Temia-se o pior após a ascensão de Trump nos EUA. E as
intenções de voto percebidas em algumas sondagens colocavam à frente o partido
do populista xenófobo Geert Wilders.
Porém, os resultados permitem que a Europa, pelo menos, respire. Os
holandeses acorreram em massa às urnas: perto de 80% do eleitorado votou, o que
não acontecia na Holanda há 11 anos e não sucede entre nós há 37. E os votantes
não se deixaram levar pelo canto de sereia populista.
Assim, o liberal conservador Mark Rutte continuará
como primeiro-ministro, apesar de castigado nas urnas no dia 15. Com efeito,
venceu as eleições legislativas com distância folgada. Para trás ficou o espectro
de um governo liderado pela extrema-direita.
O outro partido vencedor foi o Partido Os Verdes. Foi a maior
subida entre os 28 partidos que concorreram às eleições. Partido do
jovem Jesse Klaver, apelidado na Holanda como o “Jessiah”, ganhou mais 10
deputados, tendo agora 14. É, no dizer do Guardian,
o grande vencedor. Registou a subida mais notória entre os partidos arrastando
com os bons números uma subida também dos partidos de esquerda, ao mesmo tempo
que há uma queda dos partidos do centro, sobretudo do PvdA, dos trabalhistas
que estavam no Governo em coligação com Mark Rutte e que agora estão reduzidos
a apenas 9 deputados no Parlamento. O líder de Os Verdes, filho de pai marroquino e de mãe com ascendência indonésia,
sustentou que a resposta da esquerda ao crescimento da extrema-direita tinha de
assentar numa defesa forte dos seus ideais pró-Europa e dos refugiados e
imigrantes.
O terceiro lugar foi disputado entre os democratas-cristãos (CDA) e os liberais progressistas (D66). Bem mais à frente estava o liberal conservador (VVD) de Mark Rutte, com 33 dos 150 lugares do Parlamento.
A participação no debate de 13 de março não terá beneficiado Wilders e a
crise diplomática com a Turquia terá ajudado o primeiro-ministro em funções,
que tomou uma posição firme, proibindo ministros turcos de fazerem campanha em
solo holandês para o referendo de abril, destinado a reforçar os poderes do
Presidente Recep Tayyip Erdoğan.
Ao invés, o
partido de Jeron Djisselbloem – o PvdA (trabalhistas) – foi penalizado nas urnas depois de estar em
coligação de bloco central com o VVD de Mark Rutte e ficou apenas com 9
representantes no Parlamento, ficando como a sétima força política do país. Por
isso, outra incógnita se levanta não apenas para a Holanda como para a Europa:
o que vai acontecer ao ainda ministro das Finanças e líder do Eurogrupo (grupo dos
ministros das Finanças da zona euro)?
Mantê-lo-á Rutte como ministro das Finanças? E se não mantiver, poderá
Djisselbloem continuar a ser o líder do Eurogrupo? Por enquanto, o tempo corre
a seu favor, dado que este terceiro governo de coligação demorará a formar.
Djisselbloem, por seu turno, já disse querer acabar o mandato à frente do
Eurogrupo e há várias movimentações para que isso aconteça, mesmo que o holandês
não venha a integrar o Governo.
O que sucedeu ao PvdA terá sido mais um marco da crise da socialdemocracia
europeia, na esteira do que sucedeu aos seus homólogos, o britânico (Labour), o espanhol (PSOE), o francês (PS) e o austríaco
(SPÖ) – com maus resultados, sondagens desfavoráveis e
crises de liderança. E, apesar de ser de centro-esquerda, é um partido
fortemente pró-austeridade. Uma das suas figuras gradas é, como ficou
entrelinhado, Jeroen Dijsselbloem, um político fortemente crítico da situação
político-económica portuguesa.
