quarta-feira, 31 de agosto de 2016

O 14.º Simpósio Intercristão dos Teólogos Ortodoxos e Católicos

Decorreu, de 28 a 30 deste mês de agosto, em Salónica, na Grécia, o tradicional Simpósio Intercristão  dos Teólogos Ortodoxos e Católicos (o 14.º), promovido pelo Instituto Franciscano de Espiritualidade da Pontifícia Universidade Antonianium de Roma e pela Faculdade Teológica Ortodoxa da Universidade Aristóteles de Salónica. O seu objetivo é favorecer o diálogo teológico e cultural entre católicos e ortodoxos.  O tema do simpósio deste ano é “A necessidade de uma reevangelização das comunidades cristãs na Europa”, marcada pelo fenómeno da religiosidade flutuante na qual é difícil perceber a identidade cristã.
Na mensagem que o Papa Francisco dirigiu ao Cardeal Kurt Koch, Presidente do Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos, ficou sublinhado que a presença na Europa de tantas pessoas que, embora batizadas, não têm consciência do dom da fé recebida, não sentem a consolação que dela pode advir e não participam plenamente da vida da comunidade cristã, representa um desafio para todas as Igrejas presentes no Velho Continente. Numa Europa onde esmorecem cada vez mais as ligações com as raízes cristãs, adverte-se claramente a necessidade duma nova obra de evangelização, sendo que, segundo Francisco,
“Este empenho missionário estriba-se na profunda convicção de que Cristo sempre pode, com a sua novidade, renovar a nossa vida e a nossa comunidade, e mesmo que atravesse épocas obscuras e fraquezas eclesiais, a proposta cristã nunca envelhece”.
O Papa desejou que o Simpósio contribua para o encontro de novos caminhos, métodos criativos e uma linguagem adaptada para fazer chegar o anúncio de Cristo em toda a sua beleza ao homem europeu contemporâneo.
De igual modo, o Patriarca Ecuménico de Constantinopla, Bartolomeu,  dirigiu a sua mensagem ao Simpósio  em que sustenta que
“Segundo a sapiência dos Padres, mesmo que sejam milhões os que escrevem os evangelhos, todos escrevem a mesma coisa, os muitos são um e nenhum membro da multidão dos autores pode prejudicar o um”.
Não obstante – diz – os recentes ataques terroristas em países da Europa Ocidental mostram a absoluta necessidade de voltar a evangelizar o Continente, porque o problema não reside tanto no terrorismo da parte de membros duma particular religião, mas sobretudo na vasta descristianização da Europa, que nas últimas décadas segue o caminho do contínuo afastamento dos valores e das tradições cristãs e está a adotar novas teorias e costumes que se opõem diametralmente às leis de Deus. Estará o Patriarca ecuménico a vituperar as leis facilitadoras do divórcio, interrupção voluntária da gravidez (eufemismo, para dizer “aborto”), gestação por substituição, experiências com embriões humanos, casamento de pessoas do mesmo sexo, proliferação das uniões de facto, …? O certo é que, segundo o prelado ortodoxo, a falta de valores estáveis e sãos e a liberdade desenfreada do homem voltado para escolhas catastróficas para o género humano, levaram-no ao desespero e à procura dum apoio espiritual para poder pôr termo a esta corrida vertiginosa para a destruição do mundo e dos valores humanos. Segundo o Patriarca, “o retorno à fé e à vida cristãs, o Único Evangelho de Cristo, à Luz, à Verdade e à Vida, é a única verdadeira Vida, que pode dar respostas concretas às preocupações do homem contemporâneo”. Bartolomeu acentua, pois, que o Simpósio é importante por se orientar para a evangelização e reevangelização da Europa no século XXI, porque dará a possibilidade de que seja ouvido mais ampla e claramente  o Evangelho que nos foi dado por Deus. 
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Em 330, o imperador Constantino decidiu fazer de Constantinopla a “nova Roma”, elevando-a O estatuto de capital do Império. Em 381, o bispo de Constantinopla avocou para si um primado de honra logo a seguir ao de Roma. Depois da morte de Teodósio, o último imperador a governar o império unificado com sede em Constantinopla, o Império Romano dividiu-se em Império do Oriente e Império do Ocidente. Deste facto político resultou o aumento da pretensão do bispo de Constantinopla, que no Concílio de Calcedónia, em 451, obteve a confirmação do seu posto de honra e a jurisdição efetiva nas várias dioceses, decisão adotada após a saída dos legados romanos e nunca reconhecida pelo Bispo de Roma. Desde então foi acrescendo paulatina, mas irreversivelmente, a convicção de que o bispo de Constantinopla tinha sobre o seu Patriarcado uma autoridade absoluta, ainda que, a nível honorífico, inferior ao bispo de Roma, que manteria a autoridade absoluta sobre os territórios do Ocidente. Outros fatores favoreceram a separação, como a diferença entre cultura latina e a greco-oriental, as distintas ênfases teológicas e a política dos imperadores do Oriente, que não viam com bons olhos a Igreja do seu Império a depender duma autoridade estrangeira – o Papa – o que os levou ao apoio às pretensões dos patriarcas constantinoplitanos. Depois do breve cisma de 863-867, consumado pelo patriarca Fócio, o cisma definitivo deu-se em 1054, com o patriarca Miguel Cerulário, que não rompeu relações com Roma, só porque elas de facto já não existiam, mas fez fracassarem as tentativas de retomada de relações e reabriu a polémica de Fócio contra os ritos e os usos latinos. As Igrejas do Oriente, seguindo Constantinopla, deixaram de reconhecer o primado de jurisdição do Bispo de Roma.
O que se designa por Igreja ortodoxa (“ortodoxia” significa “doutrina correta”) é a comunhão de 14 Igrejas autocéfalas ou autónomas, que professam a fé cristã e, com algumas diferenças culturais, celebram os mesmos ritos. Reconhecem no Patriarcado de Constantinopla o primado honorífico, não tendo aquele patriarca jurisdição sobre os demais patriarcados. Há poucas diferenças doutrinais entre católicos e ortodoxos. Uma das mais expressivas, que catalisou o debate teológico à época do cisma de 1054, é sobre o Espírito Santo. Enquanto os ortodoxos dizem que Ele procede do Pai pelo Filho, os católicos creem que procede do Pai e do Filho. Ultimamente, porém, é visto mais como diferença de ênfase teológica que diferença propriamente dogmática. Embora não estejam em plena comunhão com ela, a Igreja católica reconhece a sucessão apostólica nas Igrejas ortodoxas e, por conseguinte, a validade dos sacramentos celebrados no seu âmbito. Além da questão central do primado de jurisdição do Papa, as grandes diferenças entre os dois grupos referem-se sobretudo a questões de calendário, normas disciplinares, usos e costumes culturais. Neste quadro, se inscreve a ordenação sacerdotal de homens casados (que não voltam a casar de viuvarem) a par da ordenação sacerdotal de celibatários (que não casam e de entre eles são escolhidos os bispos). Não fazem esculturas de Cristo, da Virgem e dos Santos. Em virtude da situação cismática, só reconhecem como ecuménicos os 7 primeiros concílios gerais e não reconhecem as definições dogmáticas dos Sumos Pontífices nem as dos demais concílios ditos ecuménicos pela Igreja de Roma.
O problema específico do Patriarcado de Moscovo com a Igreja Católica é a acusação de proselitismo dirigida aos católicos por desenvolverem obra social para difundir a sua fé.  
No começo do século XXI, as relações entre católicos e ortodoxos russos dificultou-se. João Paulo II, em 2002, transformou as administrações apostólicas do território russo em dioceses, suscitando protesto da Igreja russa, incluindo a expulsão dum bispo e 4 padres católicos do país (Na Rússia, os católicos são cerca de 1% da população). Porém, Tadeusz Kondrusiewicz, então arcebispo católico de Moscovo, afirmou que a acusação era infundada, justificando a decisão papal:
“Não queremos invadir o território de ninguém, não queremos roubar fiéis de ninguém. Aliás, afirmamos com vigor o princípio de que todo homem tem direito a escolher a sua própria fé. Mas, se o Patriarcado de Moscovo pode ter paróquias na Itália e em outros países da Europa, nas quais prestam serviços sacerdotes que em muitos casos quase nem falam russo, porque é que a Igreja católica não teria o direito de existir e atuar na Rússia?”
Contudo, o patriarca moscovita de então, Aleixo II, era muito explícito sobre essa questão:
“Os documentos sobre o proselitismo católico, em seu núcleo fundamental, são o resultado de uma investigação escrupulosa e objetiva da situação real.”
Outro fator de discordância é a situação da Igreja greco-católica ucraniana, de rito oriental e língua litúrgica ucraniana, que vive em comunhão com Roma. É o “uniatismo”, segundo o qual as Igrejas de rito oriental que aceitaram voltar à plena comunhão com o Papa mantêm os próprios ritos, cultos e tradições e uma ampla autonomia eclesiástica. O uniatismo foi motivo de polémica entre ortodoxia e catolicismo, sendo para aos olhos dos ortodoxos um instrumento do proselitismo latino.
Até ao século XIX, não fora realizado nenhum encontro entre os líderes das Igrejas católica e ortodoxa. O primeiro encontro entre o papa e um patriarca ortodoxo deu-se em 1964, quando Paulo VI se reuniu em Jerusalém com Atenágoras, o patriarca ecuménico de Constantinopla. Então, ambos se retrataram das excomunhões que as Igrejas trocaram entre si em 1054. Desde aí, estreitou-se cada vez mais o diálogo entre católicos e ortodoxos. João Paulo II falava da necessidade de alcançar a “comunhão afetiva”, antes de se chegar à “comunhão efetiva”. Bento XVI, por sua vez, visitou o patriarca ecuménico Bartolomeu na Turquia, em 2006, que retribuiu a visita, em 2008, na solenidade de São Pedro e São Paulo, quando o papa e o patriarca dividiram a homilia e rezaram o credo juntos em grego. No mesmo ano, Bartolomeu participou do Sínodo dos Bispos no Vaticano. E, quando da eleição de Francisco, em 2013, Bartolomeu compareceu à missa de inauguração do pontificado, o que não acontecera desde o cisma. Em 2014, o papa e o patriarca repetiram o gesto de Paulo VI e Atenágoras em Jerusalém, celebrando os 60 anos do evento. Depois, quando Francisco reuniu os presidentes de Israel e da Palestina para o momento de oração no Vaticano, Bartolomeu também esteve presente. No ano passado, Francisco, na linha de Paulo VI, mostrou disposição para alterar a data em que os católicos celebram a Páscoa para que a principal festa do cristianismo seja celebrada simultaneamente por católicos e ortodoxos. Além disso, o ensinamento de Bartolomeu sobre o meio ambiente, tema que lhe é muito caro, mereceu toda uma seção da encíclica de Francisco, Laudato Si’.
Também o Patriarca Kirill, como seu antecessor, também muito crítico em relação à Igreja católica, quando inaugurou o sínodo dos bispos da Igreja ortodoxa russa, em 2 de fevereiro de 2013, falou do
“Claro reconhecimento da necessidade de unir forças em defesa dos valores tradicionais cristãos e de se contrapor a algumas ameaças da modernidade, como a secularização agressiva, que ameaça as bases morais da vida social e privada, a crise dos valores da família e a perseguição e discriminação dos cristãos no mundo”.
Em março de 2014, os primazes ortodoxos realizaram uma Sinaxe (nome das suas reuniões), em Istambul (a antiga Constantinopla). Então, decidiram convocar o Sínodo Panortodoxo, o “Santo e Grande Concílio da Igreja Ortodoxa”, que se realizou entre 16 e 27 de junho pp., sob a presidência do patriarca ecuménico Bartolomeu, com participação de delegações de todas as Igrejas ortodoxas autocéfalas, a que acabaram por não comparecer algumas, incluindo a russa.
O Sínodo estava inicialmente previsto para Istambul, mas devido a tensões internacionais entre a Turquia e a Rússia, que colocariam em risco a presença dos representantes do Patriarcado de Moscovo, a sede foi transferida para Creta por determinação da Sinaxe de Chambésy, na Suíça, em que foram aprovados os temas a versar no Sínodo. Entre estes, além da “missão da Igreja ortodoxa no mundo contemporâneo”, foi debatida a questão das relações da Igreja ortodoxa com as outras Igrejas cristãs e foi aprovada a participação de observadores não ortodoxos durante as sessões de abertura e de encerramento do Sínodo Panortodoxo, reunião ortodoxa inédita, pertinente pela sua magnitude, desde o cisma de 1054.
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É de recordar que Kirill e Francisco assinaram uma declaração conjunta, em 30 pontos, no passado dia 12 de fevereiro no Aeroporto Internacional José Martí de Havana, em Cuba.
Há muito caminho por andar neste setor do ecumenismo, mas os passos dados parecem seguros em prol da unidade na diversidade, fazendo a articulação da comunhão afetiva com a comunhão efetiva das Igrejas.
2016.08.31 – Louro de Carvalho


terça-feira, 30 de agosto de 2016

Sobre a Assembleia Geral da CMIS

Decorreu, no Centro Salesianum, em Roma, de 21 a 25 de agosto, a Assembleia Geral da CMIS (Conferência Mundial de Institutos Seculares), sendo os seus temas centrais a “formação dos membros de Institutos seculares” e a “identidade da consagração dos próprios Institutos”.
O evento reuniu responsáveis gerais dos Institutos Seculares membros da CMIS e presidentes das conferências nacionais e continentais dos Institutos Seculares. No total, foram mais de 140 os participantes, representando 25 países de 5 continentes. A Missa de abertura foi presidida pelo cardeal Dom João Braz de Aviz, Prefeito da CIVCSVA (Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica), no dia 22. Além de ter relatado as atividades da CMIS nos últimos 4 anos, apreciado as suas contas e promovido a eleição dos seus órgãos de governança, o encontro examinou subtemas importantes para o próximo quadriénio, no âmbito dos temas centrais acima referidos, como: a laicidade como sede natural da formação; as novidades emergentes de diferentes culturas e continentes; os vários perfis e andamentos dos Institutos; e a redescoberta do valor duma vocação evangélica que não busca visibilidade ou eficiência. E, a 24 de agosto, teve lugar a audiência com Papa Francisco, que saudou os participantes na Assembleia Geral da CMIS e lhes disse:
“Com fervorosos bons votos de que o atual Jubileu da Misericórdia seja para vós e para as vossas famílias um tempo de graça e de renovação espiritual, invoco sobre vós a alegria e a paz do Senhor Jesus!”.
Também se tornou central a reflexão sobre o 70.º aniversário da “Provida Mater Ecclesia”, a Constituição Apostólica sobre Institutos seculares, assinada por Pio XII em 1947. A Assembleia elegeu os órgãos da governança, de que se destaca o Conselho executivo, a quem é confiada a tarefa de executar as orientações da Assembleia Geral.
Entretanto, o Papa, em mensagem assinada pelo Cardeal Secretário de Estado enviou a cada Instituto uma fórmula de “síntese renovada” entre o aspecto laical e o de consagração desta peculiar vocação: “criar unidade entre consagração e secularidade, entre ação e contemplação”. E, citando Paulo VI, afirmou que estes Institutos estão numa “misteriosa confluência entre as duas poderosas correntes da vida cristã”, a laical e a voltada para Deus pela profissão dos conselhos evangélicos – correntes que Francisco não quer ver separadas nem subordinadas uma à outra. A explicitar esta sua visão integradora, sustenta:
 “Não se é antes leigos e depois consagrados, mas nem mesmo antes consagrados e depois leigos, é-se contemporaneamente leigos e consagrados”.
E acrescenta:
“Deriva também outra consequência importantíssima: é necessário um discernimento contínuo, que ajude a concretizar o equilíbrio; um comportamento que ajude a encontrar Deus em todas as coisas”.
Para tanto, urge uma cuidadosa formação que esclareça como, mesmo não “sendo exigida” aos leigos dos Institutos Seculares a vida comunitária, “é essencial a comunhão com os irmãos”. Ademais “a secularidade move-se com um amplo respiro, em vastos horizontes”, o que leva quem faz parte dele, a aceitar “a complexidade, a fragmentação e a precariedade do nosso tempo” e a ser criativo em “imaginar soluções novas, inventar respostas inéditas e mais adequadas às novas situações que se apresentam”, “vivendo uma espiritualidade capaz de conjugar os critérios que vêm “do alto”, da graça de Deus, e os critérios que vêm “de baixo”, da história humana”, lida e interpretada”.
Depois, o Papa exorta estes Institutos a intensa “vida de oração”, a “serem uma chama acesa” para homens e mulheres que buscam uma luz e, por estarem mergulhados no mundo, a serem “testemunhas do valor da fraternidade e da amizade”. Nestes termos, “o maior desafio, para os Institutos Seculares, é o de serem escolas de santidade”, com os conselhos evangélicos de castidade, pobreza e obediência, testemunhando que se pode ser livre e humilde e estar a serviço dos outros, muitos dos quais são “pessoas que perderam a fé ou que vivem como se Deus não existisse, jovens sem valor e ideais, famílias desagregadas, desempregados, idosos sozinhos, imigrantes...”. E aponta como modelo Maria, que “levava uma vida normal, parecida com a de tantos outros, e assim colaborava com a obra de Deus”.
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Fundada em 1972, a CMIS recebeu a aprovação da Santa Sé em 1974. É um projeto com o objetivo de contribuir com a colaboração dos Institutos Seculares de modo que possa ser efetivamente no mundo “fermento para o vigor e o crescimento do Corpo de Cristo”, isto é, a Igreja (vd Perfectae Caritatis, 11). Assim, coopera com cada Instituto para que alcance o seu próprio fim. Em particular, a CMIS: favorece os contactos, trocas de experiências e a ajuda fraterna entre os institutos e mantém relações regulares com outros grupos, como as conferências nacionais e territoriais em espírito de serviço; promove estudos e pesquisas para aprofundar a atual missão dos Institutos Seculares, tomando como base os documentos da Santa Sé e do Concílio, tendo em consideração as experiências vividas pelas mesmas instituições; e manifesta as necessidades, os interesses, as opiniões dos Institutos à Santa Sé. (Estatutos,1). A CMIS é um lugar de encontro, de troca e de pesquisa ao serviço dos Institutos (Estatutos, 2).
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Mas o que são Institutos Seculares?
Toda a gente ouviu falar de frades e freiras – homens e/ou mulheres que acrescentam à consagração batismal a consagração específica em torno dos valores ou conselhos evangélicos (pobreza voluntária, obediência inteira e castidade perpétua). Se vivem isolados no deserto, chamam-se eremitas ou anacoretas; se vivem em comunidade de vida contemplativa com clausura, oração e trabalho no mosteiro ou cenóbio, são monges (cenobitas); se vivem em comunidade ou nela se encontram regular e periodicamente, entregues sobretudo à ação (pregação, ensino, saúde, promoção social, missões…), são irmãos e vivem no convento ou em pequenas comunidades. Muitos dos frades recebem a ordenação sacerdotal, mas, em vez da promessa da obediência ao bispo diocesano e sucessores, prestam obediência ao seu ordinário e sucessores.
E os institutos seculares? Formam-se a partir de homens e/ou mulheres que se encontraram com Jesus e se apaixonaram por Ele, mas, seguem-No pela profissão dos conselhos evangélicos vivendo no mundo (a sós ou em família ou em grupo de amizade), sem hábito e exercendo normalmente uma profissão. É o que se designa por consagração secular e/ou secularidade consagrada.
À pergunta, “porquê esta paixão pelo mundo?”, respondem com a vida, “porque esta é a paixão de Deus!”. Chamados a uma plena e completa consagração a Deus vivida em pleno mundo, desejam viver e atualizar o mistério da Vida e Ressurreição de Jesus a partir de dentro do mundo e com os meios do mundo como Jesus nos seus 30 primeiros anos na família de Nazaré. 
A sua consagração impele-os à radical fidelidade ao Evangelho até as últimas consequências. Estar no mundo, como fermento e sal, com presença discreta, mas ativa e transformadora das pessoas e da realidade, constitui a sua estratégia específica e privilegiada de evangelização. A opção pela secularidade consagrada é fruto de resposta a uma vocação divina para contribuir para que o mundo seja o que e como Deus quer; é amar o mundo onde Deus os coloca, para o transfigurar com o testemunho de vida a partir de dentro. É Evangelização a partir da presença pessoal no meio familiar, sociopolítico, cultural e profissional em conformidade com a vocação pessoal discernida à luz do evangelho e realidade em que se vive.
Os Institutos Seculares, embora ensaiados antes, por exemplo por Santo António Maria Claret, ganharam estatuto eclesial e fundamento sólido com os documentos do Magistério de Pio XII: a Constituição Apostólica “Provida Mater Ecclesia” (1947); o Motu Proprio Primo Feliciter” (1948); e a Instrução Cum Sanctíssimus (1948). Mais proximamente, referem-se-lhes discursos de Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI, o Decreto Perfectae Caritatis (n.º 11) o Código de Direito Canónico (cânones 710-739) e a Exortação Apostólica Vita Consecrata (n.º 10).
Os seus membros são seculares (leigos) consagrados. A vocação destes Institutos é a especial consagração vivida de modo secular e a vida plenamente secular vivida de modo consagrado. E os seus membros encontram no exercício profissional  o meio de sobrevivência e o espaço de missão e de testemunho do Reino: consagram a secularidade; vivem os conselhos evangélicos a partir do mundo: a sua consagração é secular. Paulo VI (26/09/70) define-os assim: “Pertenceis à Igreja a título especial, o vosso título de seculares consagrados”. E o facto de a maioria destes Institutos não terem obras próprias torna os seus membros abertos ao pluralismo no campo profissional. Escolhem livremente a profissão conforme as suas habilidades, discernimento e desafios do carisma. Como já foi dito, os membros dos Institutos Seculares residem com as suas famílias, sozinhos ou em pequenos grupos de pessoas que partilham ou não a mesma vocação.
Nestes casos, a formação e acompanhamento acontecem com a pessoa a conviver no ambiente familiar, profissional e social, tendo encontros periódicos com os (as) formadores(as), encontros mensais e retiros do Instituto. Esta missão no mundo exige maturidade humana e evangélica para ser testemunha de Jesus Cristo e do seu amor pela humanidade e postula o cultivo de intensa vida de oração litúrgica e pessoal a desembocar na experiência pessoal de convivência íntima com Aquele a quem se escolhe como Único Amor e sentido absoluto da vida.
Importa a unidade com a Igreja. Os(as) consagrados(as) seculares guardam discrição e, em alguns casos, sigilo sobre a sua vocação, mas devem ter acompanhamento espiritual e levar ao conhecimento do Bispo a presença do Instituto na Diocese. A consagração compromete-os(as) com a Igreja e fá-los(as) sempre interessados(as) e dispostos(as) a conhecer, acolher e viver as suas diretrizes e projetos de evangelização. Fazem-no como filhos(as) que se colocam ao serviço da Mãe Igreja sempre que puderem, de acordo com as suas condições e necessidades de atuação. Normalmente, o Instituto não dirige a ação dos seus membros e cada um assume a sua missão em caráter pessoal na Igreja.
A consagração secular expressa-se pela profissão dos conselhos evangélicos em consequência da radical opção pelo seguimento de Jesus Cristo, que durante a sua vida terrena teve Deus como único amor (castidade), seu único bem (pobreza) e o fiel cumprimento da vontade do Pai como sua única vontade (obediência).
O dom da pobreza evangélica voluntária é o fascínio pelo estilo de vida que Jesus viveu; purifica o olhar para discernir o definitivo e o transitório, levando a escolher o definitivo; compromete a pessoa no uso definido e limitado dos bens e, na consagração secular, inclui o exercício de trabalho civil. É o Amor que se doa e se compromete a compartilhar tudo o que possui – dons e talentos e/ou o que se adquire com o fruto do trabalho, indo ao encontro dos mais necessitados, em rostos concretos que se encontram na vida.
O dom da obediência inteira leva a contemplar, aprender e seguir a obediência de Jesus, que fez em tudo a vontade do Pai; é o Amor que se entrega sem reservas e descobre a vontade do Pai, manifestada na Igreja, na Norma de Vida e nos irmãos/irmãs do Instituto, nos factos da vida concreta e no cumprimento dos deveres profissionais e civis; é a confirmação do “Sim!” a Deus, no quotidiano da vida.
