Como a comunicação social salientou, a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou,
no passado dia 27 de maio, que passou a incluir na lista de doenças o burnout, estado de esgotamento físico e
mental, causado pelo exercício de uma atividade profissional.
Burnout é um termo
inglês que se pode interpretar como “queimar por completo”. É a chamada
“síndrome da exaustão”, em que se atinge um ponto extremo de cansaço devido a
uma atividade profissional exigente e stressante, que esgota a energia e leva a
“desligar do mundo”.
Na
classificação internacional de doenças da OMS, que serve de base às estatísticas
de saúde, o burnout surge na secção
consagrada aos “problemas associados” ao emprego e desemprego, descrito como “uma
síndrome resultante de ‘stress’ crónico no trabalho que não foi gerido com
êxito”. A doença, de acordo com a OMS, carateriza-se por “um sentimento de
exaustão, cinismo ou sentimentos negativistas ligados ao trabalho e eficácia
profissional reduzida”.
A sua
inclusão na lista das doenças da OMS não corresponde à invenção de mais uma
doença, mas à sua autonomização da depressão ou da ansiedade. Com efeito, desde
há anos que os especialistas tratam os sintomas do burnout, que localizam sobretudo em determinados grupos profissionais
(pelo que era
designado correntemente por “burnout laboral”), em que sobressaem os professores. Agora, a autoridade mundial de saúde
adota esta doença como específica e a merecer um tratamento adequado.
A entrada do
burnout ou stresse profissional na
nova classificação internacional de doenças da OMS, que vigorará a partir de 1
de janeiro de 2022, baseia-se nas conclusões de peritos de saúde de todo o
mundo e foi adotada pela Assembleia-Geral da organização, que decorreu até ao
passado dia 8, em Genebra, na Suíça. Segundo o JN, aos jornalistas, Tarik Jasarevic, um porta-voz da OMS,
declarou: “É a primeira vez que o
‘burnout’ entra na classificação”.
E, apesar
de a nova categorização entrar em vigor apenas em 2022, serve, desde já, como
um alerta para a relação entre saúde mental e trabalho.
***
Segundo o Jornal da USP no Ar (da
Universidade de São Paulo, Brasil), o
esgotamento profissional foi cunhado com o termo burnout, nos anos 80, por um psicanalista americano. Porém, especialistas
como José Fernando Santos Almeida, psiquiatra no Hospital Lusíadas Porto, recuam
ao início dos anos 1970 (mais propriamente a 1974) e atribuem a designação ao psicanalista e psicoterapeuta Herbert J.
Freudenberger (1926-1999), que
verificou em si mesmo este estado de esgotamento físico, mental e emocional. Desde
então, surgiram novos estudos para tentar entender os danos causados à saúde
mental por longa exposição a condição ou ambiente de trabalho stressante.
A este respeito, o doutor Rodrigo Leite, coordenador
dos Ambulatórios do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da USP, falou ao Jornal da USP no Ar
indicando a existência de “vários fatores que podem, a longo prazo, causar a
síndrome”, sendo que a questão profissional tem um peso maior. E o especialista
explicita:
“Muitos fatores podem gerar os sintomas da
doença, mas o trabalho é preponderante, porque as pessoas são expostas
cronicamente a dificuldades de relacionamento com colegas e chefia e risco de
demissão iminente, por exemplo. O contacto humano diário, comum nas áreas da
saúde e educação, também é algo stressante, e as pessoas expostas, anos a fio,
a essas condições são mais prováveis [propensas a] de desenvolver esse problema.”.
O diagnóstico não é fácil e os tratamentos têm de ir
além de medicamentos e acompanhamento psicológico. Para o especialista, os principais sintomas são
constante desânimo, crises de pânico, choro fácil, tonturas, dor
de cabeça e similaridades com quadros de depressão e transtorno de ansiedade
generalizada. E o especialista chama a atenção para as condições de trabalho, pois
as caraterísticas da síndrome são uma questão de trabalho e de saúde pública.
O coordenador dos ambulatórios do IPq da USP realça a
necessidade da criação de políticas públicas de reinserção de pacientes no
mercado de trabalho, para não serem ainda mais prejudicados por conta da
síndrome; frisa que a solução do problema é coletiva; e aponta a discussão sobre
as relações de trabalho como essenciais para se saber lidar com a doença, pois a intervenção médica não será suficiente se não for acompanhada de
mudança de vida, que pode significar, por exemplo, afastamento ou
redirecionamento da carreira. E o especialista explica:
“Estudos indicam medicação, psicoterapia,
alguns até falam da importância da atividade física. Eu acho que o tratamento
do burnout, na verdade, também é
voltado à saúde de forma mais ampla, incluindo mudanças de hábitos, como passar
a fazer exercícios físicos, parar de fumar, parar de beber… É todo um plano
voltado à recuperação do indivíduo, um tratamento multifatorial.”.
***
A síndrome de
que uma das fontes é o desajustamento laboral tem cura. Há mais de 4 décadas, Herbert
Freudenberger anotou que alguns colaboradores apresentavam, após um ano de
atividade, desmotivação, queixas somáticas (dores nas costas, problemas
gastrointestinais, dores de cabeça…) e mudanças
de humor (irritabilidade, cólera, disforia…),
tornavam-se intolerantes ao stresse e incapazes de gerir novas situações. Foi
então que o burnout foi descrito pela primeira vez. E, desde
então, surgiram diferentes definições para esta síndrome. Atualmente, a generalidade
dos autores considera-a uma resposta complexa ao stresse profissional
prolongado ou crónico.
Segundo um
estudo a nível nacional, publicado na Acta Médica Portuguesa em
2016, em 1728 pessoas (466 médicos e 1262 enfermeiros), 21,6% apresentavam um burnout moderado
e 47,8% um burnout elevado. Nos fatores estudados, as más
condições de trabalho eram o maior preditor de burnout. Também se
prevê uma elevada incidência desta síndrome em polícias e nos profissionais da
área da educação (sobretudo em docentes de instituições e de turmas com
elevada indisciplina), como refere José
Fernando Santos Almeida.
O
diagnóstico é frequente em profissionais com atividades exigentes e
stressantes, muitas vezes sujeitas a turnos, como é o caso de médicos,
enfermeiros e professores, mas pode afetar, por exemplo, estudantes, sob a
pressão dos exames e sujeitos a períodos de poucas horas de sono.
Para a “Rota da Saúde – Lusíadas”, o doente pode
sofrer um conjunto muito amplo de sintomas:
- Afetivos, como tristeza, irritabilidade, perda de controlo
emocional, desânimo, apatia, humilhação, revolta, mágoa, fúria, preocupação;
- Cognitivos, por exemplo, dificuldades de atenção e de concentração, dificuldades
de memória, diminuição da autoconfiança, do autoconceito, da autoestima e da
autoimagem;
- Alteração das atitudes em
relação ao trabalho, sendo mais
frequentes as atitudes e os comportamentos negativos relativamente ao trabalho,
com desmotivação e, consequente menor entusiasmo, empenho e eficácia
profissionais;
- Físicos ou sintomas psicossomáticos (como falta
de ar, coração acelerado, sintomas gastrointestinais, problemas cutâneos,
queixas musculares), fadiga,
hipertensão arterial, entre outros; e
- Alterações comportamentais,
que podem ser múltiplas e traduzir-se em
comportamentos tão diversificados como do ligeiro aumento da rispidez ao
comportamento marcadamente agressivo, ou distanciamento relativamente ao outro
e isolamento social, consumo de substâncias (desde logo o
álcool), comportamento de jogo, propensão
para acidentes, etc.
Em geral, pode dizer-se que, sobre as causas do burnout, que pode
ocorrer quando há uma maior competitividade no local de trabalho, uma pressão
inadequada (desajustamento nas funções atribuídas, sobrecarga de tarefas, alterações no
horário de trabalho) ou quando
a atividade exercida é muito intensa, sujeita a riscos, como exemplifica o
psiquiatra José Fernando Santos Almeida.
As causas
do burnout podem dividir-se em três fontes:
- Fontes de stresse habituais da
atividade profissional, ou fontes de stresse
típicas da atividade profissional que abranjam áreas de conflito:
competência(s), autonomia, relação com os clientes, realização pessoal,
falta de apoio social de colegas e superiores;
- Fatores organizacionais, que
podem ser, entre outros, a elevada
sobrecarga de trabalho, o desajustamento entre os objetivos da instituição e os
valores pessoais dos profissionais, o isolamento social no trabalho; e
- Fatores de ordem pessoal, entre os quais estão as relações familiares e as
amizades.
Qualquer
trabalhador pode sofrer de burnout. Na fase inicial, pensava-se que
os profissionais com envolvimento mais direto e intenso (área da
saúde ou forças policiais) haveria
maior propensão para o desenvolvimento de burnout. Mas esta
perspetiva foi alargada a todas as atividades.
O tratamento
implica a melhoria das circunstâncias e condições que originaram o burnout,
de que se destacam a melhoria das condições de trabalho e relações
profissionais com diminuição do isolamento. Não raro, implica a retirada
temporária (que pode ser definitiva) do local
de trabalho, a reorganização das suas atividades, um adequado investimento em
outros interesses, como um maior convívio com família e amigos, a prática de
exercício físico ou de atividades relaxantes.
Pode ser
necessária ajuda médica, sobretudo quando a pessoa tem sintomas como a
depressão e a ansiedade e justificam farmacoterapia. A psicoterapia pode a
ajudá-la a compreender melhor as razões que a levam a padecer de burnout e a evitar procedimentos
semelhantes no futuro.
Na maioria
das situações, o burnout tem cura. A ajuda dum profissional de saúde é
relevante no processo. Todavia, quando não é devidamente tratada, pode estar
associada à evolução para a cronicidade ou pode originar outro problema, como a
dependência do álcool.
