Passa hoje, 7
de março, o 60.º aniversário da RTP, por ter sido neste dia de março de 1957
que a estação de televisão iniciou as emissões regulares, tendo a 1.ª emissão
experimental começado em 4 de setembro de 1956 nas instalações da Feira
Popular. Obviamente, seis décadas da caixa que também em Portugal mudou o mundo
merecem o brinde coletivo no champanhe por este portento da comunicação social.
Com efeito, a televisão constitui o avanço comunicacional a seguir ao cinema e
à rádio, sem qualquer menosprezo pelos jornais, revistas e cartazes.
***
Não obstante,
é de muito mau gosto o espetáculo que entrou pelas nossas casas no passado
domingo com a final do festival RTP da canção 2017. Se foi interessante a retrospetiva
dos festivais, o historial, por amostragem, de programas significativos da
operadora no passado e a memória dos dirigentes, colaboradores, trabalhadores e
prestadores de serviços na constelação da RTP, desde 2004 também com a valência
radiofónica, tornou-se ridículo o desfile de tantos apresentadores, jornalistas
e quejandos a endeusar a RTP e a louvarem-se no autoencómio à inteligência e
voluntarismo da televisão pública como se fora a unigénita pérola das virtudes
comunicacionais – no atinente ao serviço público, ao perfeito espelho que se
julga na nação pluricontinental e plurirracial, à impecabilidade, à
independência – a ponto de alguém (um apresentador ainda frangão) ter feito uma referência arrogante aos
“pseudoconcorrentes” porque alegadamente a televisão estatal não tem
concorrentes (afinal,
estava a ali como convidado o Presidente da “Impresa” que detém a propriedade
da SIC e um representante da TVI).
Porém,
consultado o site da estação pública,
não se fica com uma impressão melhor do teor da História da RTP, embora
obviamente algumas referências sejam objetivas e factuais.
É verdade que
“a RTP tem um riquíssimo e inigualável património audiovisual (sons e imagens)”, mas é excessivo dizer-se “que se
confunde com a história de Portugal”. E, para se justificar a sua existência de
80 anos, afirma-se que “as primeiras emissões regulares de rádio iniciaram-se
em 1935 e as de televisão em 1957”, quando, até 2004, TV portuguesa institucionalmente
nada tinha a ver com a rádio. No entanto, entre verdades, esquece-se o mérito
de outros intervenientes no panorama comunicacional português:
“Com 80 anos de Rádio, 58 de Televisão [Então não são 60?] e 17 de online, um universo
diversificado de marcas de televisão, rádio e online, através do(s)
site(s) e redes sociais, a RTP é a empresa de media com mais
história e tradição na comunicação social portuguesa. A inovação tem sido,
desde sempre, uma aposta da RTP. Pioneira em diversas áreas e tecnologias, com
uma cada vez maior e efetiva oferta multiplataforma, transversal, com tónica em
soluções de interatividade, apostando permanentemente em formatos
diferenciadores.”.
Pensando em
termos de comunicação áudio, é claro que o “Rádio Clube Português” (RCP) a “Emissora Nacional”(EN) e a “Rádio Renascença” (RR) têm maior
antiguidade cronológica. O
RCP, fundado em 1931, resultou da expansão do “Rádio Clube da Costa do Sol,
CT1GL”, de Jorge Botelho Moniz, oficial do Exército que participou no Movimento
de 28 de maio de 1926. Durante o Estado Novo, o RCP tornou-se uma estação de
referência, tendo obtido, em 1953, autorização para instalar uma rede de
estações de televisão, o que deu origem à RTP (Radiotelevisão
Portuguesa), sendo o
RCP o seu maior acionista logo a seguir ao Estado. Em 1954, O RCP foi pioneiro
em Portugal das emissões por modulação de frequência e, no ano seguinte, foi
ativado em Miramar, Vila Nova de Gaia, o primeiro emissor de ondas médias de
potência superior a 50 KW. No começo de 1960, a passagem dos estúdios do RCP da
Parede (Cascais) para Lisboa, por decisão de
Alberto Lima Bastos, um fundador da rádio, trouxe uma profunda alteração na
vida da estação. As principais razões de tal passagem têm a ver com o facto de
Lisboa ser o centro dos negócios do país e com o de o aumento urbano da Parede,
a pouco mais de vinte quilómetros da capital, ameaçar a qualidade das emissões.