O dom da castidade consagrada e perpétua valida a opção exclusiva por Deus; é o Amor que se sacrifica e dá a vida disponibilizando o coração para o amor universal no anseio de se configurar ao amor de Deus, indo ao encontro das pessoas, especialmente dos deserdados do amor, vitimados pelo abandono, pobreza e/ou outras vicissitudes da vida.
Pio XII, no Motu ProprioPrimo Feliciter”, ensina que toda a vida dos membros dos Institutos Seculares se deve converter em apostolado, “exercido, constante e santamente por uma tal pureza de intenção, uma tal intimidade com Deus, um tal generoso esquecimento e abnegação de si próprio, um tal amor das almas, que seja capaz de revelar o espírito interior que o anima e na mesma proporção o alimente e renove sem cessar” – apostolado que “deve exercer-se fielmente não só no mundo, mas dalgum modo, a partir do mundo e, por isso, em profissões e atividades, formas, lugares e circunstâncias correspondentes a esta condição secular”.
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São um modo de exprimir o ser e a missão da Igreja, estando no mundo sem ser do mundo e implorando que o Pai nos livre, não do mundo, mas do mal.

2016.08.30 – Louro de Carvalho

Madre Teresa de Calcutá como um “ícone da misericórdia de Deus”

No próximo domingo, 4 de setembro, ocorrerá a celebração da Eucaristia em que o Papa Francisco procederá, na Praça de São Pedro, à canonização da Beata Madre Teresa de Calcutá, que Lush Gjergji, em artigo publicado L'Osservatore Romano, chama “Samaritana da misericórdia”, alinhado coo Papa Woijtyla. A cerimónia constituirá um dos grandes momentos culminantes do Ano Jubilar da Misericórdia, proclamado por Francisco.
Em Calcutá, nas próximas semanas, a simplicidade deverá marcar as celebrações pela canonização de Madre Teresa. É o que assegura à Agência espanhola Europa Press a Irmã Pierick Mary Prema, Superiora das Missionárias da Caridade, ao falar da grande expectativa vivida na Índia pelo histórico acontecimento. Porém, a simplicidade não retira nada da grande emoção em que vive a cidade, que “estará toda envolvida com a celebração da canonização”, segundo o que declarou a religiosa, presente nestes dias em Roma para colaborar na preparação do evento, junto de outras 30 irmãs da Congregação fundada pela novel santa.
A Irmã Pierick Mary Prema esclareceu:
“A partir do momento em que o Papa estabeleceu a data da canonização de Madre Teresa, começámos a organizar o evento em Calcutá com a criação de um Comité encarregado das atividades ligadas à celebração”.
Contudo, para o dia da canonização, está prevista apenas a celebração da Missa na Casa da Madre, em Calcutá, após a Solene Liturgia no Vaticano, presidida pelo Papa Francisco e acompanhada pela televisão.
Porém, outras iniciativas terão lugar naquela cidade indiana, capital do Estado de Bengala Ocidental, de que se destacam: um Festival Internacional de Cinema sobre Madre Teresa; concursos de desenhos para crianças; mostras fotográficas e de pintura; e vários simpósios sobre a sua figura. As celebrações concluir-se-ão a 2 de outubro com uma Missa de Ação de Graças no grande Estádio de Calcutá, com capacidade para 120 mil pessoas. A Superiora Geral das Missionárias da Caridade frisou “a grande alegria” com que as religiosas estão a viver nas vésperas do evento. Porém, o que irá predominar será a “simplicidade”.
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Em entrevista concedida ao jornal da Santa Sé, a Irmã Pierick Mary Prema – a terceira Superiora das Missionárias da Caridade, depois de Madre Teresa e Irmã Nirmala – pronunciou-se sobre o significado da canonização da fundadora para a Congregação, em termos de honra para as irmãs e de oportunidade para exame de consciência e autocrítica. Diz a religiosa:
“A canonização da nossa Madre é para nós uma grande honra. Dá-nos a oportunidade de olhar para a sua vida de perto, para o seu trabalho e para a grande atenção dada aos outros, mas também de olhar para as nossas vidas. Este é realmente um momento de exame de consciência para ver mais profundamente como vivemos a vocação que recebemos como Missionárias da Caridade e, sobretudo, a nossa união com Deus na oração e a nossa união com Jesus nos mais pobres.”
Evocando o Prémio Nobel da Paz, que a Madre recebeu em 1979, sublinha que lhe fora atribuído “pelos esforços em criar a união de todos os povos como filhos de um único Pai Celeste” – “tema de grande atualidade”, pois, sendo a paz “o desejo de cada um”, será sobretudo “o resultado do perdão e do compromisso na escuta das pessoas, para poder entendê-las”.
Sobre a Igreja que se pensará a Madre Teresa ter desejado, a Superiora Geral sustenta:
“A Madre não usava o seu tempo para fazer pedidos deste tipo: a Igreja deveria ou não deveria ser assim... A Madre não analisava, mas empregava o seu tempo para transmitir a sua responsabilidade, levando Jesus a sério. A Madre dizia: ‘A Igreja somos tu e eu. Se queres que a Igreja seja Santa, é teu dever, e meu, ser santos’. E viveu isto desta forma.”
No respeitante a uma vertente iconográfica da novel santa, assegura a forte nível de exigência:
“Venerar a sua imagem sem buscar nela um modelo a ser imitado seria injusto. A Madre é a vida e permaneceu connosco. Ela reza por nós. Foi atuante na vida de muitos; vi este particular na sua casa em Calcutá onde os restos mortais da Madre são visitados por milhares e milhares de peregrinos, gente pobre. Rezam e a Madre ouve as suas orações. E retornam com a paz no coração, com a confiança e a esperança de que a vida possa ser melhor. A Madre não é um santinho! A Madre é viva, atuante, em todos os lugares. Nós temos necessidade dela, dos seus ensinamentos, da sua intercessão.”
Em relação à sua capacidade de “falar claramente, alto e bom som, com os líderes de todos os níveis”, a entrevistada, assume:
“A Madre não andava pra lá e pra cá para pregar ou ensinar às outras pessoas o que elas deveriam fazer. […]. O seu falar era com convicção sobre valores da vida: a espiritualidade, a oração, a família onde, às vezes, as relações são sustentadas pela aceitação do sofrimento e pelo perdão. O valor da vida religiosa como continuação da vida de Jesus. Ela levava consigo os valores dos mais pobres entre os pobres, que são pessoas grandes, porque nos ensinam muito, nos ensinam a aceitar o que a vida nos oferece. A Madre nunca deu um passo atrás ao defender a dignidade das pessoas.”
Sobre o sentido da morte de 4 irmãs – Mártires da indiferença, no dizer do Papa – massacradas em março no Iémen por um comando de homens armados, comentou assim:
“Se olharmos com os olhos do mundo para a morte das irmãs, é um desperdício de jovens vidas. Se olharmos com os olhos da fé, é um grande privilégio dar a própria vida pelos que estamos servindo. As perseguições fizeram parte do cristianismo desde as origens. As perseguições são necessárias para que alcancemos o melhor da nossa vocação. As nossas irmãs, livremente e conscientemente permaneceram a serviço dos doentes de Aden, no Iémen. É uma grande dor, mas ao mesmo tempo uma grande honra saber que elas atingiram o objetivo da sua vocação, que é a união com Deus, amando Jesus como Ele nos amou, perdoando àqueles que não sabem o que fazem.”
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Talvez seja, entretanto, conveniente respigar o que diz o mencionado colunista Lush Gjergji no predito artigo em que mostra o essencial do pensamento dos Papas a respeito de Madre Teresa.
- Pio XII estava firmemente convicto de que não havia necessidade de aumentar o número das congregações religiosas (femininas ou masculinas), mas de dar espaço ao espírito de Cristo e ao serviço evangélico. Porém, Teresa escreveu-lhe uma carta a dizer-lhe que Deus a chamara a abandonar tudo para se dedicar apenas a Ele através do serviço aos mais pobres e não amados. Assim, a 12 de agosto de 1949, o Pontífice permitiu-lhe a saída da comunidade das Irmãs de Loreto, ficando sob a jurisdição do Arcebispo de Calcutá; e, 2 anos mais tarde, em 1950, permitiu-lhe a fundação da nova comunidade de religiosas, as Missionárias da Caridade, cuja ação passou de Calcutá para a Índia e da Índia para o mundo inteiro.
- João XXIII sentiu-se tocado pelo carisma da Santa. O seu Secretário, Dom Loris Francesco Capovilla, criado Cardeal em 2014 por Francisco, revelou que o Papa Roncalli falava com enlevo de Madre Teresa, referindo que “a simplicidade e o amor eram a sua força” e achava “bonito que um povo pequeno tenha tido uma Madre tão grande”.
- Com Paulo VI deu-se uma grande reviravolta na comunidade de Madre Teresa. Um primeiro encontro ocorreu durante a histórica visita à Índia em 1964 para o Congresso Eucarístico em Bombay. O Papa Montini quis então presenteá-la com o Cadillac em que se deslocava durante suas visitas oficiais “para ajudá-la e pelo bem dos pobres”. A Madre colocou imediatamente o luxuoso carro como prémio duma lotaria, conseguindo assim muito dinheiro para ajudar os necessitados – atitude que teve repercussão internacional. No ano seguinte, a 10 de fevereiro, pelo Decretum laudis, Paulo VI reconheceu a ordem das Missionárias da Caridade como Congregação de direito pontifício, o que permitiu às irmãs expandirem-se na Índia e no mundo. E 3 anos mais tarde, a 22 de agosto, Montini convidou a Madre a abrir a primeira Casa das Missionárias da Caridade em Roma. Menos de um anos depois, a 29 de março, aprovou a Fundação Colaboradores de Madre Teresa. E, a 6 de janeiro de 1971, o Pontífice entregou à Irmã o Prémio pela Paz João XXIII.
- Por sua vez, João Paulo II entregou, em 1980, à Madre a chave da Casa de Acolhimento destinada a hospedar e acudir as crianças e mães abandonadas. A seguir, doou-lhe a moradia Dom de Maria, para acolher e assistir os sem-teto de Roma. E ainda ressoam entre os católicos albaneses as palavras pronunciadas por João Paulo II durante a sua visita pastoral à Albânia:
“Não posso não saudar uma pessoa assim humilde que se encontra entre nós. É Madre Teresa de Calcutá. Todos sabem de onde vem, qual é a sua pátria. A sua pátria é aqui. Na pessoa de Madre Teresa, a Albânia foi honrada para sempre. Agradeço-vos hoje, em nome da Igreja Católica, vos agradeço queridos albaneses, pela filha desta terra, do vosso povo.”
À sua morte, a 5 de setembro de 1997, o Papa polaco, seu irmão espiritual, referiu-se-lhe como a “boa samaritana” e como “uma figura pequena, repleta de vida e ao serviço dos pobres entre os mais pobres, com a força de Cristo”. E, por consequência, permitiu de forma excecional o início do processo de beatificação antes de passarem os 5 anos desde a sua morte e fez coincidir a beatificação, a 19 de outubro de 2003, com o Dia Mundial das Missões, recordando como a vida da Beata foi permeada no amor, “como anúncio corajoso do Evangelho de Cristo”.
- Bento XVI considerava Teresa exemplo brilhante de como a oração é a inexaurível fonte de amor pelo próximo. Na encíclica Deus Caritas est, escreve: “
“A oração, como meio para haurir continuamente força de Cristo, torna-se aqui uma urgência inteiramente concreta. Quem reza não desperdiça o seu tempo, mesmo quando a situação apresenta todas as caraterísticas duma emergência e parece impelir unicamente para a ação. A piedade não afrouxa a luta contra a pobreza ou mesmo contra a miséria do próximo. A Beata Teresa de Calcutá é um exemplo evidentíssimo do facto que o tempo dedicado a Deus na oração não só não lesa a eficácia nem a operosidade do amor ao próximo, mas é realmente a sua fonte inexaurível.”