O burnout é,
pois causado por uma exaustão ou stresse profissional e, uma vez retirada dessa
situação, a pessoa melhora significativamente e recupera. Mas pode ser
acompanhado de uma depressão e, nesta circunstância, é mais provável que a
pessoa continue a estar depressiva (com humor triste, baixa da
autoestima, apatia, falta de prazer e/ou desinteresse por atividades que eram
agradáveis, sem energia, apetite, cansaço) apesar de
já não vivenciar essa experiência que a levou ao burnout. Não
obstante, os sintomas de burnout e de outros problemas, como a
depressão ou as insónias, são muitas vezes sobreponíveis. Por exemplo, a
insónia pode estar presente na depressão. Daí que o diagnóstico diferencial nem
sempre seja fácil.
***
No dia 27, a
OMS alterou a definição da síndrome de burnout ou esgotamento profissional, que foi oficializada como
resultante de “stresse crónico de
trabalho que não foi administrado com sucesso”. E definiu melhor as
caraterísticas predominantes para o diagnóstico da síndrome.
Segundo Ana
Maria Rossi, PhD e presidente da International Stress Management Association do
Brasil (ISMA-BR), a mudança pode ajudar os
profissionais que sofrem com o problema. Para ela, o efeito que a definição
possa ter para os trabalhadores ainda é incerto, pois ainda não se chegou a um
consenso sobre esta alteração da OMS. Diz a especialista:
“Com
o código internacional que relaciona a síndrome com o ambiente de trabalho, uma
decisão na área jurídica pode ter mais clareza, pois vai ser validada contra
diferentes interpretações. Mesmo para especialistas da área a definição era um
tanto vaga, imagine-se para um juiz ou desembargador. Acho também que, para os
profissionais que tratam e se especializam na área de stresse, ficará mais
específico.”.
A
especialista explica que a posição do burnout
no capítulo dos transtornos depressivos causava confusão entre a síndrome e a
depressão e que, tal como o stresse negativo, ou distresse, pode causar efeito
físicos, como dores de cabeça e de estômago, a depressão é um dos sintomas comuns
do transtorno, a síndrome resulta de níveis devastadores de stresse.
Dos muitos
sintomas do
transtorno, contam-se, entre os principais, os
seguintes: cansaço extremo, físico e mental; desmotivação; isolamento; dores de
cabeça fortes e frequentes; insónias; tonturas; tremores; falta de ar; oscilações
de humor; dificuldade de concentração; e problemas digestivos. Porém, a referida especialista organiza-os
em três pontos fundamentais, no alinhamento com a definição da OMS, para obter o
diagnóstico: falta de energia e exaustão; distanciamento mental do trabalho; e
redução de eficácia. E explica:
- Exaustão. É a sensação de que [a pessoa] foi além
dos seus limites, quando sente que está sem recursos físicos e mentais para
lidar com a sua situação de trabalho. Pode tirar férias ou folgas e licenças ou
descansar no feriado, mas não é um cansaço normal: arrasta-se. (Diz a especialista).
- Ceticismo. É falta de reação, o profissional torna-se insensível
ao que ocorre à sua volta. É especialmente devastador para profissionais de
saúde, pois quando têm burnout, tornam-se
insensíveis com o paciente, olham para a pessoa que têm que ajudar sem
sentimentos ou capacidade de empatia. É ainda caraterizado por confusão,
reações negativas e alienação. (Diz a especialista).
- Ineficácia. A pessoa sente-se incompetente. Nota quedas na sua
produtividade e um aumento na sua margem de erros. A sua atenção torna-se espúria.
Até se esforça por trabalhar mais, mas não tem condições de recuperar. (Diz a especialista).
***
Tendo em
conta que o burnout ocorre devido ao
stress extremo da atividade profissional, mudar as condições de trabalho é um
dos primeiros passos a dar. E pode ser benéfica a ausência por folga ou férias para
alterar as rotinas e tentar relaxar. Depois, é conveniente: realizar atividades
de relaxamento; organizar o tempo e decidir prioridades; participar em momentos
de lazer com familiares e amigos; seguir uma dieta equilibrada; e procurar
ajuda profissional.
Mas o melhor
é mesmo preveni-lo e evitá-lo.
Como evitar
o burnout? O melhor conselho é manter
o equilíbrio entre o trabalho, lazer, família, vida social e atividades
físicas, sem descurar no descanso diário.
Ora,
isto postula a atenção do Governo, enquanto órgão de superintendência na administração
pública, para o cuidado com os seus trabalhadores, e enquanto regulador das condições
da atividade; dos gestores públicos e privados, no atinente ao recrutamento, seleção,
gestão e avaliação (não só do desempenho e mérito, mas
também da saúde) dos
seus trabalhadores e colaboradores; das entidades que zelam pela saúde, higiene
e segurança no trabalho; dos dirigentes sindicais e bastonários de ordens
profissionais; dos trabalhadores independentes, agentes associativos, artísticos
e culturais; e das famílias e das escolas, onde tudo começa.
Enfim,
torna-se premente a conciliação permanente entre a vida pessoal, familiar e
laboral, a bem da real produtividade e do bem-estar, que passa pela boa saúde,
com a qual todos lucram!
2019.05.31 -
Louro de Carvalho
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