A Arquidiocese de San Salvador está
a celebrar um Ano Jubilar especial de comemoração do centenário de nascimento
do Beato Oscar Arnulfo Romero, iniciado no passado dia 15 de agosto de 2016 e
que se concluirá a 15 de agosto de 2017.
Além das celebrações previstas para
El Salvador, os bispos salvadorenhos encontram-se em Roma em visita ad Limina Apostolorum. E, neste
contexto, foram recebidos pelo Papa no passado dia 20 de março. Segundo a Rádio
Vaticano, entre os temas abordados, aflorou o da canonização de Óscar Romero,
assassinado em 24 de março de 1980, durante a guerra civil salvadorenha,
enquanto celebrava missa na capela do Hospital Divina Providência, passado bem pouco
tempo do terceiro ano como arcebispo de San Salvador (tinha sido durante 4 anos seu bispo auxiliar e mais 4 bispo de Santiago de
María) – episódio que fará
amanhã, dia 24 de março, 27 anos.
Em agosto deste ano, encerramento do
ano jubilar especial, será lembrado o aniversário de 100 anos do seu
nascimento, a comunidade daquele país espera que a canonização possa acontecer
ainda neste ano e os bispos manifestaram o desejo de que o Papa visitasse o
país a 15 de agosto e pudesse celebrar a canonização do Beato.
O arcebispo de San Salvador e Presidente
da Conferência Episcopal, Dom José Luis Escobar Alas, esteve presente na
audiência com o Papa e comentou como procede a causa de Romero:
“Em 28 de fevereiro concluímos a investigação do
processo para o milagre. Gostaríamos que o Papa canonizasse Romero em El
Salvador e convidámo-lo a ir ao país a 15 de agosto, dia do centenário do seu
nascimento. Talvez, se a Divina Providência quiser, o milagre será aprovado
pela Santa Sé e o Papa deverá canonizá-lo a 15 de agosto. Seria uma bênção
muito grande para nós!”.
Num país
em que mais de 90% da população
é cristã, segundo o Presidente da Conferência Episcopal, essa caraterística,
aliada à história dos mártires, fez crescer as vocações, sobretudo do diaconado
e dos catequistas. Com efeito, enquanto outros países não têm muitas vocações, El Salvador tem muitas e “a fé e a
participação dos fiéis” está em franco aumento. Diz o arcebispo:
“Devemos
reconhecer, entretanto, que existe um número significativo de católicos que
entraram em novos movimentos religiosos, que estão efetivamente em aumento.
Vivemos essa situação e seria injusto não falar, mas somos otimistas.”.
O Papa não
se comprometeu com a ida a San Salvador a 15 de agosto próximo nem quanto ao
desfecho das diligências sobre a canonização do beato Arcebispo. Não obstante, os bispos salvadorenhos participaram,
no dia 21 de março, na missa do Papa na capela da Casa Santa Marta, no Vaticano
– uma Missa festiva
em recordação do martírio do Beato Óscar Romero.
O Arcebispo León Kalenga, Núncio
Apostólico em El Salvador,
antecipara a informação ao presidir, na Catedral de San Salvador, a uma Missa
pelo quarto aniversário da eleição de Francisco para o Sumo Pontificado – celebração
em que participou o Presidente da República, Salvador Sánchez Cerén,
autoridades civis e expoentes da Igreja local.
Na homilia, o Núncio Apostólico confidenciou:
“O
Santo Padre concelebrará com muito prazer a Eucaristia com todos os nossos
bispos, que fazem memória do Beato Óscar Romero”.
E, quanto à documentação atinente ao processo de canonização,
o representante do Papa declarou que todas as informações sobre o milagre
atribuído a Romero já foram enviadas para Roma, explicando: “Temos trabalhado muito nestes últimos meses
com o Tribunal Eclesiástico para aprovar os milagres de Romero”. De facto,
o Tribunal convocado pela Igreja salvadorenha concluiu os seus trabalhos no
final de fevereiro, remetendo as suas conclusões ao Vaticano, na esperança de
que os frutos do trabalho possam ser colhidos já durante a visita ao Papa.
Este ano marca o centenário do nascimento do mártir
salvadorenho beatificado em 2015, assim como o aniversário de seu martírio em
24 de março.
***
A 1 de março, o Arcebispo de San Salvador informou nas
redes sociais sobre a conclusão da investigação, cujos resultados não revelou,
e divulgou imagens dos pacotes com documentos a serem enviados ao Vaticano para
análise, os quais incluem uma cópia do exame clínico de Cecilia Maribel Flores,
beneficiada por um “presumível milagre” atribuído à intercessão de Dom Romero,
assassinado em 1980.
Em 27 de março de 2016, o principal hierarca da Igreja
católica de El Salvador assegurara que a canonização de Oscar Romero depende da
confirmação “científica e teológica” de um milagre pelo Vaticano.
Óscar Romero, como tem sido dito e redito, foi
assassinado em 24 de março de 1980 durante a guerra civil salvadorenha,
enquanto celebrava missa na Capela do Hospital Divina Providência, de San
Salvador.
Uma informação da Comissão da Verdade da ONU, que
investigou as violações dos direitos humanos durante a guerra civil (1980-1992), concluiu que a ordem para assassinar Romero partiu
do ex-Major do Exército e fundador do Partido de direita Alianza Republicana
Nacionalista (ARENA),
Roberto D’Aubuisson.
O Arcebispo, beatificado em 23 de maio de 2015 em San
Salvador, denunciava nas suas homilias os ataques dos corpos de segurança
contra a população civil e outras violações dos direitos humanos.
***
Voltemos,
porém, às declarações do Presidente da Conferência Episcopal Salvadorenha. O hierarca
máximo do país entende que o seu povo queria ainda mais uma coisa de Francisco –
outra beatificação e subsequente canonização. Anseiam por ver elevado às honras
dos altares o jesuíta Rutilio Grande García, que inspirou Dom Oscar Romero e o
motivou, com a sua morte em emboscada a mudar de atitude face às autoridades de
El Salvador. Sobre o Padre Rutilio e o desejo da sua beatificação, Dom José exprimiu-se
nos termos seguintes:
“Gostaríamos também que fosse beatificado o
Padre Rutilio Grande, o sacerdote jesuíta que morreu mártir, como Romero, em
1977. A fase diocesana da sua causa de beatificação terminou no ano passado e a
documentação já chegou à Congregação para as Causas dos Santos.".
Porém,
sobre este sacerdote falaremos noutra ocasião.
***
Entretanto,
o prelado de San Salvador não esquece os muitos desafios pastorais que se
colocam à Igreja de El Salvador,
entre os quais sobressai o da “defesa da vida, em sentido amplo como justiça,
verdade e paz numa sociedade marcada pela violência”.
Nesse sentido, o Episcopado salvadorenho
escreveu uma carta pastoral
dedicada ao tema da violência, em que expressa o seu ponto de vista “com uma
análise histórica que evidencia como, infelizmente, o país tem sofrido
violência dos tempos da Conquista até ao conflito armado do final do século
passado, que terminou com um acordo de paz formal que não foi plenamente
respeitado”. Sobre esse acordo, os bispos entendem que dele não resultou “uma
verdadeira justiça, mas uma lei de amnistia inapropriada, ilegítima, que
escondeu tudo, inclusive os crimes contra a humanidade”. Dom José
Luis Escobar denuncia outro fenómeno paralelo, o dos grupos violentos, do crime
organizado e do narcotráfico, “um problema de exclusão social e de idolatria do
dinheiro”. Não se tratando de “uma luta pelos ideais, mas de uma busca do poder”,
para o que “não existem nem mesmo princípios”, a questão que se coloca é a de “como
enfrentar o problema do ponto de vista pastoral”. Mas o prelado faz diagnóstico
e dá pista de solução:
“Acreditamos
que a solução seja criar um ambiente favorável. A violência não é uma
causalidade: existe uma causa e é a
pobreza. As regiões mais pobres do país são as mais violentas, aquelas que
a sociedade abandonou. Por isso, é importante que o governo e a sociedade
inteira focalizem a atenção sobre essa realidade e criem realmente oportunidades de estudo para os jovens e de trabalho
para os adultos.”.
E o arcebispo declarou que o problema
de base é também económico e é sempre o mesmo: “a miséria e a impossibilidade
de prosseguir”, que gera o fenómeno migratório. E explicou:
“Quando
uma parte da família emigra, a unidade familiar é rompida e as consequências
são terríveis. Junto a isso se soma a problemática nos Estados Unidos: como
sabemos, com o novo governo e o novo presidente americano criou-se um clima de
inquietude e de temor pelas deportações. Os nossos países não têm condições de
repatriar todos os nossos compatriotas. Seria um desastre para eles e para
aqueles que os acolherem. Certamente, como Igreja, estamos com os braços
abertos e vamos trabalhar sem cansar para os nossos irmãos.”.
***
Para
se compreender o contexto das lutas em que o povo tem estado metido, será conveniente
respigar os principais factos da história recente do país.
A
revolução cubana de Castro e a guerrilha de esquerda nos outros países da
América Central empurraram o exército salvadorenho
firmemente para a direita. A miséria campesina facilitou o surgimento de vários
movimentos guerrilheiros de esquerda. E o exército decretou medidas repressivas
que implicaram sistemática e brutal violação dos direitos humanos durante os
anos 70 e 80 do século passado – situações inquestionavelmente documentadas por
várias agências internacionais – o que provocou um enorme número de refugiados
que se evadiram do país.
Em
1972, foi eleito presidente Arturo Molina e, em 1977, o general Carlos Humberto
Romero, que veio a ser derrubado pela junta militar em 1979. A junta não
conseguiu unificar o país nem derrotar a guerrilha, que controlava parte do
país. José Napoleón Duarte uniu-se
à junta e assumiu a presidência em dezembro de 1980. No início da década de 80,
forças de oposição entraram em luta armada com
o Governo. Em 1983, a guerrilha controlava diversas áreas do país e os EUA aumentaram a ajuda militar ao Governo.
Duarte, eleito presidente em 1984, tentou sem êxito a paz com a guerrilha. Em 1988, o
vice-presidente Rodolfo Castillo substituiu Duarte, que sofria de cancro. Em
1989, a ARENA (Aliança Republicana
Nacionalista),
de extrema direita, obteve a maioria da Assembleia Nacional e o líder, Alfredo Cristiani Burkard, sucedeu a
Duarte na presidência. Em 1990, o grupo guerrilheiro de extrema esquerda FMLN (Frente Farabundo Marti
de Liberación Nacional) e o governo iniciaram negociações para a paz sob mediação da
ONU. Pérez de Cuellar, secretário-geral da ONU, empreendeu conversações de paz
durante o ano de 1991, e as suas recomendações começaram a ser implementadas
com sucesso em 1992, pondo fim a 12 anos
de guerra civil que custou cerca
de 75 mil vidas. A FMLN transformou-se em partido
político. Nas eleições de 1994, acompanhadas por observadores da ONU,
foi eleito presidente da República o candidato direitista Armando Calderón Sol (ARENA) com a tarefa de reconstruir a economia do país e cicatrizar as
feridas da guerra. Em março de 1999,
Francisco Flores, da Arena, derrotou o ex-líder da guerrilha (1979-1992), Facundo Giardado (da FMLN). Flores tomou posse para um mandato de 5 anos, em 20 de junho de
2000.
O Presidente de El
Salvador é Salvador Sánchez, eleito em 2014 e com a separação dos poderes.
E é este o ambiente de guerra e
pobreza em que teve de atuar a Igreja. As feridas não sararam ainda e a ação
tem de prosseguir, honrando a memória de Romero na defesa dos pobres.
2017.03.23 – Louro de
Carvalho
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