terça-feira, 28 de maio de 2019

O Banco de Portugal fez divulgação sui generis dos grandes devedores


É este o mínimo que se pode dizer do relatório extraordinário que o BdP (Banco de Portugal) divulgou pelas 14 horas de hoje, dia 28 de maio, sobre os grandes devedores à banca, “sem nomes nem números sobre devedores”.
Nos termos do art.º 6.º da Lei n.º 15/2019, de 12 de fevereiro, o BdP tinha 100 dias corridos da publicação desta Lei para entregar “à Assembleia da República um relatório extraordinário com a informação relevante relativa às instituições de crédito abrangidas em que, nos 12 anos anteriores à publicação da presente lei, se tenha verificado qualquer das situações de aplicação ou disponibilização de fundos públicos previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º”.
Por seu turno, a alínea a) do n.º 1 do referido art.º 3.º, entre outras coisas, define:
Instituição de crédito abrangida: qualquer instituição de crédito, independentemente da natureza pública ou privada dos titulares do seu capital, que tenha sido objeto ou resultado de medida de resolução, de nacionalização, de liquidação, ou de operação de apoio à sua capitalização, com recurso a fundos públicos disponibilizados pelo Estado, ou pelo Fundo de Resolução com recurso a financiamento ou garantia prestados pelo Estado, incluindo através da aquisição ou subscrição de capital social, aquisição de ativos (operações de carve out), subscrição de instrumentos de capital contingente ou capitalização de instituições de transição”.
Ora, o BdP enviou, na semana passada, à Assembleia da República o relatório extraordinário com informação relevante sobre todos os bancos que recorreram a fundos públicos nos 12 anos anteriores à publicação da Lei, mas ficou de fora informação sob a capa da proteção do segredo bancário. Trata-se dum documento de 34 páginas em que aproximadamente um terço é dedicado à explicação do motivo da sua existência e metodologia, mas a que falta informação sobre nomes e valores dos grandes devedores aos bancos que receberam ajuda pública. Estão abrangidos por esta obrigação os bancos que foram alvo de resolução, como o BES e o Banif, mas também o BPN (Banco Português de Negócios), a CGD (Caixa Geral de Depósitos) e os bancos BCP (Banco Comercial Português) BPI (Banco Português de Investimento), que receberam injeções de fundos públicos durante o período de resgate financeiro, tendo os dois últimos já reembolsado o Estado na totalidade.
O Parlamento autorizou o BdP a publicar o predito relatório sobre os devedores à banca, a publicação foi feita e, apesar de o documento ter sido expurgado da informação sensível, há, pelo menos, uma informação relevante: o supervisor contabiliza em 23,8 mil milhões de euros o valor da ajuda pública a sete bancos, entre 2007 e 2018.
Em declarações aos jornalistas no Parlamento, o deputado do PSD Duarte Pacheco garantiu que o partido não abdica da divulgação da lista de devedores que entraram em incumprimento e cujas perdas, segundo o socialdemocrata, são responsáveis pelas ajudas do Estado aos bancos. Com efeito, a informação sobre os grandes devedores fica guardada em anexo ao documento em posse do Parlamento. Cabe agora aos deputados decidir o que fazer com essa informação.
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O relatório do supervisor recorda que, entre 2007 e 2018, o Estado disponibilizou 23,8 mil milhões de euros a sete instituições bancárias. O banco que mais recebeu no decurso desse tempo foi a CGD, com 6,25 mil milhões de euros. Os seus números poderiam ser ainda maiores, se o supervisor tivesse incluído nestas contas aproximadamente 2,4 mil milhões de euros, por não “corresponderem a um desembolso de novos fundos” e ainda a emissão de duas tranches, também de 500 milhões de euros cada uma, de obrigações e instrumentos de dívida. Os preditos 2,4 mil milhões dizem respeito, por exemplo, ao aumento de capital da CGD em mais de 1.400 milhões de euros, feito em inícios de 2017 (no âmbito da primeira fase de recapitalização do banco do Estado), através da conversão em capital de 900 milhões de euros (e respetivos juros) dos instrumentos de capital contingente (CoCos) subscritos pelo Estado em 2012 e de 500 milhões de euros de uma passagem para a CGD das ações da sociedade Parcaixa, tendo a CGD incorporado 49% do capital social da Parcaixa.
