domingo, 7 de agosto de 2016

Uma ponte cinquentenária com história e histórias

No passado dia 6 de agosto, comemoraram-se os 50 anos da inauguração da Ponte Sobre o Tejo. O Arquivo Municipal de Lisboa assinalou a efeméride com uma exposição que mostra, por imagens inéditas, as diversas fases da construção, a cerimónia de abertura e as grandes mudanças que a infraestrutura trouxe principalmente às cidades de Lisboa e de Amada.
Na manhã de 6 de agosto de 1966, pelas 10,30 horas, ouviu-se o hino nacional, 21 tiros em salvas compassadas, foguetes de bateria e morteiros. Foi assim dado o início da cerimónia de inauguração da “Ponte Sobre o Tejo”, seu nome oficial, que deslocara, por barco para o lado de Almada, o Governo e o Presidente da República Américo Tomás, que presidiu, ficando o ónus da bênção da maior obra pública até então realizada em Portugal para o cardeal Cerejeira, então Patriarca de Lisboa, enquanto o “agradecimento” à personalidade central do Estado Novo ficava gravado em placa, com a atribuição do topónimo de “Ponte Salazar”. Tudo está documentado em fotografias alusivas à construção da “gigantesca” estrutura de aço que liga as duas margens do Tejo, que preenchem a exposição 50 Anos Ponte 25 de Abril: memórias em arquivo, patente ao público no Centro de Informação Urbana de Lisboa, no Picoas Plaza, até 27 de outubro.
A predita exposição é iniciativa do Arquivo Municipal de Lisboa que, a partir da grande variedade de documentação à sua guarda, selecionou as mais significativas fotografias, plantas e projetos expostos agora pela primeira vez. Ana Saraiva, investigadora do Arquivo Municipal de Lisboa, disse que “foi uma surpresa, mesmo para nós que sabemos o que existe, perceber a importância que a Câmara Municipal de Lisboa teve em todo o processo”. E explicou:
“Fala-se muito na construção da ponte, mas todo este projeto foi muito mais do que isso. Implicou estudos e projetos para os acessos rodoviários e ferroviários, a construção de infraestruturas urbanas, expropriações de terrenos, indemnizações e o realojamento de pessoas”.
Na exposição está, por exemplo, a planta e fotografias do Bairro do Relógio, construído pela Sorefame (uma das empresas que fazia parte do consórcio da ponte), junto ao Aeroporto General Humberto Delgado. A imagem do terreno onde está agora plantada a Vinha de Lisboa ajuda a situar a localização das casas pré-fabricadas, demolidas nos anos 1980. Já as fotografias da construção dos acessos em Alcântara deixam perceber como era, à época, esta zona. E sabe-se agora que muitas das propostas de ligação rodoviária apresentadas, também ali em exposição, muitas não saíram do papel, como, por exemplo, o projeto que previa uma via de ligação à autoestrada e que incluía a construção dum viaduto sobre o Aeroporto. Tudo disponível para consulta no site do Arquivo Municipal porque, como nota a investigadora, “esta é matéria de estudo que interessa a áreas tão diversas como a Sociologia, Antropologia ou a Arquitetura”.
Em setembro e outubro, serão organizadas visitas guiadas, por marcação, conduzidas pela equipa de investigadores do Arquivo Municipal de Lisboa que coordenou a exposição (além de Ana Saraiva, participaram Denise Santos e Nuno Martins). E em outubro, nos dias 26 e 27, desenvolver-se-á um ciclo de conferências com a participação da Faculdade de Arquitetura de Lisboa.
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A primeira travessia sobre o Tejo na área de Lisboa e as localidades situadas sul constitui um marco histórico com forte importância socioeconómica gerada pela complexa mobilidade diária e pontual. No entanto, em torno da Ponte, geraram-se perplexidades curiosas. Chamar-lhe “Ponte Sobre o Tejo” leva a dizer que se pensava que este seria o monumento único e definitivo desta grandeza a construir nas imediações, quando, na verdade, em 29 de março de 1998 (menos de 32 anos depois) – menos imponente, mas mais longa e airosa – se inaugurou a Ponte Vasco da Gama; e já se fala, há anos, numa terceira travessia. Por outro lado, a designação de “Ponte Salazar” não passou de uma mostra fugaz de simpatia e homenagem à individualidade que era a antonomásia do regime. Porém, Salazar não era ainda uma figura imposta à memória coletiva pela História, mas apenas fruto do regime que fez criar em torno de si (sobre a Ditadura Nacional gerou, secundado por colaboradores indefectíveis, a criação do Estado Novo), o qual tomado à letra da Constituição depositava o poder político – que residia “em a nação” – nas mãos do Chefe de Estado, que passou rapidamente, após o falecimento de Carmona, a desempenhar funções meramente simbólicas e de representação, ficando o poder real nos ombros do Presidente do Conselho de Ministros (estrutura que nem sequer era órgão de soberania, mas sim o Governo, cujo chefe era o mesmo Presidente do Conselho, que tudo mandava). E, assim, mal alastraram as faúlhas da revolução abrilina, os novos “arquitetos” da Ponte rebatizaram-na de “Ponte 25 de Abril”, que se tornou sua designação oficial, cada vez mais incontestada.
Salazar terá dito que não gostava da ideia e que mais tarde ou mais cedo o nome iria mudar. Dizem que até se deixara levar pela curiosidade de verificar se os carateres estavam embutidos no chumbo ou se apenas foram aparafusados.  
Por mim, penso que a Ponte não deveria ter sido batizada com o nome de Salazar, mas com o de figura historicamente consagrada. Mas também não pareceu bem a rebatização em “Ponte 25 de Abril”, já que não é obra da revolução. Poderiam ter-lhe dado, após a revolução, o nome de uma figura assumida pela História ou então o do engenheiro português que teve a ideia da ponte.
Assim, a primeira “Ponte Sobre o Tejo” tem 50 anos: 8 como “Ponte Salazar” e 42 como “Ponte 25 de Abril”. E foi palco da maior e mais ruidosa manifestação e dum gigantesco bloqueio de camiões, porque o 3.º Governo de Cavaco Silva decidiu de pé para a mão o aumento de 50% das portagens na Ponte, o que marcou o princípio do fim do cavaquismo.
Foram necessários 90 anos para que o sonho de construir uma ponte sobre o Tejo, na área de Lisboa se realizasse. Tudo começou com a ideia do engenheiro português Miguel Pais, em 1876, para o primeiro projeto de construção duma ponte de cariz ferroviário (não era ainda a era do automóvel), a articular com o novo porto de Lisboa e a ligar a capital com o Montijo.
A demora deveu-se, “essencialmente, a questões de ordem técnica e política” e, mesmo assim, calcula-se que tenham morrido cerca de uma dezena de trabalhadores durante a construção, como explicou à agência Lusa o arquiteto Luís F. Rodrigues, autor do recente livro “A Ponte Inevitável – A História da Ponte 25 de Abril”. Segundo este arquiteto, no século XIX, a idealização de uma rudimentar ponte de ferro para atravessar as duas margens do Tejo era suportada por uma visão essencialmente nacional, com a mira de transformar Lisboa num grande cais da Europa para escoar mercadorias no continente europeu e para servir de ligação para o oceano Atlântico. Após o projeto de Miguel Pais, “Lisboa foi inundada por propostas de pontes” – diz o arquiteto no livro por si escrito.
Assim, em 1888, o engenheiro americano Lye pretendia ligar Almada ao Chiado; em 1889, os franceses Bartissol e Seyrig propunham uma ponte entre Almada e a Rocha Conde de Óbidos; em 1890, a empresa alemã Maschinenbau-Actien-Gesellschaft sugeria a ligação entre Montijo e a zona oriental de Lisboa; e, em 1890, o engenheiro André de Proença Vieira pretendia ligar Alcântara a Almada. Em 1921, o engenheiro espanhol Alfonso Peña Boeuf propôs ao Governo a ideia de estabelecer a ligação entre Almada e a Rocha Conde de Óbidos, mas o projeto, apesar de ainda ser discutido no Parlamento, não se concretizou.
