar de o seu partido haver sofrido uma rotunda derrota (passou de 38 deputados para 9) – e se os países da zona Euro deviam mantê-lo no lugar de Presidente do Eurogrupo, obviamente que também para mim se torna claro que o dito senhor não merece nada, muito menos ser ouvido nos areópagos internacionais. Nem se gasta, nos países do sul, todo o dinheiro em mulheres e copos, nem se fica com ressaca depois da bebida. Aliás, cidadãos e cidadãs dos países do norte não se ficam atrás no álcool em relação aos dos países do sul, pelo menos quando estão entre nós.  
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Por seu turno, o Partido Socialista português denuncia as palavras de Jeroen Dijsselbloem como “ofensivas e até xenófobas”, mas sobretudo contrárias aos valores fundamentais do projeto europeu. E fá-lo através de carta enviada ao presidente do Partido Socialista Europeu (PES), onde reage energicamente  às declarações do Presidente do Eurogrupo, que atingem Portugal. Nessa carta escrita em inglês e assinada pela secretária-geral adjunta do PS e deputada na Assembleia da República, Ana Catarina Mendes, o PS dirige-se a Sergei Stanishev, Presidente do Partido Socialista Europeu, classificando de inoportunas e “ultrajantes” as declarações do Presidente do Eurogrupo sobre Portugal e apelando a uma “forte condenação” [das mesmas] por parte da família socialista europeia.
Também um comunicado que se pode ler na página de Internet do Partido Socialista assegura que os termos utilizados pelo Presidente do Eurogrupo são contrários “aos princípios fundamentais do projeto europeu e não podem ser toleradas por nenhuma força política europeia, especialmente pela família socialista europeia”. E, como o Presidente do Eurogrupo há muito que vem fazendo declarações que atacam a união e a solidariedade dos Estados-membros da União Europeia e hoje ficou claro para todos que não tem condições nem está à altura do importante cargo que desempenha”, o mesmo comunicado entende que o “Partido Socialista Europeu e todos os seus partidos membros devem distanciar-se das declarações de Jeroen Dijsselbloem e deve ser retirado qualquer apoio político à sua recandidatura a Presidente do Eurogrupo”.
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O líder parlamentar do PS e Presidente do mesmo Partido também reagiu com dureza às polémicas declarações do Presidente do Eurogrupo de hoje, dia 21 de março. Mas não só ele. PS e BE vão apresentar votos de protesto no Parlamento contra Dijsselbloem.
De facto, o líder parlamentar do PS atacou fortemente Dijsselbloem, em declarações ao Observador, afirmando que “este é o tipo de criatura que não faz falta na União Europeia”. O PS vai apresentar um voto de condenação, bem como o Bloco de Esquerda, mas exigindo um pedido de desculpa ao Governo holandês que está em funções e em que Dijsselbloem é ainda Ministro das Finanças.
Com a exigência de que seja o Governo, e não só Dijsselbloem, a pedir desculpas, os socialistas querem elevar este incidente ao nível de incidente diplomático. Se é verdade que Jeroen Dijsselbloem não se refere diretamente aos países do sul da Europa, também o é que se refere aos países que exigem solidariedade e que essa exigência e essa solidariedade têm vindo sobretudo dos países do sul.
Também o Bloco de Esquerda fez questão de condenar as declarações do responsável holandês e europeu e vai apresentar um voto na Assembleia da República nesse sentido, contra as palavras que Jeroen Dijsselbloem não só mantém, como diz que não são infelizes.
A este respeito, a deputada do Bloco de Esquerda Isabel Pires refere que “as declarações que fez são absolutamente inaceitáveis pelo grau de preconceito que demonstram, de racismo, de xenofobia, de sexismo também”.
Confrontada com as explicações de Dijsselbloem sobre os destinatários da mensagem – que eram afinal todos os países da zona euro e não apenas os países do sul – a deputada afirmou que isso não invalida que “as declarações foram feitas” e que estas “têm um objetivo, como aliás as políticas que o próprio Eurogrupo enquanto ele o liderou sempre teve”. Com efeito, foram os países do sul que foram mais abrangidos pelas políticas de austeridade. O povo português sabe bem aquilo que sofreu com as políticas da troika, muito impulsionadas pelo Presidente do Eurogrupo, pelo que, em nome do seu Partido, Isabel Pires entende que são ainda assim inaceitáveis e que “a Assembleia da República deve repudiar estas declarações e exigir que se retrate dessas declarações”.
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Também já hoje, o Presidente do Eurogrupo foi confrontado com as suas declarações na entrevista pelo eurodeputado espanhol, Ernest Urtasun, que considerou “infeliz” o comentário. E justificou-se nos termos seguintes:
“O meu objetivo foi deixar claro o que significa a solidariedade para mim. Sou um socialdemocrata e dou valor à solidariedade na sociedade e na Europa, mas esta deve estar sempre aliada ao compromisso e fazer o máximo possível para que o indivíduo ou os países se fortaleçam também em termos socioeconómicos. É preciso assumir a responsabilidade. Se todo o esforço for feito e toda a responsabilidade assumida, então a solidariedade deve estar sempre disponível. Esse era o meu argumento.”.
Porem, o eurodeputado espanhol voltou a insistir nas declarações, questionando o Presidente do Eurogrupo para saber se estava arrependido. Dijsselbloem disse redondamente que não e ainda resolveu recalcitrar:
“Espanta-me que essas declarações tenham sido espalhadas pela imprensa espanhola por esse prisma. O que deixei muito explícito é que a solidariedade deve vir com responsabilidade e um forte compromisso. Não precisa de ler as minhas palavras, porque sei bem o que disse. Essas palavras saíram desta boca, não é preciso ler-mas.”.
Dijsselbloem está enganado. Não foi só a imprensa espanhola que veiculou as suas declarações. Elas não passaram ao lado das principais figuras do panorama político e europeu. E, obviamente, os internautas também reagiram. Além das reações oficiais, também existem as muitas reações da web, com várias montagens dirigidas ao Presidente do Eurogrupo. O destaque, entre nós, vai para a conta de Twitter portuguesa Insónias em Carvão, mas de outros lados apareceram também várias respostas e algumas contundentes.
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Socialdemocratas destes dispensam-se. Por mim, entendo que estas figuras públicas devem medir as consequências do que dizem à Comunicação Social. O respeito é uma caraterística a exigir a um ocupante de cargo de relevo público, sobretudo internacional, já que podem as suas palavras ferir suscetibilidades e gerar incidentes diplomáticos, sem necessidade. Porém, nalguns casos, as palavras têm subjacente uma ideologia ou uma mentalidade, no mínimo de emulação.
E não precisávamos de um sósia socialdemocrata de Wolfgang Schäuble! 

2017.03.21 – Louro de Carvalho

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