É a grande afirmação que fica desta passagem do Cardeal Dom Luís Antonio Tagle, Arcebispo de Manila, nas Filipinas, e presidente da confederação
internacional da Cáritas que presidiu à peregrinação internacional aniversária destes dias 12 e 13
de maio de 2019 e em que exortou os peregrinos a viverem “como Jesus”, a partir
do exemplo de Maria, Aquela que acreditou que se cumpriria quanto Lhe foi dito
da parte do Senhor (cf Lc 1,45).
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O mote para
a Missa de encerramento da peregrinação – concelebrada por 310 sacerdotes, 24
bispos e 3 cardeais – surgiu dos lábios do comentador da celebração, enquanto o
andor de Nossa Senhora percorria o Recinto de Oração, em procissão rumo ao
altar, sob o olhar atento dos mais de 200 mil peregrinos presentes (202 grupos
de 40 países). Assim, ouviu-se
no Recinto de Oração, entre dois cânticos marianos:
“Após a celebração do Centenário das
Aparições, o Santuário convida a reconhecer o tempo que estamos a viver como de
graça e misericórdia, dons que Deus nos continua a oferecer aqui em Fátima,
pelas mãos de Nossa Senhora. Neste ano, damos especialmente graças por
peregrinarmos em Igreja, como povo santo de Deus, que reconhece, na Mãe de
Jesus, o filho de Deus, a sua própria mãe espiritual.”.
E, na homilia, Dom Antonio
Tagle, partiu do exemplo de vida de Nossa Senhora, para desafiar os peregrinos
a concretizar o Evangelho nas suas vidas.
Fundamentando-se
no Evangelho proclamado, que punha em destaque a bênção da maternidade divina
de Nossa Senhora, o cardeal filipino realçou “um outro aspeto da maternidade de
Maria”: a sua obediência, na fé, à palavra de Deus. E explicitou:
“A maternidade de Maria foi um ato de fé ao
aceitar o convite de Deus para ser a mãe do Filho de Deus. Maria foi a serva
obediente, cuja total entrega e disponibilidade a Deus fez dela a Mãe do Filho
de Deus. A resposta de fé́ que Maria deu à palavra de Deus, pondo em prática
essa fé́, tornou completa a bênção de Deus.”.
Ao
apresentar Maria como “modelo que ensina
a encontrar o caminho da verdadeira bênção”, o purpurado filipino alertou
os peregrinos para o perigo das realidades que, no mundo de hoje, induzem à
ideia errada duma vida ‘abençoada’: o dinheiro, a moda, a influência e os bens
materiais, deixando o apelo a que os pais e os mais velhos assumam “com seriedade a responsabilidade de educar
os seus filhos na fé”.
A concluir a
homilia, o cardeal Tagle reforçou o convite aos peregrinos para escutarem o
“chamamento de Deus” como verdadeira bênção, através da escuta da Sua Palavra e
da concretização da Sua vontade. A este respeito, declarou:
“Não há́ maior bênção do que ser chamado por
Deus a servir Jesus, a fazer Jesus conhecido, amado e servido. Isto só́ acontecerá
se, como Maria, estivermos atentos à Palavra de Deus, se recebermos Jesus na
nossa vida e se vivermos como Jesus viveu.”.
E não deixam
de ser relevantes e pertinentes as questões que deixou aos participantes na
celebração da Eucaristia. Com efeito, questionando-os sobre os ideais de
sucesso do nosso tempo, apontando os contrastes que daí decorrem na vivência da
fé, vincou:
“O nosso mundo de hoje tem imagens de uma vida ‘abençoada’: muito
dinheiro, o último modelo de roupas, carros, perfumes e aparelhos eletrónicos,
fama, influência, segurança. Estes não são desejos maus, mas Maria, nossa Mãe,
faz-nos parar e fazer uma autoavaliação. Será que a fé ainda tem um lugar
importante no nosso desejo de uma vida boa?”.
E,
refletindo sobre a importância de “educar
os filhos na fé”, como aconteceu com a própria família de Jesus, perguntou:
“Será que os pais assumem com seriedade a responsabilidade de educar os
seus filhos na fé? Será que os pais e os mais velhos dão bom exemplo às crianças
e aos jovens em como viver a fé nas decisões e ações da vida quotidiana? (…) Consideramo-nos
abençoados quando abdicamos dos nossos planos, como Maria e José́, para que a
vontade de Deus se possa concretizar? Será́ que os pais alimentam os seus filhos
não apenas com comida, medicamentos e formação, mas também com a Palavra de
Deus, os Sacramentos e o serviço aos pobres?”.
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Durante o
momento de Adoração e Bênção Eucarística, a Irmã Ângela Coelho, diretora da
Fundação Francisco e Jacinta Marto, dirigiu-se particularmente aos doentes,
elogiando a sua “maturidade de fé” e o seu exemplo de “confiança em Deus,
apesar das circunstâncias difíceis da vida”, e assegurou-lhes a intercessão de
Lúcia de Jesus e dos Santos Pastorinhos, dos quais se assinalou, nesta
Peregrinação, o segundo aniversário da canonização.
E o Cardeal
Dom António Marto, Bispo de Leiria-Fátima, a quem ficou reservada a última
palavra desta Peregrinação Internacional Aniversária, começou por felicitar o
“alegre testemunho de fé” dos peregrinos presentes, para sublinhar as palavras
do seu homónimo filipino, a quem agradeceu a presença e a mensagem. Disse o
prelado do Lis:
“Embora vindos de diferentes latitudes, aqui
fazemos a experiência de sermos um povo único que, com Maria, peregrina no
caminho da esperança e da paz. E Maria mostra-nos que essa bênção é cada um de
nós, como pessoas singulares e também como povo que somos abençoados por Deus
com o dom do Seu amor, da Sua ternura, da Sua misericórdia, da Sua luz, do Seu
conforto e da Sua força, para regenerar a nossa fé.”.
Na sua habitual
mensagem aos mais pequenos, o Bispo de Leiria-Fátima deixou o convite aos mais
novos à participação na Peregrinação das Crianças ao Santuário de Fátima,
a 10 de junho.
E terminou
com uma Ave-Maria pelo Santo Padre (que no Twitter assinalou esta peregrinação
com uma oração a Nossa Senhora, em que diz: ‘cada um de nós é precioso aos teus olhos e que nada te é
desconhecido de tudo o que habita os nossos corações’) com uma referência especial dirigida aos doentes
presentes e uma mensagem nas cinco línguas do Santuário de Fátima.
Entre os
cânticos que animaram a celebração, referência para “Quem Vos escolheu”, entoado na Apresentação
dos Dons, composição que faz parte dos hinos da Liturgia das Horas no nosso
país e que inclui um poema de Frei Agostinho da Cruz, importante poeta cristão
de quem se celebra o IV centenário da morte neste ano de 2019.
***
Já na Missa
do dia 12, após a recitação do terço e da procissão de velas (milhares de
peregrinos encheram de luz o Recinto de Oração), o cardeal filipino afirmou que a “voz
de Jesus não deveria ser desperdiçada e ignorada” em prol de outras vozes
de “pastores terrenos, de cantores, de estrelas de cinema, de publicitários ou
de políticos”.
Na homilia
da Missa concelebrada no Recinto de Oração por 218 sacerdotes, 17 bispos e três
cardeais, e na qual participaram milhares de peregrinos de 40 países, o Arcebispo
de Manila interpretou a liturgia do Domingo
do Bom Pastor para interpelar os peregrinos a deixarem-se “atrair” de novo
por Jesus. Disse aquele membro do Sacro Colégio, lamentando que hoje se sigam
mais os “estilos e tendências da moda” do que o Bom Pastor:
“Na nossa vida de todos os dias, estamos
seduzidos por outros pastores humanos, em cujas palavras mais facilmente
acreditamos do que nas de Jesus. Estamos familiarizados com as vozes de
pastores terrenos, de cantores, de estrelas de cinema, de publicitários, de
políticos.”.
Aduzindo que
“depositamos a nossa confiança nos
pastores do mundo, na sua proteção”, sendo que muitos nos abandonam “quando
os seus interesses pessoais e as suas vidas são postos em causa”, lamentou que
se prefira “a proteção da riqueza, das armas, do poder e da glória terrestre” à
de Jesus. E de Jesus disse e exortou:
“Ele guia-nos para a vida eterna, não para
um lugar, não para um estilo de vida, mas para a relação com o Pai. O único
caminho para o Pai é o Bom Pastor. Escutemos
Jesus, olhemo-Lo, amemo-Lo e sigamo-Lo. (…) É a voz de Jesus que tem de ser
ouvida e seguida. Não deveria ser desperdiçada e ignorada.”.
***
Na usual conferência
de imprensa que marca o início da Peregrinação Internacional Aniversária, o
Cardeal Dom Luís Antonio Tagle começou por agradecer a ênfase que tem sido dada
pelo Santuário de Fátima ao aumento de peregrinos provenientes da Ásia –
onde “as diferentes religiões valorizam a
peregrinação como expressão de espiritualidade” –, e apontou Fátima
como lugar
de paz e de encontro inter-religioso, através do diálogo. Disse Antonio
Tagle:
“Fátima, como um dos centros de peregrinação
internacional, que também é visitado por não cristãos, é um lugar de paz
universal e pode ser um dos centros de diálogo inter-religioso e intercultural”.
Depois,
concretizou dois níveis em que este diálogo pode ocorrer: o mais informal, no
acolhimento dedicado aos não cristãos, por forma a despertar o desejo de
conhecer a religião cristã através do acontecimento fatimita; e o mais formal,
ao disponibilizar um lugar onde quem se sinta interpelado possa esclarecer
dúvidas e aprofundar conhecimento sobre a da fé cristã.
Questionado
sobre as intenções que traz a Fátima, o prelado de Manila revelou,
emocionado, que, a par das várias intenções de âmbito pessoal, traz também à
Cova da Iria uma intenção pela “conversão universal à humanidade, que
permita olhar para as pessoas como seres humanos e não como objetos”.
Ao referir esta intenção mais global, o presidente da Cáritas Internacional quis
mostrar a sua consternação pelo facto de, em países em conflito, “se
impedir ou limitar a entrada de ajuda humanitária e permitir a entrada de
armamento”.
E,
assumindo-se nesta Peregrinação Internacional também como responsável pela
Cáritas Internacional – federação que reúne as Cáritas nacionais –, Antonio
Tagle elogiou o trabalho que a Cáritas Portuguesa tem desenvolvido em prol da
fraternidade e da dignidade humanas.
Por seu turno, o Cardeal Dom António Marto apelou à mobilização de todos
na construção de uma “nova narrativa de esperança para a Europa”.
Com efeito, o
Bispo de Leiria-Fátima, que abriu a conferência de imprensa, alertou para a
ameaça dos conflitos armados e para o “risco de um holocausto nuclear”,
apelando à “responsabilidade pela paz”. E lembrou os “desafios de caráter
mundial” levantados pelos fluxos migratórios, nomeadamente no surgimento de um
“discurso e ambiente xenófobos, que levam à intolerância, em vez de levarem à
solidariedade”.
Ao evocar a
matriz cristã que fundou a Europa e que a “ajudou a ultrapassar inúmeras
crises”, António Marto apontou uma “decisão política sustentável” como solução
para os desafios atuais; e, referindo-se às eleições europeias que se
aproximam, o purpurado fatimita pediu uma mobilização de todos na construção de
uma “nova
narrativa de esperança para a Europa, que vença os diversos medos que a
assaltam”, ao condenar os movimentos nacionalistas que “destabilizam as
democracias”. Estes lanços discursivos mereceram referência no JN de hoje:
“Sem tomar posições partidárias, a Igreja
deve assumir a democracia e o humanismo. Fez bem em usar o espaço oferecido por
mais uma peregrinação para apelar à luta contra os nacionalismos.”.
O cardeal
português lembrou ainda o clima de “guerra civil” que se vive na Venezuela, que
“tem causado sofrimento sobretudo aos mais pobres”, e enviou uma palavra de
solidariedade a todos os que sofrem com esta situação, particularmente os
portugueses que lá vivem. E revelou também a sua “oração solidária” para com as
vítimas dos atentados no Sri Lanka.
Na sua
condição de vice-presidente da Conferência Episcopal Portuguesa fez
referência à Jornada Mundial da Juventude de 2022, em Lisboa, como “uma
oportunidade única para mobilizar a Igreja e quebrar o distanciamento em
relação aos jovens”. E, ainda ao nível da Igreja universal, o prelado
fez eco de dois documentos pontifícios, saudando a carta apostólica, sob a
forma de moto próprio, “Vós sois a luz de
Cristo”, que oferece uma normativa para erradicar os abusos sexuais sobre
menores e vulneráveis, e sobre adultos que possam sofrer abuso de poder,
considerando-a “um passo importante”
subsequente à reunião dos presidentes das Conferências Episcopais, em Roma, no
passado mês de fevereiro, que debateu este assunto;
e destacando a carta do Santo Padre aos economistas e jovens
empresários e empresárias, que convoca para um encontro, de 26 a 28 de março,
em ordem a um pacto para dar uma alma à economia de amanhã, tornando-a
solidária, inclusiva e justa.
Também o Padre Carlos
Cabecinhas, Reitor do Santuário, que usou da palavra na conferência de
imprensa, revelou os números parciais de peregrinos na Cova da Iria nos
primeiros meses de 2019, dando conta da presença de mais de 740 mil
participantes em cerca de 2.500 celebrações.
O sacerdote
referiu-se ainda à difusão e estudo de Fátima através das viagens da Virgem
Peregrina e das iniciativas do âmbito do estudo e aprofundamento do
acontecimento Fátima, que têm “levado Fátima para lá do espaço do Santuário”,
nomeadamente o Colóquio “A poética de
Fátima”, que decorre a 18 de maio, no Porto; o Seminário “Caminho de Peregrinações”, nos dias 6 e
7 de junho, na Sociedade de Geografia de Lisboa; e o Simpósio
Teológico-Pastoral que, entre 21 e 23 de junho se propõe refletir sobre o
sentido de peregrinar.
***
É de realçar
que logo no dia 11, Antonio Tagle referiu, em declarações à Sala de Imprensa do Santuário, que a
peregrinação é um dos traços marcantes da religiosidade dos asiáticos e, embora
os cristãos sejam minoritários nesta latitude, os seus templos são fortemente
dedicados a Maria, nas suas diferentes invocações. Disse o purpurado
proveniente da Ásia, do único país da Ásia, a par de Timor Leste, onde os
católicos são maioritários (cerca de 90% da população):
“Na
Ásia temos muitas religiões e nós cristãos somos minoritários, mas em todas
elas a peregrinação está presente. E os templos cristãos são muito visitados
até mesmo por crentes de outras religiões. (…) Os asiáticos gostam de visitar
lugares santos, pois consideram que é uma maneira de tocar, de caminhar com
Deus. Esta é uma parte importante da nossa religiosidade. Por isso, vir a
Fátima [é quarta vez, mas a primeira em preside à peregrinação internacional aniversária]
é estar mais próximo de Deus.”.
Por outro
lado, o Cardeal, nomeado pelo Papa Bento XVI em 2012, sublinhou a importância
de Nossa Senhora na religiosidade cristã asiática, declarando:
“Na
Ásia, a presença feminina é muito forte. A maior parte das igrejas é dedicada a
Nossa senhora. E isso tem a ver com o facto de a nossa sociedade ser muito
matriarcal. A autoridade vem da mãe; é ela que tem o poder, a começar
logo no seio da família. A nossa relação com a mãe é sempre mais forte; daí a
primazia de Nossa Senhora que é sempre o nosso refúgio, pois quando as coisas
são difíceis de suportar é para Ela que nos viramos.”.
Na entrevista
à Sala de Imprensa, Dom Luís Antonio Tagle, falando ainda da importância e da
atualidade da mensagem de Fátima, destacou a conversão como uma das pedras
basilares da mensagem deixada por Nossa Senhora aos pastorinhos e lembrou que
só com uma verdadeira conversão da mente e do coração o mundo poderá ser
melhor. E vincou:
“Se
construímos pontes ou erguemos muros é uma decisão do homem. No momento em que
vivemos, marcados pelo medo, esta mensagem é muito importante porque ela
convoca-nos para uma mudança de atitude perante a realidade, a forma como a
avalio e como decido a minha relação com o outro.”.
É por isso, como
disse, que a mensagem de Fátima “é muito atual”, pois os modos como “vemos o
outro, como o julgamos, como nos aproximamos ou afastamos dele”, “tudo isso é ditado pela forma como nos
aproximamos de Deus e como nos convertemos a Ele”.
***
Enfim, não
basta ir a Fátima e ver os cardeais e bispos: é preciso ouvi-los. Não basta ir
lá rezar: é preciso comprometer-se com as diversas dimensões da Mensagem.
Fátima continua a ser uma poderosa voz que ressoa no mundo e cujo eco produz
frutos incalculáveis.
2019.05.13 –
Louro de Carvalho
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