sexta-feira, 5 de agosto de 2016

A comunidade de Taizé e a Misericórdia

O prior da Comunidade ecuménica de Taizé, no final da XXXI Jornada Mundial da Juventude, declarou esperar que os jovens que nela participaram saibam ter a “coragem da misericórdia” para construir a “amizade e a fraternidade”. Ora, a coragem da misericórdia é a linha de força da espiritualidade do triénio em curso (2015-2017) em Taizé.
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Já no verão de 2015, a Comunidade tentou a descoberta de modos de urgente envolvimento em novas formas de solidariedade por haver, em toda a terra, novos problemas – migratórios, ambientais e sociais – a desafiar tanto os crentes das diversas religiões como os não crentes. Com efeito, a violência armada, movida por ideologias desumanas gera terríveis devastações. Com lucidez e resistência ao medo gerado pela insegurança, a peregrinação de confiança – caraterística espiritual típica de Taizé – continua, pois, quem espera e vive a globalização da solidariedade precisa ainda mais da prática do apoio mútuo.
Se vem a tempestade, a casa edificada sobre a rocha permanece firme (cf Mt 7,24-25). Ora, para os crentes, a rocha é a palavra de Cristo (o próprio Cristo) que inspira a construção de vidas assentes nalgumas realidades fundamentais do Evangelho, acessíveis a todos – alegria, simplicidade, misericórdia – que o irmão Roger colocou no coração da vida da Comunidade e que permitiram que esta avance mesmo em tempos difíceis. Esta trilogia acompanha durante um triénio a caminhada de Taizé. Em 2016, a misericórdia pontifica no espírito do ano da misericórdia lançado pelo Papa, pois, o Evangelho insta-nos a testemunhar a compaixão de Deus. Por isso, a Comunidade apresenta 5 propostas para despertar nas pessoas a coragem da misericórdia.
São propostas que partem de um enunciado-chave; fundam-se em citações bíblicas pertinentes; desenvolvem um pequeno comentário reflexivo; e terminam com algumas formulações de apelo à interiorização e de estímulo à ação concreta. Assim, passamos à sua apresentação sintética.
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* Primeira proposta: Confiarmo-nos a Deus, que é misericórdia
- Segundo a Bíblia, Deus é misericórdia, compaixão e bondade:
Tu és um Deus de perdão, clemente e compassivo, lento na ira e rico em misericórdia” (Ne 9,17). “Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6,36).
= Com a parábola do pai bondoso (Lc 15,11-32), Jesus mostra que o amor de Deus não depende do que podemos fazer bem, mas é dado sem condições: o Pai ama o filho, que permanece ali toda a vida; e ao filho que o abandonou, ainda este vem longe, já ele estende os braços ao filho que regressa. Deus criou o homem à sua imagem. E, como diz Basílio de Cesareia (século IV):
“Tu tornas-te semelhante a Deus ao adquirires a bondade. Adquire um coração de misericórdia e de benevolência, para te revestires de Cristo.”
O amor de Deus, que é para sempre, pode refletir-se em nós através da nossa compaixão, que nos leva a compartilhar com muitos crentes a preocupação de colocar a misericórdia e a bondade no centro das nossas vidas.
+ Por isso, acolhamos o amor de Deus e não consideremos a oração como pesquisa trabalhosa, mas como tempo de paragem e de respiração em que o Espírito Santo nos enche do amor e permite que prossigamos uma vida de misericórdia.
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* Segunda proposta: Perdoar sempre de novo
- A Escritura exige o perdão das ofensas, mesmo que custe:
“Revesti-vos de sentimentos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente, se alguém tiver razão de queixa contra outro. Tal como o Senhor vos perdoou, fazei-o vós também” (Cl 3,12-13). Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou-lhe: ‘Senhor, se o meu irmão me ofender, quantas vezes lhe deverei perdoar? Até sete vezes?’ Jesus respondeu: ‘Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete’.” (Mt 18,21.22).
= O perdão de Deus não falha. Ao longo da vida e mesmo na cruz, Cristo perdoou e recusou-se a condenar quem quer que fosse. Sentirmo-nos perdoados e perdoar é uma das alegrias mais libertadoras. Nela reside a fonte de paz interior que Jesus nos quer comunicar. A Igreja, ao reunir os que amam Cristo, deixa-se transformar pela misericórdia. O irmão Roger ensinava:
“Quando a Igreja escuta, cura, reconcilia, torna-se no que ela é, no que ela tem de mais luminoso: uma comunhão de amor, de compaixão, de consolação – o límpido reflexo de Cristo ressuscitado. Nunca distante, nunca na defensiva, livre de severidades, ela pode irradiar a confiança humilde da fé nos nossos corações humanos.”
A mensagem do perdão divino não pode ser usada para desculpar o mal e a injustiça. Ao invés, torna-nos mais abertos para discernir as nossas faltas, os erros e as injustiças que existem à nossa volta e no mundo, cabendo-nos “reparar o que pode ser reparado”.
+ Por isso, tentemos perdoar sempre e mostremos que a Igreja é comunidade de misericórdia e aberta a todos os que nos rodeiam, através da hospitalidade, abstendo-nos de juízos sobre os outros, “defendendo os oprimidos, construindo em nós um coração grande e generoso”.
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* Terceira proposta: Aproximarmo-nos de uma situação de aflição, sozinhos ou com outros
- A Bíblia propõe a partilha de bens:
“Se repartires o teu pão com o faminto e matares a fome ao pobre, a tua luz brilhará na tua escuridão, e as tuas trevas tornar-se-ão como o meio dia” (Is 58,10). Se alguém possuir bens deste mundo e, vendo o seu irmão com necessidade, lhe fechar o seu coração, como é que o amor de Deus pode permanecer nele?” (1Jo 3,17).
= O ícone da misericórdia mostra Cristo a olhar-nos com amor e a contar a parábola do Bom Samaritano (Lc 10,29-37). Um homem abandonado quase morto à beira da estrada é visto por um sacerdote e por um levita que passam e continuam o seu caminho. Porém, um estrangeiro, da Samaria, aproxima-se, cuida dele e leva-o para uma estalagem. A misericórdia abre-nos o coração à miséria dos outros, aos problemas escondidos, à pobreza material e a todo o tipo de sofrimento: da criança que sofre, da família em dificuldade, do sem-abrigo, do jovem que não encontra sentido para a vida, do idoso solitário, do exilado... e dos que não têm acesso à educação, à arte ou à cultura. No pobre, é Cristo que espera a nossa compaixão e nos diz: “Tive fome e destes-me de comer” (Mt 25,35). Máximo, o Confessor (século VIII) meditava:
“Através da compaixão, Cristo toma sobre si os sofrimentos de cada ser humano. Na sua bondade, ele sofre misteriosamente até ao fim do mundo com o sofrimento que está em cada pessoa.”
Se ficamos feridos por via da provação, Cristo cuida de nós e o seu olhar de ternura revela-se através de alguém que está perto ou de uma pessoa desprezada, como o estrangeiro da parábola.
+ Ousemos aproximar-nos, sozinhos ou com alguns outros, de uma situação de sofrimento à nossa volta. A misericórdia não é sentimental, mas duma exigência sem limites. Enquanto a lei define bem um dever, a misericórdia nunca diz: “Isso é o suficiente, eu fiz o meu dever”.
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* Quarta proposta: Alargar a misericórdia às suas dimensões sociais
- A Bíblia quer a misericórdia a realizar a justiça social:
“Eu sou o Senhor, que exerço a misericórdia, o direito e a justiça sobre a terra (Jr 9,23). “Isto é o que o Senhor requer de ti: nada mais do que praticares a justiça, amares a lealdade e andares humildemente diante do teu Deus” (Mq 6,8).
= No coração de Deus, todos os seres humanos formam uma só família. Por isso, a misericórdia estende-se a dimensões cada vez maiores. Para que a fraternidade universal se concretize, é essencial fortalecer as instituições internacionais que democraticamente definem regras para garantir maior justiça e para manter a paz. A dívida dos países pobres é tantas vezes o resultado da exploração dos seus recursos por nações e empresas mais poderosas. Mesmo que não pareça estar ao nosso alcance levarmos a cabo uma mudança, lembremo-nos de que perdoar esta dívida é restaurar a justiça. Num contexto diferente do nosso, a Bíblia já nos recorda:
“Se um dos teus irmãos empobrecer e não satisfizer as suas obrigações para contigo, protegê-lo-ás, mesmo que seja um estrangeiro ou um inquilino, e deixa-o viver contigo” (Lv 25,35).
Em todo o mundo, mulheres, homens e crianças são forçados a deixar as suas casas e terras. A angústia cria neles uma motivação mais forte do que todas as barreiras. Os países ricos devem estar cientes de que têm a sua quota parte de responsabilidade nas feridas da história, que causaram imensa emigração, em especial a partir de África ou do Médio Oriente.
+ Convençamo-nos de que, se o afluxo de migrantes e refugiados suscita dificuldades, também pode ser uma oportunidade. Quem bate à porta dos países mais ricos do que o seu inspira esses países a tornarem-se solidários. Assumindo juntos as responsabilidades exigidas pela onda da migração, os países da UE poderiam recuperar uma dinâmica que se encontra entorpecida.
+ Ultrapassemos o medo do estrangeiro e das diferenças culturais e acolhamo-nos uns aos outros como membros da mesma família humana, pois não é isolando-nos que o medo diminui, mas indo ao encontro dos que ainda não conhecemos.
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* Quinta proposta: Misericórdia por toda a criação
- A Bíblia manda tratar bem as criaturas viventes e não viventes:
“Em seis anos semearás a tua terra e colherás o seu produto. No sétimo ano, porém, deixá-la-ás em pousio.” (Ex 23,10-11). “Em seis dias farás os teus afazeres, mas no sétimo dia deixarás de trabalhar, para que descansem o teu boi e o teu jumento” (Ex 23,12).
= Na linguagem do tempo, a Bíblia apela a que estendamos a solidariedade ao meio ambiente, ao respeito por todos os seres vivos, à não exploração da terra de forma indiscriminada. Isaac Sírio (século VII) um cristão mesopotâmico escreveu: “Um coração compassivo não pode suportar ver qualquer dano ou qualquer tristeza na criação”. As primeiras vítimas dos desastres ambientais são muitas vezes os mais pobres. As alterações climáticas já forçaram muitas pessoas a abandonar os lugares onde viviam.
A terra pertence a Deus e os seres humanos recebem-na como um dom. Por isso, uma enorme responsabilidade recai sobre nós: cuidar do planeta, para evitar o desperdício de recursos, até porque a terra é limitada, e os seres humanos devem também admitir estes limites.
A terra é a nossa casa comum e hoje encontra-se em sofrimento e degradação. Não há lugar para a indiferença perante as catástrofes ambientais, o desaparecimento de espécies inteiras, as ameaças à biodiversidade ou a desflorestação maciça em algumas partes do Orbe.
+ Expressemos a nossa solidariedade para com a criação, tomando decisões que afetam o nosso quotidiano, vigiando as nossas práticas como consumidores e cidadãos e fazendo a escolha consciente pela sobriedade. Simplificar o nosso estilo de vida será fonte de alegria. Manifestada através destas opções, a misericórdia de Deus para com tudo o que faz parte da nossa casa comum, a Terra, não é simples opção, é condição para viver feliz.
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Semana especial para jovens dos 18 aos 35 anos

De 28 de agosto a 4 de setembro de 2016, a Comunidade propõe, em Taizé, uma semana especial para jovens dos 18 aos 35 anos. O programa destina-se exclusivamente a jovens destas idades: estudantes, trabalhadores, voluntários ou à procura de emprego. Devido à especificidade deste programa, a Comunidade pede aos mais novos, aos adultos e às famílias para escolherem outra semana para irem a Taizé em 2016.
O objetivo da semana é proporcionar que jovens que partilham uma situação de vida semelhante ou o mesmo tipo de experiências se encontrem e possam partilhar sobre o seu futuro à luz da fé.
De cordo com o programa, a introdução bíblica terá lugar no final da oração da manhã. No programa incluem-se ateliês temáticos, pequenos grupos de partilha e fóruns, nos quais darão o seu testemunho diferentes convidados especiais, a saber: jovens de outros continentes, pessoas com experiências interessantes no plano da solidariedade, representantes de organizações internacionais ou de comunidades cristãs.
Para os fóruns e os pequenos grupos de partilha, surgiu a ideia de pedir a todos os inscritos para escolherem uma área de interesse entre os seguintes temas: “Social, Saúde, Educação”; “Ciência, Técnica, Novas tecnologias”; “Arte, Cultura”; e “Política, Economia, Ecologia”.
Os intervenientes nos fóruns (que terão lugar segunda, quarta e sexta-feira) poderão assim ser escolhidos em função destes grandes temas. Os ateliês temáticos (que terão lugar terça-feira, quinta-feira e sábado) serão à escolha dos participantes.
No início da tarde, haverá uma festa dos povos, seguida por vários ateliês com oradores convidados ou um ensaio de cânticos.
Também serão organizados ateliês específicos para aqueles quem tenham tido uma experiência de vários meses em Taizé, que tenham preparado um Encontro Europeu ou um Encontro Internacional noutros continentes ou que tenham feito a experiência de uma pequena fraternidade provisória.
A Comunidade encoraja os jovens que pretendem participar nesta semana a convidarem outros jovens a vir, sobretudo os que sozinhos talvez nem se lembrem desta possibilidade ou não tenham meios para vir: jovens desempregados, em situação de precariedade, refugiados, com algum tipo de deficiência…
Por outro lado, a Comunidade cuidará no sentido de o programa, as condições de vida e a contribuição nos custos da estadia não sejam obstáculo à vinda de pessoas em situação de fragilidade; e pede que não hesitem em partilhar com ela sugestões ou questões a este respeito.
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Para conhecer melhor a Comunidade de Taizé a sua espiritualidade e ação, a sua opção pela misericórdia e a semana especial para jovens dos 18 aos 35 anos, ver: http://www.taize.fr/pt
Boa demonstração de que a misericórdia é fraternidade, simplicidade e solidariedade; e que se enriquece com a oração, o estudo, a reflexão e a convivência.

2016.08.05 – Louro de Carvalho

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