Como o
primeiro comunicado do Movimento das Forças Armadas, transmitido na madrugada
de 25 de abril de 1974, foi feito aos microfones do RCP, e na sequência da
revolução de 25 de Abril, a estação passou a ostentar o lema “Emissora da
Liberdade” e foi nacionalizada em dezembro de 1975, fazendo com a EN a
Radiodifusão Portuguesa (RDP), que herda a EN 1 e a EN 2 e o
canal do RCP, a partir de 1979, passa a designar-se por Rádio Comercial. Entretanto,
em finais da década de 80, a “Correio da Manhã Rádio”, pertencente ao grupo
Presslivre (Correio da
Manhã), começa as suas
emissões, na rede regional Sul que lhe foi concedida. E, em 1993, o Estado
decide privatizar a Rádio Comercial, vendendo-a ao grupo Presslivre.
Por sua vez,
a EN foi inaugurada, depois de várias emissões experimentais, no dia 1 de agosto
de 1935 e teve como primeiro diretor o militar Henrique Galvão. As primeiras
emissões eram repartidas por dois períodos do dia e reuniam à volta dos
aparelhos grande número de pessoas. Numa 1.ª fase, locais públicos ou espaços
comerciais eram também lugares de reunião das pessoas para ouvirem as emissões.
O elevado preço dos recetores levou a EN a promover a venda de rádios de baixo
custo em campanhas que induziram a generalização dos aparelhos nas casas do
país.
As emissões
começaram por ter como público as elites intelectuais e financeiras do país,
mas com o tempo começaram a incluir-se momentos de cariz mais popular como
espetáculos de fado e programas de agricultura. A rádio pública, integrada na
empresa RTP desde 2004, é a herdeira do espólio da Emissora Nacional.
E a Rádio Renascença MHM é uma emissora de radiodifusão de inspiração católica pertencente ao
Patriarcado de Lisboa e à Conferência Episcopal Portuguesa através do Grupo Renascença Multimédia. Sendo uma das estações de rádio mais
conhecidas em Portugal e uma das grandes emissoras portuguesas nascidas na
década de 1930, é a única que mantém inalterado o nome inicial. Fundada por Monsenhor Manuel Lopes da Cruz, as suas emissões
experimentais tiveram início em junho de 1936 com um emissor instalado em
Lisboa e, a 1 de janeiro do ano seguinte, iniciaram-se as emissões regulares.
Um mês depois do início das emissões diárias, os estúdios da Rua Capelo ficaram
prontos e a RR instalou-se nesse local onde ainda hoje permanece.
Ocupada, em
1975, por um grupo de trabalhadores, em dezembro desse ano foi devolvida à
Igreja Católica e, ao contrário da quase totalidade das emissoras existentes,
nunca chegou a ser nacionalizada. Em 1986, passou a emitir duas programações
distintas, 24 horas por dia, através da RR (OM e FM nacionais) e da RFM (FM nacional).
Posteriormente, em 1998, criou a Mega FM, para o público mais
jovem, e, em 2008, a Rádio Sim, para
o público mais idoso.
Além destes
canais, a RR emitia programação de âmbito regional em OM e FM a partir de
estúdios próprios instalados sucessivamente em diversas cidades, até ao dia 4
de agosto de 2008, dia em que as emissoras regionais se converteram em
emissores regionais Stéreo da
nova Rádio Sim, com programação
pensada principalmente para a “Idade de Ouro” / “3.ª Idade”.
***
Voltando à
RTP,
Entre 1954 e
1955, o Gabinete de Estudos da então EN estudou o projeto para o início de uma
rede de televisão nacional, sendo um dos principais impulsionadores Marcelo
Caetano, que aconselhou Salazar nesse
sentido. Assim, por iniciativa do Governo, foi constituída a RTP - Radiotelevisão Portuguesa,
S.A.R.L., a 15 de dezembro de 1955, com
o capital social de 60 milhões de
escudos (tripartido
entre o Estado, emissoras de radiodifusão privadas e particulares). As
emissões experimentais da RTP e as emissões regulares iniciaram-se nas datas e
termos referidos acima. No dia 20 de outubro de 1959, a RTP tornou-se membro da
UER (União Europeia de
Radiodifusão) – e, em
meados dos anos 1960, passou a ser transmitida para todo o país. No dia 25 de
dezembro de 1968, comemorou-se o Natal com a criação do 2.º canal
da RTP em UHF (a partir
de 16-10-1978 designado por RTP 2). Mais tarde (na década de 70), dois canais regionais iniciaram a sua atividade nos Açores
e na Madeira.
Após a
revolução abrilina, o estatuto da radiotelevisão foi alterado. Em 1975, a RTP
foi nacionalizada, transformando-se na empresa pública Radiotelevisão Portuguesa EP. Em 1976, a RTP inaugurou as novas
instalações situadas na Avenida 5 de
Outubro, em Lisboa, e iniciou as emissões regulares a cores a 7 de março
de 1980, depois de algumas experiências técnicas, contudo grande parte da
população ainda não dispunha de equipamentos a cores. No dia 10 de junho de
1992, iniciaram-se as transmissões da RTP
Internacional; e a 14 de agosto de 1992, a RTP transformou-se em sociedade
anónima de capitais exclusivamente públicos (a Radiotelevisão Portuguesa, SA). No dia 7 de janeiro de 1998, iniciaram-se as
emissões regulares da RTP África. A
11 de maio de 2000, a RTP – com a RDP e a agência
Lusa – passa a integrar a sociedade anónima de capitais
exclusivamente públicos denominada Portugal
Global, SGPS, SA.
Entretanto, em
22 de agosto de 2003, a Portugal Global
foi extinta, tendo sido feita a reestruturação do setor empresarial do Estado
na área do audiovisual. Entre outras alterações, transformou-se a Radiotelevisão Portuguesa, SA, sociedade
anónima de capitais exclusivamente públicos, numa nova sociedade gestora de
participações sociais, denominada Rádio e
Televisão de Portugal, SGPS, SA. Foi ainda criada uma sociedade anónima de
capitais exclusivamente públicos designada Radiotelevisão
Portuguesa – Serviço Público de Televisão, SA.
A 5 de janeiro de 2004, a RTP 2 deu lugar a um novo canal
denominado “2:”. Ainda em 2004, foi
criado o canal noticioso da RTP, a RTPN, e o canal dedicado aos
programas que fizeram história na RTP, a RTP Memória. Em 2007, a RTP
comemorou os 50 anos de emissões em Portugal,
inaugurando, o novo Complexo de estúdios de Chelas, junto às instalações da RTP
e RDP, inauguradas em 2004. Este complexo possui meios técnicos atuais e
modernos prontos para o arranque da emissão da TDT (Televisão Digital Terrestre). E foi adquirido um enorme carro de
exteriores totalmente equipado para emissão em HDTV High Definition Television
(Televisão de Alta
Definição).
Também, em
2007, a Rádio e Televisão de Portugal,
SGPS, SA, é transformada em Rádio e
Televisão de Portugal, SA, sendo nela incorporadas a Radiodifusão Portuguesa, SA; a Radiotelevisão
Portuguesa – Serviço Público de Televisão, SA; e a Radiotelevisão Portuguesa – Meios de Produção, SA. A 19 de março desse
ano, a “2:” retomou a designação
original, RTP 2, com nova identidade. E, a 19 de setembro de 2011, a RTPN tornou-se
a RTP
Informação.
Em 5 de
outubro de 2015 a RTP Informação muda
de nome para RTP 3. E, a 1 de dezembro de 2016, a RTP 3
e a RTP Memória entram para a TDT.
O aparecimento das estações privadas
de televisão na década de 90 e a criação de novos canais de televisão em 2002, as
novas plataformas e a evolução tecnológica foram decisivos no panorama
audiovisual português, revolucionaram o mercado e abriram novos desafios e
oportunidades à RTP, como às demais operadoras de TV.
É óbvio que,
graças ao apoio do Estado, à taxa do audiovisual, cobrada com a conta de
eletricidade, e à publicidade, quase como nas demais estações, a RTP consegue
dizer:
“Experiência, know how, qualidade, inovação, responsabilidade,
seriedade, confiança, competência, profissionalismo fazem da RTP um player fundamental
que dá resposta às necessidades cada vez mais específicas e exigentes do seu
público”.
Porém, de
verdade, “a RTP é pioneira na área das novas tecnologias” e “a sua oferta
integra, desde 2011, a RTP Play, serviço pioneiro para visualização e escuta de
emissões online bem como de programas em on-demand”. Também é certo que, “no âmbito da
responsabilidade social, a RTP+ desenvolve e divulga inúmeras iniciativas e tem
contribuído, de forma séria e efetiva, para melhorar a vida de diversas
instituições e sedimentar as causas que abraça”.
E o Primeiro-Ministro, que visitou as instalações da RTP em dia de
aniversário e de lançamento do novo
arquivo digital, declarou que “a RTP tem uma função única na “promoção da
criação cultural e na preservação do património histórico”. Enaltecendo “o
trabalho de todos os que ao longo de seis décadas trabalharam e trabalham hoje
na RTP”, lembrou que “o Governo que lidera ‘é o primeiro’ que não determinou
“nem mudança da administração, nem das direções da RTP”, mas de tutela”. E
referiu a importância e a “função única” que a televisão pública tem tido na
defesa da língua, que classificou de idioma “global” e com “projeção por todos
os continentes”, sustentando que o facto de a RTP ser hoje tutelada pelo Ministro
da Cultura decorre da visão, como realçou, “daquilo que deve ser a RTP,
enquanto serviço público”.
Quanto ao
novo arquivo histórico, Costa congratulou-se com o facto de este património
estar já disponível e acessível a todos os cidadãos, que em suas casas e
através da Internet podem passar a consultar mais de 6500 conteúdos, sendo
esta, como realçou, uma razão acrescida que justifica que o serviço público de
televisão seja hoje um bem “cada vez mais necessário”.
Para o Chefe
do Governo, o arquivo digital assume uma “elevada importância” para o
conhecimento e estudo da História de Portugal nos últimos 60 anos, sendo
igualmente determinante, como referiu, para “todos os portugueses” que
“quiserem matar saudades” dos seus programas favoritos das décadas de 70 ou 80.
Também o
ministro da Cultura afirmou que a transformação operada na RTP, “com uma maior
ousadia em termos culturais”, corresponde “à vontade do Governo” e vai ao
encontro do que deve ser um verdadeiro serviço público de televisão. E,
referindo-se à TDT, lembrou que dois dos quatro canais abertos já foram ocupados
pelo serviço público e que os outros dois “estão abertos aos privados”, vindo o
concurso a avançar “quando estiverem reunidas as condições”.
***
É pena que
alguns dos programas da TV pública sejam medíocres e que, por vezes, tenham
pouco de serviço público, mais de guerra de audiências e instrumento de caça à
publicidade. É criticável o facto de os Governos tentarem o controlo da RTP,
daqui resultando que ora haja problemas na e com a TV pública, servindo esta de
arma de arremesso partidário, ora ela apareça demasiado colada à tutela, ora
caprichosamente contra, menos vezes. E, se é plural, se serve, se presta bom
serviço público, não faz mais que a sua obrigação: é paga para isso!
2017.03.07 – Louro de Carvalho
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