sexta-feira, 17 de maio de 2019

Papa marcou encontro com jovens economistas para março de 2020

Na manhã de 11 de maio, foi divulgada uma carta do Papa Francisco, datada do dia 1 (Memória Litúrgica de São José Operário e Dia do Trabalhador), a convidar jovens economistas, empreendedores e empresários de todo o mundo a participarem com ele num evento e numa ‘aliança’ a ser consolidada em Assis, de 26 a 28 de março de 2020, como refere o Vatican News.
Porque a cidade de Assis é símbolo de humanismo e fraternidade, o Pontífice julga-a lugar apropriado para inspirar uma nova economia, pois ali, despojando-se de toda a mundanidade, São Francisco se tornou o ‘Poverello’, para escolher Deus como bússola da sua vida, fazendo-se pobre com os pobres e irmão de todos. Ora, a sua opção pela pobreza deu origem a uma visão económica que permanece atual, podendo dar esperança ao nosso futuro e beneficiar toda a nossa família humana e afigura-se necessária para equacionarmos o destino de todo o planeta, nossa Casa Comum ou “nossa irmã a Mãe Terra”, nas palavras de São Francisco no “Cântico do Irmão Sol”. Com efeito, como tudo está interligado, segundo a encíclica Laudato sì’, o Papa Francisco, renovando o seu apelo à prática dum modelo económico que seja fruto duma cultura de comunhão, baseada na fraternidade e na igualdade, realça que a salvaguarda do meio ambiente não pode ser dissociada da garantia da justiça para com os pobres e que Francisco de Assis é o exemplo notável do cuidado com os vulneráveis e de uma ecologia integral.Por outro lado, o Papa Bergoglio, acreditando nos jovens como capazes de ouvir os seus corações e de se sentirem parte duma cultura nova e corajosa, sem medo de enfrentar riscos e trabalhar para construir a nova sociedade onde se responde e não se viram as costas, assegura:
Universidades, empresas e organizações são laboratórios de esperança para criar novas formas de compreender a economia e o progresso, combater a cultura do desperdício, dar voz a quem não tem nenhuma e propor novos estilos de vida”.
Assim, o convite de Francisco dirige-se a todos os rapazes e moças de boa vontade, independentemente das diferenças de crença e de nacionalidade, para que participem no evento inspirados pelo ideal da fraternidade atenta sobretudo aos pobres e excluídos e se comprometam individualmente e em grupos, em termos de pacto comum, a cultivar juntos o sonho de um novo humanismo, que responda às expectativas dos homens e mulheres e ao projeto de Deus. E, lembrando a denominação do encontro – “Economia de Francisco” (“Economy of Francesco”) – que evoca o Santo Homem de Assis e o Evangelho que ele viveu em completa coerência, o Papa revela que a assunção do seu nome é fonte constante de inspiração: “São Francisco oferece-nos um ideal e, em certo sentido, um programa”.
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Após a carta-apelo do Papa, publicada no dia 11, foi apresentado na Sala de Imprensa da Santa Sé, em conferência de imprensa, o evento em que se prevê participarem 500 jovens de todo o mundo e fazerem com o Papa um “pacto” para mudar a economia. Na apresentação intervieram: o Cardeal Peter Turkson, Prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral; Monsenhor Domenico Sorrentino, Arcebispo-bispo de Assisi-Nocera Umbra-Gualdo Tadino; o Professor Luigino Bruni, Professor Ordinário de Economia Política na LUMSA (Libera Università Maria Santissima Assunta di Roma), Itália, e Consultor do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida; o Professor Engenheiro Stefania Proietti, Prefeito de Assis; e o Padre Mauro Gambetti, O.F.M. Conventual, Custódio do Sacro Convento de Assis.
Domenico Sorrentino diz que “o Papa virá apenas um dia e provavelmente será o do encerramento”. Luigino Bruni define o evento como “um festival de economia dos jovens com o Papa, jovens empresários, doutorandos ou pesquisadores, um meio-caminho entre Greta Thunberg e os poderosos da terra”. Peter Turkson fala duma economia social, ética e inclusiva. E Mauro Gambetti fala da pobreza e das iniciativas da preparação da Conferência.
Trata-se dum pacto para mudar a economia, pelo que o Papa quer encontrar quem estuda e pratica uma economia diferente. Na verdade, o primeiro Pontífice a assumir o nome do “Pobre de Assis”, quer encontrar na cidade da Província Eclesiástica da Úmbria:
Quem hoje se está a formar ou está a começar a estudar e praticar uma economia diferente, a que faz viver e não matar, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não a depreda”.
A centelha que estimulou o entusiasmo do Papa foi acesa pela iniciativa de Luigino Bruni, entre os promotores da Economia de Comunhão do Movimento, dos Focolares, que falou ao Papa sobre a iniciativa, como referiu o Bispo de Assis. Com efeito, no passado dia 25 de abril, ao receber o Bispo Sorrentino e o Professor Bruni – revelou o prelado – o Santo Padre manifestou uma adesão entusiasta à “ideia de enfrentar os desafios da economia motivando a juventude”, pois “os jovens podem fazer a diferença”, já que são o futuro em todos os sentidos, também no futuro da economia”. E “um pacto com eles é vencedor”.
E, na carta, Francisco pede aos jovens que “estejam juntos e se conheçam” para, depois, “fazerem um ‘pacto’ para mudar a economia atual e dar uma alma à economia de amanhã”. Salientado a presença de muitas mulheres no comité de preparação, Bruni explicita:
São esperados pelo menos 500 jovens, metade deles empresários com idade inferior a 35 anos e metade doutorandos nas universidades de todo o mundo, incluindo a judaica. (…) Economia é uma palavra feminina, e as mulheres têm uma visão diferente dos homens sobre ela.”.
Na Sala de Imprensa foi apresentado o site já ativo, www.francescoeconomy.org e o logótipo do evento que representa, em forma circular e ao mesmo tempo aberta, “a conexão entre a salvaguarda do meio ambiente que não pode ser separada da justiça para com os pobres e da solução dos problemas estruturais da economia mundial”. A corda de três “nós” evoca o gesto profético de despojamento de São Francisco: “Da sua escolha de pobreza brota uma visão da economia que continua muito atual”.
Sendo já possível fazer a inscrição, sabe-se que, a partir de junho, será possível solicitar uma bolsa de estudos e, assim, favorecer jovens da África e da Ásia. Entre as novidades, conta-se um Prémio para a economia, que será concedido após a escolha de um júri formado por jovens.
Interpelado pelos jornalistas, o Bispo de Assis declarou que “daquilo que percebemos, o Papa estará em Assis apenas um dia e, com toda probabilidade, será no momento conclusivo”, a 28 de março. Mas advertiu que não está autorizado a dar certeza sobre isso, recordando que na carta, Francisco “não escreveu nada de preciso” sobre o assunto.
Será a quarta vez que o Papa irá a Assis, observa o prelado, que evoca o discurso de Bergoglio na Sala do Despojamento em 2013 e, depois, a carta que escreveu em 2017, por ocasião da construção de Santuário nascido no local em que o “Pobre de Assis”, “com seu gesto profético”, realizou não um ato antieconómico, mas um ato de fundação de uma economia alternativa”.
O Padre Mauro Gambetti, por sua vez, agradecendo ao Papa Francisco pela iniciativa “Economy of Francesco”, disse:
Havia necessidade de uma motivação a mais, de alguém – e quem melhor do que o Papa? – que acendesse uma chama para agrupar em torno a sua mensagem e aquela de Francisco de Assis, todos os homens de boa vontade”.
Entre as iniciativas implementadas pelo Sacro Convento na preparação do evento, Gambetti cita a transmissão “Con il cuore” e “Il Cortile di Francesco”, juntamente com um projeto de certificação de “ecologia integral”, realizado em conjunto com algumas universidades italianas – a Federico II, de Nápoles; a Alma Mater, de Bolonha; o Politécnico de Milão; e o Luiss de Roma – por meio da “oferta de experiências e conteúdos sobre os vários modelos de economia, com um apelo dirigido aos jovens para que se reúnam e façam nascer, compartilhando aquela que para eles seria a economia do futuro”.
E Gambetti garante que “todas as três famílias franciscanas deram a sua disponibilidade em apoiar de todas as formas a iniciativa do próximo mês de março” e que a contribuição específica dos seguidores de São Francisco não é só a de testemunhar e recomendar a “pobreza material”, mas também “a pobreza de coração, que não acaba nunca, e tem o seu ponto central na negação de si mesmo: uma espécie de grande portal que permite o acesso à fraternidade, à comunhão.
Quando o ponto de vista é o do pobre, todos têm o seu lugar: está-se bem na fraternidade, vive-se dessa maneira e compreende-se o verdadeiro significado da riqueza. E, “para aquele que mantém um coração pobre, também a riqueza encontra o seu significado” – conceitos que o Custódio do Sacro Convento esclareceu através do Vatican News, falando sobre a sua vocação para a vida consagrada e para a entrada no convento: “Eu, filho de um empresário, deixei tudo”.
Também o Prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, que patrocinará o evento de Assis, falou na apresentação do evento, explicando:
A economia que o Papa Francisco defende é uma economia social, circular, ética e inclusiva o que não deve ser confundido com uma economia socialista”.
“Economia social”, na aceção de Bergoglio, significa, segundo o eminente purpurado:
Uma economia que tem uma referência ao destinatário: uma economia que serve ao homem, à pessoa humana, como escreve o Papa na Laudato si e na Evangelii gaudium; uma economia inclusiva, que serve a todos os homens sem deixar ninguém”.
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Por seu turno, a 14 de maio, o Padre Andreas Lind, SJ, publicava no “Ponto SJ”, um texto em que refere que a Conferência apelará à coerência dum justo interesse pela economia que se mantém fiel à radicalidade das palavras de Jesus, “onde a economia sirva o homem, e não se sirva do homem”. E problematiza:
Se Jesus nos pede que não acumulemos ‘riquezas na terra’ (Mt 6,19), por que razão vem a Igreja dar conselhos sobre a atividade económica? De facto, quem afirma a impossibilidade de ‘estar [simultaneamente] ao serviço de dois senhores, pois ou odeia um e ama o outro, ou agradará a um e desprezará o outro’, parece desvalorizar os affaires económicos. Quem considera não ser possível ‘estar [ao mesmo tempo] ao serviço de Deus e do dinheiro’ (Mt 6,24), exigindo o serviço (exclusivo) de Deus, talvez tenha dificuldade em concluir um curso de economia.”.
No entanto, tendo em conta a carta-convite do Papa a estudantes de economia e a jovens empresários a refletir sobre a economia do futuro, entende que o evento de Assis constituirá oportunidade para “juntar sinergias na construção de uma economia sustentável que promova o ambiente e a pessoa humana”. E apoia-se no Evangelho e no magistério deste Papa:
Fiel ao Evangelho, o Sumo Pontífice convida-nos a viver uma espiritualidade incarnada. É nesse sentido que ele apela a uma ‘reanimação’ da economia, ‘atenta à pessoa e ao ambiente”. Já em 2016, num discurso dirigido aos membros do Movimento de Trabalhadores Cristãos, o Papa lembrou a ‘vocação ao trabalho’ pela qual o homem se realiza. Percebemos, nesse tal discurso, a coerência de um justo interesse pela economia que se mantém fiel à radicalidade das palavras de Jesus. Em sintonia com o ensinamento de Jesus, para quem é impossível servir simultaneamente ‘a Deus e ao dinheiro’, o Papa Francisco considera ‘o dever de formar (…) para um novo humanismo do trabalho onde (…) a economia sirva o homem, e não se sirva do homem.”.
E, sendo as palavras do Papa interpretação correta das passagens evangélicas citadas, realça:
“O dinheiro, a economia, deve estar ao serviço da lei da caridade: deve estar ao serviço do amor de Deus e do próximo”.
