Em 17 de maio de 2019, dia da Faculdade de Teologia (FT) da UCP (Universidade
Católica Portuguesa) e auge da celebração do seu cinquentenário, o Padre
Alexandre Palma, vice-diretor da FT, em entrevista à Rádio
Renascença e à agência Ecclesia, analisou a relevância do saber
teológico e o trabalho desta escola fundada há 50 anos, afirmou que a
“inquietação intelectual” leva cada vez mais gente ao curso de Teologia (que não se destina só a futuros sacerdotes), falou da aposta na
internacionalização, da necessidade de se fomentar o diálogo científico e
cultural, da salutar tensão entre progressistas e conservadores e disse encarar
como natural que a FT seja liderada por uma mulher leiga, porque a FT “não é
deste ou daqueles”, mas de toda a Igreja.
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Considerando que, na
abertura das comemorações dos 50 anos, a direção da FT frisou a necessidade de
“redescobrir” e “reforçar” o papel central da Teologia no concerto dos saberes,
o entrevistado, chama a
atenção para o duplo lugar da Teologia, que é “trazer o pensar académico para o interior da vida da Igreja” e “trazer o pensar teológico, crente, para o
seio da comunidade académica no geral”. Assim, a FT está nesta charneira “trazendo
a voz do pensamento académico para o seio da Igreja e trazendo o que é a
problemática da fé, do pensar teológico, para o espaço público”. E, sobre o que
está a ser feito, o Padre Palma, assinala:
“A primeira coisa é aquilo que uma faculdade
tem de fazer todos os dias, que é formar novas gerações, responder às
solicitações dos alunos, formá-los, esse é o primeiro serviço, que é pessoa a
pessoa, aluno a aluno, onde se constrói esse lugar, essa voz da Teologia no
espaço público e na vida da Igreja. Mas, depois existem outras dimensões, o
trabalho de investigação, a publicação, a presença nos média, como é aqui o
caso… Ou seja: trazer também a vitalidade da Faculdade de Teologia para o
espaço público, é estar seguramente ao serviço disso.”.
Em relação ao universo da
população estudante que frequenta a FT, sublinha que é constituída por “todos
aqueles que nos batem à porta”. E
especifica:
“Existe um número significativo de
candidatos a ministérios na Igreja, de vária índole, provenientes de dioceses,
congregações, masculinas e femininas. Temos também um público de leigos, em
termos de alunos, que procuram formação nesta área, seja por curiosidade,
procura de um certo perfil profissional ou por formação ao longo da vida, gente
que tem outras graduações noutras áreas e quer enriquecer-se sob este ponto de
vista. Estes são os nossos públicos, diversificados na geografia em que a
Faculdade está presente – Lisboa, Porto e Braga.”.
Não obstante, a FT procura abrir as portas a outros
públicos e o facto de ser uma unidade dentro duma Universidade permite e
estimula “esta inter e transdisciplinaridade”,
que necessariamente estabelece “contacto com outros saberes, com outras
ciências, com outras disciplinas e com outros públicos” – o que acontece não só
em relação à comunidade nacional, mas também à escala do mundo, no quadro da
internacionalização como sucede tendencialmente com quase tudo. Ora, a FT,
segundo o ilustre académico, é, neste aspeto, “precocemente internacional”,
pois, “estando em parte suportada numa certa dinâmica eclesial”, com uma grande
circulação de estudantes estrangeiros que estudam em Portugal, de portugueses
que são missionários, há “uma tradição de internacionalização relativamente
precoce ao nível do corpo discente”.
Assim, é preciso responder, de acordo com o Plano
Estratégico para 2015-2010, “a solicitações neste campo discente” e “no campo
dos professores, da investigação, da colaboração”. A FT tem aproximado muito as
suas “relações com várias escolas, várias academias, várias faculdades no Brasil”
e tem – e quer ter cada vez mais – “uma atenção muito particular ao mundo
africano de língua oficial portuguesa”. Por outro lado, assume “uma linha estratégica de serviço à
comunidade, à sociedade, à universidade”; e estimula as parcerias com
escolas e faculdades na Europa. E o entrevistado acrescenta que não se trata
apenas de parcerias “com instituições académicas, que isso é o nosso core business, é o mais natural”, mas
que há “uma panóplia bastante considerável de parcerias com outras entidades da
sociedade civil, desde a Cáritas a fundações, ao CNE (Corpo
Nacional de Escutas), pedidos
de dioceses”. Enfim, a FT procura, “de alguma maneira, interagir com a
sociedade civil, não só na sua presença académica”.
No respeitante a interação
e parcerias com outras instituições académicas a nível internacional, diz que “é
um esforço grande”. A FT tem feito “um caminho nesse sentido”: os portugueses vão
lecionar fora, são acolhidos cá professores estrangeiros, há “trânsito de
docentes, trânsito de discentes”. A nível interno, é possível interagir, desde
logo, dentro da própria UCP. E o Padre Palma reconhece “o lugar das outras
Faculdades no interior da UCP”, com quem a FT tem “laços de grande proximidade
e de serviço recíproco”, dando como exemplo a existência duma unidade letiva
transversal a todos os cursos da UCP lecionada na maioria deles, chamada ‘Cristianismo e Cultura’, lecionada a
partir da Faculdade de Teologia nas outras unidades e vice-versa. E conta com “as
competências dos docentes da área de Estudos de Cultura, da Gestão, para trazerem,
em alguns pontos, formação aos estudantes de Teologia”.
Releva as relações pontuais com outras universidades
portuguesas, nomeadamente com a Faculdade de Letras da universidade de Lisboa,
“ao nível de estudos e de investigação”. E diz:
“Podemos partilhar trabalho conjunto com
investigadores de outras faculdades. Ou seja, nós não estamos fadados a uma
certa insularidade e é isso que tentamos combater.”.
Não esconde a singular exclusividade da Faculdade de
Teologia da UCP na investigação teológica em Portugal, ou seja, “como unidade
de ensino e investigação especificamente da teologia”, é “caso singular no
cenário português”.
Depois, a FT ministra o curso de Ciências Religiosas, um curso, de algum
modo, associado à Teologia. Porém, a FT tem desenvolvido nos últimos anos
(é também uma
linha do Plano Estratégico) a área de Estudos de Religião, que possibilita a
cooperação com muitos investigadores de várias áreas e de várias academias.
Quanto ao Instituto de Estudos de Religião, releva o “arranque com um
conjunto de seminários e de propostas de estudos avançados em alguns tópicos
particulares”, exemplificando com a “relação entre a religião e a secularidade,
entre a fé e a secularidade, neste dinamismo da secularização”. Considera que o
Instituto “está num certo reajuste da sua própria estrutura”, mas “que o
balanço é positivo. E contextualiza:
“Os Estudos de Religião estão também
desenvolvidos no âmbito do Centro de Investigação em Teologia e Estudos de
Religião (CITER), que também foi criado para estimular a relação entre Teologia
e Estudos da Religião e também o Centro de Estudos de História Religiosa (CEHR),
que é um centro de estudos da Faculdade de Teologia, com créditos firmados e já
com um grande historial de serviço à academia e à sociedade civil”.
Questionado sobre o
contributo da FT para o diálogo científico e cultural integrado nos ‘cinco
passos em cinco anos’, definidos no Plano Estratégico, mormente no âmbito da
intervenção sociopolítica na sociedade, a partir do património que investiga,
em especial a Doutrina Social da Igreja (DSI), recusou “afunilar” o
aludido contributo na DSI. Salienta que, sendo “ainda
um pouco contraintuitivo” perceber que “o
religioso não se extingue nas sociedades pós-seculares, tem a FT feito o
esforço de o mostrar, baseada “até em estudos empíricos” que foram desenvolvidos
por docentes e investigadores seus, “que têm procurado evidenciar a presença do
religioso, disseminada, menos institucional com certeza, com muitas dinâmicas e
em transformação, seguramente”. Refere que “é um serviço que tem tido algum
impacto público”, como se vê pelos exemplos: um estudo recente no âmbito do
CITER (Centro de
Investigação em Teologia e Estudos da Religião) em parceria com outras entidades, como a FFMS (Fundação
Francisco Manuel dos Santos), “sobre o
perfil da dinâmica religiosa na área metropolitana de Lisboa” (com eco
público em programas de televisão, publicações e debate académico em entre
pares); e um projeto que “teve a ver com
uma releitura a partir do centenário de Fátima”, desenvolvido no CITER, que “foi uma espécie de laboratório para procurar
perceber algumas dinâmicas do religioso”. E adverte:
“Creio que este é um serviço que a Faculdade
não vai prestar, já vem prestando, e continuará obviamente a prestar. Com a sua
voz, porventura com um impacto que não será de grande escala, de média escala. Mas
também estes exercícios académicos, de investigação, não têm logo um impacto
imediato.”.
