Numa entrevista ao jornal alemão “Frankfurter
Allgemeine Zeitung”, publicada no passado dia 19, domingo, Jeroen
Djisselbloem afirmou: “Como socialdemocrata, considero a solidariedade um valor
extremamente importante. Mas também temos obrigações. Não se pode gastar todo o
dinheiro em mulheres e álcool e, depois, pedir ajuda.”.
A declaração
do ainda Ministro das Finanças holandês surge na sequência de um comentário
sobre a forma como a Europa lidou com a crise, porfiando que, na crise do Euro,
os países do norte da Europa se mostraram solidários com os países afetados
pela crise.
Obviamente que o Presidente do Eurogrupo não falou expressamente dos países
do sul da Europa, mas, como é bom de ver, não estava a referir-se a outros,
pois esses é que passaram por programas de resgate problemáticos.
O Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Augusto Santos
Silva, considerando
que aquelas “são declarações muito
infelizes e, do ponto de vista português, absolutamente inaceitáveis”, pediu
o afastamento do presidente do Eurogrupo, declarando a partir de Washington, nos Estados Unidos, onde se
encontrava:
“Hoje, no Parlamento Europeu, muita gente
entende que o Presidente do Eurogrupo não tem condições para permanecer à
frente do Eurogrupo e o Governo português partilha dessa opinião”.
Mais adiantou, na sua declaração condenatória:
“Há, por um lado, o aspeto de uma graçola que
usa termos que hoje já não são concebíveis, [pois] essa ideia de gente que anda
a gastar dinheiro com vinho e mulheres é uma forma de expressão que, com toda a
certeza, não é própria de um Ministro das Finanças europeu”.
Depois, apontando-lhe ignorância em relação ao que se tem passado na
Europa, perorou:
“Pelos vistos, o Presidente do Eurogrupo
continua, passados estes anos todos, sem compreender o que verdadeiramente se
passou. O que se passou com países como Portugal, Espanha ou Irlanda não foi
termos gasto dinheiro a mais. O que aconteceu foi que nós, como outros países
vulneráveis, sofremos os efeitos negativos da maior crise mundial desde os
tempos da grande depressão e as consequências de a Europa e a sua união
económica e monetária não estar suficientemente habilitada com os instrumentos
que nos permitissem responder a todos aos choques que enfrentamos.”.
A sustentar que Djisselbloem não tem nenhumas condições para permanecer a frente do
Eurogrupo, aduziu:
“Quem pensa assim pensa erradamente e
infelizmente o Presidente do Eurogrupo já nos habituou demasiado a ver
erradamente as coisas e a ver menos do que devia, ou mesmo desvalorizar, o esforço
que os países estão a fazer”.
E, assegurando que
o ajustamento português se fizera à custa de muitos sacrifícios do povo,
suportados com uma resiliência e resistência deveras assinaláveis, exortou:
“Devemos valorizar o esforço dos países que
conseguiram ultrapassar a crise e não estar a desprezá-los. Com toda a
franqueza, é uma coisa que não fica bem a ninguém.”.
Com efeito, se dúvidas havia sobre se o
Primeiro-Ministro holandês deveria manter Dijsselbloem como Ministro das Finanças
no Governo a formar na sequência das recentes eleições legislativas – apesar de
o seu partido haver sofrido uma rotunda derrota (passou de 38 deputados para 9) – e se os países da zona Euro deviam mantê-lo no
lugar de Presidente do Eurogrupo, obviamente que também para mim se torna claro
que o dito senhor não merece nada, muito menos ser ouvido nos areópagos
internacionais. Nem se gasta, nos países do sul, todo o dinheiro em mulheres e
copos, nem se fica com ressaca depois da bebida. Aliás, cidadãos e cidadãs dos países
do norte não se ficam atrás no álcool em relação aos dos países do sul, pelo
menos quando estão entre nós.
***
Por
seu turno, o Partido Socialista português denuncia as palavras de Jeroen
Dijsselbloem como “ofensivas e até xenófobas”, mas sobretudo contrárias aos
valores fundamentais do projeto europeu. E fá-lo através de carta enviada ao presidente
do Partido Socialista Europeu (PES), onde reage
energicamente às declarações do
Presidente do Eurogrupo, que atingem Portugal. Nessa carta escrita em inglês e
assinada pela secretária-geral adjunta do PS e deputada na Assembleia da República,
Ana Catarina Mendes, o PS dirige-se a Sergei Stanishev, Presidente do
Partido Socialista Europeu, classificando de inoportunas e “ultrajantes” as
declarações do Presidente do Eurogrupo sobre Portugal e apelando a uma “forte
condenação” [das mesmas] por parte da família socialista europeia.
Também
um comunicado que se pode ler na página de Internet do Partido Socialista
assegura que os termos utilizados pelo Presidente do Eurogrupo são contrários
“aos princípios fundamentais do projeto europeu e não podem ser toleradas por
nenhuma força política europeia, especialmente pela família socialista
europeia”. E, como o Presidente do Eurogrupo há muito que vem fazendo
declarações que atacam a união e a solidariedade dos Estados-membros da União
Europeia e hoje ficou claro para todos que não tem condições nem está à altura
do importante cargo que desempenha”, o mesmo comunicado entende que o “Partido
Socialista Europeu e todos os seus partidos membros devem distanciar-se das
declarações de Jeroen Dijsselbloem e deve ser retirado qualquer apoio político
à sua recandidatura a Presidente do Eurogrupo”.
