sexta-feira, 31 de maio de 2019

OMS inclui ‘Burnout’ na lista de doenças com efeitos a partir de 2022


Como a comunicação social salientou, a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou, no passado dia 27 de maio, que passou a incluir na lista de doenças o burnout, estado de esgotamento físico e mental, causado pelo exercício de uma atividade profissional.
Burnout é um termo inglês que se pode interpretar como “queimar por completo”. É a chamada “síndrome da exaustão”, em que se atinge um ponto extremo de cansaço devido a uma atividade profissional exigente e stressante, que esgota a energia e leva a “desligar do mundo”.
Na classificação internacional de doenças da OMS, que serve de base às estatísticas de saúde, o burnout surge na secção consagrada aos “problemas associados” ao emprego e desemprego, descrito como “uma síndrome resultante de ‘stress’ crónico no trabalho que não foi gerido com êxito”. A doença, de acordo com a OMS, carateriza-se por “um sentimento de exaustão, cinismo ou sentimentos negativistas ligados ao trabalho e eficácia profissional reduzida”.
A sua inclusão na lista das doenças da OMS não corresponde à invenção de mais uma doença, mas à sua autonomização da depressão ou da ansiedade. Com efeito, desde há anos que os especialistas tratam os sintomas do burnout, que localizam sobretudo em determinados grupos profissionais (pelo que era designado correntemente por “burnout laboral”), em que sobressaem os professores. Agora, a autoridade mundial de saúde adota esta doença como específica e a merecer um tratamento adequado.
A entrada do burnout ou stresse profissional na nova classificação internacional de doenças da OMS, que vigorará a partir de 1 de janeiro de 2022, baseia-se nas conclusões de peritos de saúde de todo o mundo e foi adotada pela Assembleia-Geral da organização, que decorreu até ao passado dia 8, em Genebra, na Suíça. Segundo o JN, aos jornalistas, Tarik Jasarevic, um porta-voz da OMS, declarou: “É a primeira vez que o ‘burnout’ entra na classificação”.
E, apesar de a nova categorização entrar em vigor apenas em 2022, serve, desde já, como um alerta para a relação entre saúde mental e trabalho.
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Segundo o Jornal da USP no Ar (da Universidade de São Paulo, Brasil), o esgotamento profissional foi cunhado com o termo burnout, nos anos 80, por um psicanalista americano. Porém, especialistas como José Fernando Santos Almeida, psiquiatra no Hospital Lusíadas Porto, recuam ao início dos anos 1970 (mais propriamente a 1974) e atribuem a designação ao psicanalista e psicoterapeuta Herbert J. Freudenberger (1926-1999), que verificou em si mesmo este estado de esgotamento físico, mental e emocional. Desde então, surgiram novos estudos para tentar entender os danos causados à saúde mental por longa exposição a condição ou ambiente de trabalho stressante.
A este respeito, o doutor Rodrigo Leite, coordenador dos Ambulatórios do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, falou ao Jornal da USP no Ar indicando a existência de “vários fatores que podem, a longo prazo, causar a síndrome”, sendo que a questão profissional tem um peso maior. E o especialista explicita:
Muitos fatores podem gerar os sintomas da doença, mas o trabalho é preponderante, porque as pessoas são expostas cronicamente a dificuldades de relacionamento com colegas e chefia e risco de demissão iminente, por exemplo. O contacto humano diário, comum nas áreas da saúde e educação, também é algo stressante, e as pessoas expostas, anos a fio, a essas condições são mais prováveis [propensas a] de desenvolver esse problema.”.
O diagnóstico não é fácil e os tratamentos têm de ir além de medicamentos e acompanhamento psicológico. Para o especialista, os principais sintomas são constante desânimo, crises de pânico, choro fácil, tonturas, dor de cabeça e similaridades com quadros de depressão e transtorno de ansiedade generalizada. E o especialista chama a atenção para as condições de trabalho, pois as caraterísticas da síndrome são uma questão de trabalho e de saúde pública.
O coordenador dos ambulatórios do IPq da USP realça a necessidade da criação de políticas públicas de reinserção de pacientes no mercado de trabalho, para não serem ainda mais prejudicados por conta da síndrome; frisa que a solução do problema é coletiva; e aponta a discussão sobre as relações de trabalho como essenciais para se saber lidar com a doença, pois a intervenção médica não será suficiente se não for acompanhada de mudança de vida, que pode significar, por exemplo, afastamento ou redirecionamento da carreira. E o especialista explica:
Estudos indicam medicação, psicoterapia, alguns até falam da importância da atividade física. Eu acho que o tratamento do burnout, na verdade, também é voltado à saúde de forma mais ampla, incluindo mudanças de hábitos, como passar a fazer exercícios físicos, parar de fumar, parar de beber… É todo um plano voltado à recuperação do indivíduo, um tratamento multifatorial.”.
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A síndrome de que uma das fontes é o desajustamento laboral tem cura. Há mais de 4 décadas, Herbert Freudenberger anotou que alguns colaboradores apresentavam, após um ano de atividade, desmotivação, queixas somáticas (dores nas costas, problemas gastrointestinais, dores de cabeça…) e mudanças de humor (irritabilidade, cólera, disforia…), tornavam-se intolerantes ao stresse e incapazes de gerir novas situações. Foi então que o burnout foi descrito pela primeira vez. E, desde então, surgiram diferentes definições para esta síndrome. Atualmente, a generalidade dos autores considera-a uma resposta complexa ao stresse profissional prolongado ou crónico. 
Segundo um estudo a nível nacional, publicado na Acta Médica Portuguesa em 2016, em 1728 pessoas (466 médicos e 1262 enfermeiros), 21,6% apresentavam um burnout moderado e 47,8% um burnout elevado. Nos fatores estudados, as más condições de trabalho eram o maior preditor de burnout. Também se prevê uma elevada incidência desta síndrome em polícias e nos profissionais da área da educação (sobretudo em docentes de instituições e de turmas com elevada indisciplina), como refere José Fernando Santos Almeida.
