quinta-feira, 23 de março de 2017

O que pedem os Bispos salvadorenhos em ano jubilar por Óscar Romero

A Arquidiocese de San Salvador está a celebrar um Ano Jubilar especial de comemoração do centenário de nascimento do Beato Oscar Arnulfo Romero, iniciado no passado dia 15 de agosto de 2016 e que se concluirá a 15 de agosto de 2017.
Além das celebrações previstas para El Salvador, os bispos salvadorenhos encontram-se em Roma em visita ad Limina Apostolorum. E, neste contexto, foram recebidos pelo Papa no passado dia 20 de março. Segundo a Rádio Vaticano, entre os temas abordados, aflorou o da canonização de Óscar Romero, assassinado em 24 de março de 1980, durante a guerra civil salvadorenha, enquanto celebrava missa na capela do Hospital Divina Providência, passado bem pouco tempo do terceiro ano como arcebispo de San Salvador (tinha sido durante 4 anos seu bispo auxiliar e mais 4 bispo de Santiago de María) – episódio que fará amanhã, dia 24 de março, 27 anos.
Em agosto deste ano, encerramento do ano jubilar especial, será lembrado o aniversário de 100 anos do seu nascimento, a comunidade daquele país espera que a canonização possa acontecer ainda neste ano e os bispos manifestaram o desejo de que o Papa visitasse o país a 15 de agosto e pudesse celebrar a canonização do Beato.
O arcebispo de San Salvador e Presidente da Conferência Episcopal, Dom José Luis Escobar Alas, esteve presente na audiência com o Papa e comentou como procede a causa de Romero:
Em 28 de fevereiro concluímos a investigação do processo para o milagre. Gostaríamos que o Papa canonizasse Romero em El Salvador e convidámo-lo a ir ao país a 15 de agosto, dia do centenário do seu nascimento. Talvez, se a Divina Providência quiser, o milagre será aprovado pela Santa Sé e o Papa deverá canonizá-lo a 15 de agosto. Seria uma bênção muito grande para nós!”.
Num país em que mais de 90% da população é cristã, segundo o Presidente da Conferência Episcopal, essa caraterística, aliada à história dos mártires, fez crescer as vocações, sobretudo do diaconado e dos catequistas. Com efeito, enquanto outros países não têm muitas vocações, El Salvador tem muitas e “a fé e a participação dos fiéis” está em franco aumento. Diz o arcebispo:
“Devemos reconhecer, entretanto, que existe um número significativo de católicos que entraram em novos movimentos religiosos, que estão efetivamente em aumento. Vivemos essa situação e seria injusto não falar, mas somos otimistas.”.
O Papa não se comprometeu com a ida a San Salvador a 15 de agosto próximo nem quanto ao desfecho das diligências sobre a canonização do beato Arcebispo. Não obstante, os bispos salvadorenhos participaram, no dia 21 de março, na missa do Papa na capela da Casa Santa Marta, no Vaticano – uma Missa festiva em recordação do martírio do Beato Óscar Romero.
O Arcebispo León Kalenga, Núncio Apostólico em El Salvador, antecipara a informação ao presidir, na Catedral de San Salvador, a uma Missa pelo quarto aniversário da eleição de Francisco para o Sumo Pontificado – celebração em que participou o Presidente da República, Salvador Sánchez Cerén, autoridades civis e expoentes da Igreja local.
Na homilia, o Núncio Apostólico confidenciou:
“O Santo Padre concelebrará com muito prazer a Eucaristia com todos os nossos bispos, que fazem memória do Beato Óscar Romero”.
E, quanto à documentação atinente ao processo de canonização, o representante do Papa declarou que todas as informações sobre o milagre atribuído a Romero já foram enviadas para Roma, explicando: “Temos trabalhado muito nestes últimos meses com o Tribunal Eclesiástico para aprovar os milagres de Romero”. De facto, o Tribunal convocado pela Igreja salvadorenha concluiu os seus trabalhos no final de fevereiro, remetendo as suas conclusões ao Vaticano, na esperança de que os frutos do trabalho possam ser colhidos já durante a visita ao Papa.
Este ano marca o centenário do nascimento do mártir salvadorenho beatificado em 2015, assim como o aniversário de seu martírio em 24 de março.
***
A 1 de março, o Arcebispo de San Salvador informou nas redes sociais sobre a conclusão da investigação, cujos resultados não revelou, e divulgou imagens dos pacotes com documentos a serem enviados ao Vaticano para análise, os quais incluem uma cópia do exame clínico de Cecilia Maribel Flores, beneficiada por um “presumível milagre” atribuído à intercessão de Dom Romero, assassinado em 1980.
Em 27 de março de 2016, o principal hierarca da Igreja católica de El Salvador assegurara que a canonização de Oscar Romero depende da confirmação “científica e teológica” de um milagre pelo Vaticano.
Óscar Romero, como tem sido dito e redito, foi assassinado em 24 de março de 1980 durante a guerra civil salvadorenha, enquanto celebrava missa na Capela do Hospital Divina Providência, de San Salvador.
Uma informação da Comissão da Verdade da ONU, que investigou as violações dos direitos humanos durante a guerra civil (1980-1992), concluiu que a ordem para assassinar Romero partiu do ex-Major do Exército e fundador do Partido de direita Alianza Republicana Nacionalista (ARENA), Roberto D’Aubuisson.
O Arcebispo, beatificado em 23 de maio de 2015 em San Salvador, denunciava nas suas homilias os ataques dos corpos de segurança contra a população civil e outras violações dos direitos humanos.
***
Voltemos, porém, às declarações do Presidente da Conferência Episcopal Salvadorenha. O hierarca máximo do país entende que o seu povo queria ainda mais uma coisa de Francisco – outra beatificação e subsequente canonização. Anseiam por ver elevado às honras dos altares o jesuíta Rutilio Grande García, que inspirou Dom Oscar Romero e o motivou, com a sua morte em emboscada a mudar de atitude face às autoridades de El Salvador. Sobre o Padre Rutilio e o desejo da sua beatificação, Dom José exprimiu-se nos termos seguintes:
Gostaríamos também que fosse beatificado o Padre Rutilio Grande, o sacerdote jesuíta que morreu mártir, como Romero, em 1977. A fase diocesana da sua causa de beatificação terminou no ano passado e a documentação já chegou à Congregação para as Causas dos Santos.".
Porém, sobre este sacerdote falaremos noutra ocasião.
***
Entretanto, o prelado de San Salvador não esquece os muitos desafios pastorais que se colocam à Igreja de El Salvador, entre os quais sobressai o da “defesa da vida, em sentido amplo como justiça, verdade e paz numa sociedade marcada pela violência”.
Nesse sentido, o Episcopado salvadorenho escreveu uma carta pastoral dedicada ao tema da violência, em que expressa o seu ponto de vista “com uma análise histórica que evidencia como, infelizmente, o país tem sofrido violência dos tempos da Conquista até ao conflito armado do final do século passado, que terminou com um acordo de paz formal que não foi plenamente respeitado”. Sobre esse acordo, os bispos entendem que dele não resultou “uma verdadeira justiça, mas uma lei de amnistia inapropriada, ilegítima, que escondeu tudo, inclusive os crimes contra a humanidade”. Dom José Luis Escobar denuncia outro fenómeno paralelo, o dos grupos violentos, do crime organizado e do narcotráfico, “um problema de exclusão social e de idolatria do dinheiro”. Não se tratando de “uma luta pelos ideais, mas de uma busca do poder”, para o que “não existem nem mesmo princípios”, a questão que se coloca é a de “como enfrentar o problema do ponto de vista pastoral”. Mas o prelado faz diagnóstico e dá pista de solução:
“Acreditamos que a solução seja criar um ambiente favorável. A violência não é uma causalidade: existe uma causa e é a pobreza. As regiões mais pobres do país são as mais violentas, aquelas que a sociedade abandonou. Por isso, é importante que o governo e a sociedade inteira focalizem a atenção sobre essa realidade e criem realmente oportunidades de estudo para os jovens e de trabalho para os adultos.”.