Mas, além disso, a Madre foi indicada pelo Papa alemão como exemplo de alegria evangélica. A 6 de dezembro de 2008, no III Domingo do Advento, Bento XVI dizia:
“A alegria cristã brota desta certeza: Deus está próximo, está comigo, está connosco, na alegria e na dor, na saúde e na doença, como Amigo fiel. A Beata Madre Teresa não era, quem sabe, a testemunha inesquecível da alegria evangélica no nosso tempo?”
- O Papa Francisco e a Beata Madre Teresa são espiritualmente duas “almas gémeas”, porque a sua orientação e comportamento evangélico são baseados na simplicidade, humildade, pobreza, mas sobretudo na fé e no amor. Na encíclica Lumen fidei, Francisco, o Papa argentino, escreve:
“A luz da fé não nos faz esquecer os sofrimentos do mundo. Os que sofrem foram mediadores de luz para tantos homens e mulheres de fé; tal foi o leproso para São Francisco de Assis ou os pobres para a Beata Teresa de Calcutá. Compreenderam o mistério que há neles; aproximando-se deles, certamente não cancelaram todos os seus sofrimentos, nem puderam explicar todo o mal. A fé não é luz que dissipa todas as nossas trevas, mas lâmpada que guia os nossos passos na noite, e isto basta para o caminho”.
Definindo Madre Teresa (mencionada em duas encíclicas) como um “ícone da misericórdia de Deus, o Papa decidiu canonizá-la este ano”, em pleno Ano Santo, Ano Jubilar da Misericórdia.
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Simplicidade, imersão e revestimento na e com a profundidade da imensidão terna de Deus, dedicação aos não amados, em pleno mundo e na comunhão com a Igreja que é, sem se questionar o que há de ser – são linhas-força para que a obra de Teresa de Calcutá (e de todo o mundo) continue de “vento em popa” ao sabor do Espírito de Deus, na atenção ao mundo mais necessitado, testemunhando a misericórdia divina e a beleza da filiação de todos em relação com o mesmo Deus, que gera a fraternidade universal.
Que Santa Teresa de Calcutá, da Ásia, das Américas, da África, da Europa e da Oceânia interceda, ensine e estimule.

2016.08.29 – Louro de Carvalho

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Contra a exploração pelo banco guarda-se o dinheiro no colchão?!

Face à exploração dos clientes pela banca seria de aconselhar o não depósito, o levantamento de dinheiro depositado a prazo e/ou à ordem, não utilizar o cheque nem fazer pagamentos por multibanco ou por cartão de crédito. Pelo contrário, pagar todas as aquisições, salários e impostos com dinheiro vivo, não solicitar qualquer empréstimo ao banco e guardar o resto do dinheiro no colchão. Porém, a banca sabe que isto não é viável dado o estado a que chegou o sistema de comercialização e de remunerações salariais. Até as contribuições, impostos, taxas, sobretaxas e tarifas se pagam por transferência bancária, débito direto, multibanco, cartão de crédito, cheque e aplicação via internet.
Por outro lado, guardar o dinheiro sobejante no colchão torna-se complicado, a ponto de se poder perguntar que dinheiro é que resta depois de satisfazer os encargos familiares correntes ou se o hipotético dinheiro sobrante estará a coberto de riscos. Pode surgir um incêndio ou um cataclismo ou a residência ser objeto de assalto e o dinheiro ser arrastado no roubo. Pode ainda a traça roer aquele papel especial ou uma medida de política monetária fazer desaparecer da circulação uma série de notas. Acresce ainda referir que um investimento imobiliário, mobiliário ou em qualquer outra modalidade dificilmente se obtém na totalidade sem o recurso ao financiamento bancário. E a banca, que pode nos últimos tempos não saber fazer mais nada, sabe muito bem explorar os efeitos da situação criada pelo capitalismo financeiro – que de económico já quase nada tem – e cobra-se por tudo, quase nada dando pela guarda de dinheiros dos clientes. Nesta onda de manobras exploratórias, tem naturalmente as casas financeiras, que são o parente diabólico da banca, e as seguradoras – estas capciosamente hábeis para obter contratos de seguros à custa de tudo prometerem e saloiamente espertas para dificultarem a satisfação dos encargos decorrentes das situações de sinistro (alegadamente sustentadas em abusos), mercê do “conselho” de “bons” advogados.
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Antigamente, a banca vivia basicamente da compra de dinheiro e da venda de dinheiro, ou seja, do depósito à ordem e do depósito a prazo, bem como do crédito. Para tanto, socorria-se do sistema de prospeção bancária, pondo no terreno funcionários cuja missão era a de contactar potenciais clientes e arrecadar in loco poupanças dos clientes consolidados, de modo que estes tivessem de fazer apenas as deslocações indispensáveis ao seu banco. Nalguns casos, eram designados para determinadas localidades os correspondentes do banco, que viviam de outras atividades e cuja função bancária era a de servir de intermediários entre o banco e os clientes da localidade. Também os bancos faziam negócio com a permuta cambial de moeda, bem como com o aluguer de cofres para guarda de valores (vg joias). No atinente ao empréstimo, a situação era mais complexa: estudavam-se as condições do empréstimo a partir do perfil do cliente, das garantias que prestava em haveres e/ou em fiadores e da calendarização de reembolso ao banco do capital e respetivos juros, obviamente mais altos que os atinentes aos depósitos a prazo. 
Alguns bancos também ofereciam juro por depósito à ordem. Obviamente a banca sempre cobrou taxas (comissões) por serviços que prestava, bem como imposto de selo e de capitais. É que os bancos não instituições de caridade: vivem exatamente do lucro, lucro com dinheiro de outrem.
Porém, a banca nem sempre acautelou os riscos dos empréstimos (chamem o que quiserem ao facto).
Emprestou e empresta a quem não oferecia (ou não oferece) garantias mínimas de retorno ou a quem apresentou garantias mais fictícias que reais, para lá dos casos em que o império, compadrio, a amizade ou as luvas falam mais alto que as cautelas. Mas a política social e económica deu a mãozinha à banca através do domiciliamento da conta-ordenado. E o sistema de pagamentos e transações tornou-se no que se vê. Paga-se (alguém paga) comissão por tudo: caderno/caderneta de cheques, multibanco, cartão de crédito (estes por aquisição do documento e por pagamento), manutenção de conta à ordem (dantes era somente quando estivesse sem movimentação), expediente, transferência bancária, informação escrita solicitada, etc.
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Ora, além de se pagar por tudo e por mais alguma coisa, paga-se em excesso, ou seja, como refere o jornal Dinheiro Vivo, o “valor cobrado é desproporcional ao serviço prestado”. Nuno Rico põe em causa a justificação apresentada pela banca para a cobrança de comissões cada vez mais altas e sobre um número cada vez maior de serviços, sob a alegação de custos. É uma situação combatida de há muito tempo pela Deco (Defesa do Consumidor), que anota a “alteração do paradigma da atividade bancária”, que da “intermediação financeira” vem passando a ter o comissionamento como atividade principal. Ora esta alteração de paradigma tornou-se num um fator de penalização dos consumidores, uma vez que hoje a titulação de conta bancária é essencial na gestão do nosso quotidiano. Assim, apesar da legislação publicada nos últimos tempos, a banca tem sabido contornar os seus quesitos e efeitos. Por exemplo, segundo a legislação atual, apenas é permitida a cobrança de comissões por serviços efetivamente prestados. Todavia, a banca persiste na cobrança de comissão de manutenção de conta à ordem, que não é um serviço, já que sem conta bancária não se consegue aceder a qualquer outro produto, seja um financiamento ou um produto de investimento, seja uma simples transação.
Nesta situação ficam fragilizados e postos em causa os direitos dos clientes com algumas das comissões cobradas. E o facto de as comissões bancárias estarem previstas em preçário, documento supervisionado pelo regulador, não as torna só por si boas ou inócuas, dado que tornam muito oneroso o acesso aos produtos e serviços bancários, sobretudo se tivermos em conta que vários destes serviços são essenciais para os mais diversos fins utilitários.  
Para a proliferação e agravamento das comissões argumentam os bancos com a multiplicidade de serviços prestados – que “exigem grande investimento e têm custos operacionais”. Porém, a grande razão é o aproveitamento da crise económica e financeira. Tanto assim é que, segundo o Dinheiro Vivo, principalmente desde 2011, com a crise e a redução drástica das taxas de juro, “o comissionamento bancário tem vindo a abranger cada vez maior número de produtos e serviços”, assim como a aumentar constantemente “o respetivo valor”, sempre muito acima da inflação. Por exemplo, as transferências interbancárias realizadas através do homebanking ou as contas-ordenado têm vindo a deixar de ser, nos últimos anos, produtos isentos de custos para o cliente. Já não é possível utilizar um serviço bancário sem qualquer tipo de custo; e as situações de isenção são cada vez mais raras ou de difícil obtenção.  
Segundo a Deco, as comissões devem ser cobradas em valor proporcional ao serviço prestado. Porém, o que se passa é que o montante cobrado é quase sempre desproporcional por excesso ao serviço prestado ao cliente pelo banco, atingindo valores completamente injustificáveis. Mais: os aumentos verificados periodicamente superam a taxa de inflação e os aumentos de outros custos operacionais; e, contraditoriamente, vem-se procedendo a crescente e drástica redução das estruturas dos bancos, tanto em termos de pessoal (com exceção os administradores), como em termos de balcões, o que, aliado à cada vez maior utilização dos meios de movimentação das contas à distância, tem permitido poupanças muito significativas aos bancos. Por outro lado, os prejuízos avolumam-se e os erros de gestão multiplicam-se sem que alguém lhes ponha cobro.
Sendo assim, a única justificação viável é a necessidade da obtenção de receitas que já não conseguem através da convencional atividade de intermediação financeira.
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A este respeito, as edições on line de hoje do Dinheiro Vivo e do DN, em artigo sob o título “Onde o banco ganha o dinheiro”, presta-nos informações curiosas, mas exorbitantes. Veja-se, a título de exemplo, o elenco:  
- Pedido de novo código PIN do cartão multibanco ou de crédito (por perda ou esquecimento) custa em média 7,21 euros, mas pode atingir os 12 euros;
- Cancelamento de cheque preenchido, mas perdido, custa em média 10,85 euros, podendo chegar a 24,60 euros;  
- Depósito de moedas amealhadas durante meses poderá custar mais de 5 euros, sobretudo se o depósito ultrapassar as 10 moedas, sendo que o montante desse depósito demora vários dias a entrar na conta do cliente (leva muito tempo a contagem das moedas);
- Levantamento de dinheiro ao balcão custa em média 5 euros, podendo chegar aos 12,48 euros;
- Emissão de cheque sem provisão custa em média 38 euros, podendo atingir os 67 euros;
- Aviso do banco ao cliente de ter emitido cheque sem cobertura comporta um custo que pode ascender a 57 euros, mais 43 euros, em média, para fazer a necessária regularização, para o nome não ir para a lista negra do BdP, como utilizador de risco num prazo que pode ir a 2 anos;
- Saída da lista negra pode custar mais de 100 euros, sendo que a licença para voltar a passar cheques custará cerca de 113 euros;
- Anulação de transferência bancária (vg com o IBAN do destinatário errado) custa em média 24,79 euros, mas pode ir até 73,80 euros;
- Renegociação de crédito, além de difícil, custa cerca de 125 euros;
- Mudança de titularidade de conta pode custar 4,68 euros;
- Prova de crédito à habitação pode custar 40 euros;
- Documento comprovativo de conta solidária custa, em média, 56,12 euros, podendo chegar aos 153 euros;
- As comissões já representam quase metade das receitas dos bancos.
A Deco luta há anos para colocar o Parlamento a discutir a questão, mas, não obstante algumas pequenas vitórias, sente que ainda há um longo caminho a percorrer.
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Respiguei, sintetizando ao máximo, os dados do artigo supramencionado para que se advirta, sem margem de dúvida, como se tornou todo-poderosa a escravização das pessoas livres por obra dum déspota sem rosto – o capital financeiro, que hoje não se importa de asfixiar e até matar para conseguir os seus fins: a acumulação avarenta; o domínio sobre os outros; e o bem-estar hedonista. Na minha terra, dir-se-ia: “Arre porra, que é demais!

2016.08.29 – Louro de Carvalho