No atinente ao crescente número
de leigos que frequentam os cursos de Teologia sem a mira no sacerdócio ou na
vida religiosa, discorre:
“A Teologia lida com a questão fundamental
da condição humana, que é, no fundo, a questão de Deus, que é um lado da
medalha da questão sobre nós próprios, quem somos. A Teologia não terá o
monopólio destas questões fundamentais, bem entendido, mas é claramente um
campo da reflexão humana que trabalha esta questão fundamental. Nós
trabalhamo-la particularmente a partir do horizonte da experiência cristã, onde
nos perguntamos, investigamos criticamente, hermeneuticamente, como é que a
tradição cristã foi sendo pensada, vivida, absorvida, assumida, testemunhada,
como é que ela foi evoluindo no tempo, como é que ela se coloca diante dos
desafios do presente. E conhecer este elemento, este conjunto de realidades,
parece-me um dado fundamental, seja para quem procura conhecer o cristianismo a
fundo, seja para quem procura conhecer o impacto que o cristianismo, ou a dinâmica
do religioso, teve, tem e terá nas sociedades modernas.”.
E confessa que não se pode fazer “uma justa
interpretação da história da humanidade”, seja o seu passado, seja no presente
ou perspetivando o futuro, ignorando este tópico, pelo que “um conjunto de
competências inerentes à reflexão teológica” é absolutamente central “para
perceber esta dimensão que não conseguimos eliminar do coração humano”. Depois,
o diálogo cultural traz outra racionalidade, a “de trazer ao conjunto a
harmonia dos saberes, das várias racionalidades que habitam no espaço
universitário, mas [que] genericamente
habitam nas sociedades”. E enfatiza este contributo osmótico da Teologia e para
a Teologia:
“Trazer a voz desta racionalidade, que
arranca a partir duma experiência religiosa, enriquece o espaço público e, ao
mesmo tempo, também enriquece a própria experiência religiosa, porque ela aí
vê-se confrontada com a necessidade do diálogo, do confronto, de ajustar o seu
diálogo, ajustar o seu próprio testemunho. Há aqui uma espécie de relação
recíproca da bondade para a sociedade ter a Teologia no seu seio e da bondade
para a Teologia de estar no espaço comum, no espaço público.”.
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Tendo-lhe sido solicitado um
perfil do aluno de Teologia da FT, distribui este perfil diversificado por três
setores: o do número significativo de alunos
que estão orientados para o exercício de um ministério na Igreja (designadamente
o presbiterado e o diaconado), dado tratar-se
duma condição de acesso aos próprios ministérios que postula um percurso académico
que culmina com o curso de Teologia; o do crescente conjunto de leigos e leigas
(e
religiosos/religiosas) “que
procuram formação superior nestas áreas, por inquietações da sua própria vida
crente, ou porque se orientam para a docência da disciplina de EMRC (Educação Moral
e Religiosa Católica); e um
conjunto significativo de gente madura, já sénior, que depois duma vida
profissional, às vezes em etapas de reforma, descobre a inquietação espiritual
e intelectual e, como tem o tempo e tem o interesse, vem frequentar na FT, às
vezes como aluno-ouvinte, uma série de disciplinas que mais lhe interessem,
pelas quais tem interesse.
Reconhece, no quadro dos teólogos portugueses e no
debate teológico, alguma tensão entre os denominados ‘conservadores’ e ‘progressistas’, que é salutar em certa
medida, pois há “um determinado grau de intensidade da tensão” que pode
ser desbloqueador, construtivo, que nos pode “fazer avançar, até um certo ponto”.
