terça-feira, 16 de agosto de 2016

Uma troika de quatro componentes?

No discurso de 14 de agosto da rentrée do PSD, na Quarteira, Passos Coelho não se armou em profeta, como o fez outrora, quando vaticinou que, a partir de 2014 e 2015, a economia ia começar o sentido da recuperação. Limitou-se a dizer que tinha razão: o caminho estava certo, mas foi alterado e agora os sinais dados pela economia, que antes eram positivos, apontam para a “estagnação”. Neste cenário, o líder do PSD, pretensamente com os números da economia do seu lado, garante que “não será cúmplice”, mas pretende saber o que pretende fazer o Governo para voltar a pôr a trajetória em crescendo e acusa a “troika das esquerdas” de já ter “esgotado” todos os pontos que tinha em comum. A este respeito questionou:
“Depois de terem reposto os feriados, os dias de férias, as 35 horas, o Governo praticamente esgotou o seu compromisso dentro dos partidos que formam a maioria e o resultado é a estagnação económica. O que teremos daqui para a frente? Que coisas novas tem o Governo para propor ao país?”.
Vincando que a solução de Governo PS, com apoio parlamentar do BE, PCP e PEV, “está esgotada”, considerou que este executivo “só sabe fazer o que é fácil, e o que é difícil, o que exige alguma coragem, o que exige algum reformismo, isso não mora neste Governo”. E depois de repisar que “esta 'troika' governativa só sabe fazer o que é fácil”, assegurou que o Governo “não tem nada para oferecer do ponto de vista económico, a não ser estagnação e, eventualmente, o conflito com credores, com as instituições europeias e com os investidores”.
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Antes de prosseguirmos, convém rever o conceito de troika, já que o Presidente do PSD fala em quatro componentes da mesma: PS, BE, PCP e PEV.
Troika ou troica (em russo, тройка) designa um comité ou diretório de três membros. A origem da designação vem do termo “troika” que em russo denominava um carro conduzido por 3 cavalos alinhados lado a lado ou, o mais das vezes, um trenó puxado por cavalos. Politicamente, a troika designa a aliança de 3 personagens do mesmo nível e poder que se reúnem num esforço único para a gestão duma entidade ou para desempenhar uma missão, como foi o histórico triunvirato  de Roma. Também, em Portugal, depois da revolução abrilina, se tentou o sistema de exercício do poder de topo por uma troika militar – Costa Gomes, Vasco Gonçalves e Otelo Saraiva de Carvalho – mas foi um consulado efémero, porque os acontecimentos rapidamente ultrapassaram a vigência do diretório.    
Também se utilizava o vocábulo para designar os 3 supremos chefes dos estados comunistas: o chefe de estado, o chefe de governo e o líder do partido. Assim, o termo tem sido historicamente reservado para designar diferentes alianças políticas dos líderes na URSS (União Soviética). Com a morte de Lenin, em 1924, é constituída a troika com Zinoviev, Kamenev e Stalin, para enfrentar Trotsky como parte da Oposição de Esquerda. Porém, a mais famosa troika soviética foi a de Georgi Malenkov, Lavrentiy Beria e Vyacheslav Molotov, que governou o país episodicamente após a morte de Stalin em 1953. E, em 1964, na sequência da queda de Nikita Khrushchev, se formou a breve troika de Leonid Brezhnev, Alexei Kossygin e Anastas MIkoyan.
O termo tornou-se mundialmente popular na era estalinista na URSS, quando as troikas se sobrepunham à lei para rápida perseguição dos dissidentes do regime e dos cidadãos acusados de crimes políticos – rapidez na prisão e julgamento que se transformou numa espécie de caça às bruxas, inspirando um clima de medo em todo o país. Segundo as estatísticas do NKVD, de julho 1937 a novembro de 1938, foram condenados 335.513 cidadãos por troikas no processo de execução das Operações Nacionais, entre os quais, 247.157 (ou 73,6%) foram fuzilados.  
Entretanto, o sistema de troika ultrapassou as fronteiras da URSS. No começo dos anos 1960, a seguir à independência em relação à Bélgica, o Congo envolveu-se na guerra civil. Entre as forças em luta havia a fação apoiada pelos EUA (Estados Unidos), a apoiada pela URSS e a que lutava pela secessão. Nesta situação, Dag Hammarskjöld, Secretário-Geral da ONU, tentava implantar a presença da ONU (Organização das Nações Unidas) no país. Nikita Khrushchev, convicto de que o Secretário-Geral era um fantoche político dos EUA, propôs a gestão da ONU por uma troika formada por membros indicados pelo mundo capitalista, pelo mundo comunista e por países não alinhados – ideia que não foi avante mercê da recusa das nações não alinhadas.
Também a UE (União Europeia) usa o termo para se referir a um grupo formado pelo Ministro das Relações Exteriores do Estado-Membro que ocupa a  presidência do Conselho de Ministros da UE naquele momento, pelo secretário-geral para a política comum de segurança e exterior e pelo comissário responsável pelas relações externas e política com a vizinhança europeia. E Troika, no quadro da UE, é a referência da cooperação do BCE (Banco Central Europeu), do FMI (Fundo Monetário Internacional) e da CE (Central Europeu), quando os seus representantes negoceiam com os países membros os programas de crédito da zona do euro. Em Portugal, a troika foi chefiada em abril de 2011 por Jürgen Kröger (Comissão Europeia) e contou também com Poul Thomsen (Fundo Monetário Internacional) e Rasmus Rüffer (Banco Central Europeu).
Na década de 1980, durante a presidência de Ronald Reagan nos EUA, também foi formada uma troika de poder, com três dos principais conselheiros do presidente: o chefe de staff James Baker III, o conselheiro presidencial Ed Meese e o vice-chefe de staff da Casa Branca Michael Deaver.
Na América do Sul, entraram para a história as troikas do poder militar, existindo durante os anos em que diversos países estiveram sob ditadura militar. As mais conhecidas foram as troikas que comandaram a Argentina por quase dez anos e a brasileira, conhecida como Junta Militar, que governou o país por dois meses em 1969, entre os governos Costa e Silva e Médici.
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Apesar de sentenciar o “esgotamento” do Governo, Passos Coelho acredita que a solução “até pode durar até ao fim da legislatura”. Segundo ele, para 2017, PS, PCP, BE e PEV “lá tratarão de aprovar o Orçamento do Estado”, apesar de irem ensaiando umas “discordâncias apenas para ver se conseguem manter algum espaço próprio”. E, realçando várias vezes que a economia do país está “estagnada”, o ex-primeiro-ministro criticou a falta de respostas do executivo, para “explicar o que se passa com a economia”, dizendo que O Governo terá de avaliar devidamente, na preparação do Orçamento do Estado para 2017, “a melhor maneira de corrigir a trajetória que vem seguindo”. E anotou que, quando o Governo falha, “não há um membro a explicar ou a dar a cara”.
Antevendo a discussão que vai marcar a agenda política dos próximos meses, Passos porfiou que não vai compactuar com o atual Governo e garantiu que, “se há um esgotamento desta solução de Governo”, o PSD tem de permanecer fiel ao seu “compromisso com o país” e o líder nunca abdicará “de lutar por esta visão e por este futuro para o país”. Já em março, na discussão parlamentar do Orçamento do Estado para 2016, o PSD, para não ser cúmplice de orçamento em que não acreditava, adotou a postura de não apresentar propostas de alteração, chumbar as propostas do Governo e abster-se em todas as propostas de alteração. Agora, em vésperas de novo orçamento, Passos afirma que o importante é “arrepiar caminho” e construir “outra solução”, acabando com a “política de fingimento, superficialidade e ligeireza, que empurra com a barriga e logo se vê”.
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Neste contexto, o Presidente da República considerou contraditórios os dados sobre a economia portuguesa divulgados, sublinhando a necessidade de continuar o esforço de contenção orçamental; e o Ministério das Finanças reiterou, em comunicado, que a meta de redução do défice será cumprida, apesar de o crescimento económico, no 2.º trimestre, ter sido inferior ao subjacente no OE2016.
Em declaração aos jornalistas, a secretária-geral adjunta do PS disse que, “mais uma vez, Passos Coelho aparece ao país sem memória, pessimista e com uma visão distorcida da realidade”, referindo que “ao contrário do que diz o líder da oposição, a economia está a crescer, não tanto como gostaríamos, mas é mais do que nos últimos tempos de governo da direita”. E apontou a taxa do desemprego, que atingiu o valor “mais baixo” desde 2010, e o valor de investimento previsto pelo INE (Instituto Nacional de Estatística) para as empresas portuguesas, que em 2016 será superior a “qualquer outro ano, desde que começou a crise internacional em 2007”. Frisou, ainda, que os indicadores de confiança “estão em níveis mais elevados do que no final do ano passado” e que “os portugueses têm confiança na recuperação económica, ao contrário de Passos Coelho, para quem o futuro é sempre negro e depressivo”.
Por seu turno, o primeiro-ministro ironizou:
“Tinha esperança de que as férias tivessem dado ao doutor Passos Coelho alguma imaginação para não continuar a reservar-se ao papel, que é um papel que não é saudável para o país, que é o de estar sempre a anunciar a desgraça que vem aí na semana a seguir e que felizmente, graças ao grande esforço que tem sido feito em particular pelos nossos empresários e trabalhadores, não tem correspondido a essa realidade”.
Costa falava aos jornalistas em Arouca à saída de reunião com os presidentes de Câmara de Arouca, Águeda e Castelo de Paiva (distrito de Aveiro) e São Pedro do Sul e Castro Daire (distrito de Viseu), sobre os incêndios que atingiram estes municípios na última semana – incêndios que Passos não comentou para não ser acusado de aproveitamento político.
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Independentemente da posição política de Passos, pede-se que imprima mais propriedade às palavras que utiliza (troika de 3 e não de 4) e que reconheça que o problema dos fogos e florestas é de todos os Governos e da linha incorreta que seguem. Depois, é bom que não seja cúmplice do desastre político-económico que atinge Portugal. Mas não pode esquecer que o desastre resulta do bloco central de interesses e as formas de o colmatar são erradas, seja por culpa de Portugal, seja por culpa da UE. E, em vez do acrítico seguidismo de “bom aluno”, urge encontrar quem dê o murro na mesa e seja capaz de ir à luta pelos cidadãos.
Além disso, se não acredita no Governo, como põe a hipótese de ele cumprir a legislatura? Porque não faz tudo para o derrubar?
E Costa, para já tem de olhar em frente e avançar, sem hesitar, com a postura que prometeu.
Ou então têm razão os conterrâneos no Norte quando berram: Porrete, senhores governantes!

2016.08.15 – Louro de Carvalho

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