Apontam-se como causas do desaire: a crise da socialdemocracia europeia; a tradição
de castigo ao parceiro mais pequeno duma coligação governativa, sobretudo
quando apoia cortes orçamentais; a resiliência do primeiro-ministro Rutte (do VVD) por ter adotado parte do discurso anti-imigração de
Wilders; e o reforço do líder do Executivo por ter assumido posição dura face
aos insultos do Presidente turco. No conjunto, os partidos do Governo perderam
mais de metade da representação parlamentar, tendência observada em atos
eleitorais em todo o continente.
Os partidos estreantes na vida parlamentar são o Denk (dirigido aos imigrantes, elegeu 3 representantes) e o Fórum pela
Democracia (FvD, direita populista, 2 assentos). Igualmente representados no Parlamento, em Haia,
estarão a União Cristã (mantém os 5), o Partido
Reformado (mantém 3), o Partido dos Animais (PvdD, de 2
para 5) e o 50+ (centrado nos reformados, de 2 para 4).
***
Está aberto, agora, um período de conversações, que se
adivinha longo, para formar um Governo que incluirá quatro ou mais partidos.
Mas não é só o futuro prático do que será o Governo holandês que está no centro
das análises, mas o facto de os movimentos populistas de extrema-direita,
apesar do crescimento, terem ficado de algum modo controlados por aquilo que
foram os resultados finais na Holanda.
A maior
incógnita é: como vai Mark Rutte liderar o país? O número mágico nestas
eleições é o 76, pois são necessários
76 deputados para a assegurar a maioria parlamentar de apoio à governação e
Mark Rutte só conseguiu 33, nem metade do que precisa para obter necessária
maioria. Mas isso é o normal naquele país habituado a longas negociações para
formação de Governo.
As
negociações mais longas demoraram 208 dias. E, desta vez, elas não se preveem
nada fáceis. No seu primeiro mandato, Rutte coligou-se com Geert Wilders, que
acabou por abandonar o executivo. Depois, coligou-se com o PvdA de Jeroen
Dijsselbloem, o presidente do Eurogrupo e ainda ministro das Finanças. Agora
poderá não se coligar com nenhum dos dois, mas precisa de pelo menos mais três
aliados para fechar a formação do Governo.
Rutte está, assim, obrigado a forjar nova aliança de Governo. É que o VVD
ganhou as eleições, mas perde deputados (tinha 41). E o seu parceiro de coligação cessante, o
trabalhista PvdA, sofre um desaire inédito, caindo de 38 para 9 assentos, passando
de segundo a sétimo a nível nacional e deixando, por conseguinte, de liderar a
esquerda, ultrapassado que foi pelo D66, verdes (GL, 14) e pelos socialistas radicais (SP, 14). No entanto, Mark Rutte recebeu felicitações, por entre suspiros de alívio,
da parte de gradas figuras como a chanceler alemã Angela Merkel (“Mal posso
esperar por trabalhar com amigos, vizinhos e europeus”), do primeiro-ministro italiano Paolo Gentiloni, do
ministro dos Negócios Estrangeiros francês Jean-Marc Ayrault (“Parabéns
aos holandeses, que pararam a ascensão da extrema-direita”) ou o do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude
Juncker, que aplaudiu a escolha dos eleitores holandeses “contra os
extremistas” e falou de “um voto pela Europa, um voto contra os extremistas”.
E Geert Wilders vendeu cara a derrota, comentando na rede social Twitter:
“Conseguimos assentos parlamentares! Essa é a primeira
vitória! Não é a última vez que Rutte vai ouvir falar de mim.”.
Terá vencido em Roterdão, mas, acusado por muitos de racismo e xenofobia,
ver-se-á obrigado a conviver com vários (até 9) deputados de origem turca na próxima legislatura. Mesmo assim, declarou
que o PVV está “entre os vencedores” e ofereceu-se para alianças de Governo que
parece ninguém querer selar com ele.
