quinta-feira, 9 de maio de 2019

Feita uma conexão entre uma obra literária e a mensagem de Fátima


Na noite do passado dia 1 de maio, realizou-se a primeira de 6 visitas temáticas à exposição temporária Capela Mundi, que, durante este ano pastoral, vão aprofundar elementos da mostra comemorativa do centenário da Capelinha das Aparições (Desde a sua inauguração, a exposição temporária Capela-Mundi foi visitada por mais de 88 mil pessoas).
Esta primeira visita temática estabeleceu relação entre uma obra literária setecentista e mensagem de Fátima. Com efeito, José Augusto Cardoso Bernardes, Diretor da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, apresentou a obra literária “História Trágico-Marítima”, que inspirou a pintura homónima de Vieira da Silva, que a partir daquele dia integra a predita exposição. Assim, a visita ganhou especial relevo pela integração da peça “História Trágico-Marítima”, de Maria Helena Vieira da Silva, pertencente ao Museu da Fundação Calouste Gulbenkian, que elegeu o nome e o motivo pictórico na obra literária de Bernardo Gomes de Brito, também presente na exposição, e que foi o propósito desta primeira visita temática.
A justificar a inclusão da obra na exposição, o orador falou da natureza e do conteúdo do livro, destacando um dos episódios relatados. A propósito da natureza, Cardoso Bernardes começou por esclarecer que a obra é uma compilação, da autoria de Bernardo Gomes de Brito, de doze relatos de naufrágios reais.
Após a análise de um dos relatos da obra, que foi publicada pela primeira vez no século XVIII (1735-36), o diretor da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra justificou a inclusão da mesma na exposição, estabelecendo uma relação de “conformidade” entre a “antropologia cristã, que lhe subjaz”, e o “apelo que Nossa Senhora deixou em Fátima”.
Segundo o orador, “a ‘História Trágico-Marítima’ mostra-nos que somos peregrinos, que enfrentam tempestades e que têm a memória de onde vêm e o sentido do encontro”. Na verdade, como afirmou, “o naufrágio atesta a necessidade de contar com a contingência das nossas forças e a moderação da nossa cobiça”, sendo “sobre este despojamento, temor a Deus e certeza no encontro, de que estes relatos de naufrágio falam, que Nossa Senhora vem alertar em Fátima”. Na concretização da relação de conformidade que estabeleceu, o orador terminou a apresentação com a leitura dum relato de naufrágio extraído da VI Memória da Irmã Lúcia, que alude a um episódio passado com o seu tio José, numa viagem ao Brasil em que, náufrago, se salvou invocando a proteção de Nossa Senhora do Rosário e, regressado depois a Aljustrel, construiu a casa onde viriam a nascer os Pastorinhos.
O encontro terminou com um diálogo aberto entre a plateia e o orador, sobre o tema que deu mote à visita.
Estão previstas para este ano mais 5 visitas temáticas. A próxima, agendada para 5 de junho, tem por título “Imagens e histórias de devoção – a propósito de Agnus Dei, de Josefa d’Ayala” e será apresentada por Fernando António Batista Pereira, presidente do conselho diretivo da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa; a de 3 de julho tem por título Aspetos da iconografia mariana”, a propósito da escultura Nossa Senhora da Boa Morte, do Santuário de Vila Viçosa, e será apresentada por Carlos Filipe, Presidente do Instituto da Padroeira de Portugal para os Estudos da Mariologia; a de 7 de agosto tem por título “O Correio de Nossa Senhora, a propósito das mensagens dos peregrinos à Virgem de Fátima, e será apresentada por André Melícias, Coordenador do Serviço de Arquivo (Departamento de Estudos) do Santuário de Fátima; a de 4 de setembro tem por título  “Agradecer através da imagem: ex-votos portugueses da Época Moderna, a propósito dos ex-votos à Virgem de Fátima, e será apresentada por Isabel Drumond Braga, Professora de Historiadora da Época Moderna, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; e a de 2 de outubro tem por título A museologia e a missão cultural da Igreja”, a propósito da exposição temporária Capela-Mundi, e será apresentada por Artur Goulart, Coordenador do Inventário do Património Artístico Móvel da Arquidiocese de Évora, Historiador da Arte e Museólogo. É sempre a ligação entre a arte e a mensagem ou o sentir do povo peregrino.
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Desde 1 de dezembro de 2018 até 15 de outubro de 2019, está aberta ao público, com entrada livre, das 9 às 18 horas, no Convivium de Santo Agostinho, Basílica da Santíssima Trindade, a exposição temporária comemorativa do centenário da construção da Capelinha das Aparições  intitulada Capela-Mundi.
Composta por 9 núcleos, a exposição assenta numa acurada pesquisa histórica que intenta ler a Capelinha das Aparições como um dos mais importantes ícones do Santuário de Fátima. Por ter sido construída a partir do desejo que os Pastorinhos de Fátima asseguram ter sido transmitido por Maria, este pequeno templo, de traça vernacular, é considerado o coração do Santuário e é ao seu redor que têm lugar as mais íntimas e tocantes manifestações de fé dos peregrinos da Cova da Iria.
Os núcleos temáticos como a construção física da capela, os protagonistas que lhe estão ligados, a dinamitação de 1922 e a simbólica que lhe está associada serão tratados através da linguagem da museologia, recorrendo a peças de valor histórico e artístico não só do espólio do Museu do Santuário de Fátima como de outras instituições museológicas, incluindo museus, bibliotecas e palácios do Estado e de museus e arquivos da Igreja Católica e de diferentes organismos eclesiais (paróquias, congregações religiosas, confrarias e dioceses do País e de Espanha), que cederam peças para a exposição, o que proporcionará uma experiência que se pretende ao mesmo tempo de formação e de fruição estética. 
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No dizer de Carlos Jaca (in Aspectos da História Trágico-Marítima: http://www.esas.pt/jaca/docs/tragicoMaritima.pdf), a História Trágico-Marítima corresponde à face escura da glória dos descobrimentos, a tragédia que fez dizer a Fernando Pessoa: “Ó mar salgado, quanto do teu sal / são lágrimas de Portugal!”. Pode até considerar-se como obra “sui generis”. Com efeito, em nenhuma das outras literaturas haverá “soma tão impressionante de relações de naufrágios”. Tão grande foi a voga desses escritos e tantos foram, que chegaram a constituir quase um subgénero literário.
A História Trágico-Marítima não é obra de um único autor, mas acoplação de várias descrições (conhecidas por “relações”) de naufrágios ocorridos de 1552 a 1602.
Na Biblioteca Nacional de Lisboa e na da Ajuda, na Torre do Tombo, nas bibliotecas de Évora, Vila Viçosa e Coimbra e em coleções privadas encontram-se, manuscritos ou impressos, vários exemplares de uns 20 relatos de naufrágios que foram escritos entre a segunda metade do século XVI e o fim do século XVII por diversos autores desconhecidos. Os relatos de naufrágios viriam a tornar-se, na verdade, quase um subgénero literário, de algum sucesso em Portugal no período entre meados dos séculos XVI e XVII, atraindo a atenção de editores, compiladores e leitores, em especial a partir da cristalização nos dois volumes da “História Trágico-Marítima” de Bernardo Gomes de Brito, publicada em 1735-1736 e apocrifamente acrescentados de um terceiro. Fruto do labor de sobreviventes ou testemunhas próximas dos desastres ocorridos com embarcações da “Carreira da Índia”, este tipo de relatos é relevante não só para o conhecimento das circunstâncias da perda de uma a duas dezenas de naus, mas também para o das próprias armadas em que se integravam.
Releva-se a História Trágico-Marítima como obra de alto valor da nossa história da literatura no aspeto literário, no aspeto histórico e no aspeto humano.
Do ponto de vista literário o seu valor é muito desigual, o que se compreende, por tais “relações” terem sido escritas por diversos autores. Quase todas saíram da pena corrente ou tosca de sobreviventes, muitos dos quais não possuíam capacidades para a prosa, que aqui se apresenta, por vezes, confusa e, consequentemente, com problemas de interpretação – o que terá sido vantajoso para a verdade, pois algumas “relações”, apesar de escritas apressadamente e sem cuidados de estilo (provavelmente sob a emoção causada pela proximidade da catástrofe, dado terem sido publicadas na maioria, pouco tempo depois), adquirem, talvez por isso, um tom de verdade e sinceridade que se transmite ao relato uma forte carga dramática, que é possível viesse a ser atenuada se fossem mais trabalhadas. A narração atinge o seu maior vigor na horrífica hora do naufrágio e, por vezes, no subsequente caminhar dos desditosos náufragos sobrevivos, durante infindos meses, por terras desconhecidas e cheias de perigos, tantas vezes habitadas por gente estranha e hostil. Ninguém apontará estes relatos como primores da nossa língua literária, pois, como salientam alguns dos seus autores e depois os comentadores, interessava aqui preservar a verdade e o conhecimento dos factos e porque muitos dos que os escreveram eram marinheiros e outras pessoas sem pretensões intelectuais.
Do ponto de vista estilístico, haverá duas espécies de “relações”: as escritas pelos próprios que escaparam à tragédia; e as escritas por estranhos, que tomaram conhecimento dos factos através do testemunho oral dos sobreviventes. Entende-se que as primeiras tenham em geral maior vivacidade, mais poder comunicativo, por representarem a própria experiência, embora um autor ilustre como Diogo do Couto, pertencente ao segundo grupo, consiga, mercê do seu talento, “representar-nos belissimamente um naufrágio que não padeceu”. Ainda incluída na primeira referência poder-se-ão distinguir as “relações” escritas por padres, normalmente mais literárias, com um estilo mais erudito e entremeado de citações latinas, de que é exemplo a “relação” da viagem da nau “São Francisco”, em 1596, escrita pelo jesuíta Gaspar Afonso. Já as narrações de autores seculares, nomeadamente os do 1.º período clássico, apresentam muito melhor estilo, salientando-se Manuel de Mesquita Perestrelo, que descreveu o naufrágio da nau “São Bento”, e o boticário Henrique Dias, autor da “relação” da perda da nau “São Paulo”. Ambos manifestam o intento de contar as coisas na sua generalidade sem cair no pormenor fastidioso. Cingiam-se assim aos cânones da arte clássica, que procura evitar o excesso das particularidades, segundo o princípio económico do “inutilia truncat”, do neoclassicismo, a fim de privilegiar os aspetos gerais. Isto era o preceito, mas nem sempre foi a prática. As próprias exigências do tema se encarregavam de mostrar a cada passo o incumprimento desta determinação pela incapacidade de relatar satisfatoriamente um naufrágio ou as aventuras por terra, sem descer a certas minúcias que mais pudessem impressionar os leitores – o que também confere força documental histórica a estes relatos e descrições que tanto impressionaram os coevos e ainda fazem arrepiar os leitores de hoje que tiverem a ousadia de os ler.
Estas relações que hoje encaramos como documentos históricos fizeram, na época, a paixão dos leitores, pois o público, então como agora, não conseguia fugir ao fascínio pelas emoções fortes, pondo-se virtualmente no lugar dos sofridos. Compreende-se como o público de outros tempos, na rotina da vida quotidiana, apreciava “essas impressionantes narrativas, o espetáculo das naus destroçadas pela tormenta, a confusão e o alarido das gentes, o engenho dos homens buscando meios de salvação, e a triste e aventurosa caminhada pelo sertão africano”.
Cerca de um quinto da população portuguesa da época (dois milhões e meio) experienciou as viagens marítimas, pois todas as famílias tinham pelo menos um ou dois elementos embarcados. Por isso, a repercussão de tais relatos no imaginário nacional tornou-se irrecusável e apaixonou a generalidade das pessoas durante gerações sucessivas – os que iam e os que ficavam, os que sofriam e os que fantasiavam. E, em certa medida, permanece ativa quando se vivem e recordam os males das duas guerras mundiais, a guerra colonial portuguesa, a emigração a que gerações de compatriotas se sujeitaram, as guerras que pululam e vários recantos do orbe, a onda de refugiados, deslocados e migrantes forçados, os ataques terroristas, os cataclismos naturais, as pandemias ou as doenças terminais.    
Os episódios sucediam-se, um mais desgraçado do que o outro, numa série (precursora de “folhetim” e “telenovela”) de horrores, suplícios e fatalismos intermináveis. Como hoje se comenta o crime sensacional, descrito pelas gazetas diárias, assim outrora se falava do último naufrágio, cujos episódios eram referidos pela “relação” acabada de sair. Desconhece-se qual seria a tiragem dessas “relações”, mas sabe-se que muitas eram impressas várias vezes, havendo casos em que a primeira edição se esgotava em breve lapso de tempo, uma vez que há conhecimento da existência de uma segunda edição publicada no mesmo ano.
Giulia Lanciani, e reportando-se ao naufrágio de Jorge de Albuquerque Coelho, refere depreender-se do texto que tanto da primeira como da segunda edição se tiraram mil exemplares de cada uma, quando, segundo os estudiosos, na segunda metade do século XVI a tiragem média de um livro na Europa dificilmente superava os trezentos exemplares.
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Efetivamente, como hoje em terra, muitos sob o peso da aflição se dirigem à Virgem Maria no Santuário, de que o de Fátima é proeminente, também os nautas perdidos “na fúria das ondas, nos longes do mar” (como reza a letra da composição “Maris Stella”, de Veríssimo Lemos Peliz), confiavam na Virgem Estrela do Mar. E, como dizia São João Paulo II a 13 de maio de 1982, em Fátima, “a Senhora da mensagem parecia ler, com uma perspicácia especial, os “sinais dos tempos”, os sinais do nosso tempo”, e, “nas palavras da mensagem de Fátima parece-nos encontrar precisamente a dimensão do amor materno, o qual com a sua amplitude, abrange todos os caminhos do homem em direção a Deus”. Na verdade, “quando Jesus disse do alto da Cruz: ‘Senhora, eis o Seu filho’ (Jo 19,26), abriu, de maneira nova, o Coração da Sua Mãe, o coração Imaculado, e revelou-Lhe a nova dimensão do amor e o novo alcance do amor a que Ela fora chamada, no Espírito Santo, em virtude do sacrifício da Cruz”.
Por isso, a mensagem de Maria, para quem anda desligado do rumo traçado por Deus é apelativa; para quem se compraz nas vias do pecado é interpelante e exigente; para quem se verga sob o peso da vida é ternurenta; e para quem pretende a via discipular e apostólica é entusiasmante e deveras compensadora!
2019.05.09 – Louro de Carvalho  


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