Está em
vigor, de hoje em diante, o Decreto-Lei n.º 65/2019, de 20 de maio, que “mitiga os efeitos do congelamento ocorrido entre 2011
e 2017 nas carreiras, cargos ou categorias em que a progressão depende do
decurso de determinado período de prestação de serviço” – sendo que tal diploma
recupera para efeitos de progressão apenas 70% do tempo do tempo congelado
naquele horizonte temporal e esquece 2 anos 4 meses e 2 dias perdidos entre 29 de
agosto de 2005 e 31 de dezembro de 2007.
O predito diploma foi aprovado em Conselho de Ministros a 4 de abril,
promulgado em 13 de maio, referendado em 16 e publicado em 20.
Evoca-se, no
preâmbulo, o objetivo primordial do Programa do XXI Governo Constitucional de “aumentar
o rendimento disponível das famílias”, e o facto de tal objetivo se concretizar,
para os trabalhadores da Administração Pública, também através “do
descongelamento das carreiras a partir de 2018”, operado pelo art.º 18.º da LOE
2018 (Lei do Orçamento do
Estado para 2018) para todas
as carreiras da Administração Pública, que foi reafirmado e mantido em vigor
pelo artigo 16.º da LOE 2019. Assim, o descongelamento está em vigor desde 1 de
janeiro de 2018 – tendo sido, à data, segundo o Primeiro-Ministro, o relógio
colocado no zero para todos – processando-se nos termos das regras de
desenvolvimento remuneratório aplicáveis a cada carreira.
Porém, outra
questão – e nova – “é a da recuperação do tempo de serviço”, que não foi
contado por força das sucessivas LOE desde 2011 até 2017, em relação ao qual o
Governo “não estabeleceu nenhum compromisso no seu Programa”. Esta questão, “de
elevada complexidade e de significativo impacto financeiro”, exige “a
ponderação de soluções que não podem reescrever o passado” nos termos definidos
pelo legislador entre 2011 e 2017, pelo que se procuraram soluções que garantam
“a equidade com as outras carreiras da Administração Pública, a
sustentabilidade das carreiras e a compatibilização com os recursos disponíveis”.
Por isso, diz
o Governo, o art.º 19.º da Lei do Orçamento do Estado para 2018 – e o art.º
17.º da Lei do Orçamento do Estado para 2019 contém idêntica disposição
normativa – determina:
“A
expressão remuneratória do tempo de serviço nas carreiras, cargos ou categorias
integradas em corpos especiais, em que a progressão e mudança de posição
remuneratória dependam do decurso de determinado período de prestação de
serviço legalmente estabelecido para o efeito, é considerada em processo
negocial com vista a definir o prazo e o modo para a sua concretização, tendo
em conta a sustentabilidade e compatibilização com os recursos disponíveis”.
Em nome da
sustentabilidade como “fator determinante”, segundo o Governo, “a atribuição de
relevância ao tempo congelado para efeitos de progressão” não pode comprometer “a
gestão dos recursos a alocar às diversas políticas públicas nem a gestão dos
trabalhadores públicos”. É por isso que o presente diploma apenas “permite
mitigar os efeitos” do congelamento.
Foi nesta
linha que se gizou a solução aplicada aos professores nos termos do DL n.º
36/2019, de 15 de março, aplicando-se agora “o mesmo raciocínio às demais
carreiras, cargos ou categorias integrados em corpos especiais em que a
progressão e mudança de posição remuneratória dependam do decurso de
determinado período de prestação de serviço legalmente estabelecido para o
efeito”. Por isso, o presente diploma “reconhece aos trabalhadores destas
carreiras o equivalente a 70 % do módulo de tempo-padrão para mudança de
escalão ou posição remuneratória na respetiva categoria, cargo ou posto, tal
como já se previu para os docentes e, inicialmente, para as carreiras gerais”. Pela
natureza pluricategorial das carreiras em causa, o figurino de
operacionalização do crédito de tempo “garante a manutenção da posição relativa
dos trabalhadores, preservando a lógica hierárquica do exercício de funções”. Embora
seja “um figurino diverso, quanto ao momento da contabilização do tempo de
serviço, do aplicado à carreira unicategorial dos docentes”, esta lógica “é
passível de transposição para esta carreira”, pelo que se prevê que o figurino
agora aprovado possa aplicar-se também a estes trabalhadores, por opção dos
próprios.
***
O teor do
articulado pode sintetizar-se no seguinte:
Este diploma
“regula o modelo de recuperação do tempo de serviço, cuja contagem esteve
congelada entre 2011 e 2017, nas carreiras, cargos ou categorias integrados em
corpos especiais em que a progressão e mudança de posição remuneratória
dependam do decurso de determinado período de prestação de serviço legalmente
estabelecido para o efeito e que tenham mais de uma categoria”. Porém, a não
ser por opção expressa dos mesmos, a contabilização do tempo de serviço aos
docentes de carreira dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos
ensinos básico e secundário obedece ao disposto no DL n.º 36/2019, de 15 de
março”.
