Aguardava-se, há meses o veredicto do BCE (Banco
Central Europeu), o
ora árbitro e supervisor da grande banca nos países do euro.
O governo, como acionista único da CGD (Caixa
Geral de Depósitos)
queria um conselho de administração com 19 elementos – 12 não executivos e 7 a
constituir a comissão executiva – sendo que o presidente a comissão executiva
acumularia a presidência desta com as funções de presidente do conselho de
administração. Porém, como diz o colunista do Expresso, Pedro Santos Guerreiro, o empresário “queria jogar com 19”,
mas o árbitro só deixa jogar com 11, ou seja, o BCE exclui 8 administradores,
não pela identidade pessoal, mas por serem muitos e por excederem o limite de cargos em órgãos sociais de outras
sociedades. A justificação pública foi apresentada pelo Ministério das
Finanças, que pretende que eles sejam mais tarde admitidos que eles voltem a
ser admitidos. Com efeito, Mourinho Félix, Secretário de Estado Adjunto,
do Tesouro e das Finanças, coloca o impedimento no RGICSF (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades
Financeiras), pelo
que faz avançar a intenção da sua revisão para com isso poder alargar o
conselho de administração e voltar a convidar os administradores que afinal não
podem ser.
Tal intenção, que já foi contestada pelos partidos à
esquerda do PS, que ajudam a formar a maioria parlamentar que apoia o Governo,
pode não passar duma tentativa de resolver o problema, mas seguramente é a
forma de desviar a atenção do assunto, ora tornado embaraçoso, para explicar a
razão por que o Executivo tem de “desconvidar” alguns dos que tinha convidado
um a um, porque ou eram detentores de conhecimento e/ou experiência bancária ou
eram figuras públicas de renome ou representavam setores significativos da
sociedade civil.
Dos 12 indigitados para administradores não executivos
ficam 4, como confirmou o Ministério das Finanças. Entre os que se encontram em vias de serem desconvidados estão, segundo o
Jornal de Negócios, Leonor Beleza,
presidente da Fundação Champalimaud, Carlos Tavares, líder do grupo Peugeot
Citroen, e Ângelo Paupério, copresidente executivo da Sonae, e Bernardo
Trindade, que foi Secretário de Estado do Turismo nos governos de Sócrates.
Por outro lado, António Domingues, que terá de deixar
a administração da “Nós”, só poderá acumular as funções de presidente da comissão
executiva (CEO) com
as de presidente do conselho de administração (Chairman) durante os primeiros 6 meses. Mais: o conselho de
administração tem de integrar na sua composição 30% de mulheres e um máximo de
60%.
Porém, o pior de tudo, do meu ponto de vista, é a exigência
feita pelo BCE de que 3 dos sete administradores executivos sejam obrigados a frequentar o curso de Gestão
Bancária Estratégica do INSEAD (The Business
School for the World).
Assim, João Tudela Martins, Paulo Rodrigues da Silva e Pedro Leitão têm de,
primeiro, ir estudar para poderem, depois, gerir o banco do Estado.
Quem foi
mesmo aceite sem reservas, a não ser a da acumulação (dentro e fora do banco) foi António Domingues. Falta, da parte da CGD, a data para a tomada de
posse da equipa e, da parte da Comissão Europeia, a aprovação explícita para o
aumento de capital necessário.
***
É certo que que em si mesma a estrutura da governança da CGD foi aceite
pelo BCE. A este respeito, um comunicado
do Ministério das Finanças diz do BCE que aprovou a estrutura de governação
proposta pelo Governo, que integra um conselho de administração alargado, em
que os administradores não executivos terão funções de controlo da comissão
executiva através de comissões especializadas e um conselho fiscal com funções
de fiscalização, que terá assento, por inerência, na comissão de auditoria e controlo
interno. Além disso, atestou a “adequação e a idoneidade de 7 administradores-executivos
propostos, de 4 administradores não-executivos e dos 4 membros do conselho
fiscal”.
António
Domingues, o nome proposto para presidente do conselho de administração e da comissão
executiva dispõe apenas dum período de 6 meses em que poderá acumular tais
funções e “que o Governo utilizará para analisar” a questão com o BdP e com o
BCE.
Segundo o
Governo, o processo de conformidade total levaria a “uma maior morosidade do
processo de nomeação”. Assim, avança o comunicado do Ministério das Finanças:
“A nomeação
dos restantes administradores não-executivos será feita num curto espaço de
tempo já que não houve sobre estes qualquer objeção relativamente à adequação
ou idoneidade, nem foram identificados quaisquer conflitos de interesses
impeditivos”.
***
Quem se mostrou verdadeiramente surpreendida com o veto do BCE ao seu
nome foi a ex-ministra da Saúde de Cavaco Silva, Leonor Beleza. A presidente da Fundação Champalimaud declarou à agência
Lusa:
“Fui
surpreendida hoje pelas notícias veiculadas pela comunicação social sobre o
processo de apreciação da minha possível nomeação como administradora não
executiva da Caixa Geral de Depósitos”.
E explicitou
as condições em que aceitou:
“Disponibilizei-me
para fazer um esforço suplementar de trabalho e colaborar com uma equipa
independente na condução de uma instituição vital para o país, tendo tornado
claríssimo desde o princípio deste processo para mim, em abril passado, que não
aceitaria receber por isso qualquer remuneração”.
Ora, a ex-ministra
da Saúde e presidente da Fundação Champalimaud estaria, desde o início, disponível
para colaborar, mas sem pôr em causa ou diminuir de intensidade o envolvimento
como presidente da Fundação. E garante que prosseguirá no cumprimento dessa
missão.
***
Quanto à pretensão do BCE de querer
pelo menos 30% de mulheres no conselho de administração da CGD – para garantir
de forma adequada o objetivo de diversidade de género estabelecido na respetiva
política de seleção e avaliação de adequação – o Ministério das Finanças confirma que até 2018 essa
regra será cumprida.
No concernente à imposição de três administradores
executivos terem de frequentar a formação no INSEAD, deve dizer-se que é uma
exigência inédita. É a primeira vez que o BCE pretende que administradores de
banca frequentem ações de formação profissional relacionadas com atividade
financeira. E começa logo pela CGD. Obriga-os a tirarem vários cursos no
estrangeiro e a terem formação interna sobre o próprio funcionamento da CGD;
exige saber se os cursos foram efetivamente frequentados e se os formandos os
concluíram com êxito.
Tais exigências constam de carta do BCE, enviada ao
BdP e à CGD a 17 de agosto, sobre a aceitação da proposta da nova administração
do banco público, documento confidencial a que o Expresso diz que teve acesso. É uma carta assinada pelo próprio presidente
do BCE, Mario Draghi, que exige, desde logo, que três dos sete administradores
executivos sejam obrigados a frequentar o curso de Gestão Bancária Estratégia
do INSEAD ou outro programa com conteúdos similares. Tal formação terá de ser
feita seis meses após a tomada de posse destes administradores executivos e o
BCE exige que lhe sejam reportadas pela CGD as informações sobre a conclusão e
o sucesso na frequência da formação. Estão em causa, como se disse, os
administradores executivos João Tudela Martins, Paulo Silva e Pedro Leitão. Todavia,
a João Tudela Martins é exigido, adicionalmente, que frequente um curso de
gestão de risco bancário, também do INSEAD, e um outro curso de Risco
Financeiro e Regulação, ministrado pela Associação Global de Profissionais de
Risco, ou programa equivalente. Os outros membros da comissão executiva (António
Domingues, Emídio Pinheiro, Tiago Marques e Henrique Cabral Menezes) estão dispensados destas ações
de formação.
Além disso, o BCE exige que a CGD disponibilize a todos
os 11 novos administradores um programa de formação básica que cubra, pelo
menos, as seguintes áreas: organigramas, área de negócio, responsabilidades e
funções das diferentes áreas, processos de reporte ao topo da hierarquia,
código de conduta, políticas de compliance
(cumprimento
de regras), controlo
interno e matérias de regulação e supervisão. Também, em relação a este ponto,
a CGD deverá depois informar o BCE da realização e conclusão com sucesso desta
formação.
E à lista de exigências “curriculares” acrescenta-se
o facto de o banco público dever também providenciar a todos os membros do
conselho de administração uma formação contínua com um enfoque especial em
regras prudenciais e gestão de risco – exigência que já foi acordada entre o BCE,
supervisor europeu, e o Estado Português, acionista único da CGD.
Os quatro administradores não executivos que foram
aceites pelo supervisor europeu são: Rui Vilar, Pedro Norton, Angel Corcostegui
e Herbert Walterin.
A nova administração da CGD tomará posse nos próximos
dias, depois de ter passado pelo crivo de Mario DRaghi, que, depois de saçaricar,
não pôde deixar passar tudo nem tudo reter.
***
Para já o futuro próximo da CGD está nas mãos de António Domingues e mais três
executivos, mas sobretudo dele, que durante 6 meses acumulará as funções de CEO
e de Chairman. O banco público conta com este economista, de 59 anos, 27 dos
quais foram ao serviço do BPI, donde saiu como vice-presidente, com a
responsabilidade na área financeira, experiência considerada relevante, uma vez
que a CGD tem em curso um processo de recapitalização. É bem visto nos círculos
socialistas e, no BPI (Banco Português de Investimento), foi colega de Vítor Constâncio, ora vice-presidente
do BCE. Antes do BPI, passou pelo BdP e pelo BPA (Banco
Português do Atlântico).
A exigência daquela formação específica e com as condições acima referidas
é humilhante. Das duas, uma: ou significa que será exigida a todos os gestores
bancários, e tal exigência começou da pior maneira; ou pode querer dizer que a
CGD nunca terá cuidado dela e os seus gestores terão sido escolhidos pelo
visual político, e o banco do Estado andou ao sabor da maré.
Mas pode querer dizer que alguns dos escolhidos não têm perfil. E não
percebo por que motivo Rui Vilar – que integrou os quadros diretivos do BPA, foi
Ministro da Economia, Ministro dos Transportes e Comunicações, Presidente da CGD, Presidente do BESCL, vice-governador
do BdP, presidente do Grupo Europeu dos Bancos de Poupança e presidente do CA da Fundação Calouste Gulbenkian –
precisa assim de formação.
E eu, se pertencesse ao grupo dos executivos obrigados àquela formação,
sobretudo se fosse o que tem de fazer mais cursos, declinaria o convite. A exigência
tem de conhecer limites.
2016.08.18 – Louro de Carvalho
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