No dia 5 de agosto, celebra-se a memória litúrgica de Santa
Mãe de Deus ou, em termos populares, de Nossa Senhora das Neves. Em Roma, o Milagre da Neve é lembrado cada ano desde 1983 com um
espetáculo de som e luz, no qual a neve é representada por uma chuva de pétalas
brancas lançadas do teto sobre o hipogeu da Basílica de Santa Maria Maior.
Embora
a solenidade de Santa Maria Mãe de Deus, por via da reforma da Liturgia estipulada
pelo Concílio Vaticano II, se celebre no dia 1 de janeiro, no início do ano
civil e Dia Mundial da Paz, nem por isso se deslustra este dia festivo de
agosto, dado que se comemora a dedicação da basílica de Santa Maria em Roma (introduzida a festa no santoral
romano em 1568), em
que a Virgem Mãe de Deus é venerada sob o título de Santa Maria Maior, por se
tratar do primeiro templo romano (e muito grande) dedicado a Santa Maria e ainda
a primeira igreja do Ocidente dedicada a Nossa
Senhora. A construção foi determinada sobre uma construção anterior menos
imponente, pelo papa Sisto III no ano de 431, a seguir ao Concílio de Éfeso, no
qual foi solenemente proclamado o reconhecimento de Maria como a Mãe de Deus
(theotókos) e não apenas a mãe do Cristo homem (Christotókos), como afirmava Nestório. A dedicação ocorreu em 440.
Além disso, a basílica guarda numa capela especial o célebre
ícone mariano bizantino “Salus
Populi Romani” (Salvação do Povo Romano
ou Protetora do Povo Romano), que a
tradição histórica diz ter sido pintado pelo evangelista Lucas, mas crê-se que
seja, pelo menos, do
início da era cristã. Trata-se dum título
dado no século XIX àquele ícone bizantino da Virgem com o Menino Jesus. Tem sido historicamente o mais
importante ícone mariano em Roma, embora a devoção a ele tenha diminuído em
relação a outras imagens (como a de Nossa Senhora do Perpétuo
Socorro – um ícone muito parecido).
Não obstante, ao longo dos séculos, recuperou um certo estatuto, especialmente
ao ser coroada pelo Papa Pio XII em 1954. E, nos últimos tempos, a basílica de Santa Maria Maior tem profundos vínculos
com os papas.
João Paulo II mandou
colocar e manter acesa dia e noite uma lâmpada de óleo sob a efígie da Salus Populi Romani e, a 8 de dezembro
de 2001, dia da Imaculada Conceição, inaugurou na basílica o Museu de Santa
Maria Maior, com obras de arte históricas sobre Maria. Depois, em 2003,
o mesmo Papa deu aos jovens da
Jornada Mundial da Juventude (JMJ) uma cópia contemporânea deste antigo e sagrado
ícone como símbolo de fé para ser levado pelo mundo, a acompanhar a cruz da
JMJ, dizendo:
“Hoje eu confio-vos... o ícone de
Maria. De agora em diante, ele vai acompanhar as Jornadas Mundiais da
Juventude, junto com a cruz. Contemplai a sua Mãe! Ele será um sinal da
presença materna de Maria próxima dos jovens que são chamados, como o apóstolo
João, a acolhê-la em suas vidas” (Roma, 18.ª JMJ, 2003).
Bento XVI
visitou a Basílica várias vezes pedindo a intercessão da Salus Populi Romani; e Francisco, entre visitas públicas e privadas, já foi mais de 20
vezes saudar Maria nesse templo romano, ao qual nunca deixa de ir antes e
depois de suas viagens pontifícias internacionais.
***
Deve-se ao
frade Bartolomeu de Trento, que viveu no século XIII, a versão sobre a origem
da basílica de Santa Maria Maior. Segundo a tradição, no ano 352, vivia em Roma
Giovanni, o representante do imperador, que se tinha transferido para
Constantinopla. O fidalgo riquíssimo não sabia como gastar toda a sua fortuna.
Não tinha filhos e, de acordo com a esposa, queria construir obras pias para a
Igreja, em honra de Deus e de Maria, mas não sabia quais escolher.
