O Partido
Socialista (PS), através da sua página web, citando o blog “Com Regras”, refere que os
representantes de 14 associações de professores (Informática, educação musical, alemão, espanhol,
francês, inglês, educação visual e tecnológica, expressão e comunicação visual,
filosofia, geografia, história, matemática, português e educação física) afirmam, em carta aberta “o seu
apoio ao Projeto de Currículo para o século XXI, do Ministério da Educação (ME).
Nessa “carta
aberta”, as aludidas associações de diferentes áreas curriculares elogiam o
trabalho desenvolvido pelo Governo, designadamente no “Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória”, documento
orientador elaborado pelo grupo de trabalho liderado por Guilherme d’ Oliveira
Martins, e na “definição de aprendizagens
essenciais para cada área curricular”, em curso. E destacam “o papel
desempenhado pela educação e pelas escolas e o seu lugar na construção do futuro”,
o que leva a que as preditas associações proponham que “todos contribuam para a
ponderação do lugar e do papel da educação e da escola”, sobretudo da escola
pública, “pilar fundamental para a integração social e a equidade em
convivência democrática”.
Reconhecendo
os “tempos de mudanças vertiginosas e alterações constantes das condições de
vida”, os docentes estão certos de que “a educação orientada para uma profissão
para toda a vida” perde sentido desde que “a mobilidade, a precariedade e a
entropia da incessante inovação tecnológica quebraram as expectativas e o
imaginário, associados à estabilidade, também no campo laboral”. Sendo o escopo
da educação “preparar os jovens para lidar com os problemas inerentes às
sociedades multiculturais e tecnológicas” neste “mundo globalizado e
interligado”, há que dotá-los do “domínio acrescido de competências emocionais,
sociais, interculturais e de gestão da informação” e também “de maior
capacidade de adaptação e ferramentas e aplicações que se multiplicam em
permanente de flexibilidade” com vista a saberem “solucionar problemas
mobilizando conhecimentos, evolução”.
Por outro
lado, num contexto em que “estão no centro das preocupações coletivas as
preocupações com a saúde física e mental, com a equidade e a ética, com a
robótica e a inteligência artificial, com as migrações e a preservação
ambiental”, terá a educação das crianças, adolescentes e jovens de “contribuir
para configurar um futuro tão equilibrado e justo quanto possível”. Assim, o
papel da educação e das escolas e o seu lugar na construção do futuro tornam-se
“o centro de um debate premente, como questão estratégica à escala local,
nacional e mundial”. Por isso, as associações de professores em causa
manifestam o apoio às iniciativas, promovidas pelo ME, de repensarmos entre
todos – “não só por parte dos gestores das políticas educativas” – “o lugar e o
papel da educação e da escola”, sobretudo da “escola pública, pilar fundamental
para a integração social e a equidade em convivência democrática”.
Também é
verdade que a matéria esteve em discussão pública até ao passado dia 13 de
março, pelo que se esperam eventuais tomadas de posição, como é certo que o
referido documento orientador teve o contributo de grupos de professores que
trabalharam o tema nas escolas.
***
É de ter em
conta que o alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos de
escolaridade e 18 anos de idade, em resultado do estipulado pela Lei n.º
85/2009, de 27 de agosto, alterada pelo Decreto-Lei n.º 176/2012, de 2 de
agosto, não dispunha de um documento orientador em que estivessem consignadas
as grandes linhas da atuação educativa para esta nova realidade. Era assim uma
espécie de vinho novo deitado em odres velhos.
Tal lacuna
materializa-se, para já, no “Perfil dos
Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória” e na definição de “Aprendizagens Essenciais para cada área
curricular”. E os subscritores da predita carta aberta, mesmo que o “Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade
Obrigatória” seja alterado por via dos contributos resultantes da discussão
pública, consideram-no “um quadro de referência em que aparecem explicitados a
visão, os princípios, os valores e as competências que devem dar forma e
sentido aos anos de escolarização”. Entendem, outrossim, que o documento não
pode deixar de ter “um caráter generalista e relativamente vago”, dado
tratar-se de uma espécie de “texto ‘constitucional’ da educação” que se quer “suficientemente
abrangente e flexível para poder suportar os vaivéns das orientações
pedagógicas e das políticas partidárias”. Além disso, não se trata de texto que
proponha um “um perfil disruptivo”, já que “referenda muitas das práticas já em
curso nas escolas e sintetiza inquietações e aspirações maioritárias e
relativamente consensuais dentro da comunidade educativa, assim como muitas das
recomendações presentes em estudos nacionais e internacionais publicados
durante as últimas décadas”.
Concordam os
subscritores com a inclusão de valores e competências que enformam “uma
educação de matriz humanista, inclusiva e integral, para a formação das futuras
gerações”. Com efeito, uma escolaridade de 12 anos leva a gerir “situações
muito diversas e complexas”, pelo que terá de contemplar “os vários percursos
de formação” subsequentes ao ensino básico, bem como um painel de estudantes “com
motivações e rendimentos escolares muito diversos”, devendo todos poder
ingressar na maioridade “com os valores e as competências que lhes permitam
participar ativa, criativa e criticamente no Portugal do século XXI”.
Sendo que
todas as áreas disciplinares contribuem para os referidos valores e
competências, o trabalho que se segue é “definir em que grau e de que forma”
isso acontecerá. Assim, “a primeira pedra para a articulação entre o Perfil e
os currículos” é “a elaboração, ainda em curso, das Aprendizagens Essenciais para cada disciplina” – aprendizagens que
pressupõem um trabalho de atualização e articulação dos programas que foram
elaborados nos últimos 25 anos. E supõem um compromisso entre a harmonização da
formação oferecida por todas as escolas do país e a necessária adaptação aos contextos
específicos em que a formação ocorre, “estimulando um ensino mais significativo
e motivador, capaz de convocar maior interdisciplinaridade e inovação
pedagógica e didática” – os três vetores essenciais para se dotar “de sentido e
de maior eficiência o trabalho discente e docente”. Para que isso aconteça, torna-se
fulcral a motivação – intrínseca e extrínseca. Depois, em prol duma escola de
excelência torna-se imprescindível melhor gestão do trabalho pedagógico e
orientações e práticas didáticas bem articuladas.
Porém, os
subscritores da aludida carta aberta apontam a inexistência de condições para o
cumprimento dos itens ora dados como pertinentes – pelo que, além das
iniciativas ora promovidas pelos responsáveis das políticas educativas,
consideram indispensável a adoção paralela das medidas e condições que
evidenciem:
“A valorização do papel estratégico da
educação e a proteção da escola pública na construção do futuro de Portugal; a
implementação, por parte da tutela, de consequentes medidas de política
educativa que permitam a articulação coerente entre os princípios, os valores e
as competências enunciados no Perfil,
a sua concretização curricular e a sua posterior operacionalização; a adoção de
mecanismos contrastados de controlo e avaliação da qualidade da educação nas
suas diferentes dimensões; a promoção da investigação e da inovação pedagógica
e didática, que fomentem a eficiência e excelência do sistema educativo; e a
eliminação da precariedade endémica de que padece a escola com o fim de
dignificar e rejuvenescer a profissão, tornando a docência uma opção desejada”.
***
Entretanto, não bastava já a dificuldade de pôr em marcha o projeto de
forma faseada (que
exige muito trabalho legislativo e no terreno), a
começar quanto antes (desejavelmente, a princípio, já no próximo ano letivo) nos anos iniciais de ciclo, quando surge o indevido e irritante alerta
do Palácio de Belém.
Já se sabia que a reforma se iniciaria no próximo ano através de
experiência-piloto, o que já nem é certo que suceda. Mas, a 19 de março, a
edição on line do Expresso, noticiava que “Marcelo
articulou com Costa travão na mudança dos currículos”. Com efeito, “o Primeiro-Ministro
não quer pressas no Ministério da Educação, sobretudo em ano de eleições autárquicas”.
É tão patética a
notícia como a realidade belemita que ela veicula. Com efeito, que tem a ver,
para o efeito, esta modalidade de reforma com a “proximidade entre o arranque do ano letivo e as
autárquicas” para que possa condicionar a entrada em vigor das alterações
curriculares?
Costa não vê que isto não passa de um
pretexto de Marcelo, sugerido, acalentado ou aceite pela sua assessora para a
Educação, Isabel Alçada? E o Ministro, se está convicto da necessidade das
medidas que toma ou encomenda, deveria demitir-se ao ver que o Presidente
tenta, com o assentimento do Primeiro-Ministro, mitigar ou condicionar os
efeitos das medidas de política educativa do Governo. E é ao Governo (que não ao Presidente) que a Constituição entrega “a condução
da política geral do país”
e elege como “o órgão superior da
administração pública” (art.º 102.º). Sabe-se a quem interessa um
currículo escolar puramente académico!
Porém, o Presidente da República, que é useiro e
vezeiro em intrometer-se na área de competências do Governo, também o faz em
matéria da educação. Induziu o Governo a criar um regime de transição nas novas
normas de avaliação dos alunos do ensino básico; pronunciou-se publicamente
sobre o diferendo entre o ME e as escolas privadas com contrato de associação;
promulgou com fortes reservas o decreto sobre a vinculação extraordinária de
docentes; e agora condiciona o avanço da reforma curricular.
É óbvio que Marcelo tem uma agenda ideológica e tudo
faz para a impor, sendo que o encostamento ao Governo é tático. Mas nós não
podemos ter um ME na 5 de outubro e outro em Belém. Se Costa não confia em
Brandão Rodrigues, que proponha a sua exoneração.
***
O Expresso diz que o Presidente “ficou arrepiado com a
hipótese de as mudanças curriculares planeadas pelo ME poderem reduzir a carga
horária em Português e em Matemática e teve um papel ativo para que a reforma
de Tiago Brandão Rodrigues voltasse, para já, à gaveta”. Se “acha um erro
baixar a guarda nas duas disciplinas”, não pode ser por ter custado “a
sucessivos governos anos de investimento até que Portugal conseguisse dar o
salto registado este ano nos testes PISA”. Vamos ser claros: os resultados do
PISA vêm em crescendo desde o ano 2000; os resultados do PISA não resultam de
avaliação de programas curriculares desta ou daquela disciplina, mas de competências
desenvolvidas no quadro das diversas (em todas se lê, se fazem
cálculos e raciocínios e se dão muitas informações de caráter científico, mesmo
experimental); e o único ministro que aumentou a carga horária naquelas duas
disciplinas foi Nuno Crato, por força do DL n.º 139/2012, de 5 de julho,
aplicável de desde o ano letivo de 2012/2013.
Mas o Presidente “fez chegar as suas reticências ao
Primeiro-Ministro” e insistiu que “é preciso evitar guinadas curriculares
frequentes”. Este, para “sanar o conflito”, deu ordens ao Ministro “para travar
as mudanças”. Mais: Rebelo e Sousa admitiu publicamente estar a acompanhar de
perto todo o processo, quando disse ter ficado “assente” e ser “evidente” para
si que “não era intenção do Governo” alterar os currículos nesta altura, afirmando:
“Para mim foi evidente já há bastante
tempo, quando se começou a falar [no assunto] – há um mês e meio ou dois meses
saíram as primeiras notícias –, que não havia da parte do Governo intenção de
reformar os programas, nomeadamente de Matemática e de Português, como se tinha
noticiado”.
Para Marcelo, também porta-voz do Governo, está em
causa também a tendência de sucessivos Governos “para introduzirem mudanças
estruturais nos programas sem deixar que os anteriores produzam efeitos”. Assim
é que, há um ano, dizia “Não é bom”,
quando o Governo fez saber que queria mudar a avaliação dos alunos com o ano
letivo em curso. E o ME acabou por adiar, em parte, essa mudança. Pela segunda
vez agora, Marcelo articulou com António Costa a estratégia de travar a fundo a
agenda de Brandão Rodrigues. A admissão, da parte do Secretário de Estado da
Educação, de que Matemática e Português poderiam perder horas terá deixado
Costa irritado por, na opinião pública, parecer que os novos conteúdos (formação cívica e ciências sociais e humanas) seriam os culpados por uma redução naquelas duas
disciplinas centrais.
Todos os Governos puderam – mal ou bem – introduzir
alterações substantivas na organização curricular e na avaliação. Este, quando
havia bastantes coisas clamorosas a suprimir, não pode!
Os temas a abordar na área de formação cívica foram
preparados por um grupo de trabalho indicado pelos ministros da Educação e
adjunto, tendo o relatório final sido já entregue e prever matérias de
igualdade, prevenção rodoviária ou direitos humanos. E o Governo não o quer
divulgar enquanto a polémica dos currículos estiver quente. Ironicamente, o
Governo entende que esta “não é matéria prioritária” e pode nem avançar nada no
próximo ano letivo. É o recuo numa intenção de medida de política educativa que
estava a ser preparada há mais de um ano.
O Governo queria também que 25% do currículo fosse
definido a nível local. Se não se mexe em currículos e programas, como vai ser
possível também a concretização deste desiderato?
Concordará o Presidente com as metas curriculares
indexadas aos programas disciplinares com desempenhos milimetricamente
prescritos para cada na de escolaridade? Saberá que a maior parte dos programas
tem mudado sem a consequente avaliação dos anteriores – e alguns muito rapidamente?
Não terá gostado do trabalho coordenado por Guilherme d’ Oliveira Martins?
Se o calendário eleitoral autárquico pesa nas preocupações
do Governo, porque insiste António Costa na discussão de matérias como as
transferências de mais competências para as autarquias. Não estará a dar razão
ao discurso de Passos Coelho e seus sequazes?
Pobre António Costa, com tanta força de bloqueio – a
oposição, a crise mundial, os bancos, as regras europeias, os partidos à sua
esquerda e o Marcelo!
2017.03.20 – Louro de Carvalho
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