quinta-feira, 30 de maio de 2019

António Guterres galardoado com Prémio Internacional Carlos Magno



O Prémio Internacional Carlos Magno (em alemão, Internationaler Karlspreis der Stadt Aachen ou abreviadamente Karlspreis), desde 1988 designado como Internationaler Karlspreis zu Aachen, é um prémio entregue anualmente, a 30 de maio, em luzida cerimónia na cidade de Aachen (oeste da Alemanha), a figuras com destaque pelo mérito no contributo para a UE (União Europeia). A designação constitui uma homenagem ao imperador Carlos Magno (742-814), que lutou, no seu tempo (séculos VIII e IX), pela unificação da Europa e governou uma parte do continente a partir de Aachen. Além do prestígio que reconhece ao galardoado, o prémio comporta um montante simbólico em dinheiro.
Foi António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas (que iniciou funções como secretário-geral das Nações Unidas a 1 de janeiro de 2017), o primeiro português a receber este prestigiado prémio internacional, atribuído desde 1950 a personalidades que tenham contribuído para a unidade da Europa e que, no passado, já distinguiu figuras como Richard Nicolaus Coudenhove-Kalergi (fundador do Movimento Europeu) Jean Monet (Presidente da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço), Winston Churchill, Robert Schuman, Jacques Delors, Felipe González, François Mitterrand, Bill Clinton, Jean-Claude Juncker, Angela Merkel e os Papas João Paulo II (Prémio Extraordinário) e Francisco, bem como coletivos como a Comissão Europeia e o povo do Luxemburgo.
A atribuição do galardão para este ano foi anunciada em janeiro pelo respetivo comité, que apontou o antigo primeiro-ministro português e ex-alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados como “um destacado defensor do modelo europeu de sociedade, do pluralismo, tolerância e diálogo, de sociedades abertas e solidárias, do fortalecimento e consolidação da cooperação multilateral”.
Hoje, dia 30 de maio, participaram na cerimónia de entrega do Prémio, entre outros, o Primeiro-Ministro, António Costa, o Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, e o Rei de Espanha, Felipe VI, a quem foi confiado o discurso laudatório.
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O Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa felicitou o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, pelo Prémio Carlos Magno, que lhe foi entregue esta quinta-feira, numa cerimónia em Aachen, na Alemanha.
Segundo nota divulgada no portal da Presidência da República, o Chefe de Estado “enviou uma mensagem calorosa” a Guterres, o “primeiro galardoado português” com o prémio que é atribuído desde 1950 a personalidades que tenham contribuído para a unidade europeia.
Marcelo sustenta que, neste momento, “é particularmente relevante e significativa a atribuição a António Guterres do prestigiado prémio – na senda de personalidades que tanto contribuíram para a unidade da Europa como Jean Monet, Konrad Adenauer, Winston Churchill, François Mitterrand, Papa João Paulo II, Angela Merkel e Emmanuel Macron”. E considera que “a Europa atravessa um momento histórico determinante, a nível interno e no contexto mundial”, sendo Guterres um símbolo “da importância do modelo europeu de uma sociedade plural e solidária, comprometida com a cooperação multilateral e assente em valores, princípios e objetivos de futuro ao serviço das pessoas”. Para o Chefe de Estado, Guterres é “um exemplo e uma demonstração do que Portugal tem de melhor”, pela sua “inteligência superior” e “brilhante capacidade de antevisão e equação dos desafios e soluções a nível global” e pelo “modo ímpar como cria e fomenta o diálogo, constrói pontes, fomenta a paz e aproxima as pessoas”.
Por seu turno, o Primeiro-Ministro, António Costa, considerou que a atribuição deste Prémio a António Guterres é “motivo de orgulho” para Portugal e também “uma mensagem política muito importante” para o reforço do papel da UE na cena internacional.
Declarou o Primeiro-Ministro aos jornalistas, no final da cerimónia de entrega do galardão ao Secretário-Geral da ONU, em Aachen, Alemanha:
Eu acho que é um motivo de orgulho para todos nós termos finalmente um português a receber o Prémio Carlos Magno, que é um prémio muito importante e que sinaliza bem o contributo que António Guterres deu para a unidade europeia”.
Costa observou que “não é seguramente por acaso” que António Guterres é o primeiro português a receber este prémio, tal como foi o primeiro português a ser eleito secretário-geral da ONU, e enfatizou:
E isso significa o grande compromisso que ele tem com os valores que, como ele aqui evocou, sempre se bateu desde a sua juventude, e a forma como ganhou e construiu um prestígio internacional muito relevante, o que não deixa de ser obviamente importante para Portugal”.