O diagnóstico é frequente em profissionais com atividades exigentes e stressantes, muitas vezes sujeitas a turnos, como é o caso de médicos, enfermeiros e professores, mas pode afetar, por exemplo, estudantes, sob a pressão dos exames e sujeitos a períodos de poucas horas de sono.
Para a “Rota da Saúde – Lusíadas”, o doente pode sofrer um conjunto muito amplo de sintomas:
- Afetivos, como tristeza, irritabilidade, perda de controlo emocional, desânimo, apatia, humilhação, revolta, mágoa, fúria, preocupação;
- Cognitivos, por exemplo, dificuldades de atenção e de concentração, dificuldades de memória, diminuição da autoconfiança, do autoconceito, da autoestima e da autoimagem;
Alteração das atitudes em relação ao trabalho, sendo mais frequentes as atitudes e os comportamentos negativos relativamente ao trabalho, com desmotivação e, consequente menor entusiasmo, empenho e eficácia profissionais;
- Físicos ou sintomas psicossomáticos (como falta de ar, coração acelerado, sintomas gastrointestinais, problemas cutâneos, queixas musculares), fadiga, hipertensão arterial, entre outros; e
- Alterações comportamentais, que podem ser múltiplas e traduzir-se em comportamentos tão diversificados como do ligeiro aumento da rispidez ao comportamento marcadamente agressivo, ou distanciamento relativamente ao outro e isolamento social, consumo de substâncias (desde logo o álcool), comportamento de jogo, propensão para acidentes, etc.
Em geral, pode dizer-se que, sobre as causas do burnout, que pode ocorrer quando há uma maior competitividade no local de trabalho, uma pressão inadequada (desajustamento nas funções atribuídas, sobrecarga de tarefas, alterações no horário de trabalho) ou quando a atividade exercida é muito intensa, sujeita a riscos, como exemplifica o psiquiatra José Fernando Santos Almeida.
As causas do burnout podem dividir-se em três fontes:
- Fontes de stresse habituais da atividade profissional, ou fontes de stresse típicas da atividade profissional que abranjam áreas de conflito: competência(s),  autonomia, relação com os clientes, realização pessoal, falta de apoio social de colegas e superiores;
- Fatores organizacionais, que podem ser, entre outros, a elevada sobrecarga de trabalho, o desajustamento entre os objetivos da instituição e os valores pessoais dos profissionais, o isolamento social no trabalho; e
- Fatores de ordem pessoal, entre os quais estão as relações familiares e as amizades.
Qualquer trabalhador pode sofrer de burnout. Na fase inicial, pensava-se que os profissionais com envolvimento mais direto e intenso (área da saúde ou forças policiais) haveria maior propensão para o desenvolvimento de burnout. Mas esta perspetiva foi alargada a todas as atividades.
O tratamento implica a melhoria das circunstâncias e condições que originaram o burnout, de que se destacam a melhoria das condições de trabalho e relações profissionais com diminuição do isolamento. Não raro, implica a retirada temporária (que pode ser definitiva) do local de trabalho, a reorganização das suas atividades, um adequado investimento em outros interesses, como um maior convívio com família e amigos, a prática de exercício físico ou de atividades relaxantes.
Pode ser necessária ajuda médica, sobretudo quando a pessoa tem sintomas como a depressão e a ansiedade e justificam farmacoterapia. A psicoterapia pode a ajudá-la a compreender melhor as razões que a levam a padecer de burnout e a evitar procedimentos semelhantes no futuro.
Na maioria das situações, o burnout tem cura. A ajuda dum profissional de saúde é relevante no processo. Todavia, quando não é devidamente tratada, pode estar associada à evolução para a cronicidade ou pode originar outro problema, como a dependência do álcool.
burnout é, pois causado por uma exaustão ou stresse profissional e, uma vez retirada dessa situação, a pessoa melhora significativamente e recupera. Mas pode ser acompanhado de uma depressão e, nesta circunstância, é mais provável que a pessoa continue a estar depressiva (com humor triste, baixa da autoestima, apatia, falta de prazer e/ou desinteresse por atividades que eram agradáveis, sem energia, apetite, cansaço) apesar de já não vivenciar essa experiência que a levou ao burnout. Não obstante, os sintomas de burnout e de outros problemas, como a depressão ou as insónias, são muitas vezes sobreponíveis. Por exemplo, a insónia pode estar presente na depressão. Daí que o diagnóstico diferencial nem sempre seja fácil.
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No dia 27, a OMS alterou a definição da síndrome de burnout ou esgotamento profissional, que foi oficializada como resultante de “stresse crónico de trabalho que não foi administrado com sucesso”. E definiu melhor as caraterísticas predominantes para o diagnóstico da síndrome.
Segundo Ana Maria Rossi, PhD e presidente da International Stress Management Association do Brasil (ISMA-BR), a mudança pode ajudar os profissionais que sofrem com o problema. Para ela, o efeito que a definição possa ter para os trabalhadores ainda é incerto, pois ainda não se chegou a um consenso sobre esta alteração da OMS. Diz a especialista:
Com o código internacional que relaciona a síndrome com o ambiente de trabalho, uma decisão na área jurídica pode ter mais clareza, pois vai ser validada contra diferentes interpretações. Mesmo para especialistas da área a definição era um tanto vaga, imagine-se para um juiz ou desembargador. Acho também que, para os profissionais que tratam e se especializam na área de stresse, ficará mais específico.”.
A especialista explica que a posição do burnout no capítulo dos transtornos depressivos causava confusão entre a síndrome e a depressão e que, tal como o stresse negativo, ou distresse, pode causar efeito físicos, como dores de cabeça e de estômago, a depressão é um dos sintomas comuns do transtorno, a síndrome resulta de níveis devastadores de stresse.
Dos muitos sintomas do transtorno, contam-se, entre os principais, os seguintes: cansaço extremo, físico e mental; desmotivação; isolamento; dores de cabeça fortes e frequentes; insónias; tonturas; tremores; falta de ar; oscilações de humor; dificuldade de concentração; e problemas digestivos. Porém, a referida especialista organiza-os em três pontos fundamentais, no alinhamento com a definição da OMS, para obter o diagnóstico: falta de energia e exaustão; distanciamento mental do trabalho; e redução de eficácia. E explica:
- Exaustão. É a sensação de que [a pessoa] foi além dos seus limites, quando sente que está sem recursos físicos e mentais para lidar com a sua situação de trabalho. Pode tirar férias ou folgas e licenças ou descansar no feriado, mas não é um cansaço normal: arrasta-se. (Diz a especialista).
- Ceticismo. É falta de reação, o profissional torna-se insensível ao que ocorre à sua volta. É especialmente devastador para profissionais de saúde, pois quando têm burnout, tornam-se insensíveis com o paciente, olham para a pessoa que têm que ajudar sem sentimentos ou capacidade de empatia. É ainda caraterizado por confusão, reações negativas e alienação. (Diz a especialista).
- Ineficácia. A pessoa sente-se incompetente. Nota quedas na sua produtividade e um aumento na sua margem de erros. A sua atenção torna-se espúria. Até se esforça por trabalhar mais, mas não tem condições de recuperar. (Diz a especialista).  
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Tendo em conta que o burnout ocorre devido ao stress extremo da atividade profissional, mudar as condições de trabalho é um dos primeiros passos a dar. E pode ser benéfica a ausência por folga ou férias para alterar as rotinas e tentar relaxar. Depois, é conveniente: realizar atividades de relaxamento; organizar o tempo e decidir prioridades; participar em momentos de lazer com familiares e amigos; seguir uma dieta equilibrada; e procurar ajuda profissional.
Mas o melhor é mesmo preveni-lo e evitá-lo.
Como evitar o burnout? O melhor conselho é manter o equilíbrio entre o trabalho, lazer, família, vida social e atividades físicas, sem descurar no descanso diário.
Ora, isto postula a atenção do Governo, enquanto órgão de superintendência na administração pública, para o cuidado com os seus trabalhadores, e enquanto regulador das condições da atividade; dos gestores públicos e privados, no atinente ao recrutamento, seleção, gestão e avaliação (não só do desempenho e mérito, mas também da saúde) dos seus trabalhadores e colaboradores; das entidades que zelam pela saúde, higiene e segurança no trabalho; dos dirigentes sindicais e bastonários de ordens profissionais; dos trabalhadores independentes, agentes associativos, artísticos e culturais; e das famílias e das escolas, onde tudo começa.
Enfim, torna-se premente a conciliação permanente entre a vida pessoal, familiar e laboral, a bem da real produtividade e do bem-estar, que passa pela boa saúde, com a qual todos lucram!  
2019.05.31 - Louro de Carvalho      

quinta-feira, 30 de maio de 2019

António Guterres galardoado com Prémio Internacional Carlos Magno



O Prémio Internacional Carlos Magno (em alemão, Internationaler Karlspreis der Stadt Aachen ou abreviadamente Karlspreis), desde 1988 designado como Internationaler Karlspreis zu Aachen, é um prémio entregue anualmente, a 30 de maio, em luzida cerimónia na cidade de Aachen (oeste da Alemanha), a figuras com destaque pelo mérito no contributo para a UE (União Europeia). A designação constitui uma homenagem ao imperador Carlos Magno (742-814), que lutou, no seu tempo (séculos VIII e IX), pela unificação da Europa e governou uma parte do continente a partir de Aachen. Além do prestígio que reconhece ao galardoado, o prémio comporta um montante simbólico em dinheiro.
Foi António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas (que iniciou funções como secretário-geral das Nações Unidas a 1 de janeiro de 2017), o primeiro português a receber este prestigiado prémio internacional, atribuído desde 1950 a personalidades que tenham contribuído para a unidade da Europa e que, no passado, já distinguiu figuras como Richard Nicolaus Coudenhove-Kalergi (fundador do Movimento Europeu) Jean Monet (Presidente da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço), Winston Churchill, Robert Schuman, Jacques Delors, Felipe González, François Mitterrand, Bill Clinton, Jean-Claude Juncker, Angela Merkel e os Papas João Paulo II (Prémio Extraordinário) e Francisco, bem como coletivos como a Comissão Europeia e o povo do Luxemburgo.
A atribuição do galardão para este ano foi anunciada em janeiro pelo respetivo comité, que apontou o antigo primeiro-ministro português e ex-alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados como “um destacado defensor do modelo europeu de sociedade, do pluralismo, tolerância e diálogo, de sociedades abertas e solidárias, do fortalecimento e consolidação da cooperação multilateral”.
Hoje, dia 30 de maio, participaram na cerimónia de entrega do Prémio, entre outros, o Primeiro-Ministro, António Costa, o Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, e o Rei de Espanha, Felipe VI, a quem foi confiado o discurso laudatório.
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O Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa felicitou o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, pelo Prémio Carlos Magno, que lhe foi entregue esta quinta-feira, numa cerimónia em Aachen, na Alemanha.
Segundo nota divulgada no portal da Presidência da República, o Chefe de Estado “enviou uma mensagem calorosa” a Guterres, o “primeiro galardoado português” com o prémio que é atribuído desde 1950 a personalidades que tenham contribuído para a unidade europeia.
Marcelo sustenta que, neste momento, “é particularmente relevante e significativa a atribuição a António Guterres do prestigiado prémio – na senda de personalidades que tanto contribuíram para a unidade da Europa como Jean Monet, Konrad Adenauer, Winston Churchill, François Mitterrand, Papa João Paulo II, Angela Merkel e Emmanuel Macron”. E considera que “a Europa atravessa um momento histórico determinante, a nível interno e no contexto mundial”, sendo Guterres um símbolo “da importância do modelo europeu de uma sociedade plural e solidária, comprometida com a cooperação multilateral e assente em valores, princípios e objetivos de futuro ao serviço das pessoas”. Para o Chefe de Estado, Guterres é “um exemplo e uma demonstração do que Portugal tem de melhor”, pela sua “inteligência superior” e “brilhante capacidade de antevisão e equação dos desafios e soluções a nível global” e pelo “modo ímpar como cria e fomenta o diálogo, constrói pontes, fomenta a paz e aproxima as pessoas”.
Por seu turno, o Primeiro-Ministro, António Costa, considerou que a atribuição deste Prémio a António Guterres é “motivo de orgulho” para Portugal e também “uma mensagem política muito importante” para o reforço do papel da UE na cena internacional.
Declarou o Primeiro-Ministro aos jornalistas, no final da cerimónia de entrega do galardão ao Secretário-Geral da ONU, em Aachen, Alemanha:
Eu acho que é um motivo de orgulho para todos nós termos finalmente um português a receber o Prémio Carlos Magno, que é um prémio muito importante e que sinaliza bem o contributo que António Guterres deu para a unidade europeia”.
Costa observou que “não é seguramente por acaso” que António Guterres é o primeiro português a receber este prémio, tal como foi o primeiro português a ser eleito secretário-geral da ONU, e enfatizou:
E isso significa o grande compromisso que ele tem com os valores que, como ele aqui evocou, sempre se bateu desde a sua juventude, e a forma como ganhou e construiu um prestígio internacional muito relevante, o que não deixa de ser obviamente importante para Portugal”.
O Chefe do Governo considerou que a atribuição a Guterres do Prémio Carlos Magno, pela sua defesa do modelo europeu de sociedade, do pluralismo, tolerância e diálogo, “também é uma mensagem política muito importante”. E vincou:
Em primeiro lugar, de como a União Europeia é fundamental para reforçar o multilateralismo, de como é essencial para termos um mundo mais solidário, que respeite o princípio do estado de direito, da boa convivência entre os povos, de reforçar as Nações Unidas, e também (uma prioridade clara em todos os discursos), a necessidade de nos focarmos no combate às alterações climáticas, de reforçar o nosso modelo social para assegurar uma boa transição para a sociedade digital com coesão, e a necessidade de não nos fecharmos sobre nós próprios, e, pelo contrário, nunca nos esquecermos [de] que o estatuto internacional dos refugiados foi criado precisamente para proteger os europeus vítimas da II Guerra Mundial”.
Para António Costa, a atribuição do prémio a Guterres enquanto secretário-geral das Nações Unidas “é seguramente a mensagem de que esta deve ser uma prioridade da Europa e que António Guterres é um bom exemplo do que a Europa pode e deve fazer para reforçar as Nações Unidas” e o que é “uma sociedade global mais organizada, com maior respeito pelo direito, mais pacífica, com menos desigualdades, e onde todos possam encontrar mais esperança na construção de um futuro onde as alterações climáticas possam ser travadas”.
Defendendo que é “seguramente necessária uma Europa melhor”, com uma agenda estratégica ambiciosa e solidária para os próximos 5 anos, Costa, questionado sobre se aproveitou o evento de hoje para continuar a negociar com outros líderes europeus quem deve liderar essa agenda, sorriu e comentou que “não, hoje não foi dia de negociação, foi um dia de inspiração para a construção de uma boa agenda para os próximos cinco anos”.
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O Rei Felipe VI, de Espanha, no discurso laudatório no salão de coração da câmara de Aachen, localidade que foi outrora sede do império de Carlos Magno, considerado o “pai da Europa”, declarou, lembrando que se trata do primeiro português a receber este prestigiado prémio:
Fico muito orgulhoso enquanto espanhol e amigo de Portugal, e também como europeu, que António Guterres receba este ano o Prémio Carlos Magno”.
Não poupando elogios a Guterres e, citando Fernando Pessoa – “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena” –, afirmou que “a alma de António Guterres é imensa, assim como são a sua sabedoria, experiência e paixão com que defende os seus ideais”. E prosseguiu:
Há mais de 1.200 anos, o sonho europeu começou aqui, em Aachen. Hoje, esse sonho mantém-se muito vivo, graças à visão e determinação de indivíduos excecionais com o calibre de António Guterres, um homem que combina a perspetiva europeia com a vocação internacional do seu país, Portugal, a quem também hoje prestamos tributo”.
O monarca espanhol disse que, “tal como os seus compatriotas que navegaram pelos oceanos no início da era moderna” – à semelhança dos seus compatriotas espanhóis –, “António Guterres é um homem de horizontes largos e, tal como esses grandes exploradores, ele investe a sua considerável energia em cada empreendimento em que embarca”. E, lembrando que o galardoado entrou na vida política muito jovem, “num momento decisivo da história” de Portugal, de transição da ditadura para a democracia, assegurou:
António Guterres é o homem que sabe como conciliar as suas profundas convicções éticas e sociais com o rigor científico dos seus antecedentes académicos”.
E vincou:
Desde então, o compromisso de António Guterres com a justiça e harmonia orientaram a sua carreira, como primeiro-ministro de Portugal, de 1995 a 2002, como presidente do Conselho Europeu em 2000 (durante a presidência portuguesa da UE), como Alto Comissário da ONU para os Refugiados, entre 2005 e 2015, e, desde janeiro de 2017, como secretário-geral da ONU”.
“Em cada um destes cargos”, disse, “ele conduziu de forma consistente a sua ação política mantendo-se fiel a três princípios inalienáveis”: a solidariedade com os mais necessitados, a busca de uma união ainda mais próxima entre os povos e países da Europa, e o contributo de uma Europa unida para as causas justa da humanidade. E, considerando que o trabalho de Guterres e a sua eleição para o cargo de secretário-geral da ONU constituem um lembrete claro de que o sonho europeu não termina nas fronteiras da Europa, Felipe VI afirmou que “o exemplo de António Guterres mostra que não há contradição entre a construção de uma Europa mais unida e a busca de uma ordem internacional aberta, plural, mais justa e mais cooperante”.
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Por seu turno, o galardoado, apelando a “uma Europa forte e unida”, deixa a promessa de continuar a preconizar, de forma apaixonada, o pluralismo e a tolerância e a exortação a maior vigor e empenho na defesa do multilateralismo na Europa, atualmente “debaixo de fogo”. E diz:
Se queremos evitar uma nova Guerra Fria, se queremos evitar uma confrontação entre dois blocos, [...] se queremos construir uma ordem verdadeiramente multilateral, precisamos absolutamente de uma Europa unida e forte como pilar fundamental dessa ordem multilateral, com base no Estado de Direito.”.
Discursando em Aachen, após receber o prémio internacional Carlos Magno pela sua defesa do modelo europeu de sociedade, do pluralismo, tolerância e diálogo, Guterres insistiu na necessidade imperiosa de uma agenda multilateral “nestes tempos de grande ansiedade e desordem geopolítica”. Aduziu que a UE tem uma responsabilidade acrescida na sua defesa por ser “pioneira” e “um posto avançado do multilateralismo e do primado do direito”, valores cada vez mais postos em causa nos dias de hoje. E disse que, enquanto secretário-geral das Nações Unidas, nunca sentiu “tão claramente a necessidade de uma Europa forte e unida”.
Guterres observou que o mundo enfrenta atualmente “três desafios sem precedentes” que agravam os riscos de confrontação e exigem respostas vigorosas: as alterações climáticas (que classificou como sendo “hoje uma questão de vida ou morte”), a demografia e migrações, e a era digital. Apontou que “o multilateralismo está sob fogo precisamente quando dele mais precisamos, e quando nunca foi tão adequado para fazer face a todos os desafios”. E, sustentando que “a UE constitui uma experiência única em soberania partilhada”, comentou que se desenha “uma nova ordem mundial, com destino ainda desconhecido”, pelo que “o mundo parece hoje caótico”, sendo que, para uma nova ordem mundial multilateral é essencial uma Europa forte e unida.
Todavia, foi pertinente a advertir que, “mesmo que acabemos por ter um mundo multipolar, tal não é por si só uma garantia de segurança e paz comum”, pois basta recordar a História antes da I Guerra Mundial, quando, “sem um sistema multilateral na época, uma Europa multipolar não foi capaz de evitar dois conflitos mortíferos”. Na verdade, com cada povo a jogar só no tabuleiro dos seus interesses, não se almeja a paz que resulta da sã convivência. Assim, afirmou:
Por tantas razões, e talvez um toque de saudade, gostaria que a Europa pudesse defender de uma forma mais decisiva a agenda multilateral. As Nações Unidas precisam de uma Europa forte e unida. (…) Nunca as instituições do pós-guerra mundial e os seus valores subjacentes estiveram tão erodidos e colocados à prova.”.
E o Secretário-Geral da ONU enfatizou que os conflitos se tornaram “mais complexos e interligados do que nunca, produzem violações horrendas da lei humanitária internacional e abusos dos direitos humanos”. De facto, como assinalou com oportunidade, “as pessoas foram forçadas a fugir de suas casas numa escala que não se via há décadas” e, como alertou, “com as portas de um abrigo fechadas”, “os princípios democráticos estão sitiados e o Estado de direito está a ser enfraquecido, as desigualdades estão a aumentar, o discurso de ódio, o racismo e a xenofobia estão a incitar o terrorismo através das redes sociais”.  
Defendendo que “tanto as Nações Unidas como a UE são um legado dos valores do iluminismo”, opina que é “o mais importante contributo europeu para a civilização mundial”, e afirmou que aquilo a que se assiste hoje na cena mundial, com o ressurgimento de “paixões nacionalistas, populistas, étnicas e religiosas”, é “a negação do Iluminismo”. E considerou:
Tendo crescido sob a ditadura de Salazar, testemunhei o verdadeiro valor da liberdade. Como antigo Alto Comissário da ONU para os Refugiados, durante 10 anos, vi as cicatrizes da deslocação e desenraizamento. E a História consolidou a minha forte convicção de que essas tragédias apenas podem ser evitadas através da prevenção de conflitos e desenvolvimento através da cooperação internacional.”.
Verificando que, para prevenir e evitar as tragédias que evocou, o mundo precisa mais do que nunca “dos dois maiores projetos de paz dos nossos tempos, as Nações Unidas e a União Europeia”, declarou (em português, no encerramento do seu discurso):
Como secretário-geral das Nações Unidas, não tenho outros poderes senão a persuasão e o apelo à razão. Posso assegurar-vos que darei sempre o meu melhor na defesa apaixonada dos valores do pluralismo, da tolerância, do diálogo e do respeito mútuo para construir um mundo de paz, justiça e dignidade humana.”.
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Oxalá os decisores políticos europeus e à escala mundial parem um pouco para pensar nas palavras do Secretário-Geral da ONU e se unam para agir em conformidade, porque a Europa necessita e o mundo merece. É a paz, a paz que deve guiar o destino dos povos e de toda a humanidade” – proclamava à Assembleia Geral da ONU o Papa São Paulo VI a 4/10/1965.  
2019.05.30 – Louro de Carvalho

quarta-feira, 29 de maio de 2019

Dia 29 de maio, dia de São Paulo VI


Pela primeira vez se celebra a 29 de maio a memória litúrgica de São Paulo VI, dia da sua ordenação sacerdotal, que ocorreu a 29 de maio de 1920 (Já lá vão 99 anos!), pois a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos divulgou, a 6 de fevereiro, o decreto, de 25 de janeiro que (Festa da Conversão de São Paulo), que, por determinação do Papa Francisco, inscreve a celebração de São Paulo VI no Calendário Romano Geral, com o grau de memória facultativa, e estabelece, como dia próprio, o da sua ordenação sacerdotal, 29 de maio. E estabelece:
Esta nova memória deverá ser inserida em todos os Calendários e Livros Litúrgicos para a celebração da Missa e da Liturgia das Horas e os textos litúrgicos a serem adotados devem ser traduzidos, aprovados e, depois da confirmação deste Dicastério, publicados sob a autoridade da Conferência Episcopal”.
A fundamentação para o estabelecimento desta memória liturgia no dia em referência resulta da boa conta em que Francisco tem “a santidade de vida deste Sumo Pontífice, testemunhada nas obras e palavras”, “o grande influxo exercido pelo seu magistério apostólico pela Igreja dispersa por toda a terra” e “a petição e desejos do Povo de Deus”. Com efeito, São Paulo VI respondeu ao convite de “Jesus Cristo, plenitude do homem, vivo e agindo na Igreja”, a que “todos os homens caminhem ao encontro transfigurante com Ele, “caminho, verdade e vida” (Jo 14,6) (vd preâmbulo). Recorde-se, a propósito da expressão “encontro transfigurante”, que São Paulo VI faleceu, em Castel Gandolfo, a 6 de agosto de 1978, Festa da Transfiguração do Senhor recitando o Pater noster. Entregou, assim, a alma a Deus e, segundo as suas diretrizes, foi sepultado humildemente, do mesmo modo como tinha vivido.
Do decreto destacam-se alguns pontos significativos do perfil de São Paulo VI:
- “Colaborou com os Sumos Pontífices Pio XI e Pio XII e, ao mesmo tempo, exerceu o ministério sacerdotal junto dos jovens universitários”.
- Como Substituto da Secretaria de Estado, durante a II Guerra Mundial, “empenhou-se em dar exílio aos perseguidos hebreus e aos refugiados”.
- Como Pro-Secretário de Estado para os Assuntos Gerais da Igreja, “conheceu e encontrou muitos impulsionadores do movimento ecuménico”.
- No múnus de Arcebispo de Milão, “dedicou-se inteiramente ao cuidado da Diocese”.
- Eleito para a Cátedra de Pedro, a 21 de junho de 1963, “perseverou incansavelmente na obra iniciada pelos seus predecessores, em particular, levando a cabo o Concílio Vaticano II”.
- Tomou “numerosas iniciativas como sinal da sua viva solicitude nos confrontos da Igreja com o mundo contemporâneo”, entre as quais sobressaem as suas viagens de peregrino, realizadas como atividade apostólica”, servindo para “preparar a unidade dos Cristãos” e “para reivindicar a importância dos direitos fundamentais dos homens”. Assim, exerceu um poderoso “Magistério em favor da paz, promoveu o progresso dos povos e a inculturação da fé”.
– No quadro da reforma litúrgica, aprovou “ritos e orações”, na linha da tradição e em consonância com os novos tempos; promulgou, para o Rito Romano, o Calendário, o Missal, a Liturgia das Horas, o Pontifical e quase todos os Rituais, a fim de favorecer a participação dos fiéis na liturgia; e empenhou-se em que as celebrações pontifícias ganhassem simplicidade.
- Com referência especial aos vigários de Cristo, o documento vinca: 
Deus, Pastor e guia de todos os fiéis, confia a sua Igreja, peregrina no tempo, àqueles que Ele mesmo constituiu vigários do seu Filho. Entre estes, resplandece São Paulo VI, que uniu na sua pessoa a fé límpida de São Pedro e o zelo missionário de São Paulo.”.
- Sobre a dupla consciência petrina e paulina de Paulo VI, refere o documento:
A sua consciência de ser Pedro, aparece clara se nos recordamos de que, em 10 de junho de 1969, na visita ao Conselho Mundial das Igrejas em Genebra, se apresentou dizendo: ‘O meu nome é Pedro’; mas a missão pela qual se sentia eleito deriva, também, do nome escolhido. Como Paulo, consumiu a sua vida pelo Evangelho de Cristo, cruzando novas fronteiras e fazendo-se testemunha d’Ele no anúncio e no diálogo, profeta de uma Igreja extroversa que olha para os distantes e cuida dos pobres.”.
- E, sobre o entendimento que teve da Igreja e sobre o seu afeto por ela, regista:
A Igreja, de facto, foi sempre o seu amor constante, a sua solicitude primordial, o seu pensamento fixo, o primeiro e fundamental fio condutor do seu pontificado, porque queria que a Igreja tivesse melhor consciência de si mesma e pudesse levar cada vez mais longe o anúncio do Evangelho”.
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Na homilia da Missa da beatificação do Servo de Deus Paulo VI, a 19 de outubro de 2014, no encerramento do Sínodo Extraordinário dos Bispos sobre a Família, o Papa Francisco recordou algumas das palavras com que o Papa Montini instituiu o Sínodo dos Bispos pela Carta Apostólica sob a forma de Motu proprioApostolica sollicitudo”, que marcam a necessidade do caminho sinodal para acolher o impulso Espírito Santo e as aspirações hodiernas:
Ao perscrutar atentamente os sinais dos tempos, procuramos adaptar os métodos (...) às múltiplas necessidades dos nossos dias e às novas caraterísticas da sociedade”.
E, falando “deste grande Papa, deste cristão corajoso, deste apóstolo incansável, diante de Deus”, Francisco disse que “hoje só podemos dizer uma palavra tão simples como sincera e importante”: “Obrigado”! E prosseguiu:
Obrigado, nosso querido e amado Papa Paulo VI! Obrigado pelo teu humilde e profético testemunho de amor a Cristo e à sua Igreja!”.
