terça-feira, 7 de março de 2017

Faz 60 anos a RTP: uma História de seis décadas

Passa hoje, 7 de março, o 60.º aniversário da RTP, por ter sido neste dia de março de 1957 que a estação de televisão iniciou as emissões regulares, tendo a 1.ª emissão experimental começado em 4 de setembro de 1956 nas instalações da Feira Popular. Obviamente, seis décadas da caixa que também em Portugal mudou o mundo merecem o brinde coletivo no champanhe por este portento da comunicação social. Com efeito, a televisão constitui o avanço comunicacional a seguir ao cinema e à rádio, sem qualquer menosprezo pelos jornais, revistas e cartazes.
***
Não obstante, é de muito mau gosto o espetáculo que entrou pelas nossas casas no passado domingo com a final do festival RTP da canção 2017. Se foi interessante a retrospetiva dos festivais, o historial, por amostragem, de programas significativos da operadora no passado e a memória dos dirigentes, colaboradores, trabalhadores e prestadores de serviços na constelação da RTP, desde 2004 também com a valência radiofónica, tornou-se ridículo o desfile de tantos apresentadores, jornalistas e quejandos a endeusar a RTP e a louvarem-se no autoencómio à inteligência e voluntarismo da televisão pública como se fora a unigénita pérola das virtudes comunicacionais – no atinente ao serviço público, ao perfeito espelho que se julga na nação pluricontinental e plurirracial, à impecabilidade, à independência – a ponto de alguém (um apresentador ainda frangão) ter feito uma referência arrogante aos “pseudoconcorrentes” porque alegadamente a televisão estatal não tem concorrentes (afinal, estava a ali como convidado o Presidente da “Impresa” que detém a propriedade da SIC e um representante da TVI).
Porém, consultado o site da estação pública, não se fica com uma impressão melhor do teor da História da RTP, embora obviamente algumas referências sejam objetivas e factuais.
É verdade que “a RTP tem um riquíssimo e inigualável património audiovisual (sons e imagens)”, mas é excessivo dizer-se “que se confunde com a história de Portugal”. E, para se justificar a sua existência de 80 anos, afirma-se que “as primeiras emissões regulares de rádio iniciaram-se em 1935 e as de televisão em 1957”, quando, até 2004, TV portuguesa institucionalmente nada tinha a ver com a rádio. No entanto, entre verdades, esquece-se o mérito de outros intervenientes no panorama comunicacional português:  
“Com 80 anos de Rádio, 58 de Televisão [Então não são 60?] e 17 de online, um universo diversificado de marcas de televisão, rádio e online, através do(s) site(s) e redes sociais, a RTP é a empresa de media com mais história e tradição na comunicação social portuguesa. A inovação tem sido, desde sempre, uma aposta da RTP. Pioneira em diversas áreas e tecnologias, com uma cada vez maior e efetiva oferta multiplataforma, transversal, com tónica em soluções de interatividade, apostando permanentemente em formatos diferenciadores.”.
Pensando em termos de comunicação áudio, é claro que o “Rádio Clube Português” (RCP) a “Emissora Nacional”(EN) e a “Rádio Renascença” (RR) têm maior antiguidade cronológica. O RCP, fundado em 1931, resultou da expansão do “Rádio Clube da Costa do Sol, CT1GL”, de Jorge Botelho Moniz, oficial do Exército que participou no Movimento de 28 de maio de 1926. Durante o Estado Novo, o RCP tornou-se uma estação de referência, tendo obtido, em 1953, autorização para instalar uma rede de estações de televisão, o que deu origem à RTP (Radiotelevisão Portuguesa), sendo o RCP o seu maior acionista logo a seguir ao Estado. Em 1954, O RCP foi pioneiro em Portugal das emissões por modulação de frequência e, no ano seguinte, foi ativado em Miramar, Vila Nova de Gaia, o primeiro emissor de ondas médias de potência superior a 50 KW. No começo de 1960, a passagem dos estúdios do RCP da Parede (Cascais) para Lisboa, por decisão de Alberto Lima Bastos, um fundador da rádio, trouxe uma profunda alteração na vida da estação. As principais razões de tal passagem têm a ver com o facto de Lisboa ser o centro dos negócios do país e com o de o aumento urbano da Parede, a pouco mais de vinte quilómetros da capital, ameaçar a qualidade das emissões.
Como o primeiro comunicado do Movimento das Forças Armadas, transmitido na madrugada de 25 de abril de 1974, foi feito aos microfones do RCP, e na sequência da revolução de 25 de Abril, a estação passou a ostentar o lema “Emissora da Liberdade” e foi nacionalizada em dezembro de 1975, fazendo com a EN a Radiodifusão Portuguesa (RDP), que herda a EN 1 e a EN 2 e o canal do RCP, a partir de 1979, passa a designar-se por Rádio Comercial. Entretanto, em finais da década de 80, a “Correio da Manhã Rádio”, pertencente ao grupo Presslivre (Correio da Manhã), começa as suas emissões, na rede regional Sul que lhe foi concedida. E, em 1993, o Estado decide privatizar a Rádio Comercial, vendendo-a ao grupo Presslivre.
Por sua vez, a EN foi inaugurada, depois de várias emissões experimentais, no dia 1 de agosto de 1935 e teve como primeiro diretor o militar Henrique Galvão. As primeiras emissões eram repartidas por dois períodos do dia e reuniam à volta dos aparelhos grande número de pessoas. Numa 1.ª fase, locais públicos ou espaços comerciais eram também lugares de reunião das pessoas para ouvirem as emissões. O elevado preço dos recetores levou a EN a promover a venda de rádios de baixo custo em campanhas que induziram a generalização dos aparelhos nas casas do país.
As emissões começaram por ter como público as elites intelectuais e financeiras do país, mas com o tempo começaram a incluir-se momentos de cariz mais popular como espetáculos de fado e programas de agricultura. A rádio pública, integrada na empresa RTP desde 2004, é a herdeira do espólio da Emissora Nacional.
E a Rádio Renascença MHM é uma emissora de radiodifusão de inspiração católica pertencente ao Patriarcado de Lisboa e à Conferência Episcopal Portuguesa através do Grupo Renascença Multimédia. Sendo uma das estações de rádio mais conhecidas em Portugal e uma das grandes emissoras portuguesas nascidas na década de 1930, é a única que mantém inalterado o nome inicial. Fundada por Monsenhor Manuel Lopes da Cruz, as suas emissões experimentais tiveram início em junho de 1936 com um emissor instalado em Lisboa e, a 1 de janeiro do ano seguinte, iniciaram-se as emissões regulares. Um mês depois do início das emissões diárias, os estúdios da Rua Capelo ficaram prontos e a RR instalou-se nesse local onde ainda hoje permanece.
Ocupada, em 1975, por um grupo de trabalhadores, em dezembro desse ano foi devolvida à Igreja Católica e, ao contrário da quase totalidade das emissoras existentes, nunca chegou a ser nacionalizada. Em 1986, passou a emitir duas programações distintas, 24 horas por dia, através da RR (OM e FM nacionais) e da RFM (FM nacional). Posteriormente, em 1998, criou a Mega FM, para o público mais jovem, e, em 2008, a Rádio Sim, para o público mais idoso.
Além destes canais, a RR emitia programação de âmbito regional em OM e FM a partir de estúdios próprios instalados sucessivamente em diversas cidades, até ao dia 4 de agosto de 2008, dia em que as emissoras regionais se converteram em emissores regionais Stéreo da nova Rádio Sim, com programação pensada principalmente para a “Idade de Ouro” / “3.ª Idade”.
***
Voltando à RTP,
Entre 1954 e 1955, o Gabinete de Estudos da então EN estudou o projeto para o início de uma rede de televisão nacional, sendo um dos principais impulsionadores Marcelo Caetano, que aconselhou Salazar nesse sentido. Assim, por iniciativa do Governo, foi constituída a RTP - Radiotelevisão Portuguesa, S.A.R.L., a 15 de dezembro de 1955, com o capital social de 60 milhões de  escudos (tripartido entre o Estado, emissoras de radiodifusão privadas e particulares). As emissões experimentais da RTP e as emissões regulares iniciaram-se nas datas e termos referidos acima. No dia 20 de outubro de 1959, a RTP tornou-se membro da UER (União Europeia de Radiodifusão) – e, em meados dos anos 1960, passou a ser transmitida para todo o país. No dia 25 de dezembro de 1968, comemorou-se o Natal com a criação do 2.º canal da RTP em UHF (a partir de 16-10-1978 designado por RTP 2). Mais tarde (na década de 70), dois canais regionais iniciaram a sua atividade nos Açores e na Madeira.
Após a revolução abrilina, o estatuto da radiotelevisão foi alterado. Em 1975, a RTP foi nacionalizada, transformando-se na empresa pública Radiotelevisão Portuguesa EP. Em 1976, a RTP inaugurou as novas instalações situadas na Avenida 5 de Outubro, em Lisboa, e iniciou as emissões regulares a cores a 7 de março de 1980, depois de algumas experiências técnicas, contudo grande parte da população ainda não dispunha de equipamentos a cores. No dia 10 de junho de 1992, iniciaram-se as transmissões da RTP Internacional; e a 14 de agosto de 1992, a RTP transformou-se em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos (a Radiotelevisão Portuguesa, SA). No dia 7 de janeiro de 1998, iniciaram-se as emissões regulares da RTP África. A 11 de maio de 2000, a RTP – com a RDP e a agência Lusa – passa a integrar a sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos denominada Portugal Global, SGPS, SA.
Entretanto, em 22 de agosto de 2003, a Portugal Global foi extinta, tendo sido feita a reestruturação do setor empresarial do Estado na área do audiovisual. Entre outras alterações, transformou-se a Radiotelevisão Portuguesa, SA, sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, numa nova sociedade gestora de participações sociais, denominada Rádio e Televisão de Portugal, SGPS, SA. Foi ainda criada uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos designada Radiotelevisão Portuguesa – Serviço Público de Televisão, SA.
A 5 de janeiro de 2004, a RTP 2 deu lugar a um novo canal denominado “2:”. Ainda em 2004, foi criado o canal noticioso da RTP, a RTPN, e o canal dedicado aos programas que fizeram história na RTP, a RTP Memória. Em 2007, a RTP comemorou os 50 anos de emissões em Portugal, inaugurando, o novo Complexo de estúdios de Chelas, junto às instalações da RTP e RDP, inauguradas em 2004. Este complexo possui meios técnicos atuais e modernos prontos para o arranque da emissão da TDT (Televisão Digital Terrestre). E foi adquirido um enorme carro de exteriores totalmente equipado para emissão em HDTV High Definition Television (Televisão de Alta Definição).
Também, em 2007, a Rádio e Televisão de Portugal, SGPS, SA, é transformada em Rádio e Televisão de Portugal, SA, sendo nela incorporadas a Radiodifusão Portuguesa, SA; a Radiotelevisão Portuguesa – Serviço Público de Televisão, SA; e a Radiotelevisão Portuguesa – Meios de Produção, SA. A 19 de março desse ano, a “2:” retomou a designação original, RTP 2, com nova identidade. E, a 19 de setembro de 2011, a RTPN tornou-se a RTP Informação.
Em 5 de outubro de 2015 a RTP Informação muda de nome para RTP 3. E, a 1 de dezembro de 2016, a RTP 3 e a RTP Memória entram para a TDT.
O aparecimento das estações privadas de televisão na década de 90 e a criação de novos canais de televisão em 2002, as novas plataformas e a evolução tecnológica foram decisivos no panorama audiovisual português, revolucionaram o mercado e abriram novos desafios e oportunidades à RTP, como às demais operadoras de TV.
É óbvio que, graças ao apoio do Estado, à taxa do audiovisual, cobrada com a conta de eletricidade, e à publicidade, quase como nas demais estações, a RTP consegue dizer:
“Experiência, know how, qualidade, inovação, responsabilidade, seriedade, confiança, competência, profissionalismo fazem da RTP um player fundamental que dá resposta às necessidades cada vez mais específicas e exigentes do seu público”.
Porém, de verdade, “a RTP é pioneira na área das novas tecnologias” e “a sua oferta integra, desde 2011, a RTP Play, serviço pioneiro para visualização e escuta de emissões online bem como de programas em on-demand”. Também é certo que, “no âmbito da responsabilidade social, a RTP+ desenvolve e divulga inúmeras iniciativas e tem contribuído, de forma séria e efetiva, para melhorar a vida de diversas instituições e sedimentar as causas que abraça”.
E o Primeiro-Ministro, que visitou as instalações da RTP em dia de aniversário e de lançamento do novo arquivo digital, declarou que “a RTP tem uma função única na “promoção da criação cultural e na preservação do património histórico”. Enaltecendo “o trabalho de todos os que ao longo de seis décadas trabalharam e trabalham hoje na RTP”, lembrou que “o Governo que lidera ‘é o primeiro’ que não determinou “nem mudança da administração, nem das direções da RTP”, mas de tutela”. E referiu a importância e a “função única” que a televisão pública tem tido na defesa da língua, que classificou de idioma “global” e com “projeção por todos os continentes”, sustentando que o facto de a RTP ser hoje tutelada pelo Ministro da Cultura decorre da visão, como realçou, “daquilo que deve ser a RTP, enquanto serviço público”.
Quanto ao novo arquivo histórico, Costa congratulou-se com o facto de este património estar já disponível e acessível a todos os cidadãos, que em suas casas e através da Internet podem passar a consultar mais de 6500 conteúdos, sendo esta, como realçou, uma razão acrescida que justifica que o serviço público de televisão seja hoje um bem “cada vez mais necessário”.
Para o Chefe do Governo, o arquivo digital assume uma “elevada importância” para o conhecimento e estudo da História de Portugal nos últimos 60 anos, sendo igualmente determinante, como referiu, para “todos os portugueses” que “quiserem matar saudades” dos seus programas favoritos das décadas de 70 ou 80.
Também o ministro da Cultura afirmou que a transformação operada na RTP, “com uma maior ousadia em termos culturais”, corresponde “à vontade do Governo” e vai ao encontro do que deve ser um verdadeiro serviço público de televisão. E, referindo-se à TDT, lembrou que dois dos quatro canais abertos já foram ocupados pelo serviço público e que os outros dois “estão abertos aos privados”, vindo o concurso a avançar “quando estiverem reunidas as condições”.
***
É pena que alguns dos programas da TV pública sejam medíocres e que, por vezes, tenham pouco de serviço público, mais de guerra de audiências e instrumento de caça à publicidade. É criticável o facto de os Governos tentarem o controlo da RTP, daqui resultando que ora haja problemas na e com a TV pública, servindo esta de arma de arremesso partidário, ora ela apareça demasiado colada à tutela, ora caprichosamente contra, menos vezes. E, se é plural, se serve, se presta bom serviço público, não faz mais que a sua obrigação: é paga para isso!
2017.03.07 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário