Afinal,
o cancelamento da conferência de Jaime Nogueira Pinto em relação ao dia
aprazado ou o seu adiamento para outra ocasião em que fossem debatidos os temas
daquele conferencista e os de outros tem explicações e conheceu desenvolvimentos
que passaram ao lado de comentadores e críticos da tomada de posição do diretor
da FCSH da Universidade Nova de Lisboa.
Se
a conferência tinha um conteúdo anódino e, pelo menos em parte, aceitável conforme
é habitual no discurso do referido politólogo, o contexto era bem mais problemático.
Muitos
não entenderam a justificação lacónica do Diretor da FCSH. E a prontidão com
que o Presidente da República se pronunciou publicamente contra a decisão da
autoridade académica, a discussão parlamentar quase imediata, a ambiguidade e
teor evasivo com que o Ministro do Ensino Superior esclareceu o Parlamento e a franca
disponibilidade da Associação 25 de Abril
em ceder instalações para a realização da conferência foram elementos de
equívoco em que muitos caíram (incluo-me nesse número).
Na
verdade, a Universidade deve promover e favorecer a liberdade de pensamento e
de expressão sobre tudo e a todos. Porém, não sem cuidar da segurança das
pessoas e dos bens de que elas têm o direito de desfrutar ali. E eram
exatamente as condições de segurança que estavam a falhar – o que levaria a que
a liberdade de expressão perigasse. E foi um esclarecimento que o laconismo do
comunicado da direção da FCSH não facultou.
Por
isso – e bem – Daniel de Oliveira publicou um texto de uma certa retratação no Expresso a dar algum esclarecimento mais
pormenorizado dos factos e a pedir desculpa ao Diretor da FCSH e aos seus
leitores. Esteve bem. E, depois disto, veio inexplicavelmente Jaime Nogueira
Pinto a responder-lhe com outro conjunto de pormenores que não constituem
qualquer resposta a Daniel de Oliveira ou desmentido em relação às afirmações
do colunista do referido semanário.
É
dos estatutos que a deliberação da reunião geral da Associação de Estudantes (AE) da Faculdade vincula a sua
direção e é factual que a deliberação foi no sentido de ser cancelada a cedência
da sala requisitada para a conferência – o que foi requerido ao Diretor da
Faculdade.
Obviamente
que os membros da AE conhecem as caraterísticas do núcleo Nova Portugalidade e as suas habituais intenções. Poderão ter sido
radicais ou intolerantes na forma da deliberação. Porém, os desenvolvimentos seguintes
não permitem dizer da bondade da intenção, estilo e bondade democrática do referido
núcleo Nova Portugalidade, que acaba
por inviabilizar um debate civilizado e sereno dos temas anunciados para
conferência e debate.
***
Com
efeito, confrontados com a decisão do Diretor da FCSH propõem a entrega da
segurança à PSP – o que fez desnecessariamente recordar tempos de má memória em
que a polícia, a pretexto de impor a ordem e garantir a segurança, penetrava nas
instalações universitárias e corria à bastonada os ditos rebeldes (por
não alinharem com o pensamento único, eram tidos como comunistas e, por
conseguinte, inimigos do Estado).
Perante a não aceitação do seu interlocutor, prontificaram-se a trazer os seus
seguranças para garantirem a ordem e o debate. Obviamente, o Diretor viu aqui a
solução do “pior a emenda que o soneto” e entendeu que essa prontificação potenciaria
eventuais confrontos e escudou-se no adiamento por falta de condições.
Os
promotores da conferência não desistiram dos seus intentos. Como se verá a
seguir.
O
Partido Nacional Renovador (PNR) convocou para o passado dia 21 de março um protesto em frente à
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH) “contra o totalitarismo do pensamento único e pela liberdade de
expressão para todos”.
A convocação vem na sequência deliberação dos estudantes da FCSH
no sentido da não cedência do auditório da Faculdade à organização Nova Portugalidade para a realização duma
conferência do politólogo Jaime Nogueira Pinto sobre “Populismo ou Democracia? O Brexit, Tump e Le Pen em debate”, alegadamente
por o evento estar “associado a argumentos colonialistas, racistas, xenófobos”.
O PNR refere na convocatória divulgada na sua web:
“Ao menos, que estes casos
mediáticos que já afetam João Braga e Jaime Nogueira Pinto sirvam para
despertar mentes e consciências. E que, uma vez despertas, percebam que só o
PNR luta verdadeiramente contra o totalitarismo do pensamento único.”.
João
Braga (fadista) escrevera na página do
Facebook “Agora basta ser-se preto ou
'gay' para ganhar Óscares", criticando a cerimónia de entrega de
óscares em Hollywood – afirmação que gerou polémica e levou a associação SOS Racismo a queixar-se à Comissão para
a Igualdade e Contra a Discriminação Racial. E o PNR salienta que “sempre
sentiu na pele a discriminação, o boicote, a censura e a ameaça por parte dos
donos do poder estabelecido”, frisando:
“Quando alertámos,
centenas de vezes, que esta era a realidade no Portugal do século XXI, a
maioria daqueles que nos ouviam 'sacudia a água do capote' e dizia-nos que era
por sermos 'extremistas', apenas por fazermos a diferença, pensarmos de modo
diferente e dizê-lo sem medo”.
E
acrescenta:
“[Com] o crescimento
nacionalista no Ocidente, a esquerda, que domina o sistema, que dita as regras
e que impõe o marxismo-cultural, começa a ficar nervosa e a endurecer a luta. É
ela quem define os conceitos, decide quem pode ter voz, o que é certo e errado
e criminaliza quem se lhe opõe.”.
Entretanto, pré-respondendo à manifestação
convocada pelo PNR para as 18 horas do mesmo dia 21, duas horas antes (às 16, portanto), já muitos antigos e atuais estudantes, professores e investigadores estavam
em grande concentração no átrio da Faculdade, havendo “reforço policial” nas
imediações. Na verdade, cerca de 450 pessoas, entre antigos e atuais alunos,
docentes e investigadores da FCSH, tinham subscrito, a meio da tarde do dia 20,
o manifesto “Primavera na FCSH, Contra o Fascismo”, que convocava, para as 16
horas do dia seguinte, uma concentração no átrio da Faculdade. Era uma
resposta, por antecipação, à manifestação que o PNR realizaria em frente à FCSH,
na Avenida de Berna, em Lisboa.
Ambas as iniciativas são desenvolvimento da polémica
que levara ao adiamento da conferência de Nogueira Pinto sobre os populismos.
Tanto a manifestação do PNR como a concentração na “esplanada” da Faculdade (vista como uma “contramanifestação”) estão perpassadas de uma retórica que parece saída dos escaninhos dos
anos quentes de 70 do século XX, evidenciando uma desnecessária e artificiosa
clivagem esquerda-direita (alguns adiantam: extrema esquerda vs extrema direita) que preocupa as forças de segurança
estatais. Por isso, a polícia preparou o dispositivo em conformidade com as
informações recolhidas no terreno e nas redes sociais. Algumas equipas da PSP
estiveram de prevenção junto da Universidade e outras nas proximidades.
A iniciativa do PNR fora anunciada no pico da discussão
sobre o adiamento da conferência. O partido de extrema-direita, liderado por
José Pinto-Coelho, iria realizar um “protesto
contra o marxismo cultural e o pensamento único esquerdista”.
Com o lema “PREC
nunca mais” (PREC é a sigla pela qual ficou conhecido o
Período Revolucionário em Curso, em 1975, também conhecido como Verão Quente, no qual Portugal terá
estado à beira de guerra civil), o PNR vinha manifestar-se “em frente à Faculdade que tenta cortar a raiz
ao pensamento”. Os insensatos dos nacionais renovadores diziam “protestar para prevenir a sombra de um novo
PREC, mais colorido e travestido que o anterior, mas certamente mais tenebroso,
porque dissimulado”. O líder do PNR dizia que tivera conhecimento da
concentração através da página do Facebook de um dirigente do Bloco de Esquerda
e garantia que da parte dos militantes do PNR “não haverá tensões nenhumas”.
É sempre assim: é normal colocar no cesto alheio todas
as maldades, sobretudo as praticadas do lado de cá! Ainda gostava de saber (de um saber bem feito) quem provocou o PREC ou os PREC.
Sobre o número de simpatizantes do PNR que poderiam
estar presentes em frente à Faculdade, Pinto-Coelho não fazia previsões. Era um
dia de semana, às seis da tarde… não poderiam contar com militantes vindos de
outros pontos do país. E dizia que “o protesto do PNR vale por si”, negando
tratar-se de um ato de solidariedade para com Nogueira Pinto.
Se era fácil saber quem iria manifestar-se no exterior
da FCSH, mais difícil era perceber quem estava por detrás do movimento que
convocou as hostes para a concentração no interior. O lema era: “Punho
erguido” contra o fascismo. Sai à rua no Dia Internacional para a Eliminação da
Discriminação Racial. E o documento tem, entre os signatários, a
jornalista Alexandra Lucas Coelho, os historiadores Fernando Rosas, Irene
Pimentel, José Neves e Raquel Varela, além de elementos da direção da
associação de estudantes.
O grupo defende um ideário assumidamente de esquerda e
aproveita o Dia Internacional para a
Eliminação da Discriminação Racial promovido pela ONU (a celebrar precisamente no dia 21) para convocar os “antifascistas que trabalham e estudam na FCSH, assim
como ex-alunos e alunas”.
O pretexto de tal congregação era “celebrar a Primavera”.
Depois, em resposta à polémica do adiamento da predita conferência, vinha a
declaração de princípios: “Não seremos
intimidados por grupos radicais de extrema direita que aproveitam o momento
para denegrir a faculdade e os seus diferentes órgãos legítimos de
representação e de direção”. E o manifesto prosseguia:
“Não podemos pactuar com o silêncio num
momento em que ideologias fascistas e xenófobas se mobilizam para atacar o
pluralismo e a democracia, componentes incontornáveis do ensino no nosso país”.
Quando se quis saber junto de diversos signatários do
texto que estaria por detrás desta jogada de antecipação à manifestação do PNR,
as respostas eram evasivas do tipo, “É um
movimento o mais alargado possível” ou alegando desconhecer o nome das
pessoas em causa.
No entanto, a concentração no interior da Faculdade não
suscitou o consenso gera, pois há quem entenda que a mesma vem dar “demasiada
importância” à manifestação do PNR.
***
Antes da concentração, uma primeira iniciativa
decorreu na FCSH para assinalar o Dia
contra a Discriminação Racial. Era um debate promovido pela AE, que teve
início às 14 horas e em que participaram associações de combate ao racismo. A
AE não divulgava a lista de presenças, pois alegava estar ainda a receber
confirmações.
Da parte do movimento Nova Portugalidade (que esteve na origem da polémica, pois foi
o promotor da conferência de Nogueira Pinto), nenhuma das iniciativas do dia 21 recolheu o seu
apoio. O grupo já se demarcara do PNR (antagonismo que, aliás,
foi recíproco). Fez desta vez o mesmo (num tom menos agreste, mas que vai dar ao
mesmo) em relação ao
movimento que clama “Contra o Fascismo”.
E diz, nas palavras de Rafael Pinto Borges, condenar “sempre mais o fascismo do
que quem tentou censurar uma conferência na FCSH, desrespeitando a liberdade de
expressão e violando a Constituição”, acrescentado: “como somos pela liberdade,
não podemos rever-nos em nenhuma manifestação desta terça-feira”.
***
Mais
do que saber quem iria estar ou esteve nas distas manifestações, o caso havia
de servir para se colherem algumas lições:
-
Quem toma decisões públicas deve, para evitar equívocos, explicar bem as razões
da sua tomada de posição.
-
Não se deve julgar de imediato e com base e estados de alma quem toma decisões
graves.
-
Os comentadores devem certificar-se da integridade dos factos e tentar perceber
que organizações divergentes usualmente se apresentam com as melhores das
intenções, escondendo sob a pele de cordeiro, ou as armas da violência ou as
garras do exagero na rotulação das intenções e estilo dos outros, sendo que os outros
é que são maus e têm a culpa de tudo.
-
O Chefe de Estado deveria evitar pronunciar-se precipitadamente e na obediência
a eventuais estados de alma, antes de lhe ser dado conhecimento dos factos,
correndo o risco de ser mal interpretado ou de ter uma agenda ideológica ou de
serviço a interesses setoriais.
-
E o Parlamento deveria proceder a um grande debate sobre estas matérias e
promover a sua discussão na sociedade dita civil.
Finalmente,
não tenhamos dúvidas: na atual conjuntura espreita a Europa muito mais o perigo
do avanço da extrema-direita que qualquer outro, já que as forças políticas
moderadas se deixaram capturar pela teia de interesses e esqueceram os cidadãos
com os seus problemas vitais: sustento, saúde, trabalho, habitação, democracia
genuína, justiça, segurança pública, segurança social… Não há dinheiro para
prover ao bem-estar das populações, mas tira-se ao rendimento do trabalho para
satisfazer os caprichos do “poder” financeiro que pratica a economia de casino
e alberga a gestão ruinosa.
Salve-se
a Europa desta mediocridade podre!
2017.03.24 – Louro de Carvalho
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