Depois, evocou a autorreflexão paulina a partir do diário pessoal do grande timoneiro do Concílio, após o encerramento da Assembleia Conciliar:
Talvez o Senhor me tenha chamado e me mantenha neste serviço não tanto por qualquer aptidão que eu possua ou para que eu governe e salve a Igreja das suas dificuldades atuais, mas para que eu sofra algo pela Igreja e fique claro que Ele, e mais ninguém, a guia e salva” (P. Macchi, Paolo VI nella sua parola, Brescia 2001, pp. 120-121).
E, segundo o Papa Bergoglio, é nesta humildade que “resplandece a grandeza do Beato Paulo VI, que soube, quando se perfilava uma sociedade secularizada e hostil, reger com clarividente sabedoria – e às vezes em solidão – o timão da barca de Pedro, sem nunca perder a alegria e a confiança no Senhor”. A seguir, citando dois documentos do timoneiro da Igreja Conciliar e Pós-Conciliar, o Sumo Pontífice sublinhou:
Verdadeiramente Paulo VI soube ‘dar a Deus o que é de Deus’, dedicando toda a sua vida a este ‘dever sacro, solene e gravíssimo: continuar no tempo e dilatar sobre a terra a missão de Cristo’ (Homilia no Rito da Coroação, Insegnamenti, I, (1963), 26), amando a Igreja e guiando-a para ser ‘ao mesmo tempo mãe amorosa de todos os homens e medianeira de salvação’. (Carta enc. Ecclesiam suam, prólogo).”.
A 14 de outubro de 2018, na Missa da canonização, falando da alegria que o Senhor dá a quem O segue e a espalha pelo mundo dos filhos de Deus, citando a Exortação Apostólica “Gaudete in Domino”, de São Paulo VI sobre a alegria cristã, Francisco observou:
O Santo Papa Paulo VI escreveu: ‘É no meio das suas desgraças que os nossos contemporâneos precisam de conhecer a alegria e de ouvir o seu canto’ (Exort. ap. , I). Hoje, Jesus convida-nos a voltar às fontes da alegria, que são o encontro com Ele, a opção corajosa de arriscar para O seguir, o gosto de deixar tudo para abraçar o seu caminho. Os Santos percorreram este caminho.”.
E, antes de se referir aos demais que inscrevera naquele dia no catálogo dos santos, disse:
Fê-lo Paulo VI, seguindo o exemplo do Apóstolo cujo nome assumira. Como ele, consumiu a vida pelo Evangelho de Cristo, cruzando novas fronteiras e fazendo-se testemunha d’Ele no anúncio e no diálogo, profeta duma Igreja extroversa que olha para os distantes e cuida dos pobres. Mesmo nas fadigas e no meio das incompreensões, Paulo VI testemunhou de forma apaixonada a beleza e a alegria de seguir totalmente Jesus. Hoje continua a exortar-nos, juntamente com o Concílio de que foi sábio timoneiro, a que vivamos a nossa vocação comum: a vocação universal à santidade; não às meias medidas, mas à santidade.”.
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É oportuno o comentário do Cardeal Robert Sarah sob o título Apóstolo corajoso do Evangelho.
O Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos explicita que o dia da celebração será 29 de maio, data da sua ordenação presbiteral em 1920, porque, a 6 de agosto, dia do seu nascimento para o céu, é a festa da Transfiguração do Senhor. E afirma:
Se o santo é aquele que conforma a sua própria vida a Cristo, fazendo frutificar a graça divina nas suas obras, Paulo VI fê-lo respondendo à vocação à santidade como batizado, sacerdote, Bispo, Sumo Pontífice. E agora contempla Deus face a face. Sempre sublinhou que ‘só na busca sincera de Deus, feita com a oração, com a penitência, com a metanoia de todo o ser, se podem assegurar os êxitos verdadeiros da vida cristã e apostólica, e pôr em prática o primeiro e sempre vivo chamamento do Senhor à santidade’: ‘Impletum est tempus, et appropinquavit regnum Dei; paenitemini et credite evangelio’ (- Completou-se o tempo, está próximo o Reino de Deus; arrependei-vos e crede no Evangelho – Mc 1,15). ‘Estote ergo vos perfecti sicut et Pater vester caelestis perfectus est’ (- Sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito – Mt 5, 48). (Discurso ao Colégio Cardinalício nas felicitações pela festa onomástica, 21 de junho de 1976).”. 
E sublinha o Prefeito do susodito Dicastério:
Depois de ter escrito que não queria ‘nenhuma regra, nenhum acrescento extraordinário’ que distinguisse a sua vida cristã da forma normal, acrescentou que gostaria de cultivar ‘um amor particular àquilo que é essencial e comum na vida espiritual católica’. Assim – escrevia – ‘terei a Igreja como mãe da caridade: a sua Liturgia será a regra preferida para a minha espiritualidade religiosa’. E meditando sobre o ‘imitamini quod tractatis’ (Imitai-me no modo como procedeis), deduzia do mistério da Eucaristia a consequente necessidade da ‘imolação da sua própria vida sempre’, indicando-a como ‘a missa na vida’ unida ao ‘semper gratias agentes’ (sempre dando graças).”. 
Com o decreto, são publicados os textos a acrescentar nos Livros Litúrgicos (Calendário, Missal, Liturgia das Horas, Martirológio).
Na oração coleta ressoa “o que Deus realizou no seu fiel servidor: ‘confiaste a tua Igreja à guia do Papa São Paulo VI, apóstolo corajoso do Evangelho do teu Filho; e pede-se: ‘Faz que, iluminados pelos seus ensinamentos, possamos cooperar contigo para dilatar no mundo a civilização do amor’.
E Sarah vê aqui sintetizadas as caraterísticas” do pontificado e ensinamentos de São Paulo VI:
Uma Igreja, que pertence ao Senhor (Ecclesiam Suam), dedicada ao anúncio do Evangelho, como recordava na Evangelii nuntiandi, chamada a testemunhar que Deus é amor”. 
São indicadas as leituras bíblicas para a Missa, escolhidas do Comum para os Papas, e, como leitura para o Ofício de Leitura, alguns passos da homilia da última Sessão pública do Concílio, a 7 de dezembro de 1965, sintetizada no tema: Para conhecer a Deus é preciso conhecer o homem. E o Prefeito do Dicastério assegura:
 “Paulo VI viveu, antes e depois de ser papa, olhando constantemente para Cristo, de quem sentia e proclamava a necessidade para todos os homens. Tinha-o mostrado com a sua primeira Carta Pastoral, enquanto Arcebispo de Milão, intitulada com a expressão de Santo Ambrósio: Omnia nobis est Christus (Cristo é tudo para nós).”.
A 5 de agosto de 1963, segundo o Cardeal Sarah, Paulo VI refletia:
Devo regressar ao princípio: a relação com Cristo… que deve ser fonte de sinceríssima humildade: ‘afasta-te de mim, que sou um homem pecador…’; tanto na disponibilidade: ‘farei de vós pescadores…’; como na simbiose da vontade e da graça: ‘para mim a vida é Cristo…’. O amor a Cristo é o amor à sua Igreja.”.
No Pensamento sobre a morte, com razão, escreveu:
Peço ao Senhor que me dê a graça de fazer da minha próxima morte um dom de amor à Igreja. Poderei dizer que sempre a amei e que por ela, e por mais nada, me parece que vivi”. 
Fascinado pela figura e atividade de Paulo de Tarso, não poupou energias ao serviço do Evangelho, da Igreja e da humanidade, à luz do plano divino de salvação. E o Cardeal assinala:
Defensor da vida humana, da paz e do verdadeiro progresso da humanidade, como mostram os seus ensinamentos, quis que a Igreja, inspirando-se no Concílio e pondo em prática os seus princípios normativos, redescobrisse cada vez mais a sua identidade, superando as divisões do passado e muito atenta aos novos tempos: Igreja de Cristo, que põe a Deus no primeiro lugar, o anúncio do Evangelho, mesmo quando se prodigaliza pelos irmãos, para construir a ‘civilização do amor’ inaugurada pelo Espírito no Pentecostes”. 
E, sustentado no que São Paulo VI escreveu em “Notas para o meu testamento”, Paulo VI escreveu, “Nenhum monumento para mim”, o Cardeal Sarah conclui:
Ainda que lhe tenha sido erigido um monumento na Catedral de Milão, em outubro de 1989, o verdadeiro monumento foi o próprio Paulo VI que o construiu com o seu testemunho, com as obras, com as viagens apostólicas, com o ecumenismo, com o trabalho para a Nova Vulgata, com a renovação litúrgica e com os seus múltiplos ensinamentos e exemplos, mostrando assim o rosto de Cristo, a missão da Igreja, a vocação do homem moderno e conciliando o pensamento cristão com as exigências da hora difícil em que teve de guiar, sofrendo muito, a Igreja”. 
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Por fim, os textos (em tradução livre), da Liturgia de São Paulo VI (nascido com o nome de João Batista Henrico Maria Montini a 26 de setembro de 1897 em Concesio, província de Brescia):
- Para o Calendário Romano Geral:
Maio, 29 – São Paulo VI, Papa
- Para o Missal Romano
Comum dos Pastores, para um Santo Papa
Oração Coleta:
Ó Deus, que entregastes a guia da vossa Igreja ao Bem-aventurado Papa Paulo, intrépido apóstolo do Evangelho vosso Filho, concedei-nos que, iluminados pelos seus ensinamentos, possamos cooperar Convosco para dilatar no mundo a civilização do amor. Por nosso Senhor Jesus Cristo… 
Liturgia da Palavra:
1.ª Leitura: 1 Cor 9, 16-19.22-23
Salmo responsorial: Sl 95 (96), 1-2a.2b-3.7-8a
Aleluia: Mc 1,17
Evangelho: Mt 16,13-19
- Para a Liturgia das Horas (além de nota biográfica, com lugar e dia de nascimento, ordenação sacerdotal, eleição como Sumo Pontífice, dia da morte e menções de serviço à Santa Sé e à arquidiocese de Milão, prossecução e completamento do Concílio, renovação da Igreja e envolvimento na reforma litúrgica, no ecumenismo e no anúncio do Evangelho ao mundo contemporâneo)
Comum dos Pastores, para um Santo Papa
Ofício de Leitura
- Segunda Leitura: Das homilias de São Paulo VI, Papa
(Na última sessão publica do Concílio Ecuménico Vaticano II, dia 7 de dezembro de 1965: AAS 58 [1966] 53. 55-56. 58-59),
Sob o tópico: Para se conhecer Deus, é preciso conhecer o homem.
- Responsório (cf Fl 4,8):
R/. Tudo o que é verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, respeitável * tende-o em mente (T.P. Aleluia).
V/. Tudo o que possa ser virtude e mereça louvor * tende-o em mente (T.P. Aleluia).
- Oração
Ó Deus, que entregastes a guia da vossa Igreja ao Bem-aventurado Papa Paulo, intrépido apóstolo do Evangelho vosso Filho, concedei-nos que, iluminados pelos seus ensinamentos, possamos cooperar Convosco para dilatar no mundo a civilização do amor. Por nosso Senhor Jesus Cristo… 
- Para o Martirológio Romano:
No dia 29 de maio, em primeiro lugar, São Paulo VI, Papa (com uma nota apostólica que indica ser este o dia da ordenação presbiteral e menciona que foi arcebispo de Milão e, eleito para a Sé Romana, prosseguiu com êxito o Concílio Ecuménico, promoveu a renovação da Igreja e o diálogo ecuménico e cuidou do anúncio do Evangelho aos homens deste tempo até que adormeceu no Senhor a 6 de agosto de 1978).
  Laus Deo
2019.05.29 – Louro de Carvalho