E o arcebispo declarou que o problema de base é também económico e é sempre o mesmo: “a miséria e a impossibilidade de prosseguir”, que gera o fenómeno migratório. E explicou:
“Quando uma parte da família emigra, a unidade familiar é rompida e as consequências são terríveis. Junto a isso se soma a problemática nos Estados Unidos: como sabemos, com o novo governo e o novo presidente americano criou-se um clima de inquietude e de temor pelas deportações. Os nossos países não têm condições de repatriar todos os nossos compatriotas. Seria um desastre para eles e para aqueles que os acolherem. Certamente, como Igreja, estamos com os braços abertos e vamos trabalhar sem cansar para os nossos irmãos.”.
***
Para se compreender o contexto das lutas em que o povo tem estado metido, será conveniente respigar os principais factos da história recente do país.
A revolução cubana de Castro e a guerrilha de esquerda nos outros países da América Central empurraram o exército salvadorenho firmemente para a direita. A miséria campesina facilitou o surgimento de vários movimentos guerrilheiros de esquerda. E o exército decretou medidas repressivas que implicaram sistemática e brutal violação dos direitos humanos durante os anos 70 e 80 do século passado – situações inquestionavelmente documentadas por várias agências internacionais – o que provocou um enorme número de refugiados que se evadiram do país.
Em 1972, foi eleito presidente Arturo Molina e, em 1977, o general Carlos Humberto Romero, que veio a ser derrubado pela junta militar em 1979. A junta não conseguiu unificar o país nem derrotar a guerrilha, que controlava parte do país. José Napoleón Duarte uniu-se à junta e assumiu a presidência em dezembro de 1980. No início da década de 80, forças de oposição entraram em luta armada com o Governo. Em 1983, a guerrilha controlava diversas áreas do país e os EUA aumentaram a ajuda militar ao Governo. Duarte, eleito presidente em 1984, tentou sem êxito a paz com a guerrilha. Em 1988, o vice-presidente Rodolfo Castillo substituiu Duarte, que sofria de cancro. Em 1989, a ARENA (Aliança Republicana Nacionalista), de extrema direita, obteve a maioria da Assembleia Nacional e o líder, Alfredo Cristiani Burkard, sucedeu a Duarte na presidência. Em 1990, o grupo guerrilheiro de extrema esquerda FMLN (Frente Farabundo Marti de Liberación Nacional) e o governo iniciaram negociações para a paz sob mediação da ONU. Pérez de Cuellar, secretário-geral da ONU, empreendeu conversações de paz durante o ano de 1991, e as suas recomendações começaram a ser implementadas com sucesso em 1992, pondo fim a 12 anos de guerra civil que custou cerca de 75 mil vidas. A FMLN transformou-se em partido político. Nas eleições de 1994, acompanhadas por observadores da ONU, foi eleito presidente da República o candidato direitista Armando Calderón Sol (ARENA) com a tarefa de reconstruir a economia do país e cicatrizar as feridas da guerra. Em março de 1999, Francisco Flores, da Arena, derrotou o ex-líder da guerrilha (1979-1992), Facundo Giardado (da FMLN). Flores tomou posse para um mandato de 5 anos, em 20 de junho de 2000.
O Presidente de El Salvador é Salvador Sánchez, eleito em 2014 e com a separação dos poderes.
E é este o ambiente de guerra e pobreza em que teve de atuar a Igreja. As feridas não sararam ainda e a ação tem de prosseguir, honrando a memória de Romero na defesa dos pobres.

2017.03.23 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário