segunda-feira, 20 de março de 2017

No atinente ao “Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória”…

O Partido Socialista (PS), através da sua página web, citando o blog “Com Regras”, refere que os representantes de 14 associações de professores (Informática, educação musical, alemão, espanhol, francês, inglês, educação visual e tecnológica, expressão e comunicação visual, filosofia, geografia, história, matemática, português e educação física) afirmam, em carta aberta “o seu apoio ao Projeto de Currículo para o século XXI, do Ministério da Educação (ME).
Nessa “carta aberta”, as aludidas associações de diferentes áreas curriculares elogiam o trabalho desenvolvido pelo Governo, designadamente no “Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória”, documento orientador elaborado pelo grupo de trabalho liderado por Guilherme d’ Oliveira Martins, e na “definição de aprendizagens essenciais para cada área curricular”, em curso. E destacam “o papel desempenhado pela educação e pelas escolas e o seu lugar na construção do futuro”, o que leva a que as preditas associações proponham que “todos contribuam para a ponderação do lugar e do papel da educação e da escola”, sobretudo da escola pública, “pilar fundamental para a integração social e a equidade em convivência democrática”.
Reconhecendo os “tempos de mudanças vertiginosas e alterações constantes das condições de vida”, os docentes estão certos de que “a educação orientada para uma profissão para toda a vida” perde sentido desde que “a mobilidade, a precariedade e a entropia da incessante inovação tecnológica quebraram as expectativas e o imaginário, associados à estabilidade, também no campo laboral”. Sendo o escopo da educação “preparar os jovens para lidar com os problemas inerentes às sociedades multiculturais e tecnológicas” neste “mundo globalizado e interligado”, há que dotá-los do “domínio acrescido de competências emocionais, sociais, interculturais e de gestão da informação” e também “de maior capacidade de adaptação e ferramentas e aplicações que se multiplicam em permanente de flexibilidade” com vista a saberem “solucionar problemas mobilizando conhecimentos, evolução”.   
Por outro lado, num contexto em que “estão no centro das preocupações coletivas as preocupações com a saúde física e mental, com a equidade e a ética, com a robótica e a inteligência artificial, com as migrações e a preservação ambiental”, terá a educação das crianças, adolescentes e jovens de “contribuir para configurar um futuro tão equilibrado e justo quanto possível”. Assim, o papel da educação e das escolas e o seu lugar na construção do futuro tornam-se “o centro de um debate premente, como questão estratégica à escala local, nacional e mundial”. Por isso, as associações de professores em causa manifestam o apoio às iniciativas, promovidas pelo ME, de repensarmos entre todos – “não só por parte dos gestores das políticas educativas” – “o lugar e o papel da educação e da escola”, sobretudo da “escola pública, pilar fundamental para a integração social e a equidade em convivência democrática”.
Também é verdade que a matéria esteve em discussão pública até ao passado dia 13 de março, pelo que se esperam eventuais tomadas de posição, como é certo que o referido documento orientador teve o contributo de grupos de professores que trabalharam o tema nas escolas.
***
É de ter em conta que o alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos de escolaridade e 18 anos de idade, em resultado do estipulado pela Lei n.º 85/2009, de 27 de agosto, alterada pelo Decreto-Lei n.º 176/2012, de 2 de agosto, não dispunha de um documento orientador em que estivessem consignadas as grandes linhas da atuação educativa para esta nova realidade. Era assim uma espécie de vinho novo deitado em odres velhos.
Tal lacuna materializa-se, para já, no “Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória” e na definição de “Aprendizagens Essenciais para cada área curricular”. E os subscritores da predita carta aberta, mesmo que o “Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória” seja alterado por via dos contributos resultantes da discussão pública, consideram-no “um quadro de referência em que aparecem explicitados a visão, os princípios, os valores e as competências que devem dar forma e sentido aos anos de escolarização”. Entendem, outrossim, que o documento não pode deixar de ter “um caráter generalista e relativamente vago”, dado tratar-se de uma espécie de “texto ‘constitucional’ da educação” que se quer “suficientemente abrangente e flexível para poder suportar os vaivéns das orientações pedagógicas e das políticas partidárias”. Além disso, não se trata de texto que proponha um “um perfil disruptivo”, já que “referenda muitas das práticas já em curso nas escolas e sintetiza inquietações e aspirações maioritárias e relativamente consensuais dentro da comunidade educativa, assim como muitas das recomendações presentes em estudos nacionais e internacionais publicados durante as últimas décadas”.
Concordam os subscritores com a inclusão de valores e competências que enformam “uma educação de matriz humanista, inclusiva e integral, para a formação das futuras gerações”. Com efeito, uma escolaridade de 12 anos leva a gerir “situações muito diversas e complexas”, pelo que terá de contemplar “os vários percursos de formação” subsequentes ao ensino básico, bem como um painel de estudantes “com motivações e rendimentos escolares muito diversos”, devendo todos poder ingressar na maioridade “com os valores e as competências que lhes permitam participar ativa, criativa e criticamente no Portugal do século XXI”.
Sendo que todas as áreas disciplinares contribuem para os referidos valores e competências, o trabalho que se segue é “definir em que grau e de que forma” isso acontecerá. Assim, “a primeira pedra para a articulação entre o Perfil e os currículos” é “a elaboração, ainda em curso, das Aprendizagens Essenciais para cada disciplina” – aprendizagens que pressupõem um trabalho de atualização e articulação dos programas que foram elaborados nos últimos 25 anos. E supõem um compromisso entre a harmonização da formação oferecida por todas as escolas do país e a necessária adaptação aos contextos específicos em que a formação ocorre, “estimulando um ensino mais significativo e motivador, capaz de convocar maior interdisciplinaridade e inovação pedagógica e didática” – os três vetores essenciais para se dotar “de sentido e de maior eficiência o trabalho discente e docente”. Para que isso aconteça, torna-se fulcral a motivação – intrínseca e extrínseca. Depois, em prol duma escola de excelência torna-se imprescindível melhor gestão do trabalho pedagógico e orientações e práticas didáticas bem articuladas.
Porém, os subscritores da aludida carta aberta apontam a inexistência de condições para o cumprimento dos itens ora dados como pertinentes – pelo que, além das iniciativas ora promovidas pelos responsáveis das políticas educativas, consideram indispensável a adoção paralela das medidas e condições que evidenciem:
“A valorização do papel estratégico da educação e a proteção da escola pública na construção do futuro de Portugal; a implementação, por parte da tutela, de consequentes medidas de política educativa que permitam a articulação coerente entre os princípios, os valores e as competências enunciados no Perfil, a sua concretização curricular e a sua posterior operacionalização; a adoção de mecanismos contrastados de controlo e avaliação da qualidade da educação nas suas diferentes dimensões; a promoção da investigação e da inovação pedagógica e didática, que fomentem a eficiência e excelência do sistema educativo; e a eliminação da precariedade endémica de que padece a escola com o fim de dignificar e rejuvenescer a profissão, tornando a docência uma opção desejada”.
***
Entretanto, não bastava já a dificuldade de pôr em marcha o projeto de forma faseada (que exige muito trabalho legislativo e no terreno), a começar quanto antes (desejavelmente, a princípio, já no próximo ano letivo) nos anos iniciais de ciclo, quando surge o indevido e irritante alerta do Palácio de Belém.
Já se sabia que a reforma se iniciaria no próximo ano através de experiência-piloto, o que já nem é certo que suceda. Mas, a 19 de março, a edição on line do Expresso, noticiava que “Marcelo articulou com Costa travão na mudança dos currículos”. Com efeito, “o Primeiro-Ministro não quer pressas no Ministério da Educação, sobretudo em ano de eleições autárquicas”.
É tão patética a notícia como a realidade belemita que ela veicula. Com efeito, que tem a ver, para o efeito, esta modalidade de reforma com a “proximidade entre o arranque do ano letivo e as autárquicas” para que possa condicionar a entrada em vigor das alterações curriculares?
Costa não vê que isto não passa de um pretexto de Marcelo, sugerido, acalentado ou aceite pela sua assessora para a Educação, Isabel Alçada? E o Ministro, se está convicto da necessidade das medidas que toma ou encomenda, deveria demitir-se ao ver que o Presidente tenta, com o assentimento do Primeiro-Ministro, mitigar ou condicionar os efeitos das medidas de política educativa do Governo. E é ao Governo (que não ao Presidente) que a Constituição entrega “a condução da política geral do país” e elege como “o órgão superior da administração pública” (art.º 102.º). Sabe-se a quem interessa um currículo escolar puramente académico!
Porém, o Presidente da República, que é useiro e vezeiro em intrometer-se na área de competências do Governo, também o faz em matéria da educação. Induziu o Governo a criar um regime de transição nas novas normas de avaliação dos alunos do ensino básico; pronunciou-se publicamente sobre o diferendo entre o ME e as escolas privadas com contrato de associação; promulgou com fortes reservas o decreto sobre a vinculação extraordinária de docentes; e agora condiciona o avanço da reforma curricular.
É óbvio que Marcelo tem uma agenda ideológica e tudo faz para a impor, sendo que o encostamento ao Governo é tático. Mas nós não podemos ter um ME na 5 de outubro e outro em Belém. Se Costa não confia em Brandão Rodrigues, que proponha a sua exoneração.
***
O Expresso diz que o Presidente “ficou arrepiado com a hipótese de as mudanças curriculares planeadas pelo ME poderem reduzir a carga horária em Português e em Matemática e teve um papel ativo para que a reforma de Tiago Brandão Rodrigues voltasse, para já, à gaveta”. Se “acha um erro baixar a guarda nas duas disciplinas”, não pode ser por ter custado “a sucessivos governos anos de investimento até que Portugal conseguisse dar o salto registado este ano nos testes PISA”. Vamos ser claros: os resultados do PISA vêm em crescendo desde o ano 2000; os resultados do PISA não resultam de avaliação de programas curriculares desta ou daquela disciplina, mas de competências desenvolvidas no quadro das diversas (em todas se lê, se fazem cálculos e raciocínios e se dão muitas informações de caráter científico, mesmo experimental); e o único ministro que aumentou a carga horária naquelas duas disciplinas foi Nuno Crato, por força do DL n.º 139/2012, de 5 de julho, aplicável de desde o ano letivo de 2012/2013.
Mas o Presidente “fez chegar as suas reticências ao Primeiro-Ministro” e insistiu que “é preciso evitar guinadas curriculares frequentes”. Este, para “sanar o conflito”, deu ordens ao Ministro “para travar as mudanças”. Mais: Rebelo e Sousa admitiu publicamente estar a acompanhar de perto todo o processo, quando disse ter ficado “assente” e ser “evidente” para si que “não era intenção do Governo” alterar os currículos nesta altura, afirmando:
“Para mim foi evidente já há bastante tempo, quando se começou a falar [no assunto] – há um mês e meio ou dois meses saíram as primeiras notícias –, que não havia da parte do Governo intenção de reformar os programas, nomeadamente de Matemática e de Português, como se tinha noticiado”.
Para Marcelo, também porta-voz do Governo, está em causa também a tendência de sucessivos Governos “para introduzirem mudanças estruturais nos programas sem deixar que os anteriores produzam efeitos”. Assim é que, há um ano, dizia “Não é bom”, quando o Governo fez saber que queria mudar a avaliação dos alunos com o ano letivo em curso. E o ME acabou por adiar, em parte, essa mudança. Pela segunda vez agora, Marcelo articulou com António Costa a estratégia de travar a fundo a agenda de Brandão Rodrigues. A admissão, da parte do Secretário de Estado da Educação, de que Matemática e Português poderiam perder horas terá deixado Costa irritado por, na opinião pública, parecer que os novos conteúdos (formação cívica e ciências sociais e humanas) seriam os culpados por uma redução naquelas duas disciplinas centrais.
Todos os Governos puderam – mal ou bem – introduzir alterações substantivas na organização curricular e na avaliação. Este, quando havia bastantes coisas clamorosas a suprimir, não pode!
Os temas a abordar na área de formação cívica foram preparados por um grupo de trabalho indicado pelos ministros da Educação e adjunto, tendo o relatório final sido já entregue e prever matérias de igualdade, prevenção rodoviária ou direitos humanos. E o Governo não o quer divulgar enquanto a polémica dos currículos estiver quente. Ironicamente, o Governo entende que esta “não é matéria prioritária” e pode nem avançar nada no próximo ano letivo. É o recuo numa intenção de medida de política educativa que estava a ser preparada há mais de um ano.
O Governo queria também que 25% do currículo fosse definido a nível local. Se não se mexe em currículos e programas, como vai ser possível também a concretização deste desiderato?
Concordará o Presidente com as metas curriculares indexadas aos programas disciplinares com desempenhos milimetricamente prescritos para cada na de escolaridade? Saberá que a maior parte dos programas tem mudado sem a consequente avaliação dos anteriores – e alguns muito rapidamente? Não terá gostado do trabalho coordenado por Guilherme d’ Oliveira Martins?
Se o calendário eleitoral autárquico pesa nas preocupações do Governo, porque insiste António Costa na discussão de matérias como as transferências de mais competências para as autarquias. Não estará a dar razão ao discurso de Passos Coelho e seus sequazes?
Pobre António Costa, com tanta força de bloqueio – a oposição, a crise mundial, os bancos, as regras europeias, os partidos à sua esquerda e o Marcelo!

2017.03.20 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário