terça-feira, 21 de maio de 2019

Contabilização do tempo de serviço nas carreiras pluricategoriais


Está em vigor, de hoje em diante, o Decreto-Lei n.º 65/2019, de 20 de maio, que “mitiga os efeitos do congelamento ocorrido entre 2011 e 2017 nas carreiras, cargos ou categorias em que a progressão depende do decurso de determinado período de prestação de serviço” – sendo que tal diploma recupera para efeitos de progressão apenas 70% do tempo do tempo congelado naquele horizonte temporal e esquece 2 anos 4 meses e 2 dias perdidos entre 29 de agosto de 2005 e 31 de dezembro de 2007.
O predito diploma foi aprovado em Conselho de Ministros a 4 de abril, promulgado em 13 de maio, referendado em 16 e publicado em 20. 
Evoca-se, no preâmbulo, o objetivo primordial do Programa do XXI Governo Constitucional de “aumentar o rendimento disponível das famílias”, e o facto de tal objetivo se concretizar, para os trabalhadores da Administração Pública, também através “do descongelamento das carreiras a partir de 2018”, operado pelo art.º 18.º da LOE 2018 (Lei do Orçamento do Estado para 2018) para todas as carreiras da Administração Pública, que foi reafirmado e mantido em vigor pelo artigo 16.º da LOE 2019. Assim, o descongelamento está em vigor desde 1 de janeiro de 2018 – tendo sido, à data, segundo o Primeiro-Ministro, o relógio colocado no zero para todos – processando-se nos termos das regras de desenvolvimento remuneratório aplicáveis a cada carreira.
Porém, outra questão – e nova – “é a da recuperação do tempo de serviço”, que não foi contado por força das sucessivas LOE desde 2011 até 2017, em relação ao qual o Governo “não estabeleceu nenhum compromisso no seu Programa”. Esta questão, “de elevada complexidade e de significativo impacto financeiro”, exige “a ponderação de soluções que não podem reescrever o passado” nos termos definidos pelo legislador entre 2011 e 2017, pelo que se procuraram soluções que garantam “a equidade com as outras carreiras da Administração Pública, a sustentabilidade das carreiras e a compatibilização com os recursos disponíveis”.
Por isso, diz o Governo, o art.º 19.º da Lei do Orçamento do Estado para 2018 – e o art.º 17.º da Lei do Orçamento do Estado para 2019 contém idêntica disposição normativa – determina:
A expressão remuneratória do tempo de serviço nas carreiras, cargos ou categorias integradas em corpos especiais, em que a progressão e mudança de posição remuneratória dependam do decurso de determinado período de prestação de serviço legalmente estabelecido para o efeito, é considerada em processo negocial com vista a definir o prazo e o modo para a sua concretização, tendo em conta a sustentabilidade e compatibilização com os recursos disponíveis”.
Em nome da sustentabilidade como “fator determinante”, segundo o Governo, “a atribuição de relevância ao tempo congelado para efeitos de progressão” não pode comprometer “a gestão dos recursos a alocar às diversas políticas públicas nem a gestão dos trabalhadores públicos”. É por isso que o presente diploma apenas “permite mitigar os efeitos” do congelamento.
Foi nesta linha que se gizou a solução aplicada aos professores nos termos do DL n.º 36/2019, de 15 de março, aplicando-se agora “o mesmo raciocínio às demais carreiras, cargos ou categorias integrados em corpos especiais em que a progressão e mudança de posição remuneratória dependam do decurso de determinado período de prestação de serviço legalmente estabelecido para o efeito”. Por isso, o presente diploma “reconhece aos trabalhadores destas carreiras o equivalente a 70 % do módulo de tempo-padrão para mudança de escalão ou posição remuneratória na respetiva categoria, cargo ou posto, tal como já se previu para os docentes e, inicialmente, para as carreiras gerais”. Pela natureza pluricategorial das carreiras em causa, o figurino de operacionalização do crédito de tempo “garante a manutenção da posição relativa dos trabalhadores, preservando a lógica hierárquica do exercício de funções”. Embora seja “um figurino diverso, quanto ao momento da contabilização do tempo de serviço, do aplicado à carreira unicategorial dos docentes”, esta lógica “é passível de transposição para esta carreira”, pelo que se prevê que o figurino agora aprovado possa aplicar-se também a estes trabalhadores, por opção dos próprios.
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O teor do articulado pode sintetizar-se no seguinte:
Este diploma “regula o modelo de recuperação do tempo de serviço, cuja contagem esteve congelada entre 2011 e 2017, nas carreiras, cargos ou categorias integrados em corpos especiais em que a progressão e mudança de posição remuneratória dependam do decurso de determinado período de prestação de serviço legalmente estabelecido para o efeito e que tenham mais de uma categoria”. Porém, a não ser por opção expressa dos mesmos, a contabilização do tempo de serviço aos docentes de carreira dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário obedece ao disposto no DL n.º 36/2019, de 15 de março”.
Aos trabalhadores abrangidos pelo presente diploma é contabilizado “70 % do módulo de tempo padrão para mudança de escalão ou posição remuneratória na respetiva categoria, cargo ou posto”. Tal contabilização “repercute-se no escalão ou posição remuneratória detidos pelos trabalhadores”, nos seguintes termos: 1/3 do tempo a 1 de junho de 2019; 1/3 do tempo a 1 de junho de 2020; e 1/3 do tempo a 1 de junho de 2021. E, se tal contabilização for superior ao necessário para efetuar uma progressão, o tempo em causa “repercute-se, na parte restante, no escalão ou posição remuneratória seguinte”.
Entretanto, o decreto-lei em causa acautela situações específicas. Assim, aos trabalhadores que, por via da data de entrada em funções, tiveram só parte dos 7 anos de tempo de serviço entre 2011 e 2017 congelado, contabiliza-se 70% do tempo que realmente tiveram congelado. Aos trabalhadores que, entre 2011 e 2017, tenham tido alteração do seu escalão ou posicionamento remuneratório, nomeadamente em resultado de promoção, contabiliza-se 70% do tempo que tiveram congelado no escalão ou posicionamento remuneratório atual. Porém, aos trabalhadores que tenham alteração do seu escalão ou posicionamento remuneratório após o dia 1 de janeiro de 2018, em resultado de promoção, “não é contabilizado o período de tempo de serviço” congelado – o que deixa fora da recuperação uma franja significativa de trabalhadores.
O módulo de tempo-padrão calcula-se por categoria, cargo ou posto e corresponde à média do tempo de serviço necessário para mudança de escalão ou posicionamento remuneratório na categoria, cargo ou posto em causa, nos termos previstos no anexo ao diploma em referência, que atinge os magistrados, os oficiais da justiça, os militares das forças armadas e os militares da GNR. E, quando calculado em anos, o módulo de tempo é convertido em anos, meses e dias para efeitos de aplicação do disposto no presente decreto-lei.
O direito de opção dos docentes pelo faseamento estabelecido neste diploma “é exercido mediante requerimento apresentado até 30 de junho de 2019”.
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Como já foi entredito, ao Governo cabe o mérito de determinar a contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão em todas as carreiras da administração pública a partir de 1 de janeiro de 2018. Porém, não dá total segurança o facto de apenas se basear nas leis do orçamento de vigência anual. Também a contabilização de apenas 70% do tempo congelado no passado e referente apenas ao horizonte temporal de 2011 a 2017 não encontra justificação plausível no ordenamento jurídico português, a não ser na opção política da preferência pela salvação de bancos e empresas em detrimento do justo pagamento do trabalho feito ao serviço da comunidade. E não se percebe a omissão do tempo decorrido de 29 de agosto de 2005 a 31 de dezembro de 2007. Por outro lado, é extravagante a primeira parte da justificação dada pelo Presidente da República para a promulgação do presente diploma”:
Atendendo a que o presente diploma constitui o complemento do Decreto-Lei n.º 36/2019, de 16 de março [15 de março], e que questões muito específicas relativas a matérias das Forças Armadas deverão ser versadas em diploma de aplicação...” (vd nota da Presidência, de 14 de maio).
Com efeito, sendo dois instrumentos de legislação especial, não se colocam questões de complementaridade nem de suplementaridade. Apesar da analogia, não dependem um do outro. 
Não vejo razão para a comunicação social referir a aplicação do presente diploma às polícias em geral, a não ser à GNR. Na verdade, o n.º 2 do art.º 4.º remete para o anexo que apenas inclui magistrados, oficiais de justiça, militares das forças armadas e militares da GNR.
Por outro lado, estão fora desta contabilização: o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, os juízes conselheiros, os juízes de tribunal de círculo ou equiparado, o procurador-geral da República, o vice-procurador-geral da República, o procurador da República, o almirante e o general, o aspirante e o aspirante tirocinante, o segundo subsargento e o segundo furriel, o primeiro-grumete e o segundo-cabo.
O normativo, que integra uma solução idêntica à dos professores, estabelece que, para os trabalhadores das carreiras, cargos ou categorias, integrados em corpos especiais, em que a progressão e mudança de posição remuneratória dependam do tempo de serviço é contabilizado “70% do módulo do tempo-padrão”. O módulo de tempo-padrão corresponde a 10 anos, já que, em regra, nas carreiras gerais, são necessários 10 pontos na avaliação de desempenho para mudar de escalão, sendo que 7 anos de congelamento, segundo as explicações do executivo, correspondem a 70% do módulo de progressão. No caso das carreiras especiais, este módulo calcula-se por categoria, cargo ou posto correspondente à média do tempo de serviço necessário para a progressão. Por exemplo, no caso dos professores que, em termos genéricos, mudam de escalão de quatro em quatro anos, o reconhecimento de 70% do módulo de tempo-padrão resultou, segundo o Governo, em 2 anos, 9 meses e 18 dias. Para carreiras cuja progressão ocorre de 3 em 3 anos, o tempo reconhecido será inferior. E, assim, para juiz desembargador, o módulo de tempo-padrão é de 5 anos, pelo que se lhe contabilizam 3 anos e 6 meses.
Além disso, para os trabalhadores que foram promovidos durante os 7 anos de congelamento, “contabiliza-se um período de tempo proporcional ao que tiveram congelado no seu escalão ou posicionamento remuneratório atual”. Ou seja, o tempo de serviço considerado para a progressão na carreira será inferior nos casos dos trabalhadores que tiveram promoções entre 2011 e 2017.
Os trabalhadores do último escalão não veem qualquer vantagem nos decretos-lei mencionados, tal como os aposentados por terem atingido a idade legal, por terem sido declarados incapazes de trabalhar ou por terem requerido a aposentação antecipada. Só lucro para a sustentabilidade!  
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Os docentes que, nos termos do art.º 5.º do decreto-lei em referência, preferirem recuperar de modo faseado os 2 anos, 9 meses e 18 dias congelados, definidos no DL n.º 36/2019, de 15 de março, vão ter mais tempo para avisar os serviços do Ministério da Educação. No início de abril, a Secretária de Estado Adjunta e da Educação avançou que os docentes teriam até ao dia 31 de maio para solicitarem essa modalidade, mas o decreto-lei publicado em Diário da República no dia 20 atira o termo desse prazo para o dia 30 de junho.  
De acordo com o diploma que “mitiga os efeitos do congelamento” na carreira docente, a recuperação dos tais dois anos acontece no momento da progressão para o escalão seguinte, ou seja, à medida que os docentes progridem, é-lhes contabilizado esse tempo de serviço. Mas o Decreto-Lei n.º 65/2019, de 20 de maio, coloca em cima da mesa uma nova modalidade para a recuperação desses anos, também disponível para os docentes que o requeiram. Ou seja, no caso das carreiras especiais, a recuperação do tempo de serviço que esteve congelado entre 2011 e 2017 acontece em três fases: 1 de junho de 2019; 1 de junho de 2020; e 1 de junho de 2021. Nestes termos, os docentes que entendam como mais vantajoso para si este caminho e o queiram seguir têm até 30 de junho para requerer aos serviços do Ministério da Educação esse faseamento. Tal representa o alargamento em um mês do prazo que tinha sido inicialmente apontado pelo Executivo. Isto porque, entre o momento da aprovação do diploma em Conselho de Ministros e a sua publicação em Diário da República, aconteceu o polémico processo de apreciação parlamentar da recuperação do “tempo” perdido dos docentes, o que levou ao alargamento do prazo previsto.
Apesar de a data máxima para os professores indicarem aos serviços a sua preferência pelas três tranches ter sido atirada para o fim de junho, mantém-se o calendário do faseamento, isto é, a partir de 1 de junho o primeiro terço do tempo recuperado passa a ter efeitos “no escalão ou posição remuneratória detidos pelos trabalhadores”. E também aos professores se aplica a norma que refere:
“Caso essa contabilização seja superior ao necessário para efetuar uma progressão, o tempo referido no número anterior repercute-se, na parte restante, no escalão ou posição remuneratória seguinte”.
Para o Secretário de Estado do Orçamento, à boleia deste faseamento, quase todos os docentes que progrediriam em 2020 saltam de escalão em 2019 e os que iam progredir em 2021 e 2022 saltam em 2020. Assim, este ano, segundo o Governo 30 mil professores progredirão. Sem esta possibilidade de faseamento, a expectativa era que progredissem apenas 13 mil docentes.
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Quem ler apressadamente o diploma de 20 de maio dirá: Como é generoso o Governo para os professores! Só que é preciso ter em conta que são tidos em conta apenas 7 anos de tempo de serviço congelado e não mais de 9 e que, desse tempo, só é contemplado 70%. Ora, como bom patrão e exemplar, que devia ser, o Estado terá de reconhecer e valorizar todo o tempo de serviço. Por isso, o secretário-geral da Fenprof alertou os docentes para não entregarem o requerimento de opção pelo faseamento indicado no DL n.º 65/2019, de 20 de maio, sem que o façam acompanhar duma reclamação para a qual os advogados sindicais estão a preparar a respetiva minuta. Isto, para se acautelarem da hipótese de o Governo vir, de futuro, argumentar que, ao requerem tal faseamento, os docentes estavam a aceitar tacitamente a contagem dos 2 anos, 9 meses e 18 dias, em vez dos 9 anos, 4 meses e 2 dias. Cautela e caldo de galinha…
O que o Governo está a fazer é que é injusto e ética e legalmente insustentável, pois sem uma administração pública eficaz, motivada e minimamente satisfeita os serviços do Estado estiolam e a comunidade fica anémica e tensa! E não havia necessidade…
2019.05.21 – Louro de Carvalho

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