sábado, 4 de maio de 2019

Novo diferendo entre ANTRAM e sindicatos: algumas questões



No passado dia 29 e abril, o SNMMP (Sindicato de Motoristas de Matérias Perigosas) deu uma semana à ANTRAM (Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias) para rever o contrato coletivo de acordo com o memorando de entendimento gizado entre as partes e de que resultou a cessação da paralisação em curso nos primeiros dias da Semana Santa, avisando que avançaria para nova greve, caso a ANTRAM se mantivesse irredutível.
Na verdade, Pedro Henriques, representante daquele sindicato, disse, à saída da primeira reunião com a ANTRAM e com o representante do Governo, que a postura da associação na reunião foi “uma afronta que não estamos dispostos a aceitar”. Porém, acabou por aceitar dar uma semana para a ANTRAM mudar de postura. Por sua vez, a ANTRAM anunciou que vai rever o contrato coletivo, tendo ficado agendada nova reunião para o próximo dia 7 de maio.
Pedro Henriques explicou o busílis:
Desde que terminámos a greve, começámos a trabalhar para novo acordo coletivo de trabalho, com mais de 70 artigos. Agora, a ANTRAM chegou à reunião e disse que foi surpreendida com as nossas reivindicações. Não estamos a reivindicar nada a mais do que já tínhamos reivindicado mesmo antes da greve. Dizer-nos que não vinha preparada é uma afronta que não estamos dispostos a aceitar. Concedemos, a pedido do Governo, uma semana e, no final desta semana, veremos quais as formas de luta que iremos utilizar. (…) A greve será a opção muito provavelmente.”.
E, em declarações transmitidas pelas televisões, referiu aos jornalistas presentes que a ANTRAM, na próxima reunião de 7 de maio, deverá “pronunciar-se concretamente sobre dois dos principais temas que temos em cima da mesa: o reconhecimento da categoria profissional de motorista de matérias perigosas e a definição do salário-base desta profissão em dois salários mínimos, ficando indexado ao valor do salário mínimo”.
As negociações entre o SNMMP e a ANTRAM iniciaram-se, no dia 29, depois duma greve que afetou a distribuição de combustíveis em todo o país e que tinha sido iniciada a 15 de abril, levando o Governo a decretar requisição civil. A paralisação terminou a 18, tendo ficado definido que as negociações entre o sindicato e a ANTRAM, tendo o Governo como mediador, começavam a 29 de abril e podiam prolongar-se até ao final do ano.
Para servir de mediador entre as partes em representação do Estado, o Governo recorreu aos serviços de Guilherme Dray, advogado que já antes esteve nas negociações com os estivadores, que pararam o porto de Setúbal no final do ano passado.
Entretanto, a ANTRAM, reagindo às declarações do SNMMP à saída da predita reunião, referiu que a reunião do dia 29 com o SNMMP foi só o primeiro encontro “de um calendário de negociações que se prolonga até ao final do ano”, razão pela qual “não se podem exigir respostas no imediato”. Mesmo assim, prometeu estar preparada, dia 7 de maio, para dar uma resposta”.
A este respeito, Pedro Polónia, vice-presidente daquela associação, à saída da reunião, frisou:
Não estamos nem dececionados, nem ambiciosos, nem confiantes ou pouco confiantes. Foi a primeira reunião, foi a primeira vez que tivemos a oportunidade de ver as reivindicações. (…) Claro que tínhamos conhecimento sobre as reivindicações, pelo que foi saindo na comunicação social, mas uma coisa é ouvir pela comunicação social, outra é ver para [lá] dos valores, saber tudo o que se pretende e qual a abertura do sindicato.”.
Diz Pedro Polónia que agora é o tempo de maturar ideias e de ouvir os seus associados, as empresas de transporte.
Sobre a ameaça do SNMMP de avançar com nova paralisação, caso na próxima semana não veja avanços na definição de um salário base equivalente a dois salários mínimos ou a criação da categoria específica para os profissionais que lidam com materiais perigosos, a ANTRAM diz que não age sob pressão e que “não trabalha sobre ameaças de greve”. E, embora admita alguma diferenciação nas categorias profissionais dos motoristas, realça que “também é preciso justiça no setor”, não podendo haver “tratamentos desproporcionados entre motoristas”. De qualquer modo, a ANTRAM levará respostas para a próxima reunião. E Pedro Polónia vincou:
Sendo nós devidamente informados apenas na reunião de hoje [dia 29], não podemos dar hoje respostas, particularmente quando foi acordado um período de negociações de sete meses, com paz social. Mas na próxima reunião estaremos preparados para dar uma resposta.”.
O vice-presidente da ANTRAM lembrou que a atual direção da está no cargo há seis anos, detendo larga experiência negocial, e que conseguiu renegociar o acordo coletivo do setor com a FECTRANS (Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações), que estava bloqueado há 20 anos. Não obstante, admite reabrir negociações com a FECTRANS e ouvir o SIMM (Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias), um dos sindicatos que recusou o acordo coletivo com a FECTRANS e que também já se manifestou pronto para avançar com a greve.
Ainda à saída da predita reunião, a ANTRAM lembrou que está em causa uma série de alterações com impacto nos custos com pessoal das empresas suas associadas, isto numa atividade que é “muito importante para o país”, e onde as transportadoras têm de operar com “margens muito apertadas”.
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Após a greve dos estivadores, Governo, para honrar o protocolo assinado entre a ANTRAM e o SNMMP, voltou a escolher o advogado Guilherme Dray para negociar com os trabalhadores de transporte de matérias perigosas.
Este advogado tornou-se, no ano passado, membro do escritório Macedo Vitorino e Associados, é especialista em direito do trabalho, foi o coordenador científico do Livro Verde das Relações Laborais, em 2016, elaborado pelo Ministério do Trabalho, liderado por Vieira da Silva, e o Governo recorreu, em 2018, aos seus préstimos para mediar o diferendo entre estivadores e a administração portuária, a que já se fez alusão. Com efeito, o porto de Setúbal esteve parado, provocando demora nas exportações de carros da Autoeuropa. O acordo alcançado previa a passagem imediata a efetivos de 56 trabalhadores precários (mais 10 a 37 numa segunda fase). Ora Dray, além da experiência negocial, também tem experiência em funções de apoio a membros do Governo, já que foi chefe de gabinete do ex-Primeiro-Ministro José Sócrates.
Como ficou dito, o SNMMP começou as negociações com a ANTRAM no dia 29, tal como foi acordado depois da greve que afetou a distribuição de combustíveis em todo o país. O sindicato pede o reconhecimento da especificidade dessa categoria de motoristas, o salário base de 1.200 euros para os profissionais do setor, um subsídio de 240 euros e a redução da idade de reforma.
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A 2 de maio, a ANTRAM anunciou que vai voltar a sentar-se com os camionistas para “clarificar algumas matérias” e dar “início a um novo processo negocial com vista à revisão de alguns aspetos contratuais”. Enfim, vai reabrir-se o processo de negociação coletiva assinado com a FECTRANS. E explicita a associação representativa das empresas de transporte rodoviário de mercadorias:
Passados seis meses da aplicação do novo contrato coletivo de trabalho, importa clarificar algumas matérias que têm sido alvo de apreciação no âmbito da comissão paritária, bem como ajustes estruturais”.
Já a 29 de abril, no final da primeira reunião com o Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas, a ANTRAM anunciava que ia reabrir negociações com a FECTRANS para renegociar o acordo coletivo do setor, numa revisão a que também o Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias será chamado.
A primeira reunião entre a ANTRAM e o SNMMP, que aconteceu na sequência da greve dos motoristas de matérias perigosas que em meados de abril, não terminou em bom-tom. O sindicato saiu do encontro dando voz a algum descontentamento e apontando que “muito provavelmente” iria avançar com uma nova paralisação, caso na próxima reunião, já a 7 de maio, caso não seja discutido o reconhecimento da categoria profissional e a definição do salário-base da profissão nos dois salários mínimos nacionais e a sua evolução indexada ao valor do SMN (salário mínimo nacional).
Além do SNMMP, também o SIMM já colocou em cima da mesa a hipótese de avançar com uma paralisação em breve caso não veja o acordo coletivo renegociado. Segundo Jorge Cordeiro, do SIMM, o grande problema do setor do transporte de mercadorias está nas práticas concorrenciais das empresas de transporte, que assentam na oferta de custos cada vez mais baixos aos clientes. Mas não a custo das suas margens, antes dos salários que pagam. E denuncia que “são as próprias empresas que impõem concorrência desleal umas às outras e para baixar os preços, retiram benefícios aos trabalhadores”.
O líder do SIMM anotou que o contrato coletivo, que entrou em vigor por acordo da ANTRAM, tem criado os vários problemas que o sindicato antecipava, uma vez que permite “várias possíveis interpretações a várias cláusulas”, apontando que, enquanto sindicato, têm acesso a vários recibos de vencimento que “demonstram de forma clara que não existem duas empresas a pagar da mesma forma”, sendo então caso para questionar para que existe um contrato coletivo.
A primeira reunião para a revisão do contrato coletivo decorreu hoje, 3 de maio, a partir das 9 horas, seguindo-se-lhe uma conferência de imprensa da ANTRAM, com o intuito de apresentar o que foi discutido na reunião e para esclarecer quaisquer dúvidas.
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Saúdam-se os processos de negociação entre a ANTRAM e o SNMMP, entre a ANTRAM e a FECTRANS e o SIMM, na certeza de que é bem-vindo tudo o que seja concertação que respeite a melhoria das condições de trabalho, esbata as desigualdades e tenha em conta as especificidades de cada profissão. Não é admissível que na compensação do trabalho não se contemple um salário justo, dando-se lugar à concorrência desleal entre empresas, tudo valendo para degradar o valor do trabalho, não se acautelem eficazmente as situações de risco e não se especifiquem as categorias consoante a natureza do trabalho.
Estranha-se que nas negociações entre a ANTRAM e o SNMMP fiquem de fora as petrolíferas, visto que o transporte de matérias perigosas também as afeta tanto como do lado do abastecimento como do lado da disponibilidade ao consumidor final. Por outro lado, deveriam ser dadas e acolhidas todas as sugestões atinentes a evitar que os direitos dos trabalhadores sejam afetados, preservando-se o exercício do direito à greve, mas fazendo os possíveis por que os serviços públicos não fiquem totalmente paralisados pela falta de abastecimento de combustíveis e evitando os açambarcamentos. Por isso, os governos terão de estar mas atentos e atuar com maior prontidão, não dando lugar a que o Presidente com razão diga que já sabia.
Há, porém, dois fenómenos que a greve decretada pelo SNMMP e agora a hipótese e de nova paralisação evidenciaram: um sindicato dirigido por empresários e advogados; e os sindicatos constituídos sem afiliação nas centrais sindicais.
Já aquando da greve dos enfermeiros se criticava a existência de um fundo de greve cujos donativos eram de origem anónima, suspeitando-se de haver contributo de empresas e serviços interessados; as alegadas interferências da Ordem; a existência de alguma inorganicidade na condução da greve dos enfermeiros por grupo de enfermeiros não ligados a sindicato e por um novel sindicato, a que se apontava, entre outros aspetos, o não cumprimento de alguns serviços mínimos e a greve endereçada exclusivamente contra os estabelecimentos públicos de saúde, nada contra os privados. Agora, surge um sindicato recém-constituído (Já havia a FECTRANS e o SIMM), cuja primeira forma de luta foi uma greve. E há um reparo a fazer. Os sindicatos são associações de trabalhadores por conta de outrem. Ora, como é admissível haver um sindicato presidido por um empresário, que por natureza é trabalhador por conta própria, podendo até surgir como integrando o patronato? Depois, é de questionar como é que o vice-presidente é um advogado, que é um trabalhador liberal e tem um processo judicial à perna. Isto, a meu ver não se enquadra na deontologia do movimento sindical, embora, como é óbvio, o sindicato possa ter a assessoria de juristas/advogados, mas sem que sejam seus dirigentes.
Quanto aos sindicatos criados sem afiliação nas centrais sindicais, sendo que 92% dos sindicatos recém-constituídos, segundo dados vindos a público, são avessos às duas centrais sindicais existentes, alguns observadores justificam o fenómeno com a liberdade sindical e outros aduzem o não acorrentamento à ideologia política alegadamente vigente nas duas centrais sindicais, a CGTP tida como encostada ao PCP e fazendo no terreno a sua política e a UGT tida como mais afeta à socialdemocracia e ao socialismo democrático. Ora, devo dizer que uma associação sindical precisa de saber o terreno que pisa, dosear com garra, rigor e oportunidade as suas formas de luta e não se precipitar nem precipitar o caos social. Sabendo que pouco se consegue no regime de isolamento, só há vantagens em constituir agremiações e aprender com quem tem experiência no terreno a forma de condução de massas. Vejam-se os distúrbios causados pelos “coletes amarelos” em França ou cometidos à boleia deles.
Por fim, não sei o que é pior: se é um sindicato estar encostado a uma ideologia partidária ou se estar acorrentado a interesses empresariais confessos ou inconfessos.
De resto, o que importa é promover o valor do trabalho, o salário compatível e condigno, as boas condições de trabalho, o exercício dos direitos dos trabalhadores e a conjugação da vida pessoal, profissional e familiar em relação ao trabalho. É o trabalho feito para o homem e não o homem feito para o trabalho!
2019.05.03 – Louro de Carvalho

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