***
O líder
parlamentar do PS e Presidente do mesmo Partido também reagiu com dureza às
polémicas declarações do Presidente do Eurogrupo de hoje, dia 21 de março. Mas não
só ele. PS e BE vão apresentar votos de protesto no Parlamento contra
Dijsselbloem.
De facto, o
líder parlamentar do PS atacou fortemente Dijsselbloem, em declarações ao Observador, afirmando que “este é o tipo de criatura que não faz falta
na União Europeia”. O PS vai apresentar um voto de condenação, bem como o
Bloco de Esquerda, mas exigindo um pedido de desculpa ao Governo holandês que
está em funções e em que Dijsselbloem é ainda Ministro das Finanças.
Com a
exigência de que seja o Governo, e não só Dijsselbloem, a pedir desculpas, os
socialistas querem elevar este incidente ao nível de incidente diplomático. Se
é verdade que Jeroen Dijsselbloem não se refere diretamente aos países do sul
da Europa, também o é que se refere aos países que exigem solidariedade e que essa
exigência e essa solidariedade têm vindo sobretudo dos países do sul.
Também o
Bloco de Esquerda fez questão de condenar as declarações do responsável holandês e europeu e vai apresentar um voto na Assembleia da República nesse sentido,
contra as palavras que Jeroen Dijsselbloem não só mantém, como diz que não são
infelizes.
A este
respeito, a deputada do Bloco de Esquerda Isabel Pires refere que “as declarações que fez são absolutamente inaceitáveis pelo grau de
preconceito que demonstram, de racismo, de xenofobia, de sexismo também”.
Confrontada com
as explicações de Dijsselbloem sobre os destinatários da mensagem – que eram
afinal todos os países da zona euro e não apenas os países do sul – a deputada
afirmou que isso não invalida que “as declarações foram feitas” e que estas
“têm um objetivo, como aliás as políticas que o próprio Eurogrupo enquanto ele
o liderou sempre teve”. Com efeito, foram os países do sul que foram mais
abrangidos pelas políticas de austeridade. O povo português sabe bem aquilo que
sofreu com as políticas da troika, muito impulsionadas pelo Presidente do Eurogrupo,
pelo que, em nome do seu Partido, Isabel Pires entende que são ainda assim
inaceitáveis e que “a Assembleia da República deve repudiar estas declarações e
exigir que se retrate dessas declarações”.
***
Também já hoje, o Presidente do Eurogrupo foi confrontado com as suas
declarações na entrevista pelo eurodeputado espanhol, Ernest Urtasun, que
considerou “infeliz” o comentário. E justificou-se nos termos seguintes:
“O meu objetivo foi deixar claro o que significa a
solidariedade para mim. Sou um socialdemocrata e dou valor à solidariedade na
sociedade e na Europa, mas esta deve estar sempre aliada ao compromisso e fazer
o máximo possível para que o indivíduo ou os países se fortaleçam também em
termos socioeconómicos. É preciso assumir a responsabilidade. Se todo o esforço
for feito e toda a responsabilidade assumida, então a solidariedade deve estar
sempre disponível. Esse era o meu argumento.”.
Porem, o eurodeputado espanhol voltou a insistir nas declarações,
questionando o Presidente do Eurogrupo para saber se estava arrependido.
Dijsselbloem disse redondamente que não e ainda resolveu recalcitrar:
“Espanta-me que essas declarações tenham sido
espalhadas pela imprensa espanhola por esse prisma. O que deixei muito
explícito é que a solidariedade deve vir com responsabilidade e um forte
compromisso. Não precisa de ler as minhas palavras, porque sei bem o que disse.
Essas palavras saíram desta boca, não é preciso ler-mas.”.
Dijsselbloem
está enganado. Não foi só a imprensa espanhola que veiculou as suas
declarações. Elas não passaram ao lado das principais figuras do panorama
político e europeu. E, obviamente, os internautas também reagiram. Além das
reações oficiais, também existem as muitas reações da web, com várias montagens dirigidas ao
Presidente do Eurogrupo. O destaque, entre nós, vai para a conta de Twitter portuguesa Insónias em Carvão, mas de outros lados apareceram também várias
respostas e algumas contundentes.
***
Socialdemocratas
destes dispensam-se. Por mim, entendo que estas figuras públicas devem medir as
consequências do que dizem à Comunicação Social. O respeito é uma caraterística
a exigir a um ocupante de cargo de relevo público, sobretudo internacional, já
que podem as suas palavras ferir suscetibilidades e gerar incidentes diplomáticos,
sem necessidade. Porém, nalguns casos, as palavras têm subjacente uma ideologia
ou uma mentalidade, no mínimo de emulação.
E não
precisávamos de um sósia socialdemocrata de Wolfgang Schäuble!
2017.03.21 – Louro de
Carvalho
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