Entretanto, sucedeu
o inesperado: “signum de caelo descendens”.
Durante a
noite de 4 para 5 de agosto, apareceu-lhe em sonho a Virgem Maria, que lhe
ordenou construir uma igreja no lugar que estivesse com neve pela manhã. O rico
senhor acordou e pôs-se a pensar que a neve em Roma era uma coisa estranha,
pois agosto era a estação de verão, extremamente quente naquela cidade. Porém,
o mais interessante foi que a Virgem, na mesma noite, apareceu também ao Papa
Libério a dizer-lhe que, logo ao raiar do dia, subisse a colina do monte
Esquilino, pois encontraria o local cheio de neve e lá deveria erguer uma
igreja. Pela manhã, aquele facto inédito verificou-se e, enquanto a notícia se
espalhava por toda a cidade de Roma e arredores, o Papa e Giovanni, caminhando
por vias diferentes, seguidos por uma multidão encontraram-se. E lá em cima, no
monte Esquilino, comprovaram a neve. Com um bastão Libério traçou a área para
edificação da igreja que o patrício construiu apenas com o seu dinheiro. Nascia
a igreja de Santa Maria da Neves ou igreja liberiana.
Alguns dizem
que Giovanni procurara o Papa Libério para lhe contar o sonho e que ficara
surpreso quando o Pontífice revelara que também havia tido idêntica visão.
Depois, juntos com a população foram ao alto do monte Esquilino e demarcaram
sobre a neve o terreno onde a igreja havia de ser construída, seguindo o
perímetro do terreno nevado. Assim se verifica que as tradições se mesclam por
obra da alma popular que sempre uniu poesia/ficção à história.
As colinas do
monte Esquilino tinham sido, na Antiguidade, um lugar de despejo de lixo, zona
de imundices; posteriormente, tornou-se em lugar de sepultara de escravos. Na
época do Império, porém, as colinas eram ocupadas por imensas vilas de nobres.
Mas não deixava de ser um lugar de estranhas lembranças e que a comunidade
evitava frequentar.
Com a
edificação da igreja da Santa Maria da Neve ou das Neves, o local reconquistou
a visita popular. Tanto é verdade que cerca de um século depois, para celebrar
os resultados do Concílio de Éfeso, que proclamou inequivocamente e com o
aplauso dos fiéis a “maternidade divina da Virgem Maria”, o Papa Xisto III quis
mandar construir uma basílica em honra da Mãe de Deus. Mas, querendo que fosse
grande, muito grande, escolheu o mesmo local onde fora construída a igreja indicada
pela Virgem em sonho ao Papa Libério. No dia 5 de agosto de 431, foi lançada a
nova igreja, a substituir a anterior, que foi consagrada depois, com o nome de
basílica de “Santa Maria Maior”. Nela foi realizado o primeiro presépio de que
há notícia na Igreja, pelo que também ficou conhecida como basílica de “Santa
Maria do Presépio”. Nesta basílica – um dos maiores e mais belos
santuários marianos de toda a cristandade – encontram-se os primeiros e mais
ricos mosaicos alusivos a Nossa Senhora.
***
A Basílica de Santa Maria Maior é
uma das Basílicas Papais de Roma ou uma das quatro Basílicas Maiores, que são: São João de Latrão, São Pedro, São Paulo Fora dos Muros e
Santa Maria Maior.
Todas as Basílicas Maiores têm a porta santa e o altar maior ou altar papal. A porta santa é aberta com um ritual especial
pelo Papa ou por um delegado seu somente durante o Jubileu e tem uma importante
função na concessão da indulgência plenária. Do altar papal apenas o Papa e os seus delegados podem celebrar a
missa.
Santa
Maria Maior é a única basílica que
conservou a estrutura paleocristã (cristã primitiva). Tendo sido enriquecida com vários acréscimos
posteriores – nomeadamente em termos do recheio, como como capelas e obras de arte – por
confrarias, cardeais e papas.
O seu valor artístico é inestimável. Nela
está o túmulo de Gian Lorenzo Bernini, notável escultor, arquiteto e pintor
italiano.
De acordo com
o Tratado de Latrão (1929) a basílica pertence à Santa Sé,
apesar de estar localizada em território italiano, gozando de um estatuto
semelhante ao das embaixadas.
A primeira Igreja dedicada a Virgem Maria no Ocidente e uma das mais
belas e adornadas de toda a cidade, abriga entre outras coisas, abaixo do altar
central, um relicário com um pedaço da manjedoura do menino Jesus. A sua
exuberância, representada pela mais pura perfeição artística, tornou-se um dos
mais convidativos locais para recolhimento e oração.
***
O facto de
albergar o primeiro presépio escultórico (Francisco de Assis apresentou mais tarde um presépio vivo) de que há memória a evocar a gruta
do nascimento de Jesus em Belém mostra-nos a economia salvífica segundo a qual
Maria, a Mãe, nos aponta a direção do Filho Jesus e lhe aponta a Ele a nossa
direção. Os seus cuidados – sob a Palavra – de maternidade expectante, de
maternidade no nascimento e da infância, de maternidade na adultez de Jesus e
no transe do Calvário, de maternidade da Igreja (Corpo Místico de Cristo) nascente e da Igreja que vive em cada comunidade e
em todo o mundo bem demonstram que a Mãe de Deus é não só a Salus
Populi Romani, mas a mãe da Igreja e, em Cristo, a Salvação de Todo o Mundo
e a nossa Mãe.
O Ofício de Leitura da Liturgia das Horas sugere a
leitura dum excerto da Homilia do bispo São Cirilo de Alexandria, proferida no Concílio de Éfeso (Homilia 4: PG 77, 991.995-996) (Século
V) – em Louvor de Maria, Mãe de Deus.
Contemplando a assembleia dos homens santos, alegres e exultantes,
que, movidos pela santa Mãe de Deus, ali acorreram com prontidão, Cirilo
manifesta alegria por aquele “bom e agradável convívio dos irmãos” que saúdam a
Santa Trindade que os reuniu naquela “igreja de Santa Maria, Mãe de Deus”. E à Mãe de Deus chama “venerando
tesouro de toda a terra, lâmpada inextinguível, coroa da virgindade, cetro da
doutrina verdadeira, templo indestrutível, morada d’Aquele que nenhum lugar
pode conter, Mãe e Virgem, por meio da qual nos santos Evangelhos Jesus é
chamado Bendito O que vem em nome do
Senhor.
O orador saúda Maria, que trouxe no seio virginal “Aquele que
é imenso e infinito”. E justifica:
“Por
Vós, a santa Trindade é glorificada e adorada; por Vós, a cruz preciosa é
adorada no mundo inteiro; por Vós, o Céu exulta; por Vós, alegram-se os Anjos e
os Arcanjos; por Vós, são postos em fuga os demónios; por Vós, o diabo tentador
foi precipitado do Céu; por Vós, a criatura decaída é elevada ao Céu; por Vós,
todo o género humano, sujeito à insensatez da idolatria, chega ao conhecimento da
verdade; por Vós, o santo Batismo purifica os crentes; por Vós, nos vem o óleo
da alegria; por Vós, são fundadas as Igrejas em toda a terra; por Vós, os povos
são conduzidos à penitência.”
Por Ela, o Filho Unigénito de Deus iluminou os que jaziam nas
trevas e na sombra da morte; os Profetas anunciaram as coisas futuras; os
Apóstolos pregaram a salvação aos povos; os mortos são ressuscitados; e reinam
os reis em nome da santa Trindade. E,
querendo que o louvor a Maria chegue por boas mãos à Santíssima Trindade, o
orador homilético formula o voto:
“Queira
Deus que todos nós reverenciemos e adoremos a Unidade, que em santo temor
veneremos a indivisível Trindade, ao celebrarmos os louvores da sempre Virgem
Maria, templo santo de Deus, que é seu Filho e Esposo imaculado. A Ele a glória
pelos séculos dos séculos. Amen.”
2016.08.05 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário