O Banco de Portugal (BdP) revelou importantes pormenores relativos à venda do Novo Banco (NB), acordada hoje, dia 31 de março, que o Jornal Económico especifica.
Na verdade, Carlos Costa, governador do BdP, numa
curta declaração aos jornalistas, sem especificar grandes pormenores, esclareceu
que o acordo de venda de 75% do NB, por parte do Fundo de Resolução, à gestora de fundos norte-americana Lone Star “permite um significativo
reforço do capital do NB e a entrada de um acionista que assume um compromisso
de médio e longo prazo com o banco”. E sublinhou que aquela gestora de fundos é
dotada dos meios necessários à execução de um plano que garanta, em definitivo,
a plena recuperação em termos compatíveis com o papel determinante que o mesmo
tem no financiamento da economia nacional”.
Em comunicado mais explícito, o BdP sustenta que o culminar do processo de
venda “é mais um passo na estabilização do setor bancário nacional”,
acrescentando que a diversificação das fontes de financiamento com a
entrada novos investidores “é vantajosa” e que “este desenvolvimento
permite também o reforço da credibilidade do setor bancário por via do desfecho
bem-sucedido dum processo de venda aberto, transparente, concorrencial e de
alcance internacional”.
A este respeito, o BdP esclarece os termos do negócio:
“A Lone
Star irá realizar injeções de capital no Novo Banco no montante total
de 1.000 milhões de euros, dos quais 750 milhões de euros no momento da
conclusão da operação e 250 milhões de euros no prazo de até 3 anos. Através da
injeção de capital a realizar, a Lone
Star passará a deter 75% do capital social do NB e o Fundo de Resolução
manterá 25% do capital. Entre as condições acordadas, está
a existência de um mecanismo de capitalização contingente, em que
o Fundo de Resolução, enquanto acionista, se compromete a realizar
injeções de capital no caso de se materializarem certas condições cumulativas, ‘relacionadas
com o desempenho de um conjunto delimitado de ativos do NB e com a evolução dos
níveis de capitalização do banco’.”.
Por outro lado, os
obrigacionistas terão de injetar 500 milhões de euros para reforçar a solidez do
NB – troca de obrigações por
dívida subordinada, no valor de 500 milhões de euros, de cujo sucesso dependerá
toda a operação. Além disso,
fica sabido que as possíveis injeções de capital a realizar no âmbito do
mecanismo de capitalização contingente beneficiam duma almofada de capital
“resultante da injeção a realizar nos termos da operação e estão sujeitas a um
limite máximo absoluto”.
O regulador bancário assume que a assinatura do contrato permite o cumprimento
do prazo de venda fixado nos compromissos do Estado junto da Comissão Europeia
e assegura que a conclusão da operação faz cessar o regime das instituições de
transição ao NB”.
No acordo de venda ficam ainda estipulados mecanismos de salvaguarda dos
interesses do Fundo de Resolução, nomeadamente “de alinhamento de incentivos e
de fiscalização, não obstante as limitações decorrentes da aplicação das regras
de auxílios de Estado”.
O BdP salienta que a conclusão do processo de venda necessita ainda da
obtenção das autorizações regulatórias usuais do BCE e da Comissão Europeia e
frisa “a realização de um exercício de gestão de passivos, sujeito a adesão dos
obrigacionistas, que irá abranger as obrigações não subordinadas do NB e que,
através da oferta de novas obrigações, permite gerar pelo menos 500 milhões de
euros de fundos próprios elegíveis para o cômputo do rácio CET1”.
Trata-se de acordo e não de venda, a qual depende do êxito da operação
acima referida.
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O
Primeiro-Ministro veio garantir aos jornalistas em São Bento, tendo ao seu lado
o Ministro das Finanças, que a venda do NB à Lone Star não terá impacto direto ou indireto nas contas públicas,
nem novos encargos para os contribuintes, constituindo “uma solução equilibrada”.
Na
sua declaração inicial, o Chefe do Governo defendeu que o acordo de venda do banco
cumpre “as três condições colocadas pelo Governo” em janeiro passado, sendo uma
delas a de que este processo “não terá impacto direto ou indireto nas contas
públicas, nem novos encargos para os contribuintes”. E esclareceu:
“Ao contrário do inicialmente
proposto, não é concedida qualquer garantia por parte do Estado ou de qualquer
outra entidade pública. O necessário reforço de capital é integralmente
assegurado pelo investidor privado, e eventuais responsabilidades futuras não
recairão sobre os contribuintes, mas sobre os bancos, que asseguram o capital
do fundo de resolução.”.
Em
relação às restantes duas condições colocadas pelo Governo para a concretização
da venda – a que se juntam as exigências feitas pela Comissão Europeia –, o acordo
de venda do NB, segundo o Chefe do Executivo, “afasta o espectro da liquidação”
da instituição financeira que resultou da resolução do BES. Pelo que garantiu:
“O Novo Banco continuará a
cumprir o seu papel muito relevante no financiamento da economia, em especial
das pequenas e médias empresas, com proteção integral dos depositantes e sem
novos sacrifícios involuntários dos detentores das obrigações”.
O Primeiro-Ministro
sustentou também, como Carlos Costa, que o acordo de venda salvaguarda a estabilidade
do nosso sistema financeiro, “porque eventuais responsabilidades futuras estão
substancialmente garantidas pelo conjunto de ativos confiados à gestão do fundo
de resolução”. Esclareceu, numa referência à atuação do anterior Executivo:
“Por outro lado, não serão
exigidas aos bancos contribuições extraordinárias e o fundo de resolução ainda
beneficiará da futura alienação dos 25 por cento de capital que continuará a
deter no Novo Banco. Esta é uma solução equilibrada: a que melhor protege os
contribuintes, a economia e a estabilidade do sistema financeiro no quadro do
processo de resolução [do BES] iniciado em agosto de 2014.”.
E concluiu, como começou, não haver impacto direto ou
indireto nas contas públicas ou para contribuintes, pois o esforço de capital é
integralmente assegurado pelo investidor e as necessidades futuras não afetarão
os contribuintes.
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Porém,
o Primeiro-Ministro admitiu que fora também estudada a hipótese de o NB ser
nacionalizado, mas advogou que essa opção, a ser implementada, implicaria
encargos para os contribuintes de até 4,7 mil milhões de euros. Com efeito, questionado
sobre uma eventual nacionalização do NB – cenário que traria um “impacto muito
distinto” junto dos contribuintes do que decorre da venda da entidade – António
Costa disse: “Estudámos bem essa solução”.
E
concretizou que, em vez de ser a Lone
Star a injetar mil milhões de euros no banco, “o Estado teria de realizar o
capital inicial”, que seria “entre 4,0 mil e 4,7 mil milhões de euros”, porque
as regras comunitárias implicam o reconhecimento imediato de eventuais
necessidades futuras.
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O NB é o banco de transição que
ficou com os ativos menos problemáticos do Banco Espírito Santo (BES), alvo de uma intervenção das
autoridades em 3 de agosto de 2014, e que estava em processo de venda.
Desde
fevereiro que o Governo estava a negociar a venda do NB em exclusivo com o
fundo norte-americano Lone Star Funds, que passou para a frente nas
negociações depois de, no final de 2016, ter sido noticiado que, entre os
concorrentes, o fundo chinês Minsheng tinha a melhor proposta financeira, mas
não apresentou provas de que conseguiria pagar o montante oferecido, devido às
restrições de movimentação de divisas na China.
O Lone Star Funds foi fundado em 1995 e
investe nos setores financeiro e no imobiliário. Em Portugal, tem um
investimento em Vilamoura.
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O PSD, através do seu líder parlamentar, Luís Montenegro, considerou que a
venda do NB anunciada pelo BdP é uma má decisão, que ocorre depois de um
processo de desvalorização daquela instituição bancária. A este propósito, afirmou:
“A decisão de hoje não é uma boa decisão, é uma má
decisão. Vem na sequência de um processo de desvalorização do Novo Banco, que,
entre outras coisas, teve o contributo do Ministro das Finanças quando, por
mais de uma vez, acenou com a possibilidade da nacionalização ou mesmo da liquidação
do banco”.”.
Para Montenegro, aquilo não só foi prejudicial, como o “Governo veio hoje
reconhecer que isso teria custos que eram incomportáveis”.
Segundo aquele dirigente socialdemocrata, aquela má decisão só aconteceu
porque o Governo deveria ter “acordado mais cedo” para a “necessidade de se
proceder a uma venda integral do Novo Banco”. E justifica:
“A venda que hoje foi anunciada é uma venda parcial e
ainda por cima acarreta a possibilidade de os contribuintes poderem ter de
assumir parte dos custos que estão associados a um processo de capitalização
futura do Novo Banco”.
Chegados
ao ponto que chegámos, uma boa solução para o NB é impossível. As constrições das
instâncias europeias, embora mais flexíveis hoje, não facilitaram o negócio,
até porque a ideia é concentrar a atividade bancária numa meia dúzia de grandes
bancos, dando a entender que os pequenos não têm direito a existir. E o NB tem
em Portugal um quota de mercado de 20% e está voltado para as empresas. Por outro
lado, o tempo que se perde em negociações, ao invés de jogar a favor, desgasta
estas instituições, pois acumula desconfianças e incertezas sobre o futuro.
Quanto
à reação do PSD, é de questionar como é que o Partido queria ver isto resolvido,
sobretudo porque também não o fez em tempo, como será de questionar se queria a
nacionalização do NB ou a sua liquidação, já que não terá reivindicado a possibilidade
de as instâncias europeias deixarem que Fundo de Resolução permanecesse como
detentor do capital do NB.
Além
disso, deve dizer-se que Mário Centeno, sem grande jeito para o debate
político, conseguiu o que outros não alcançaram: uma venda parcial, podendo o
Estado ficar com a detenção de alguma parte do capital, tal como conseguiu a
recapitalização da CGD nos moldes conhecidos e, embora ficasse mal na
fotografia em todo o processo, conseguiu vencer o cerco que lhe foi movido por
muitos com notória visibilidade dos socialdemocratas, incluindo o PR e o
Presidente do TC – ambos agora apolíticos (!).
Devo
dizer que a venda do NB, se for avante, apesar de não haver encaixe direto para
o Estado, é melhor que a venda do BPN, do Banif e da criação do próprio NB. Porém,
não creio na objetividade da declaração de António Costa sobre a ausência
absoluta de “impacto direto ou indireto nas contas públicas” ou de novos
encargos para os contribuintes”. Com efeito, o Fundo de Resolução tem
capacidades limitadas e o Estado por si ou por uma empresa pública (scilicet,
os contribuintes),
direta ou indiretamente – dado ou emprestado – lá terá de acudir às
necessidades reais ou factícias do Fundo de Resolução.
Entretanto,
enquanto o pau levanta, folgam as costas.
2017.03.31 – Louro de Carvalho
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