É que, no domínio político, surgiram as “grandes turbulências a nível institucional, a I Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial” – explicou o arquiteto autor do livro mencionado – sustentando que, a nível técnico, o projeto estava dependente do “desenvolvimento da tecnologia das pontes suspensas”, que só se tornou visível em 1937 com a inauguração da “Ponte Golden Gate”, nos Estados Unidos. Foi, segundo Rodrigues, a inauguração daquela ponte que “permitiu equacionar uma travessia com mais de dois quilómetros sem interrupção por vãos que pudessem perturbar a fluidez no rio, que “era uma das questões essenciais”.
Após a II Guerra Mundial (1939-1945), a ideia da construção da ponte sobre o Tejo visava responder à “grande explosão urbanística na margem sul”. A ponte foi estudada durante anos, mas só em 1953 foi criada uma comissão, coordenada pelo engenheiro Barbosa Carmona, com o objetivo de estudar e apresentar soluções para a construção da ponte. Em 1959, foi aberto concurso público internacional para apresentação de projetos, que reuniu 4 propostas, tendo vencido a empresa norte-americana United States Steel Export Company, que ficou responsável por ligar Lisboa a Almada. O sonho começou a ganhar forma a partir de 5 de novembro de 1962 e, passados quase 4 anos – 6 meses antes do prazo previsto –, foi inaugurada a primeira ponte sobre o Tejo na área de Lisboa e arredores. O processo da sua construção tornou-se “muito rápido, devido à coordenação do Gabinete da Ponte sobre o Tejo, chefiado pelo engenheiro Canto Moniz, no que foi secundado pelo próprio consórcio norte-americano, que era muito exigente.
A construção da “Ponte 25 de Abril”, que tornou a travessia entre as duas margens do rio Tejo mais fácil e rápida, envolveu cerca de 3000 trabalhadores e constituiu um bom exemplar de “grande inovação técnica” para a época. A criação da estrutura custou cerca de 2 milhões de contos (cerca de 10 milhões de euros), um investimento muito elevado ao tempo, mas financiado pela banca estrangeira, designadamente a norte-americana.
De acordo com Luís F. Rodrigues, a obra envolveu “muitos recursos técnicos e humanos, mobilizou muitos operários, congregou engenheiros de diferentes nacionalidades, sobretudo norte-americanos, e “constituiu quase uma escola da engenharia”.
A construção duma ponte suspensa “nunca tinha sido desenvolvida em Portugal”, pelo que esta, ao tempo a maior da Europa e a segunda maior do mundo, despertou o interesse de vários técnicos da área da engenharia. Apesar de inspirada na “Ponte Golden Gate”, nos Estados Unidos, tinha “especificidades muito próprias” e “um design muito mais leve e muito mais dinâmico” do que a norte-americana (cf op cit).
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Em tempo em que o automóvel ia a lugares aonde ao comboio não poderia ir (coisa parecida se dizia do comboio nos finais do século XIX, que chegara a sítios impensáveis), a ferrovia cedeu à rodovia. No entanto, a estrutura ficou preparada (incluindo o túnel) para a ferrovia, o que veio a concretizar-se a 30 de junho de 1999, já que, em 1996, o Governo procedeu à elaboração do projeto ferroviário, com a montagem de novo tabuleiro, alguns metros abaixo da plataforma da rodovia.
Uma ponte com história e com histórias!

2016.08.07 – Louro de Carvalho

1 comentário:

  1. (Demolidas nos anos 1980) Está incorrecta essa informação uma vez que durante os anos 80 a CML continuou a realojar famílias vindas de outros bairros, só mesmo a partir de 94 começaram realmente a realojar na Quinta da Flamenga, Bela Vista e Armador terminando em 1997.

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