Aos
trabalhadores abrangidos pelo presente diploma é contabilizado “70 % do módulo
de tempo padrão para mudança de escalão ou posição remuneratória na respetiva
categoria, cargo ou posto”. Tal contabilização “repercute-se no escalão ou
posição remuneratória detidos pelos trabalhadores”, nos seguintes termos: 1/3 do tempo a 1 de junho de 2019; 1/3 do
tempo a 1 de junho de 2020; e 1/3 do tempo a 1 de junho de 2021. E, se tal
contabilização for superior ao necessário para efetuar uma progressão, o tempo
em causa “repercute-se, na parte restante, no escalão ou posição remuneratória
seguinte”.
Entretanto, o
decreto-lei em causa acautela situações específicas. Assim, aos trabalhadores
que, por via da data de entrada em funções, tiveram só parte dos 7 anos de
tempo de serviço entre 2011 e 2017 congelado, contabiliza-se 70% do tempo que realmente
tiveram congelado. Aos trabalhadores que, entre 2011 e 2017, tenham tido
alteração do seu escalão ou posicionamento remuneratório, nomeadamente em
resultado de promoção, contabiliza-se 70% do tempo que tiveram congelado no
escalão ou posicionamento remuneratório atual. Porém, aos trabalhadores que
tenham alteração do seu escalão ou posicionamento remuneratório após o dia 1 de
janeiro de 2018, em resultado de promoção, “não é contabilizado o período de
tempo de serviço” congelado – o que deixa fora da recuperação uma franja
significativa de trabalhadores.
O módulo de
tempo-padrão calcula-se por categoria, cargo ou posto e corresponde à média do
tempo de serviço necessário para mudança de escalão ou posicionamento
remuneratório na categoria, cargo ou posto em causa, nos termos previstos no
anexo ao diploma em referência, que atinge os magistrados, os oficiais da
justiça, os militares das forças armadas e os militares da GNR. E, quando
calculado em anos, o módulo de tempo é convertido em anos, meses e dias para
efeitos de aplicação do disposto no presente decreto-lei.
O direito de
opção dos docentes pelo faseamento estabelecido neste diploma “é exercido
mediante requerimento apresentado até 30 de junho de 2019”.
***
Como já foi
entredito, ao Governo cabe o mérito de determinar a contagem do tempo de
serviço para efeitos de progressão em todas as carreiras da administração
pública a partir de 1 de janeiro de 2018. Porém, não dá total segurança o facto
de apenas se basear nas leis do orçamento de vigência anual. Também a
contabilização de apenas 70% do tempo congelado no passado e referente apenas
ao horizonte temporal de 2011 a 2017 não encontra justificação plausível no
ordenamento jurídico português, a não ser na opção política da preferência pela
salvação de bancos e empresas em detrimento do justo pagamento do trabalho
feito ao serviço da comunidade. E não se percebe a omissão do tempo decorrido
de 29 de agosto de 2005 a 31 de dezembro de 2007. Por outro lado, é
extravagante a primeira parte da justificação dada pelo Presidente da República
para a promulgação do presente diploma”:
“Atendendo a que o presente diploma
constitui o complemento do Decreto-Lei n.º 36/2019, de 16 de março [15 de
março], e que questões muito específicas relativas a matérias das Forças
Armadas deverão ser versadas em diploma de aplicação...” (vd nota da
Presidência, de 14 de maio).
Com efeito,
sendo dois instrumentos de legislação especial, não se colocam questões de
complementaridade nem de suplementaridade. Apesar da analogia, não dependem um
do outro.
Não vejo
razão para a comunicação social referir a aplicação do presente diploma às
polícias em geral, a não ser à GNR. Na verdade, o n.º 2 do art.º 4.º remete
para o anexo que apenas inclui magistrados, oficiais de justiça, militares das
forças armadas e militares da GNR.
Por outro
lado, estão fora desta contabilização: o Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça, os juízes conselheiros, os juízes de tribunal de círculo ou equiparado,
o procurador-geral da República, o vice-procurador-geral da República, o
procurador da República, o almirante e o general, o aspirante e o aspirante
tirocinante, o segundo subsargento e o segundo furriel, o primeiro-grumete e o
segundo-cabo.
O normativo, que integra uma solução idêntica à dos
professores, estabelece
que, para os trabalhadores das carreiras, cargos ou categorias, integrados em
corpos especiais, em que a progressão e mudança de posição remuneratória dependam
do tempo de serviço é contabilizado “70% do módulo do tempo-padrão”. O módulo
de tempo-padrão corresponde a 10 anos, já que, em regra, nas carreiras gerais,
são necessários 10 pontos na avaliação de desempenho para mudar de escalão,
sendo que 7 anos de congelamento, segundo as explicações do executivo,
correspondem a 70% do módulo de progressão. No caso das carreiras especiais,
este módulo calcula-se por categoria, cargo ou posto correspondente à média do
tempo de serviço necessário para a progressão. Por exemplo, no caso dos
professores que, em termos genéricos, mudam de escalão de quatro em quatro
anos, o reconhecimento de 70% do módulo de tempo-padrão resultou, segundo o
Governo, em 2 anos, 9 meses e 18 dias. Para carreiras cuja progressão ocorre de
3 em 3 anos, o tempo reconhecido será inferior. E, assim, para juiz desembargador,
o módulo de tempo-padrão é de 5 anos, pelo que se lhe contabilizam 3 anos e 6
meses.
Além disso, para os trabalhadores que foram promovidos
durante os 7 anos de congelamento, “contabiliza-se um período de tempo
proporcional ao que tiveram congelado no seu escalão ou posicionamento
remuneratório atual”. Ou seja, o tempo de serviço considerado para a
progressão na carreira será inferior nos casos dos trabalhadores que tiveram
promoções entre 2011 e 2017.
Os trabalhadores do último escalão não veem qualquer vantagem nos
decretos-lei mencionados, tal como os aposentados por terem atingido a idade
legal, por terem sido declarados incapazes de trabalhar ou por terem requerido
a aposentação antecipada. Só lucro para a sustentabilidade!
***
Os
docentes que, nos termos do art.º 5.º do decreto-lei em referência, preferirem
recuperar de modo faseado os 2 anos, 9 meses e 18 dias congelados, definidos no
DL n.º 36/2019, de 15 de março, vão ter mais tempo para avisar os serviços do
Ministério da Educação. No início de abril, a Secretária de Estado Adjunta e da
Educação avançou que os docentes teriam até ao dia 31 de maio para solicitarem
essa modalidade, mas
o decreto-lei publicado em Diário da República no dia 20 atira o termo
desse prazo para o dia 30 de junho.
De
acordo com o diploma que “mitiga os efeitos do congelamento” na carreira
docente, a
recuperação dos tais dois anos acontece no momento da progressão para o escalão
seguinte, ou
seja, à medida que os docentes progridem, é-lhes contabilizado esse tempo de
serviço. Mas o Decreto-Lei n.º 65/2019, de 20 de maio, coloca em cima da mesa uma nova modalidade
para a recuperação desses anos, também disponível para os docentes que o requeiram. Ou seja, no caso das
carreiras especiais, a recuperação do tempo de serviço que esteve congelado
entre 2011 e 2017 acontece em três fases: 1 de junho de 2019; 1 de junho de 2020; e 1 de
junho de 2021. Nestes termos, os docentes que entendam como mais vantajoso
para si este caminho e o queiram seguir têm até 30 de junho para requerer aos
serviços do Ministério da Educação esse faseamento. Tal representa o alargamento em um
mês do prazo que tinha sido inicialmente apontado pelo Executivo. Isto porque, entre
o momento da aprovação do diploma em Conselho de Ministros e a sua publicação
em Diário da República, aconteceu
o polémico processo de apreciação parlamentar da recuperação do “tempo” perdido
dos docentes, o que levou ao alargamento do prazo previsto.
Apesar
de a data máxima para os professores indicarem aos serviços a sua preferência
pelas três tranches ter sido atirada para o fim de junho, mantém-se o calendário do faseamento, isto é,
a partir de 1 de junho o primeiro terço do tempo recuperado passa a ter efeitos
“no escalão ou posição remuneratória detidos pelos trabalhadores”. E também aos
professores se aplica a norma que refere:
“Caso essa contabilização seja superior ao necessário para efetuar
uma progressão, o tempo referido no número anterior repercute-se, na parte
restante, no escalão ou posição remuneratória seguinte”.
Para o
Secretário de Estado do Orçamento, à boleia deste faseamento, quase todos os
docentes que progrediriam em 2020 saltam de escalão em 2019 e os que iam
progredir em 2021 e 2022 saltam em 2020. Assim, este ano, segundo o Governo 30 mil professores progredirão.
Sem esta possibilidade de faseamento, a expectativa era que progredissem apenas
13 mil docentes.
***
Quem ler
apressadamente o diploma de 20 de maio dirá:
Como é generoso o Governo para os professores! Só que é preciso ter em
conta que são tidos em conta apenas 7 anos de tempo de serviço congelado e não
mais de 9 e que, desse tempo, só é contemplado 70%. Ora, como bom patrão e
exemplar, que devia ser, o Estado terá de reconhecer e valorizar todo o tempo
de serviço. Por isso, o secretário-geral da Fenprof alertou os docentes para
não entregarem o requerimento de opção pelo faseamento indicado no DL n.º
65/2019, de 20 de maio, sem que o façam acompanhar duma reclamação para a qual
os advogados sindicais estão a preparar a respetiva minuta. Isto, para se
acautelarem da hipótese de o Governo vir, de futuro, argumentar que, ao
requerem tal faseamento, os docentes estavam a aceitar tacitamente a contagem
dos 2 anos, 9 meses e 18 dias, em vez dos 9 anos, 4 meses e 2 dias. Cautela e
caldo de galinha…
O que o
Governo está a fazer é que é injusto e ética e legalmente insustentável, pois
sem uma administração pública eficaz, motivada e minimamente satisfeita os
serviços do Estado estiolam e a comunidade fica anémica e tensa! E não havia
necessidade…
2019.05.21 – Louro de Carvalho
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