sexta-feira, 31 de maio de 2019

OMS inclui ‘Burnout’ na lista de doenças com efeitos a partir de 2022


Como a comunicação social salientou, a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou, no passado dia 27 de maio, que passou a incluir na lista de doenças o burnout, estado de esgotamento físico e mental, causado pelo exercício de uma atividade profissional.
Burnout é um termo inglês que se pode interpretar como “queimar por completo”. É a chamada “síndrome da exaustão”, em que se atinge um ponto extremo de cansaço devido a uma atividade profissional exigente e stressante, que esgota a energia e leva a “desligar do mundo”.
Na classificação internacional de doenças da OMS, que serve de base às estatísticas de saúde, o burnout surge na secção consagrada aos “problemas associados” ao emprego e desemprego, descrito como “uma síndrome resultante de ‘stress’ crónico no trabalho que não foi gerido com êxito”. A doença, de acordo com a OMS, carateriza-se por “um sentimento de exaustão, cinismo ou sentimentos negativistas ligados ao trabalho e eficácia profissional reduzida”.
A sua inclusão na lista das doenças da OMS não corresponde à invenção de mais uma doença, mas à sua autonomização da depressão ou da ansiedade. Com efeito, desde há anos que os especialistas tratam os sintomas do burnout, que localizam sobretudo em determinados grupos profissionais (pelo que era designado correntemente por “burnout laboral”), em que sobressaem os professores. Agora, a autoridade mundial de saúde adota esta doença como específica e a merecer um tratamento adequado.
A entrada do burnout ou stresse profissional na nova classificação internacional de doenças da OMS, que vigorará a partir de 1 de janeiro de 2022, baseia-se nas conclusões de peritos de saúde de todo o mundo e foi adotada pela Assembleia-Geral da organização, que decorreu até ao passado dia 8, em Genebra, na Suíça. Segundo o JN, aos jornalistas, Tarik Jasarevic, um porta-voz da OMS, declarou: “É a primeira vez que o ‘burnout’ entra na classificação”.
E, apesar de a nova categorização entrar em vigor apenas em 2022, serve, desde já, como um alerta para a relação entre saúde mental e trabalho.
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Segundo o Jornal da USP no Ar (da Universidade de São Paulo, Brasil), o esgotamento profissional foi cunhado com o termo burnout, nos anos 80, por um psicanalista americano. Porém, especialistas como José Fernando Santos Almeida, psiquiatra no Hospital Lusíadas Porto, recuam ao início dos anos 1970 (mais propriamente a 1974) e atribuem a designação ao psicanalista e psicoterapeuta Herbert J. Freudenberger (1926-1999), que verificou em si mesmo este estado de esgotamento físico, mental e emocional. Desde então, surgiram novos estudos para tentar entender os danos causados à saúde mental por longa exposição a condição ou ambiente de trabalho stressante.
A este respeito, o doutor Rodrigo Leite, coordenador dos Ambulatórios do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, falou ao Jornal da USP no Ar indicando a existência de “vários fatores que podem, a longo prazo, causar a síndrome”, sendo que a questão profissional tem um peso maior. E o especialista explicita:
Muitos fatores podem gerar os sintomas da doença, mas o trabalho é preponderante, porque as pessoas são expostas cronicamente a dificuldades de relacionamento com colegas e chefia e risco de demissão iminente, por exemplo. O contacto humano diário, comum nas áreas da saúde e educação, também é algo stressante, e as pessoas expostas, anos a fio, a essas condições são mais prováveis [propensas a] de desenvolver esse problema.”.
O diagnóstico não é fácil e os tratamentos têm de ir além de medicamentos e acompanhamento psicológico. Para o especialista, os principais sintomas são constante desânimo, crises de pânico, choro fácil, tonturas, dor de cabeça e similaridades com quadros de depressão e transtorno de ansiedade generalizada. E o especialista chama a atenção para as condições de trabalho, pois as caraterísticas da síndrome são uma questão de trabalho e de saúde pública.
O coordenador dos ambulatórios do IPq da USP realça a necessidade da criação de políticas públicas de reinserção de pacientes no mercado de trabalho, para não serem ainda mais prejudicados por conta da síndrome; frisa que a solução do problema é coletiva; e aponta a discussão sobre as relações de trabalho como essenciais para se saber lidar com a doença, pois a intervenção médica não será suficiente se não for acompanhada de mudança de vida, que pode significar, por exemplo, afastamento ou redirecionamento da carreira. E o especialista explica:
Estudos indicam medicação, psicoterapia, alguns até falam da importância da atividade física. Eu acho que o tratamento do burnout, na verdade, também é voltado à saúde de forma mais ampla, incluindo mudanças de hábitos, como passar a fazer exercícios físicos, parar de fumar, parar de beber… É todo um plano voltado à recuperação do indivíduo, um tratamento multifatorial.”.
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A síndrome de que uma das fontes é o desajustamento laboral tem cura. Há mais de 4 décadas, Herbert Freudenberger anotou que alguns colaboradores apresentavam, após um ano de atividade, desmotivação, queixas somáticas (dores nas costas, problemas gastrointestinais, dores de cabeça…) e mudanças de humor (irritabilidade, cólera, disforia…), tornavam-se intolerantes ao stresse e incapazes de gerir novas situações. Foi então que o burnout foi descrito pela primeira vez. E, desde então, surgiram diferentes definições para esta síndrome. Atualmente, a generalidade dos autores considera-a uma resposta complexa ao stresse profissional prolongado ou crónico. 
Segundo um estudo a nível nacional, publicado na Acta Médica Portuguesa em 2016, em 1728 pessoas (466 médicos e 1262 enfermeiros), 21,6% apresentavam um burnout moderado e 47,8% um burnout elevado. Nos fatores estudados, as más condições de trabalho eram o maior preditor de burnout. Também se prevê uma elevada incidência desta síndrome em polícias e nos profissionais da área da educação (sobretudo em docentes de instituições e de turmas com elevada indisciplina), como refere José Fernando Santos Almeida.
O diagnóstico é frequente em profissionais com atividades exigentes e stressantes, muitas vezes sujeitas a turnos, como é o caso de médicos, enfermeiros e professores, mas pode afetar, por exemplo, estudantes, sob a pressão dos exames e sujeitos a períodos de poucas horas de sono.
Para a “Rota da Saúde – Lusíadas”, o doente pode sofrer um conjunto muito amplo de sintomas:
- Afetivos, como tristeza, irritabilidade, perda de controlo emocional, desânimo, apatia, humilhação, revolta, mágoa, fúria, preocupação;
- Cognitivos, por exemplo, dificuldades de atenção e de concentração, dificuldades de memória, diminuição da autoconfiança, do autoconceito, da autoestima e da autoimagem;
Alteração das atitudes em relação ao trabalho, sendo mais frequentes as atitudes e os comportamentos negativos relativamente ao trabalho, com desmotivação e, consequente menor entusiasmo, empenho e eficácia profissionais;
- Físicos ou sintomas psicossomáticos (como falta de ar, coração acelerado, sintomas gastrointestinais, problemas cutâneos, queixas musculares), fadiga, hipertensão arterial, entre outros; e
- Alterações comportamentais, que podem ser múltiplas e traduzir-se em comportamentos tão diversificados como do ligeiro aumento da rispidez ao comportamento marcadamente agressivo, ou distanciamento relativamente ao outro e isolamento social, consumo de substâncias (desde logo o álcool), comportamento de jogo, propensão para acidentes, etc.
Em geral, pode dizer-se que, sobre as causas do burnout, que pode ocorrer quando há uma maior competitividade no local de trabalho, uma pressão inadequada (desajustamento nas funções atribuídas, sobrecarga de tarefas, alterações no horário de trabalho) ou quando a atividade exercida é muito intensa, sujeita a riscos, como exemplifica o psiquiatra José Fernando Santos Almeida.
As causas do burnout podem dividir-se em três fontes:
- Fontes de stresse habituais da atividade profissional, ou fontes de stresse típicas da atividade profissional que abranjam áreas de conflito: competência(s),  autonomia, relação com os clientes, realização pessoal, falta de apoio social de colegas e superiores;
- Fatores organizacionais, que podem ser, entre outros, a elevada sobrecarga de trabalho, o desajustamento entre os objetivos da instituição e os valores pessoais dos profissionais, o isolamento social no trabalho; e
- Fatores de ordem pessoal, entre os quais estão as relações familiares e as amizades.
Qualquer trabalhador pode sofrer de burnout. Na fase inicial, pensava-se que os profissionais com envolvimento mais direto e intenso (área da saúde ou forças policiais) haveria maior propensão para o desenvolvimento de burnout. Mas esta perspetiva foi alargada a todas as atividades.
O tratamento implica a melhoria das circunstâncias e condições que originaram o burnout, de que se destacam a melhoria das condições de trabalho e relações profissionais com diminuição do isolamento. Não raro, implica a retirada temporária (que pode ser definitiva) do local de trabalho, a reorganização das suas atividades, um adequado investimento em outros interesses, como um maior convívio com família e amigos, a prática de exercício físico ou de atividades relaxantes.
Pode ser necessária ajuda médica, sobretudo quando a pessoa tem sintomas como a depressão e a ansiedade e justificam farmacoterapia. A psicoterapia pode a ajudá-la a compreender melhor as razões que a levam a padecer de burnout e a evitar procedimentos semelhantes no futuro.
Na maioria das situações, o burnout tem cura. A ajuda dum profissional de saúde é relevante no processo. Todavia, quando não é devidamente tratada, pode estar associada à evolução para a cronicidade ou pode originar outro problema, como a dependência do álcool.
burnout é, pois causado por uma exaustão ou stresse profissional e, uma vez retirada dessa situação, a pessoa melhora significativamente e recupera. Mas pode ser acompanhado de uma depressão e, nesta circunstância, é mais provável que a pessoa continue a estar depressiva (com humor triste, baixa da autoestima, apatia, falta de prazer e/ou desinteresse por atividades que eram agradáveis, sem energia, apetite, cansaço) apesar de já não vivenciar essa experiência que a levou ao burnout. Não obstante, os sintomas de burnout e de outros problemas, como a depressão ou as insónias, são muitas vezes sobreponíveis. Por exemplo, a insónia pode estar presente na depressão. Daí que o diagnóstico diferencial nem sempre seja fácil.
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No dia 27, a OMS alterou a definição da síndrome de burnout ou esgotamento profissional, que foi oficializada como resultante de “stresse crónico de trabalho que não foi administrado com sucesso”. E definiu melhor as caraterísticas predominantes para o diagnóstico da síndrome.
Segundo Ana Maria Rossi, PhD e presidente da International Stress Management Association do Brasil (ISMA-BR), a mudança pode ajudar os profissionais que sofrem com o problema. Para ela, o efeito que a definição possa ter para os trabalhadores ainda é incerto, pois ainda não se chegou a um consenso sobre esta alteração da OMS. Diz a especialista:
Com o código internacional que relaciona a síndrome com o ambiente de trabalho, uma decisão na área jurídica pode ter mais clareza, pois vai ser validada contra diferentes interpretações. Mesmo para especialistas da área a definição era um tanto vaga, imagine-se para um juiz ou desembargador. Acho também que, para os profissionais que tratam e se especializam na área de stresse, ficará mais específico.”.
A especialista explica que a posição do burnout no capítulo dos transtornos depressivos causava confusão entre a síndrome e a depressão e que, tal como o stresse negativo, ou distresse, pode causar efeito físicos, como dores de cabeça e de estômago, a depressão é um dos sintomas comuns do transtorno, a síndrome resulta de níveis devastadores de stresse.
Dos muitos sintomas do transtorno, contam-se, entre os principais, os seguintes: cansaço extremo, físico e mental; desmotivação; isolamento; dores de cabeça fortes e frequentes; insónias; tonturas; tremores; falta de ar; oscilações de humor; dificuldade de concentração; e problemas digestivos. Porém, a referida especialista organiza-os em três pontos fundamentais, no alinhamento com a definição da OMS, para obter o diagnóstico: falta de energia e exaustão; distanciamento mental do trabalho; e redução de eficácia. E explica:
- Exaustão. É a sensação de que [a pessoa] foi além dos seus limites, quando sente que está sem recursos físicos e mentais para lidar com a sua situação de trabalho. Pode tirar férias ou folgas e licenças ou descansar no feriado, mas não é um cansaço normal: arrasta-se. (Diz a especialista).
- Ceticismo. É falta de reação, o profissional torna-se insensível ao que ocorre à sua volta. É especialmente devastador para profissionais de saúde, pois quando têm burnout, tornam-se insensíveis com o paciente, olham para a pessoa que têm que ajudar sem sentimentos ou capacidade de empatia. É ainda caraterizado por confusão, reações negativas e alienação. (Diz a especialista).
- Ineficácia. A pessoa sente-se incompetente. Nota quedas na sua produtividade e um aumento na sua margem de erros. A sua atenção torna-se espúria. Até se esforça por trabalhar mais, mas não tem condições de recuperar. (Diz a especialista).  
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Tendo em conta que o burnout ocorre devido ao stress extremo da atividade profissional, mudar as condições de trabalho é um dos primeiros passos a dar. E pode ser benéfica a ausência por folga ou férias para alterar as rotinas e tentar relaxar. Depois, é conveniente: realizar atividades de relaxamento; organizar o tempo e decidir prioridades; participar em momentos de lazer com familiares e amigos; seguir uma dieta equilibrada; e procurar ajuda profissional.
Mas o melhor é mesmo preveni-lo e evitá-lo.
Como evitar o burnout? O melhor conselho é manter o equilíbrio entre o trabalho, lazer, família, vida social e atividades físicas, sem descurar no descanso diário.
Ora, isto postula a atenção do Governo, enquanto órgão de superintendência na administração pública, para o cuidado com os seus trabalhadores, e enquanto regulador das condições da atividade; dos gestores públicos e privados, no atinente ao recrutamento, seleção, gestão e avaliação (não só do desempenho e mérito, mas também da saúde) dos seus trabalhadores e colaboradores; das entidades que zelam pela saúde, higiene e segurança no trabalho; dos dirigentes sindicais e bastonários de ordens profissionais; dos trabalhadores independentes, agentes associativos, artísticos e culturais; e das famílias e das escolas, onde tudo começa.
Enfim, torna-se premente a conciliação permanente entre a vida pessoal, familiar e laboral, a bem da real produtividade e do bem-estar, que passa pela boa saúde, com a qual todos lucram!  
2019.05.31 - Louro de Carvalho      

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