Durante a crise política, motivada
pela contagem integral do tempo de serviço dos professores, o Presidente
da República eclipsou-se. Passados 10 dias, veio a público explicar o silêncio
presidencial com a necessidade de manter a sua liberdade na decisão sobre a ‘lei’ que reconhecia a
contagem integral do tempo de serviço dos professores, congelado por força da
crise sistémica, de não interferir nas competências dos demais órgãos de
soberania e de não se intrometer no tema em período de campanha
eleitoral.
Na verdade, não queria
atacar o Parlamento nem António Costa e não queria pronunciar-se ou parecer que
se pronunciava em véspera de eleições. Tendo em conta este contexto, o
Presidente não convocou nem recebeu nenhum líder partidário durante a crise.
Como referiu, “tudo o que dissesse naquele período limitava
a liberdade de decisão entre promulgar ou vetar a lei” e a de gerir uma crise
institucional se ela viesse a verificar-se, pelo que decidiu ter-se
mantido afastado.
Para Marcelo, “o presidente intervém para prevenir crises” e, neste caso,
“deparou-se com uma realidade nova à chegada da China”, sendo que, aquando da
partida para a conhecida visita de Estado à República Popular da China, “não tinha dados
nenhuns que apontassem para a necessidade de intervir preventivamente”.
Entretanto, surpreendentemente para si, o CDS e o PSD, em conjunto com o
PCP e o BE, aprovaram, em sede discussão e votação na especialidade, na
comissão de educação e ciência, a contagem integral do tempo de serviço dos
professores que fora congelado para efeitos de progressão na carreira. Depois desse
exercício parlamentar, o Primeiro-Ministro avisou que o Governo se demitiria
caso o documento fosse aprovado na votação final global. Mas os partidos de direita mudaram o sentido de voto e
juntaram-se ao PS para chumbar a medida, pondo fim à crise política.
Posto isto,
“o Presidente tinha nas suas mãos três situações que se acumulavam”. A primeira
“era uma lei que estava na ponta final de aprovação”. Ora, o Presidente não
podia estar a pronunciar-se sobre lei que estava na última semana de aprovação.
A segunda foi isto acontecer a uma semana da campanha eleitoral. E, segundo o
Chefe de Estado, embora já se vivesse em campanha para as eleições europeias, “a
campanha eleitoral só ia começar uma semana depois”.
A terceira
era que, pela primeira vez na legislatura, havia um eventual cenário de crise
institucional envolvendo dois órgãos de soberania. Aqui, o Presidente poderia
ter de intervir promulgando a lei ou vetando a lei (ou
submetendo-a à apreciação do Tribunal Constitucional, o que nunca fizera) e decidindo sobre a crise institucional se ela
chegasse a esse extremo. Portanto, o que ele dissesse nesse período de tempo (uma semana,
dez dias) acabava por condicioná-lo, por “não
o deixar de mãos livres para as decisões que viesse a ter de tomar”.
Ou seja, se
os partidos da oposição aprovassem o descongelamento de todo o tempo de serviço
dos professores e o Primeiro-Ministro se demitisse, como disse que faria, o
Presidente não queria estar condicionado pelos seus comentários no momento de
decidir o que fazer.
No atinente ao diploma relativo ao descongelamento das outras carreiras
especiais da administração pública, aprovado em Conselho de Ministros no dia 4
de abril, Marcelo disse que ainda não tomou “nenhuma
decisão”. Confirmou que já tem o diploma, mas reforça que o prazo
para decidir se promulga ou não termina “logo a seguir às eleições” Europeias,
a 26 de maio. Com efeito, em tempo de campanha, não se pode pronunciar sobre
temas que possam influenciar de alguma forma essa mesma campanha.
***
Marcelo Rebelo de Sousa acredita que os portugueses compreenderam as razões
que o levaram a manter-se em silêncio durante as últimas semanas, enquanto durava
o braço de ferro entre o Governo e o Parlamento na discussão da lei dos
professores em que desembocaria a apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º
36/2019, de 15 de março. O Presidente quebrou, no dia 13, o silêncio e explicou
porque só agora o fez. Na Fundação Champalimaud, considerou perante os
jornalistas que “os portugueses percebem
o meu silêncio, percebem que tudo o que dissesse limitava a liberdade” e
porfiou que não se podia pronunciar “sobre uma lei que estava na ponta final
para a aprovação” e em que possibilidade de um “eventual cenário de crise
institucional” e em que, pouco tempo depois, “o Presidente poderia ter de
intervir, promulgando a lei ou vetando a lei”. E, recusando comentar a
“realidade partidária” sobretudo num momento de campanha eleitoral (“Não me
pronunciei sobre o que aconteceu na altura, não vou fazê-lo agora”), justificou:
“O que dissesse nesse período de tempo
acabava por condicionar o Presidente, não o deixar com as mãos livres para as
decisões que tivesse de tomar. Não intervir significa não se pronunciar, não
receber partidos políticos ou convocar partidos.”.
Confessando que não falou com líderes partidários nessa altura, disse que o
Presidente “intervém muitas vezes para
prevenir crises mas, desta vez, entendeu que não devia limitar o seu espaço de
manobra”.
Marcelo
recusou responder a todas as perguntas diretas feitas por jornalistas sobre a
chamada Lei dos Professores, que motivou a conhecida crise política, com
António Costa a ameaçar com a demissão do Governo caso a oposição votasse para
aprovar a recuperação integral do tempo de serviço congelado. O Presidente
disse que não comentava publicamente questões da agenda política e que fazem
parte da campanha eleitoral. Contudo, questionado sobre se tinha saudades de
ter uma agenda pública, começou por brincar, dizendo que só tinha saudades de
ver os próprios jornalistas, mas depois acrescentou:
“Os
portugueses têm de se habituar a que quem intervém muitas vezes não o faz por
uma mania, por estilo ou obsessão. Fá-lo por necessidade. (…) E, quando entende
que a necessidade impõe estar calado uma, duas ou três semanas, tão depressa
está calado como falava todos os dias.”.
Porem, questionado se foi surpreendido com a crise política, respondeu: “Claro”. E, falando na terceira pessoa
disse que o Presidente da República, quando iniciou a sua viagem para a China
não tinha dados indicativos da tempestade política que assolou o país.
***
Durante a
sua conversa com os jornalistas, o Presidente comentou ainda, embora de forma geral, o caso Berardo. Questionado
sobre a forma como Joe Berardo respondeu perante a Assembleia da República, no
dia 10, na comissão de inquérito sobre a gestão e a recapitalização da CGD (Caixa Geral
de Depósitos), embora
sem nunca o nomear, referiu que se trata de “alguém que tinha sido considerado
um exemplo, ao ponto de ter sido condecorado”, no caso, “por mais do que um
Presidente, nos anos 80, e depois no começo do século”.
O Chefe de Estado sustentou que personalidades como o empresário Joe
Berardo, condecorado por dois dos seus antecessores – são importantes ou foram
considerados como tal ou o foram em algum momento –, têm “maior exigência de
responsabilidade” e devem “ter decoro” e “respeitar as instituições”. E afirmou:
“A responsabilidade é maior quanto maior for
o relevo de quem desempenhou o desempenha posições de destaque na vida
portuguesa”.
José Manuel Rodrigues Berardo, conhecido por Joe Berardo, foi condecorado
pelo Presidente António Ramalho Eanes com o grau de comendador da Ordem do
Infante Dom Henrique, em março de 1985, e, em outubro de 2004, com a Grã-Cruz
da mesma ordem, por Jorge Sampaio.
Ora, Marcelo defendeu que, para essas personalidades, “que foram
condecoradas por mais do que um Presidente”, e “que tiveram um relevo
indiscutível, em termos de facto, em momentos que foram momentos importantes de
decisão no quadro do sistema económico e financeiro português”, há uma “maior
exigência de responsabilidade”. E explicitou:
“Têm de ter a noção da sua responsabilidade
perante a comunidade, na forma como se relacionam com a comunidade. E, por
outro lado, têm de respeitar as instituições, a começar nas instituições do
poder político. E respeitar significa ter decoro, ter uma maneira respeitosa de
tratar com essas instituições.”.
Marcelo Rebelo de Sousa, para quem “o juízo dos concidadãos é
inevitavelmente muito negativo” quando essas pessoas ficam “aquém daquilo que
muitos portugueses exigem em termos de responsabilidade comunitária e de
responsabilidade institucional”, disse:
“Isto aplica-se em geral e é bom que as
pessoas que são importantes, porque são ou porque alguém as considerou
importantes, ou porque foram em determinado momento, tenham a noção de que a
importância tem um preço. E o preço é: quanto mais importantes, mais responsáveis,
a todos os níveis.”.
Antes, o Presidente participou numa cerimónia de entrega de diplomas do
programa Qualifica a cerca de 200 trabalhadores da Sonae, que saudou um por um,
no auditório da Fundação Champalimaud, em Lisboa, e apelou a uma aposta no
secundário e no ensino de adultos, a par do pré-escolar e do básico. E, no
início da sua intervenção naquela cerimónia, elogiou “o espírito excecional,
criativo, determinado e liderante do engenheiro Belmiro de Azevedo”, que morreu
em 2017, a liderança do seu filho, Paulo Azevedo, e toda “a grande família da
Sonae”.
***
Recorde-se
que, em 2007, o então comentador televisivo Marcelo elegeu Joe Berardo como
figura do ano na economia nacional. Na altura, o comentador político utilizou o
seu espaço de opinião na televisão para distinguir o comendador pelo papel
decisivo que tinha tido na definição do futuro do BCP, um grande banco nacional
que, no verão de 2007, entrou num período de crise mercê do confronto entre o
fundador Jardim Gonçalves e Paulo Teixeira Pinto, outrora o seu “delfim”. Berardo
reforçou a sua posição no BCP através de vários empréstimos da CGD, dando como
garantia as próprias ações. Mais tarde, com a desvalorização das ações, a CGD
registou perdas de centenas de milhões de euros com estes créditos concedidos a
Berardo, que entrou em incumprimento anos depois. As perdas da Caixa motivaram
várias comissões parlamentares de inquérito, a última das quais está em curso.
O comendador foi ouvido no dia 10 e, questionado pelos deputados sobre as
dívidas não pagas à Caixa, disse que não é dono de qualquer património – desde
a Fundação Berardo à Quinta da Bacalhoa –, que “pessoalmente, não tem dívidas”
e que “o mais prejudicado em toda esta história fui eu”. Estas asserções
geraram um coro de protestos na opinião pública.
Após dez
dias em silêncio, Marcelo alargou-se num comentário ao caso aduzindo a dupla responsabilidade
de todos os cidadãos – perante a comunidade e perante as instituições – e que a
responsabilidade é tanto maior quanto maior for o relevo de quem desempenhou ou
desempenha posições de destaque na vida portuguesa. Com efeito, todos o outros
olham para essas pessoas com atenção e exigência de responsabilidade maiores.
***
Perante o escândalo da falta de respeito chocante de Berardo para com o Parlamento,
amargamente denunciado pelo Primeiro-Ministro no debate quinzenal, seria mau demais
o Presidente, que apareceu em público, não ter uma palavra de censura para tal
atitude.
Quanto ao alegado fator surpresa da crise política, é estranho que o Palácio
de Belém e o seu ilustre inquilino não tenham equacionado este cenário, dado o
conhecimento que deviam ter da reta final da governação assente numa plataforma
que funcionou, mas que era frágil e cuja fragilidade estava a dar de si por
causa das diatribes levantadas em casos ideologicamente polémicos entre a
esquerda e a direita (vejam-se os casos das leis laborais, matéria em que s
e insere o caso dos professores, e da Lei de Bases da Saúde), bem como o conhecimento da índole, ora frontal, ora
sub-reptícia, do Primeiro-Ministro. Ademais, o Presidente tem feito questão de
antecipar todos ou quase todos os factos futuros, não podendo este constituir-se
em exceção!
Quanto ao alegado resguardo do Presidente em prol da sua liberdade de atuação
face à aprovação parlamentar da matéria que entrava em colisão com a postura governamental,
não é crível que a inteligência presidencial não encontrasse forma de dizer uma
palavra aos portugueses sem comprometer irreversivelmente o Chefe de Estado com
eventuais comentários seus. Aliás, ele próprio, aquando da promulgação do DL
n.º 36/2019, de 15 de março, lembrou a possibilidade de os partidos em sede de apreciação
parlamentar do diploma poderem legislar indo além do mesmo desde que tivessem
em conta a norma-travão.
No atinente à pronúncia em véspera de eleições, agora estamos perto das eleições
e em plena campanha eleitoral, o que não era o caso antes.
Por isso, o Presidente tem o direito de falar e o direito de não falar, mas
as razões invocadas para o silêncio sepulcral a que se remeteu não são
convincentes, principalmente a da liberdade entre promulgar ou vetar. E não se
acredita na sua capacidade de avaliar a situação política. A razão plausível só
poder ser a do cansaço que naturalmente as andanças para, pela e da China lhe
terão causado. Ninguém tem saúde de ferro!
2019.05.13 –
Louro de Carvalho
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