Ora, se a fé humaniza a comunidade dos fiéis – diz o jesuíta – deve libertar os crentes de todos os ídolos que aprisionam, de forma a adorarmos apenas o Criador. E, vislumbrando-se, no atual contexto, “o primado da economia sobre outros valores como uma idolatria desumanizante”, Francisco apela a uma “aliança” no “processo de mudança global” exigida pelo mundo de hoje. Neste sentido, o sacerdote jesuíta enuncia quatro princípios que a Conferência provavelmente aprofundará e discutirá com vista à sua aplicação:
- Preservação a Casa Comum. Face aos riscos inerentes aos danos causados ao planeta, o Papa relembra a encíclica Laudato Sì’ onde expressa o vínculo intrínseco entre a promoção da justiça e a conversão ecológica. E, ao eleger o ‘Poverello’ de Assis como exemplo de alguém consciente da importância duma “ecologia integral” e “humana”, faz ecoar a encíclica Caritas in veritate, do seu predecessor, no atinente ao combate à “cultura do desperdício” a realizar a partir duma espiritualidade que sente a terra como “irmã” e “mãe”:  “Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã a mãe Terra” (cf Cântico do irmão sol).
- Dar mais espaço à lógica do dom. – Sem diabolizar maniqueisticamente as forças do mercado, “A economia de Francisco”  procurará formas de exprimir a fraternidade e o princípio da gratuitidade (cf Caritas in veritate §34). Embora aproveitando ao máximo as potencialidades do mercado na criação de riqueza, o horizonte cristão exige que se vá além do lucro e da justiça comutativa (cf Caritas in veritate §35). Como afirma Bento XVI, “a caridade supera a justiça e completa-a com a lógica do dom e do perdão”, pois “a ‘cidade do homem’ não se move apenas por relações feitas de direitos e de deveres, mas antes e sobretudo por relações de gratuitidade, misericórdia e comunhão” (cf Caritas in veritate §6).
- Estender a fraternidade para lá de credos e nacionalidades. Como a fé cristã adora a Trindade como comunhão de três pessoas distintas e unidas, o cristão é chamado a reconhecer-se como um ser de comunhão com Deus e com o próximo, sendo que as circunstâncias do nosso mundo tornam essa comunhão necessária à sua preservação. Não resolveremos sozinhos ou isolados em pequenos grupos os grandes desafios que somos chamados a enfrentar. Por isso, o Papa dirige-se além das fronteiras da Igreja, a todos os “homens de boa vontade”, para que superemos, juntos, os desafios, enquanto testemunhamos a fé num Deus que é comunhão. Assim, coerente com a fraternidade solicitada pela fé e pelas circunstâncias atuais, o Pontífice tem promovido o diálogo inter-religioso e o acolhimento de emigrantes ou refugiados.
- Começar pela assunção da responsabilidade individual. A mera enunciação de princípios gerais é perigosa: são vagos, permanecem no reino das ideias, raramente descem à prática. Por isso, Francisco apela à responsabilidade individual e sugere a mudança dos estilos de vida. Com efeito, cabe a cada um a capacidade de assumir um estilo de vida conforme à sustentabilidade da casa comum e ao respeito pela dignidade dos outros. (vf: https://pontosj.pt/especial/a-economia-de-francisco/).
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Obviamente, face a desafios como as guerras, as catástrofes, as migrações, o terrorismo ou as alterações climáticas, não basta a assunção da responsabilidade individual. Os desafios exigem uma concertação global através de mediações institucionais e políticas, mas que postulam a responsabilidade individual. Assim, a realização deste evento será um bom e interpelante ensejo de reflexão sobre o futuro. No entanto, cabe refletir questionando: Ultrapassarão os jovens economistas a lógica da economia de mercado, preponderante no ensino e na prática? Serão capazes de pôr um rótulo de morte nos projetos economicistas?  
2019.05.17 – Louro de Carvalho

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