O Chefe do Governo considerou que a atribuição a Guterres do Prémio Carlos Magno, pela sua defesa do modelo europeu de sociedade, do pluralismo, tolerância e diálogo, “também é uma mensagem política muito importante”. E vincou:
Em primeiro lugar, de como a União Europeia é fundamental para reforçar o multilateralismo, de como é essencial para termos um mundo mais solidário, que respeite o princípio do estado de direito, da boa convivência entre os povos, de reforçar as Nações Unidas, e também (uma prioridade clara em todos os discursos), a necessidade de nos focarmos no combate às alterações climáticas, de reforçar o nosso modelo social para assegurar uma boa transição para a sociedade digital com coesão, e a necessidade de não nos fecharmos sobre nós próprios, e, pelo contrário, nunca nos esquecermos [de] que o estatuto internacional dos refugiados foi criado precisamente para proteger os europeus vítimas da II Guerra Mundial”.
Para António Costa, a atribuição do prémio a Guterres enquanto secretário-geral das Nações Unidas “é seguramente a mensagem de que esta deve ser uma prioridade da Europa e que António Guterres é um bom exemplo do que a Europa pode e deve fazer para reforçar as Nações Unidas” e o que é “uma sociedade global mais organizada, com maior respeito pelo direito, mais pacífica, com menos desigualdades, e onde todos possam encontrar mais esperança na construção de um futuro onde as alterações climáticas possam ser travadas”.
Defendendo que é “seguramente necessária uma Europa melhor”, com uma agenda estratégica ambiciosa e solidária para os próximos 5 anos, Costa, questionado sobre se aproveitou o evento de hoje para continuar a negociar com outros líderes europeus quem deve liderar essa agenda, sorriu e comentou que “não, hoje não foi dia de negociação, foi um dia de inspiração para a construção de uma boa agenda para os próximos cinco anos”.
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O Rei Felipe VI, de Espanha, no discurso laudatório no salão de coração da câmara de Aachen, localidade que foi outrora sede do império de Carlos Magno, considerado o “pai da Europa”, declarou, lembrando que se trata do primeiro português a receber este prestigiado prémio:
Fico muito orgulhoso enquanto espanhol e amigo de Portugal, e também como europeu, que António Guterres receba este ano o Prémio Carlos Magno”.
Não poupando elogios a Guterres e, citando Fernando Pessoa – “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena” –, afirmou que “a alma de António Guterres é imensa, assim como são a sua sabedoria, experiência e paixão com que defende os seus ideais”. E prosseguiu:
Há mais de 1.200 anos, o sonho europeu começou aqui, em Aachen. Hoje, esse sonho mantém-se muito vivo, graças à visão e determinação de indivíduos excecionais com o calibre de António Guterres, um homem que combina a perspetiva europeia com a vocação internacional do seu país, Portugal, a quem também hoje prestamos tributo”.
O monarca espanhol disse que, “tal como os seus compatriotas que navegaram pelos oceanos no início da era moderna” – à semelhança dos seus compatriotas espanhóis –, “António Guterres é um homem de horizontes largos e, tal como esses grandes exploradores, ele investe a sua considerável energia em cada empreendimento em que embarca”. E, lembrando que o galardoado entrou na vida política muito jovem, “num momento decisivo da história” de Portugal, de transição da ditadura para a democracia, assegurou:
António Guterres é o homem que sabe como conciliar as suas profundas convicções éticas e sociais com o rigor científico dos seus antecedentes académicos”.
E vincou:
Desde então, o compromisso de António Guterres com a justiça e harmonia orientaram a sua carreira, como primeiro-ministro de Portugal, de 1995 a 2002, como presidente do Conselho Europeu em 2000 (durante a presidência portuguesa da UE), como Alto Comissário da ONU para os Refugiados, entre 2005 e 2015, e, desde janeiro de 2017, como secretário-geral da ONU”.
“Em cada um destes cargos”, disse, “ele conduziu de forma consistente a sua ação política mantendo-se fiel a três princípios inalienáveis”: a solidariedade com os mais necessitados, a busca de uma união ainda mais próxima entre os povos e países da Europa, e o contributo de uma Europa unida para as causas justa da humanidade. E, considerando que o trabalho de Guterres e a sua eleição para o cargo de secretário-geral da ONU constituem um lembrete claro de que o sonho europeu não termina nas fronteiras da Europa, Felipe VI afirmou que “o exemplo de António Guterres mostra que não há contradição entre a construção de uma Europa mais unida e a busca de uma ordem internacional aberta, plural, mais justa e mais cooperante”.
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Por seu turno, o galardoado, apelando a “uma Europa forte e unida”, deixa a promessa de continuar a preconizar, de forma apaixonada, o pluralismo e a tolerância e a exortação a maior vigor e empenho na defesa do multilateralismo na Europa, atualmente “debaixo de fogo”. E diz:
Se queremos evitar uma nova Guerra Fria, se queremos evitar uma confrontação entre dois blocos, [...] se queremos construir uma ordem verdadeiramente multilateral, precisamos absolutamente de uma Europa unida e forte como pilar fundamental dessa ordem multilateral, com base no Estado de Direito.”.
Discursando em Aachen, após receber o prémio internacional Carlos Magno pela sua defesa do modelo europeu de sociedade, do pluralismo, tolerância e diálogo, Guterres insistiu na necessidade imperiosa de uma agenda multilateral “nestes tempos de grande ansiedade e desordem geopolítica”. Aduziu que a UE tem uma responsabilidade acrescida na sua defesa por ser “pioneira” e “um posto avançado do multilateralismo e do primado do direito”, valores cada vez mais postos em causa nos dias de hoje. E disse que, enquanto secretário-geral das Nações Unidas, nunca sentiu “tão claramente a necessidade de uma Europa forte e unida”.
Guterres observou que o mundo enfrenta atualmente “três desafios sem precedentes” que agravam os riscos de confrontação e exigem respostas vigorosas: as alterações climáticas (que classificou como sendo “hoje uma questão de vida ou morte”), a demografia e migrações, e a era digital. Apontou que “o multilateralismo está sob fogo precisamente quando dele mais precisamos, e quando nunca foi tão adequado para fazer face a todos os desafios”. E, sustentando que “a UE constitui uma experiência única em soberania partilhada”, comentou que se desenha “uma nova ordem mundial, com destino ainda desconhecido”, pelo que “o mundo parece hoje caótico”, sendo que, para uma nova ordem mundial multilateral é essencial uma Europa forte e unida.
Todavia, foi pertinente a advertir que, “mesmo que acabemos por ter um mundo multipolar, tal não é por si só uma garantia de segurança e paz comum”, pois basta recordar a História antes da I Guerra Mundial, quando, “sem um sistema multilateral na época, uma Europa multipolar não foi capaz de evitar dois conflitos mortíferos”. Na verdade, com cada povo a jogar só no tabuleiro dos seus interesses, não se almeja a paz que resulta da sã convivência. Assim, afirmou:
Por tantas razões, e talvez um toque de saudade, gostaria que a Europa pudesse defender de uma forma mais decisiva a agenda multilateral. As Nações Unidas precisam de uma Europa forte e unida. (…) Nunca as instituições do pós-guerra mundial e os seus valores subjacentes estiveram tão erodidos e colocados à prova.”.
E o Secretário-Geral da ONU enfatizou que os conflitos se tornaram “mais complexos e interligados do que nunca, produzem violações horrendas da lei humanitária internacional e abusos dos direitos humanos”. De facto, como assinalou com oportunidade, “as pessoas foram forçadas a fugir de suas casas numa escala que não se via há décadas” e, como alertou, “com as portas de um abrigo fechadas”, “os princípios democráticos estão sitiados e o Estado de direito está a ser enfraquecido, as desigualdades estão a aumentar, o discurso de ódio, o racismo e a xenofobia estão a incitar o terrorismo através das redes sociais”.  
Defendendo que “tanto as Nações Unidas como a UE são um legado dos valores do iluminismo”, opina que é “o mais importante contributo europeu para a civilização mundial”, e afirmou que aquilo a que se assiste hoje na cena mundial, com o ressurgimento de “paixões nacionalistas, populistas, étnicas e religiosas”, é “a negação do Iluminismo”. E considerou:
Tendo crescido sob a ditadura de Salazar, testemunhei o verdadeiro valor da liberdade. Como antigo Alto Comissário da ONU para os Refugiados, durante 10 anos, vi as cicatrizes da deslocação e desenraizamento. E a História consolidou a minha forte convicção de que essas tragédias apenas podem ser evitadas através da prevenção de conflitos e desenvolvimento através da cooperação internacional.”.
Verificando que, para prevenir e evitar as tragédias que evocou, o mundo precisa mais do que nunca “dos dois maiores projetos de paz dos nossos tempos, as Nações Unidas e a União Europeia”, declarou (em português, no encerramento do seu discurso):
Como secretário-geral das Nações Unidas, não tenho outros poderes senão a persuasão e o apelo à razão. Posso assegurar-vos que darei sempre o meu melhor na defesa apaixonada dos valores do pluralismo, da tolerância, do diálogo e do respeito mútuo para construir um mundo de paz, justiça e dignidade humana.”.
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Oxalá os decisores políticos europeus e à escala mundial parem um pouco para pensar nas palavras do Secretário-Geral da ONU e se unam para agir em conformidade, porque a Europa necessita e o mundo merece. É a paz, a paz que deve guiar o destino dos povos e de toda a humanidade” – proclamava à Assembleia Geral da ONU o Papa São Paulo VI a 4/10/1965.  
2019.05.30 – Louro de Carvalho

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