O BPN, com 4,91 mil milhões de euros, foi o segundo banco que recebeu mais naqueles 12 anos. Segue-se-lhe o BES (Banco Espírito Santo), cujas responsabilidades pertencem agora ao NB (Novo Banco), que recebeu 4,33 mil milhões de euros. Aqui, o BdP esclarece que, no caso do BES/NB, se consideram “apenas empréstimos do Tesouro ao Fundo de Resolução e não o montante total de fundos disponibilizados pelo Fundo de Resolução ao BES/NB (4.900 milhões em 2014 e 791,7 milhões em 2018)”. Depois, vem o Banif, que foi alvo de uma injeção de 3,35 mil milhões de euros, e o BCP, que recebeu três mil milhões de euros. Já o BPI recebeu 1,5 mil milhões de euros. Segundo oque destaca o BdP, os valores recebidos pelo BCP e BPI foram em formato de Contingent Convertible Bonds (‘CoCos’ – obrigações convertíveis em capital) e já foram reembolsadas integralmente ao Estado. Por fim, o BPP (Banco Privado Português) recebeu do Estado 450 milhões de euros.
Parece que os gastos totais feitos e a fazer com a salvação da banca ultrapassam os 23,8 milhões oficialmente contabilizados pelo supervisor. Há quem avance com o montante de cerca de 40 mil milhões.
Foi em meados de junho de 2012, segundo o relatório, que o Estado aplicou o valor mais elevado, de 6,15 mil milhões de euros, incluindo a totalidade dos fundos do BCP e BPI e 1,65 mil milhões aplicados na CGD.
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Nem tudo é mau no relatório. Em comunicado, o supervisor bancário diz que o documento abrange todas as instituições que recorreram a fundos públicos nos 12 anos anteriores à publicação da lei que obriga à produção do relatório, que inclui “informação relevante, designadamente sobre as grandes posições financeiras das instituições de crédito abrangidas no momento da disponibilização de fundos públicos e nos cinco anos anteriores.
Estão em causa posições financeiras de montante agregado superior a cinco milhões de euros, desde que igual ou superior a 1% do valor total dos fundos públicos mobilizados para essa instituição”. E estão abrangidos por esta obrigação os bancos resolvidos, como o BES, o Banif, bem como o BPN, que foi nacionalizado e, posteriormente vendido, a CGD e os bancos privados BCP e BPI que receberam injeções de fundos públicos na era da troika, através da emissão de obrigações convertíveis, mas que já reembolsaram o Estado.
O prazo de 100 dias que o BdP tinha para elaborar e enviar ao Parlamento o relatório extraordinário terminou no dia 23. E o supervisor refere que, para preparar o documento, promoveu várias diligências junto dos bancos e outras entidades abrangidas pelo diploma.
O relatório foi entregue ao presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, com destino à COFMA (comissão de orçamento e finanças e modernização administrativa). A decisão sobre o que iria ser tornado público do documento deveria resultar da interação entre o BdP e o próprio Parlamento. Já a CPI (comissão parlamentar de inquérito) à CGD terá acesso aos dados reservados que digam respeito ao banco do Estado, visto que o objeto desta comissão já abrange os grandes devedores cujo incumprimento contribuiu para as necessidades de recapitalização.
A instituição liderada por Carlos Costa justifica a posição de não fornecer um único número e um único nome sobre as grandes dívidas que poderão ter levado as instituições financeiras a pedir apoios estatais, referindo que tal informação está “abrangida pelo segredo bancário” e enumera mais cinco razões para não a divulgar, que vão da estabilidade financeira ao equilíbrio concorrencial, passando pelo “significativo” impacto no emprego que resultaria de danos reputacionais eventualmente causados por estes dados.
São, pois, seis os motivos aduzidos para a não revelação daqueles dados: segredo bancário e proteção de dados pessoais; estabilidade financeira; estarem em causa elementos “detalhados e sensíveis” sobre operações ainda vigentes; concorrência entre entidades; condições negociais das entidades envolvidas; e dano reputacional e consequente impacto na atividade e emprego gerado. Assim, no preâmbulo do relatório, lê-se:
A informação constante do Anexo ao Relatório Extraordinário, reportada pelas entidades abrangidas nos termos do artigo 6.º da Lei n.º15/2019, [de 12 de fevereiro], está abrangida pelo segredo bancário que vincula as instituições de crédito nos termos da lei”.
E frisa o BdP que os dados em causa atingem a “vida e atividade principal das instituições de crédito abrangidas” pelo dever de reporte, bem como “às relações destas com os seus clientes”, nomeadamente as operações bancárias “com dados individuais”.
Por outro lado, o documento sublinha:
A informação constante do Anexo encontra-se igualmente abrangida pelo dever de segredo do Banco de Portugal, relativamente ao qual se verifica, em resultado da entrega à Assembleia da República do presente Relatório Extraordinário, nos termos da Lei n.º15/2019, [de 12 de fevereiro], uma extensão aos respetivos destinatários, nos termos mais detalhadamente expostos no documento autónomo que acompanha o presente relatório.
Para lá da propalada preservação do segredo bancário e da “confidencialidade” dos dados pessoas, o supervisor invoca a defesa da estabilidade financeira para “esconder” os números reportados pelas instituições financeiras vincando que a divulgação de tal informação constituiria ameaça ao equilíbrio concorrencial entre as instituições financeiras e às “condições negociais” dessas entidades, nomeadamente em possíveis “ações de reestruturação”.
Como reforça o relatório extraordinário, além de contrária às regras sobre o segredo e sobre a proteção de dados pessoais, “a sua eventual divulgação, constituiria um risco significativo para a estabilidade financeira e o regular do financiamento da economia, ao introduzir distorções muito significativas nas condições negociais das entidades envolvidas (…), criando igualmente um grave e injustificado desequilíbrio concorrencial face às entidades não abrangidas pelo presente reporte”. E o texto preambular adverte que o documento contém “elementos detalhados e sensíveis sobre operações que poderão estar ainda vigentes” e sustenta que a divulgação do anexo referido poderia causar “danos reputacionais”, o que teria um “impacto significativo” na atividade dessas instituições e consequentemente no emprego gerado. Depois, conclui:
Neste quadro, o tratamento da informação reportada requer, no entender do Banco de Portugal, um dever de reserva especial, que salvaguarde firmemente o segredo a que essa informação está sujeita, de modo a não prejudicar as instituições de crédito, as empresas e a economia.
Entregue o relatório, no dia 23, na Assembleia da República, a Mesa decidiu dar o aval ao BdP para que publicasse a informação. E a COFMA, presidida pela socialdemocrata Teresa Leal Coelho, decidirá sobre o que pode ser publicado e o que fica abrangido pelo dever de segredo.
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Entretanto, PSD acusa o Banco de Portugal de ter violado a lei dos grandes de devedores da banca por não ter publicado no seu site e dentro do prazo previsto um relatório com informação agregada e anónima sobre os grandes créditos em incumprimento.
Ao deputado Duarte Pacheco juntou-se o também deputado socialdemocrata António Leitão Amaro Escreveu, que escreveu, a este propósito, na sua conta de Twitter.
Repararam que o Banco de Portugal está a violar a lei? É grave. O Banco de Portugal tinha até 23 de maio que publicar um outro relatório com o resumo em agregado da informação relativa aos grandes créditos incumpridos. Porque ignorou n.º 3 do artigo 4.º da Lei 15/2019, [de 12 de fevereiro]? Por que não fez e/ou publicou este relatório?
Na verdade, o referido n.º 2 do art.º da lei em referência estabelece: 
Nos prazos previstos nos artigos 5.º e 6.º, o Banco de Portugal publica, no respetivo sítio da Internet, um relatório com o resumo sob a forma agregada e anonimizada da informação relevante relativa às grandes posições financeiras”.
Como se disse e agora se sintetiza, o regulador bancário divulgou hoje, dia 28, um documento em que mostra apenas a metodologia que utilizou para identificar os grandes devedores dos bancos ajudados pelo Estado e a discriminação de alguns fundos públicos usados nas operações de auxílio à banca nos últimos 12 anos. Porém, não publicou os tais dados agregados e anonimizados sobre os grandes créditos em incumprimento.
Ora, Leitão Amaro argumenta que, de acordo com a lei, o Banco de Portugal tinha um prazo de 100 dias a contar da sua entrada em vigor para publicar “no respetivo sítio da Internet um relatório com o resumo sob a forma agregada e anonimizada da informação relevante relativa às grandes posições financeiras”. Ou seja, o prazo terminava no passado dia 23 e nada foi publicado no site do supervisor bancário liderado por Carlos Costa.
Ademais, sustenta, em declarações enviadas ao Observador, que a lei “é clara a dizer que há dois documentos diferentes de informação: um relatório com informação agregada e anónima sobre esses grandes devedores, a ser divulgado; e outro, a entregar ao Parlamento com dados discriminados e detalhados de cada um dos créditos incumpridos, acima dos cinco milhões de euros, incluindo dados sobre garantias e reestruturações.
Por isso, o deputado adiantou que os sociais-democratas vão levar este assunto à conferência de líderes da Assembleia da República, onde exigirão “uma ação do Parlamento perante esta ilegalidade”.
A ver vamos no que vai dar esta exigência socialdemocrata, se contraria a posição do BdP ou se as seis razões do anonimato e do “anaritmonato” dos grandes devedores vingará.
2019.05.28 – Louro de Carvalho

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