segunda-feira, 13 de maio de 2019

“A maternidade de Maria foi um ato de fé”


É a grande afirmação que fica desta passagem do Cardeal Dom Luís Antonio Tagle, Arcebispo de Manila, nas Filipinas, e presidente da confederação internacional da Cáritas que presidiu à peregrinação internacional aniversária destes dias 12 e 13 de maio de 2019 e em que exortou os peregrinos a viverem “como Jesus”, a partir do exemplo de Maria, Aquela que acreditou que se cumpriria quanto Lhe foi dito da parte do Senhor (cf Lc 1,45).
***
O mote para a Missa de encerramento da peregrinação – concelebrada por 310 sacerdotes, 24 bispos e 3 cardeais – surgiu dos lábios do comentador da celebração, enquanto o andor de Nossa Senhora percorria o Recinto de Oração, em procissão rumo ao altar, sob o olhar atento dos mais de 200 mil peregrinos presentes (202 grupos de 40 países). Assim, ouviu-se no Recinto de Oração, entre dois cânticos marianos:
Após a celebração do Centenário das Aparições, o Santuário convida a reconhecer o tempo que estamos a viver como de graça e misericórdia, dons que Deus nos continua a oferecer aqui em Fátima, pelas mãos de Nossa Senhora. Neste ano, damos especialmente graças por peregrinarmos em Igreja, como povo santo de Deus, que reconhece, na Mãe de Jesus, o filho de Deus, a sua própria mãe espiritual.”.
E, na homilia, Dom Antonio Tagle, partiu do exemplo de vida de Nossa Senhora, para desafiar os peregrinos a concretizar o Evangelho nas suas vidas.
Fundamentando-se no Evangelho proclamado, que punha em destaque a bênção da maternidade divina de Nossa Senhora, o cardeal filipino realçou “um outro aspeto da maternidade de Maria”: a sua obediência, na fé, à palavra de Deus. E explicitou:
A maternidade de Maria foi um ato de fé ao aceitar o convite de Deus para ser a mãe do Filho de Deus. Maria foi a serva obediente, cuja total entrega e disponibilidade a Deus fez dela a Mãe do Filho de Deus. A resposta de fé́ que Maria deu à palavra de Deus, pondo em prática essa fé́, tornou completa a bênção de Deus.”.
Ao apresentar Maria como “modelo que ensina a encontrar o caminho da verdadeira bênção”, o purpurado filipino alertou os peregrinos para o perigo das realidades que, no mundo de hoje, induzem à ideia errada duma vida ‘abençoada’: o dinheiro, a moda, a influência e os bens materiais, deixando o apelo a que os pais e os mais velhos assumam “com seriedade a responsabilidade de educar os seus filhos na fé”.
A concluir a homilia, o cardeal Tagle reforçou o convite aos peregrinos para escutarem o “chamamento de Deus” como verdadeira bênção, através da escuta da Sua Palavra e da concretização da Sua vontade. A este respeito, declarou:
Não há́ maior bênção do que ser chamado por Deus a servir Jesus, a fazer Jesus conhecido, amado e servido. Isto só́ acontecerá se, como Maria, estivermos atentos à Palavra de Deus, se recebermos Jesus na nossa vida e se vivermos como Jesus viveu.”.
E não deixam de ser relevantes e pertinentes as questões que deixou aos participantes na celebração da Eucaristia. Com efeito, questionando-os sobre os ideais de sucesso do nosso tempo, apontando os contrastes que daí decorrem na vivência da fé, vincou:
O nosso mundo de hoje tem imagens de uma vida ‘abençoada’: muito dinheiro, o último modelo de roupas, carros, perfumes e aparelhos eletrónicos, fama, influência, segurança. Estes não são desejos maus, mas Maria, nossa Mãe, faz-nos parar e fazer uma autoavaliação. Será que a fé ainda tem um lugar importante no nosso desejo de uma vida boa?”.
E, refletindo sobre a importância de “educar os filhos na fé”, como aconteceu com a própria família de Jesus, perguntou:
Será que os pais assumem com seriedade a responsabilidade de educar os seus filhos na fé? Será que os pais e os mais velhos dão bom exemplo às crianças e aos jovens em como viver a fé nas decisões e ações da vida quotidiana? (…) Consideramo-nos abençoados quando abdicamos dos nossos planos, como Maria e José́, para que a vontade de Deus se possa concretizar? Será́ que os pais alimentam os seus filhos não apenas com comida, medicamentos e formação, mas também com a Palavra de Deus, os Sacramentos e o serviço aos pobres?”.
***
Durante o momento de Adoração e Bênção Eucarística, a Irmã Ângela Coelho, diretora da Fundação Francisco e Jacinta Marto, dirigiu-se particularmente aos doentes, elogiando a sua “maturidade de fé” e o seu exemplo de “confiança em Deus, apesar das circunstâncias difíceis da vida”, e assegurou-lhes a intercessão de Lúcia de Jesus e dos Santos Pastorinhos, dos quais se assinalou, nesta Peregrinação, o segundo aniversário da canonização.
E o Cardeal Dom António Marto, Bispo de Leiria-Fátima, a quem ficou reservada a última palavra desta Peregrinação Internacional Aniversária, começou por felicitar o “alegre testemunho de fé” dos peregrinos presentes, para sublinhar as palavras do seu homónimo filipino, a quem agradeceu a presença e a mensagem. Disse o prelado do Lis:
Embora vindos de diferentes latitudes, aqui fazemos a experiência de sermos um povo único que, com Maria, peregrina no caminho da esperança e da paz. E Maria mostra-nos que essa bênção é cada um de nós, como pessoas singulares e também como povo que somos abençoados por Deus com o dom do Seu amor, da Sua ternura, da Sua misericórdia, da Sua luz, do Seu conforto e da Sua força, para regenerar a nossa fé.”.
Na sua habitual mensagem aos mais pequenos, o Bispo de Leiria-Fátima deixou o convite aos mais novos à participação na Peregrinação das Crianças ao Santuário de Fátima, a 10 de junho.
E terminou com uma Ave-Maria pelo Santo Padre (que no Twitter assinalou esta peregrinação com uma oração a Nossa Senhora, em que diz: ‘cada um de nós é precioso aos teus olhos e que nada te é desconhecido de tudo o que habita os nossos corações) com uma referência especial dirigida aos doentes presentes e uma mensagem nas cinco línguas do Santuário de Fátima.
Entre os cânticos que animaram a celebração, referência para “Quem Vos escolheu”, entoado na Apresentação dos Dons, composição que faz parte dos hinos da Liturgia das Horas no nosso país e que inclui um poema de Frei Agostinho da Cruz, importante poeta cristão de quem se celebra o IV centenário da morte neste ano de 2019.
***
Já na Missa do dia 12, após a recitação do terço e da procissão de velas (milhares de peregrinos encheram de luz o Recinto de Oração), o cardeal filipino afirmou que a “voz de Jesus não deveria ser desperdiçada e ignorada” em prol de outras vozes de “pastores terrenos, de cantores, de estrelas de cinema, de publicitários ou de políticos”.
Na homilia da Missa concelebrada no Recinto de Oração por 218 sacerdotes, 17 bispos e três cardeais, e na qual participaram milhares de peregrinos de 40 países, o Arcebispo de Manila interpretou a liturgia do Domingo do Bom Pastor para interpelar os peregrinos a deixarem-se “atrair” de novo por Jesus. Disse aquele membro do Sacro Colégio, lamentando que hoje se sigam mais os “estilos e tendências da moda” do que o Bom Pastor:
Na nossa vida de todos os dias, estamos seduzidos por outros pastores humanos, em cujas palavras mais facilmente acreditamos do que nas de Jesus. Estamos familiarizados com as vozes de pastores terrenos, de cantores, de estrelas de cinema, de publicitários, de políticos.”.
Aduzindo que “depositamos a nossa confiança nos pastores do mundo, na sua proteção”, sendo que muitos nos abandonam “quando os seus interesses pessoais e as suas vidas são postos em causa”, lamentou que se prefira “a proteção da riqueza, das armas, do poder e da glória terrestre” à de Jesus. E de Jesus disse e exortou:
Ele guia-nos para a vida eterna, não para um lugar, não para um estilo de vida, mas para a relação com o Pai. O único caminho para o Pai é o Bom Pastor. Escutemos Jesus, olhemo-Lo, amemo-Lo e sigamo-Lo. (…) É a voz de Jesus que tem de ser ouvida e seguida. Não deveria ser desperdiçada e ignorada.”.
***
Na usual conferência de imprensa que marca o início da Peregrinação Internacional Aniversária, o Cardeal Dom Luís Antonio Tagle começou por agradecer a ênfase que tem sido dada pelo Santuário de Fátima ao aumento  de peregrinos provenientes da Ásia – onde “as diferentes religiões valorizam a peregrinação como expressão de espiritualidade” –, e apontou Fátima como lugar de paz e de encontro inter-religioso, através do diálogo. Disse Antonio Tagle:
Fátima, como um dos centros de peregrinação internacional, que também é visitado por não cristãos, é um lugar de paz universal e pode ser um dos centros de diálogo inter-religioso e intercultural”.
Depois, concretizou dois níveis em que este diálogo pode ocorrer: o mais informal, no acolhimento dedicado aos não cristãos, por forma a despertar o desejo de conhecer a religião cristã através do acontecimento fatimita; e o mais formal, ao disponibilizar um lugar onde quem se sinta interpelado possa esclarecer dúvidas e aprofundar conhecimento sobre a da fé cristã.
Questionado sobre as intenções que traz a Fátima, o prelado de Manila revelou, emocionado, que, a par das várias intenções de âmbito pessoal, traz também à Cova da Iria uma intenção pela “conversão universal à humanidade, que permita olhar para as pessoas como seres humanos e não como objetos”. Ao referir esta intenção mais global, o presidente da Cáritas Internacional quis mostrar a sua consternação pelo facto de, em países em conflito, “se impedir ou limitar a entrada de ajuda humanitária e permitir a entrada de armamento”.
E, assumindo-se nesta Peregrinação Internacional também como responsável pela Cáritas Internacional – federação que reúne as Cáritas nacionais –, Antonio Tagle elogiou o trabalho que a Cáritas Portuguesa tem desenvolvido em prol da fraternidade e da dignidade humanas.
Por seu turno, o Cardeal Dom António Marto apelou à mobilização de todos na construção de uma “nova narrativa de esperança para a Europa”. 
Com efeito, o Bispo de Leiria-Fátima, que abriu a conferência de imprensa, alertou para a ameaça dos conflitos armados e para o “risco de um holocausto nuclear”, apelando à “responsabilidade pela paz”. E lembrou os “desafios de caráter mundial” levantados pelos fluxos migratórios, nomeadamente no surgimento de um “discurso e ambiente xenófobos, que levam à intolerância, em vez de levarem à solidariedade”.
Ao evocar a matriz cristã que fundou a Europa e que a “ajudou a ultrapassar inúmeras crises”, António Marto apontou uma “decisão política sustentável” como solução para os desafios atuais; e, referindo-se às eleições europeias que se aproximam, o purpurado fatimita pediu uma mobilização de todos na construção de uma “nova narrativa de esperança para a Europa, que vença os diversos medos que a assaltam”, ao condenar os movimentos nacionalistas que “destabilizam as democracias”. Estes lanços discursivos mereceram referência no JN de hoje:
Sem tomar posições partidárias, a Igreja deve assumir a democracia e o humanismo. Fez bem em usar o espaço oferecido por mais uma peregrinação para apelar à luta contra os nacionalismos.”.   
O cardeal português lembrou ainda o clima de “guerra civil” que se vive na Venezuela, que “tem causado sofrimento sobretudo aos mais pobres”, e enviou uma palavra de solidariedade a todos os que sofrem com esta situação, particularmente os portugueses que lá vivem. E revelou também a sua “oração solidária” para com as vítimas dos atentados no Sri Lanka.
Na sua condição de vice-presidente da Conferência Episcopal Portuguesa fez referência à Jornada Mundial da Juventude de 2022, em Lisboa, como “uma oportunidade única para mobilizar a Igreja e quebrar o distanciamento em relação aos jovens”. E, ainda ao nível da Igreja universal, o prelado fez eco de dois documentos pontifícios, saudando a carta apostólica, sob a forma de moto próprio, “Vós sois a luz de Cristo”, que oferece uma normativa para erradicar os abusos sexuais sobre menores e vulneráveis, e sobre adultos que possam sofrer abuso de poder, considerando-a “um passo importante” subsequente à reunião dos presidentes das Conferências Episcopais, em Roma, no passado mês de fevereiro, que debateu este assunto; e  destacando a carta do Santo Padre aos economistas e jovens empresários e empresárias, que convoca para um encontro, de 26 a 28 de março, em ordem a um pacto para dar uma alma à economia de amanhã, tornando-a solidária, inclusiva e justa.
Também o Padre Carlos Cabecinhas, Reitor do Santuário, que usou da palavra na conferência de imprensa, revelou os números parciais de peregrinos na Cova da Iria nos primeiros meses de 2019, dando conta da presença de mais de 740 mil participantes em cerca de 2.500 celebrações.
O sacerdote referiu-se ainda à difusão e estudo de Fátima através das viagens da Virgem Peregrina e das iniciativas do âmbito do estudo e aprofundamento do acontecimento Fátima, que têm “levado Fátima para lá do espaço do Santuário”, nomeadamente o Colóquio “A poética de Fátima”, que decorre a 18 de maio, no Porto; o Seminário “Caminho de Peregrinações”, nos dias 6 e 7 de junho, na Sociedade de Geografia de Lisboa; e o Simpósio Teológico-Pastoral que, entre 21 e 23 de junho se propõe refletir sobre o sentido de peregrinar.
***
É de realçar que logo no dia 11, Antonio Tagle referiu, em declarações à Sala de Imprensa do Santuário, que a peregrinação é um dos traços marcantes da religiosidade dos asiáticos e, embora os cristãos sejam minoritários nesta latitude, os seus templos são fortemente dedicados a Maria, nas suas diferentes invocações. Disse o purpurado proveniente da Ásia, do único país da Ásia, a par de Timor Leste, onde os católicos são maioritários (cerca de 90% da população):
Na Ásia temos muitas religiões e nós cristãos somos minoritários, mas em todas elas a peregrinação está presente. E os templos cristãos são muito visitados até mesmo por crentes de outras religiões. (…) Os asiáticos gostam de visitar lugares santos, pois consideram que é uma maneira de tocar, de caminhar com Deus. Esta é uma parte importante da nossa religiosidade. Por isso, vir a Fátima [é quarta vez, mas a primeira em preside à peregrinação internacional aniversária] é estar mais próximo de Deus.”.
Por outro lado, o Cardeal, nomeado pelo Papa Bento XVI em 2012, sublinhou a importância de Nossa Senhora na religiosidade cristã asiática, declarando:
Na Ásia, a presença feminina é muito forte. A maior parte das igrejas é dedicada a Nossa senhora. E isso tem a ver com o facto de a nossa sociedade ser muito matriarcal.  A autoridade vem da mãe; é ela que tem o poder, a começar logo no seio da família. A nossa relação com a mãe é sempre mais forte; daí a primazia de Nossa Senhora que é sempre o nosso refúgio, pois quando as coisas são difíceis de suportar é para Ela que nos viramos.”.
Na entrevista à Sala de Imprensa, Dom Luís Antonio Tagle, falando ainda da importância e da atualidade da mensagem de Fátima, destacou a conversão como uma das pedras basilares da mensagem deixada por Nossa Senhora aos pastorinhos e lembrou que só com uma verdadeira conversão da mente e do coração o mundo poderá ser melhor. E vincou:
Se construímos pontes ou erguemos muros é uma decisão do homem. No momento em que vivemos, marcados pelo medo, esta mensagem é muito importante porque ela convoca-nos para uma mudança de atitude perante a realidade, a forma como a avalio e como decido a minha relação com o outro.”.
É por isso, como disse, que a mensagem de Fátima “é muito atual”, pois os modos como “vemos o outro, como o julgamos, como nos aproximamos ou afastamos dele”, “tudo isso é ditado pela forma como nos aproximamos de Deus e como nos convertemos a Ele”. 
***
Enfim, não basta ir a Fátima e ver os cardeais e bispos: é preciso ouvi-los. Não basta ir lá rezar: é preciso comprometer-se com as diversas dimensões da Mensagem. Fátima continua a ser uma poderosa voz que ressoa no mundo e cujo eco produz frutos incalculáveis.
2019.05.13 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário