sexta-feira, 24 de março de 2017

Padre Rutílio Grande, Mártir da Libertação dos Oprimidos

Passa hoje, dia 24 de março, o 37.º aniversário do assassinato do Beato Oscar Romero, cujo processo de canonização parece estar perto do seu termo e cujo centenário do nascimento mereceu para a Igreja salvadorenha a concessão de um ano jubilar especial.
Segundo a Rádio Vaticano, a “Missio” promove inúmeras iniciativas para este 25.° Dia de Oração e Jejum em memória dos missionários mártires. Esta celebração anual faz memória daqueles que, no decorrer dos séculos, imolaram a própria vida proclamando o primado de Jesus no Evangelho até as últimas consequências e recordando o valor supremo da vida, que é dom para todos. O lema deste ano, “Não tenhais medo!”, é dedicado, em especial, a Dom Romero e ao Padre Ragheed.
Em 24 de março de 1980, foi brutalmente assassinado o Arcebispo de San Salvador Dom Óscar Arnulfo Romero, durante a celebração da Eucaristia no Hospital da Providência, em San Salvador.  Dom Romero, que completaria 100 anos a 15 de agosto de 2017, foi beatificado em 23 de maio de 2015.
A noite do próximo sábado será dedicada ao arcebispo mártir e ao povo salvadorenho com a apresentação de um musical inspirado na sua vida, no Teatro “Sala Vignoli”, em Roma.
Ragheed era um jovem sacerdote católico iraquiano de rito caldeu, nascido em 20 de janeiro de 1972. Viveu longo tempo em Roma (de 1996 a 2003) como hóspede do Pontifício Colégio irlandês, a concluir os estudos na Pontifícia Universidade São Tomás de Aquino, o Angelicum.
Foi barbaramente assassinado em Mossul a 3 de junho de 2007, na saída da sua paróquia, por se ter recusado a fechar a igreja como haviam determinado os jihadistas. Um momento de oração na noite passada, no Colégio irlandês, evocou os 10 anos da sua morte.
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Porém, não pode ficar no olvido a memória do Padre Rutilio Grande, mártir da libertação dos oprimidos e inspirador de Romero e cujo assassinato provocou mudança radical na postura deste arcebispo também assassinado in odium fidei, no dia 24 de março de há 37 anos.
No dia 12 de março de 1977 (fez há pouco 40 anos), o padre jesuíta Rutilio Grande, – acompanhado por Manuel Solorzano, de 72 anos, e de Nelson Rutilio Lemus, de 16 – conduzia o Jeep cedido pelo Arcebispo Dom Oscar Romero na estrada entre a cidade de Aguilares com o município de O Paisnal, para celebrar a missa da novena de São José, quando os três caíram numa emboscada e foram brutalmente assassinados por esquadrões da morte.
Segundo o site da Irmandade dos Mártires, ao saber do tríplice assassinato, o Arcebispo, que era amigo de Rutilio, foi ao local onde os três corpos estavam e celebrou a missa. Em seguida, passou várias horas a ouvir os agricultores locais, tomando conhecimento das suas histórias pessoais de sofrimento e das horas em oração. Na manhã seguinte, depois de se encontrar com os sacerdotes e conselheiros, decidiu não participar em quaisquer atividades em conjunto com o Governo e o Presidente – sendo ambas atividades tradicionais – até que este tríplice assassinato fosse investigado. Como nenhuma investigação foi feita, Romero nunca mais participou em qualquer cerimónia do Estado, nos seus 3 anos como Arcebispo de San Salvador. 
E, no domingo seguinte, em protesto contra os assassinatos de Rutilio Grande e companheiros, cancelou as missas em toda a Arquidiocese e convocou a todas as comunidades para celebrarem uma missa na Catedral de San Salvador. 
Os Bispos de outras igrejas salvadorenhos criticaram esta sua decisão. Contudo, mais de 150 sacerdotes concelebraram a Missa e mais de 100.000 pessoas se reuniram na catedral para participarem na celebração e ouvirem o Arcebispo Oscar Romero a pedir o fim da violência.
Na homilia, Romero considerou:
“O Padre Rutilio Grande era como um irmão para mim. Em momentos culminantes da minha vida, ele estava muito perto de mim e nunca esquecerei tais gestos, mas o momento não é de pensar pessoalmente, mas para recolher deste corpo uma mensagem para todos nós, que seguimos peregrinando.”.
Depois, fez uma aproximação às palavras de Paulo VI, evidenciando as diretrizes para entender a ação de Rutilio Grande
“A mensagem que eu quero tirar das palavras do Papa, quando fala da evangelização, dá-nos as diretrizes para entender Rutilio Grande: qual o compromisso da Igreja universal com a luta para a libertação de tanta miséria?’ E o Papa recorda que, no Sínodo de 1974, as vozes dos Bispos de todo o mundo, representadas principalmente naqueles bispos do Terceiro Mundo, diziam sobre: ‘A angústia desse povo com a pobreza, a fome, a marginalização’.”.
Marcando o dever da Igreja perante estas situações, declarou:
“E a Igreja não pode estar ausente na luta de libertação, mas sim presente na luta para levantar, para dignificar o homem. Tem que ser uma mensagem, uma presença muito original, uma presença que o mundo não pode entender, mas leva a esperança da vitória, do êxito.”.
Justificou a razão do tríplice assassinato nos termos seguintes:
“O verdadeiro amor pela Igreja e pelo Povo é que fez com que Rutilio Grande e os dois camponeses fossem martirizados. Assim, amou a Igreja, morreu com eles e os apresentou para a transcendência do céu. Ele os ama. E é significativo que, enquanto o Padre Rutilio Grande caminhou para o seu povoado para levar a mensagem da missa e da salvação, é que foi assassinado, que caiu crivado. Um sacerdote com os seus camponeses caminha para o seu povoado para se identificar com eles, para viver com eles, não uma inspiração revolucionária, mas sim uma inspiração de amor e precisamente porque é o amor que nos inspira a sermos irmãos.”. 
Interpelando os criminosos, desafiou:
“Quem sabe se os criminosos não estão escutando estas palavras em seu rádio, enquanto vão para o seu esconderijo? Queremos dizer, aos irmãos criminosos, nós vos amamos e pedimos a Deus para o arrependimento dos seus corações, porque a Igreja não pode odiar os inimigos. Somente são inimigos os que se declaram: ‘Perdoai-lhes, Pai, porque eles não sabem o que fazem’.”
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Na Missa de 13 de fevereiro de 1977, Rutilio, no “sermão de Apopa” (com pano de fundo a expulsão governamental do Padre Bernal), denunciava: “A Eucaristia que estamos a celebrar alimenta este nosso ideal de uma mesa comum para todos, com um lugar para cada um e Cristo no meio”.
Assim, Oscar Romero dizia ter sido o exemplo do Padre Rutilio Grande e a sua morte que o convenceram a pôr-se decididamente ao lado dos pobres de El Salvador.
Na verdade, o grande e lúcido objetivo de Rutílio Grande traduz-se na construção de “pequenas comunidades vivas de mulheres e homens novos, conscientes da própria vocação humana, capazes de se tornarem protagonistas do seu próprio destino individual e social; alavancas de transformação” – as denominadas comunidades eclesiais de base.
No fundamento de tal objetivo está a irmandade comum, baseada na paternidade comum:
"Nós temos um Pai comum, então somos todos filhos do mesmo Pai, mas nós nascemos do ventre de mães diferentes. Portanto, somos todos irmãos.".
Daqui se tira uma consequência obrigacional prática:
"Queremos ser a voz dos que não têm voz para denunciar todos os abusos contra os direitos humanos. Que a justiça seja feita, que não fiquem impunes os criminosos, que se reconheça quem são os criminosos e se dê uma indemnização justa para as famílias que ficaram desamparadas."
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Por conseguinte, a Igreja tomou a peito a preparação do processo de beatificação do Padre Rutilio Grande. Nestes termos, segundo o padre jesuíta, José María Tojeira, o Arcebispo de San Salvador, Dom José Luis Escobar, anunciou na reunião do clero, do dia 4 de março de 2014, o início da investigação sobre a vida do Padre Rutilio Grande, iniciando-se, dessa forma, o processo da causa da sua beatificação. Tojeira explicou na ocasião:
“É preciso abrir um processo diocesano, este ainda não está aberto, mas disse (o Arcebispo) que já havia encarregado um sacerdote para que fosse buscando material para poder abrir o processo diocesano para a causa de beatificação de Rutilio Grande como mártir”.
Como já se entredisse, Rutilio, em suas homilias e trabalho denunciou sempre as desigualdades da época e o seu assassinato deu-se para calar as suas denúncias. Foi precisamente esse facto o que inspirou o então Arcebispo de San Salvador, Dom Oscar Arnulfo Romero, a denunciar a injustiça social – o que deu azo a que Romero fosse assassinado pela mesma causa no dia 24 de março de 1980. A este propósito, disse Tojeira:
“Nós temos que oferecer muita informação sobre ele, estamos muitos dispostos a oferecê-la. É para nós uma honra que o Arcebispo tenha fixado os seus olhos em Rutilio Grande e queira iniciar o processo de beatificação. Nós estávamos convencidos de que é um mártir, e estávamos esperando a beatificação de Dom Romero para introduzir a causa de beatificação de Rutilio, mas o Arcebispo adiantou-se.”.
Na atualidade, o gesto e a vida do Padre Rutilio são recordados de diferentes maneiras no seu município e fora dele. É sempre lembrado e é celebrada a sua memória e a sua opção pelos pobres, nas comunidades comprometidas com as mesmas causas pela qual ele caiu mártir.
(cf http://irmandadedosmartires.blogspot.pt/2015/03/galeria-dos-martires-pe-rutilio-grande.html)
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Entretanto, a 16 de agosto de 2016, foi concluída fase diocesana de canonização do Padre Rutilio Grande S J, com um ato protocolar no Arcebispado de San Salvador, após o que o processo seguiu para Roma, onde está aos cuidados dos jesuítas.

Esta cerimónia contou com a presença, entre outros, do Arcebispo de San Salvador, Dom José Luis Escobar Alas, do Núncio Apostólico León Kalenga, além de vários bispos e membros do clero e da sociedade civil. E Monsenhor Rafael Urrutia, o sacerdote encarregado das diligências, informou que a Igreja tinha pensado em terminar o processo no anterior mês novembro, mas o surgimento de novos testemunhos declarantes em favor da Causa na Califórnia, como o do então Bispo de Santiago de María, Dom William Iraheta, fez postergar a data de conclusão.
Na predita cerimónia protocolar, leram-se as cartas de trâmites incluídas na documentação que a enviar a Roma e foram evidenciados os dramáticos efeitos do pós-guerra que dificultaram a investigação do assassinato do sacerdote por interesses de pessoas influentes no país.
Quer o Juiz delegado do processo, Padre Héctor Figueroa, quer o Promotor de Justiça, Padre Efraín Villalobos, asseguraram que foi difícil encontrar testemunhos declarantes entre os leigos da região de Aguilares, onde Padre Rutilio exerceu seu ministério entre os campesinos desprotegidos, por ainda sentirem medo de falar sobre o assunto. Os documentos foram selados minuciosamente na cerimónia pela advogada Nancy Henríquez, uma das notárias do processo. E o Padre Edwin Henríquez, Vice-Postulador da Causa e Assessor do Arcebispado em temas de comunicação, foi nomeado como encarregado de levar a causa a Roma, com a missão entregar a documentação ao Padre Anton Witer, Postulador Geral dos Jesuítas.
A abertura do processo tinha sido anunciada em março de 2014 pelo Arcebispo Escobar. Em setembro de 2015, foi revelado que os jesuítas se encarregariam da Causa, visto o caso ser de interesse da Igreja universal. Em julho de 2016, Dom Vincenzo Paglia, Postulador da Causa de Oscar Romero, tinha comentado sobre a possibilidade de uma “via rápida” para o jesuíta: “esperamos que possa avançar com maior rapidez o processo do Padre Rutilio Grande”.
(cf http://br.radiovaticana.va/news/2016/08/19/conclu%C3%ADda_fase_diocesana_de_canoniza%C3%A7%C3%A3o_do_pe_rutilio_sj/1252440)
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Em cada dia 12 de março, comemora-se o martírio do Padre Rutilio Grande (nascido em 5 de julho de 1928 e pároco da sua terra desde 24 de setembro de 1972), aumentando em cada ano o número de mulheres e homens que acorrem em peregrinação ao túmulo do mártir, para recordar e celebrar o gesto de amor e de entrega de Rutilio ao dar a vida pelo povo. 
A 15 de março de 1991, foi fundada a Comunidade Rutilio Grande por um grupo de refugiados salvadorenhos recém-chegados de 11 anos de exílio na Nicarágua. Entre os projetos do grupo, conta-se a “Rádio Rutilio”, radioemissora que destaca jovens locais como apresentadores de notícias e anúncios comunitários. A comunidade colabora com uma congregação luterana estado-unidense para ministrar a educação secundária. Além disso, a comunidade mantém uma parceria de “cidades irmãs” com a cidade de Davis, na Califórnia, desde 1996.
Só me pergunto: Por que motivo for três os assassinados a 12 de março de há 30 anos e se santifica apenas um, esquecendo os outros dois? Isto, em hora de valorização do leigo e do laicado e da vocação universal (de todos e de cada um) à santidade.
Honra aos mártires – todos – pelo grito de Deus pela causa dos homens!

2017.03.24 – Louro de Carvalho

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