Wilders ganhou, em campanha eleitoral, um protagonismo que os media terão de ponderar, agora, por
força da contagem dos votos. É que o líder do PVV, que atraiu as atenções dos
jornalistas, vai ser bem menos relevante para o futuro da Holanda do que o
verde Jesse Klaver, o liberal progressista Alexander Pechtold ou o
democrata-cristão Sybrand Buma – que podem vir a integrar o Executivo, ao passo
que ele não. Alienou qualquer cenário de aceitação com um discurso antimuçulmanos
e querendo proibir o Corão, fechar as mesquitas do país e deportar os islâmicos
que cometam crimes. No rasto de dirigentes políticos europeus como Marine Le
Pen (Frente
Nacional, França) ou Frauke
Petry (Alternativa
para a Alemanha), sentia-se
reforçado pela vitória eurocética no referendo de 2016, no Reino Unido, e pela
ascensão de Donald Trump a figura de topo nos EUA.
Se a Holanda tem tradição de parlamentos fragmentados, a recente ida às
urnas acentuou essa tendência, favorecida por um sistema eleitoral altamente
proporcional: os deputados são eleitos num único círculo nacional sem
percentagem mínima de votos, pelo que 0,67% já garantem um assento. Em 2017,
passa a haver 13 em vez de 11 forças representadas e a distribuição é bem mais
equitativa. Para alcançar o número mágico de 76 lugares (maioria
absoluta), serão necessários quatro ou mais
partidos. Mas, no Parlamento, poderá ser viável uma aliança de Governo entre o
VVD de Rutte, os democratas-cristãos (CDA) e os liberais progressistas (D66), acompanhados ou não pelos trabalhistas. O líder do D66, Alexander
Pechtold, dizia estar a viver uma “noite fantástica”, ao passar a liderar a
“maior força progressista” holandesa.
Será, todavia, de direita, ainda que não extrema, a índole do próximo
Executivo holandês.
***
Em Portugal,
as reações não se fizeram esperar e com razão. O Presidente da República
considera que os resultados eleitorais na Holanda, onde foi reeleito o
primeiro-ministro, são “boa notícia” para a Europa e para Portugal, pois, “aparentemente
não há alteração no Governo, continua a mesma linha europeia, a mesma linha
moderada”. De facto, a “escolha do povo holandês” é “uma boa notícia para os
parceiros como Portugal”, “para todos os que defendem uma Europa moderada,
unida, coesa, forte”.
E ao ministro
dos Negócios Estrangeiros, que julga o resultado eleitoral na Holanda “muito
encorajador”, frisando que foi “clamorosamente derrotada” a força que propunha
“romper com a União Europeia e o seu modelo democrático e social”, junta-se o
PS a comentar:
“O resultado das eleições legislativas
na Holanda demonstra, sobretudo, a justeza do que tem defendido o PS e
promovido na sua ação externa o atual Governo de Portugal: o sucesso e o
progresso da União Europeia só é possível se a comunidade voltar a ser
entendida como um projeto de prosperidade partilhada, assim entendida por todos
os Estados-Membros e por todos os povos, com resultados concretos refletidos na
vida dos cidadãos. Isso implica concretizar a prioridade às políticas
direcionadas para o crescimento e o emprego.”.
Mas avisando
e sentenciando:
“É preciso concretizar as políticas
pelas quais a UE retome o caminho da convergência e da coesão, para que todos
os europeus compreendam a importância de pertencer a um espaço comum, assente
nos valores da paz, justiça, tolerância e solidariedade. Essa é a resposta política que, a nível da
União Europeia, deve ser dada ao crescimento eleitoral das forças políticas de extrema-direita
e populistas, dos nacionalismos antieuropeístas, das forças que atacam a coesão
das nossas sociedades e da Europa.”.
***
A
extrema-direita não venceu. A Europa respira de alívio, mas tem de se
redefinir!
2017.03.16 – Louro de Carvalho
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