Ao invés, “a ideia de uma espécie de paz perpétua, de puro acordo, pode ser
bastante bloqueadora”. Mas adverte:
“Na teologia, como aquilo que nós procuramos
não é entrar na espuma dos debates, por mais atuais e candentes que eles sejam,
mas é procurar ir aos fundamentos, às fontes, à história dos processos, isso
ajuda muito a desconstruir alguns clichés, algumas ideias muito repetidas, mas
que, às vezes, mereciam ser mais devidamente ponderadas”.
Sobre o contributo das
redes sociais para o debate teológico, diz:
“Eu sou pouco versado em redes sociais,
tenho muito pouca competência para entrar nesse campo, mas, de facto, o estudo
da teologia faz-se muito a partir da leitura de fontes, do confronto, ouvir
vozes contrastantes, e perceber que de tudo isto se faz a teologia, e que de
tudo isso se faz o cristianismo”.
Relativamente à existência de
muitos teólogos e teólogas e ao facto de a FT ser dirigida por uma mulher, sublinha
que, “ao contrário do que acontece
noutros lugares, ela [a FT] não é – desde
a sua génese, há 50 anos – deste ou daqueles”, mas “resulta da convergência de
clero secular, dos seminários diocesanos, primeiro em Lisboa, e depois
progressivamente outros que foram convergindo para a Faculdade”; e é “das
comunidades religiosas, que tinham os seus percursos de formação e que também
convergiram para a Faculdade”. E explana:
“Temos clero secular, clero religioso e
temos também, desde muito cedo, o contributo muito valioso de docentes leigos.
Portanto, a nossa Faculdade de Teologia é verdadeiramente um ente eclesial, no
seu sentido mais lato, porque não é destes ou daqueles, mas é, e quer continuar
a ser, de toda a Igreja, nas suas múltiplas expressões diversificadas.”.
Considera que as
mulheres têm tido sempre o seu papel e o seu lugar, mas é claro que “terão cada vez mais, como acontece genericamente
na sociedade e na Igreja”. E o Padre Palma crê que a FT, “nesse aspeto, não
está atrás, bem pelo contrário, de muitas outras congéneres”.
Quanto ao facto de a direção da FT estar a cargo duma
mulher, refere que esta tem “muitos anos de casa” e mostrou “uma grande
maturidade na gestão de escola, do Centro de História, que já dirigiu, etc.,
pelo que “era a pessoa indicada para aquele lugar nesta fase, independentemente
de ser homem ou mulher”.
***
Por fim, solicitada que lhe
foi uma palavra sobre a revista ‘Ephata’, que resultou da fusão de três revistas, falou desta ferramenta conducente
ao
diálogo entre saberes, começando por dizer que “uma revista é sempre um
lugar de expansão da investigação, do conhecimento que se vai produzindo numa
unidade, como é uma Faculdade” e que as três revistas, correspondendo aos três
núcleos da Faculdade – Lisboa, Porto e Braga – se fundiram pela convergência necessária
para ganhar escala, aproveitando “o capital muito rico das três revistas dos
três centros para uma só revista, para lhe dar uma escala maior e a projetar
nos indexadores internacionais. E justifica:
“Hoje as revistas científicas estão muito
sujeitas a critérios de avaliação, de padronização; e podermos qualificar a
nossa revista permite subir nos rankings
desses indexadores e dar maior alcance ao trabalho que aqui vamos desenvolvendo
e também àqueles que, de outras unidades, escrevem e publicam na nossa revista.
Hoje este intercâmbio é muito comum no meio universitário.”.
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Oxalá que a Faculdade de Teologia prossiga com uma investigação
cada vez mais profunda, a produção dum conhecimento cada vez mais vasto, plurímodo
e aberto, um debate mais intenso, diversificado e intenso e uma divulgação mais
alargada, um impacto cada vez mais acutilante na sociedade, que precisa de ser
incomodada por quem sabe, se dedica, sente e age. Não bastam as repetições sábias
e adaptadas. Precisamos de profundidade, abertura e audácia!
2019.05.19 – Louro de Carvalho
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