domingo, 21 de agosto de 2016

Jogos Olímpicos ou “a Rio 2016” – o balanço que se impõe

21 de agosto é o dia terminal dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. O Presidente do COI (Comité Olímpico Internacional), Thomas Bach, faz balanço da Rio 2016, destacando o resultado final como 'muito positivo' e elogia evento ‘icónico’. Icónico, porquê?
Durante um encontro com jornalistas no Centro de Média do Parque Olímpico, Bach elogiou, no dia 20 de agosto, esta edição dos Jogos, afirmando:
“Com esses Jogos Olímpicos tão icónicos, o COI mostrou que é possível realizar os Jogos em outros países, não somente em países que estão no topo da lista do PIB. Nós mostramos que existe grande solidariedade entre os atletas e com os atletas. Nós conseguimos obter atenção do mundo todo, então podemos afirmar que o resumo dos Jogos é muito positivo.”
Questionado se tomaria novamente a decisão de trazer o evento para o Rio se pudesse voltar no tempo, Bach declarou-se muito satisfeito com a edição atual e daria novamente a oportunidade ao Rio e situou o evento no contexto global do país:
“Os Jogos foram realizados nos âmbitos de seus problemas sociais, seus hiatos sociais. Isso foi bom. Os Jogos ficaram perto da realidade do país e da sociedade. Os Jogos não aconteceram em uma bolha, afastados. E, sim, eu faria os Jogos aqui novamente.”
E, durante seu pronunciamento inicial, o Presidente do COI mencionou alguns “pontos altos” do evento. Entre eles, Bach lembrou os desempenhos do nadador Michael Phelps e do velocista Usain Bolt, que reafirmaram os seus papéis no desporto. Além disso, comentou exemplos que ultrapassaram as fronteiras das arenas de competição e servem de lição para a sociedade, como a história de vida da judoca brasileira Rafaela Silva, que trouxe o primeiro ouro para o Brasil. A este respeito, disse:
“Tivemos exemplos fora das arenas também. A judoca brasileira Rafaela Silva que saiu da Cidade de Deus e se tornou uma campeã olímpica. Se olharmos para ela e virmos o que ela teve que superar foi um ensinamento não só no desporto, mas para todo mundo.”
Sobre os legados concretos da Olimpíada, referiu a melhoria no transporte público, nas atividades educacionais e na construção dum novo centro de treinamento desportivo. Ao ser questionado sobre casos polémicos e sobre a segurança na cidade, aduziu que os casos fazem parte da “realidade social” do Rio e declarou:
“Nós tivemos e ainda temos total confiança na segurança e sistema brasileiros. Tivemos incidentes, mas faz parte de uma realidade social. Isso aconteceu nos jogos e não vai acabar. Nós acreditamos que as autoridades brasileiras tiveram condutas apropriadas.”.
Para defender a bondade da Olimpíada nem tudo é legítimo. Não vale desvalorizar o ataque à chama olímpica e à sua anulação, os assaltos a altos representantes oficiais e a atletas em festas de grupo ou as deficiências visíveis em vários rincões da aldeia olímpica. Não gostei de ver tais falhas de organização e segurança em torno dum evento mundial desta grandeza, conotativo da convivência e da paz. Por isso, lembro duas coisas que se dizem na minha terra: quem não quer arcar com os custos das festas não as organiza; ou quem não tem carro não se bota a taxista.
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Quanto ao balanço “positivo” que o Chefe de Missão português faz, a 21 de agosto, da nossa participação nos Jogos Olímpicos, recordo-me do que disse Jorge Coelho, quando em 1999 alguns festejavam o facto de o PS não ter obtido maioria absoluta nas eleições legislativas (conseguiu apenas metade dos deputados: 116): “Cada um festeja o que pode”. 
José Garcia, a este respeito, destaca que houve 10 resultados entre os 6 primeiros (o que deu lugar a 10 documentos), o dobro de Londres. Apesar disso, reconhece que esperava mais medalhas. Porém, só por ironia, o Chefe de Missão nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro se pode manifestar “extremamente orgulhoso” com a comitiva que liderou, fazendo um balanço “positivo” da prestação de Portugal. Mas ele frisou irrefutavelmente:
“O balanço é positivo. Temos a melhor prestação de sempre em termos de resultados nos seis primeiros. Dez atletas conseguiram, nas competições em que participaram, estar ao mais alto nível.”
E, salientando o bronze no judo, disse:
“Temos uma medalha da Telma Monteiro, uma medalha merecida, não só porque ela tem um currículo desportivo extremamente rico, mas porque comprovou o seu nível”.
Na verdade, Telma ficou no topo da 'pirâmide', mas muito mais foram os destaques, já que, “em 58 competições”, a missão logrou outros resultados de “muita relevância”, com relevo para os “10 entre os seis primeiros, dobrando os cinco de Londres 2012”. E, recorrendo à estatística, José Garcia lembrou também as 19 classificações no top 10, e mais 13 até aos 16 primeiros, e sublinhou que “dos 91 atletas, 29 regressam a casa com diploma, 38 saem no 'top 10' e 50 na posição de semifinalistas”, destacando ainda “os vários jovens que vieram pela primeira vez”.
Em termos de medalhas, Telma foi a única a consegui-lo, mas José Garcia lembra que Portugal só conseguiu “duas medalhas por cinco vezes e três em duas ocasiões”. No entanto, comentou:
“Devíamos ter ganhado duas medalhas (de acordo com as contas de que 25% dos apoiados deviam chegar ao pódio) e tudo fizemos para que isso acontecesse. Temos de assumir que esse número não foi atingido, mas tudo fizemos, os atletas em particular, para conseguirmos honrar esse compromisso.”
Mesmo assim, Garcia opina que se registaram progressos:
“Melhorámos no global e é isso que pretendemos, que a equipa cresça, se fortaleça e faça destas missões cada vez melhores. Todos eles, independentemente do que conquistaram, tentaram fazer o melhor para a sua modalidade e para Portugal.”
Reconhecendo que Portugal não reúne as melhores condições para os atletas, comparado com outros países, relevanta a esperança em melhorias:
“Tenho sempre esperança no futuro, senão não andava cá. A verdade é que melhorámos em relação a Londres 2012, na minha perspetiva. Estivemos tão perto de uma segunda medalha, com um quarto lugar, com uma série de quintos lugares e de sextos.”
Mas pressupõe que o objetivo de conseguir é âmbito do “foro político”, sendo que “caberá à Secretaria de Estado do Desporto e Juventude, ao IPDJ, ao Comité, às federações, aos treinadores, aos atletas definirem o melhor caminho para o desporto em Portugal”. E, limitando-se ao seu papel de chefe de missão, afirma:
Espero que os nossos atletas tenham o que merecem, porque são excecionais e porque mais de 65% conseguem combinar a sua carreira desportiva de excelência com carreiras académicas de excelência. Isto deve ser usado como exemplo para todos nós, temos de estar orgulhosos.”
Porém, reconhece a necessidade de melhorar:
“Temos algumas coisas a melhorar e isto é alto rendimento. Os atletas, e tivemos lágrimas de alegria e lágrimas de tristeza, a este nível nunca estão satisfeitos. Tivemos vários casos de atletas que conquistaram três medalhas, uma de prata e duas de bronze, e não ficaram satisfeitos, porque queriam uma de ouro.”
Não obstante, segundo o Chefe da Missão portuguesa, nem tudo tem a ver com resultados:
“Temos uma equipa fabulosa e fiquei extremamente orgulhoso de liderar uma missão como esta. Estamos imbuídos num espírito de união, de amizade e de honra. Todos nós estamos extremamente orgulhosos de representar Portugal. Estamos aqui genuinamente portugueses e aquela bandeira, quando sobe, faz-nos tremer efetivamente. Quando o hino toca, emociona-nos, mas empurra-nos para a frente, para fazermos melhor.”
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Para Carlos Moia, os resultados foram abaixo das expectativas mas não há milagres. Segundo o dirigente do Maratona Clube de Portugal, para haver melhores resultados desportivos, é preciso mais dinheiro do Estado. Assim, considera de forma realista:
“Não há milagres. Agora, também é preciso ver que, para que haja milagres, é preciso haver dinheiro, é preciso haver apoio, um apoio que nasça das escolas. É preciso haver um profundo apoio do Estado e não haver um apoio praticamente dos clubes. O apoio escolar praticamente acabou e essa é que é a vergonha nacional.”
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Só faltava que a opinião pública alinhasse acriticamente com o balanço positivo e icónico do COI. Mas não. Jornais e sites da Alemanha destacam a recuperação do orgulho e autoestima pelos brasileiros e criticam o presidente do COI pelo seu “balanço cor-de-rosa” da Rio 2016. O COI esconde, provavelmente por cegueira, os defeitos e problemas dos Jogos do Rio de Janeiro.
Quanto à autoestima, é de salientar que, por dois anos os brasileiros sofreram com a vergonha imposta pela seleção alemã no Campeonato do Mundo, mas a vitória olímpica em futebol trouxe a reconciliação com os adeptos. E o papel principal na dramática final coube a Neymar, o qual, após um início ruim nos Jogos Olímpicos, não falou mais com a imprensa, mas, depois do triunfo, disse: “Respondemos com futebol”.
O Süddeutsche Zeitung comenta a faixa na cabeça de Neymar com uma mensagem religiosa “100% Jesus”.
“As regras nos Jogos Olímpicos são claras: O COI proíbe mensagens religiosas na competição. A celebração missionária do ouro do Brasil no futebol, por Neymar, pode resultar em consequências”.
É a regra 50.3 da Carta Olímpica que está em causa, sendo que as decisões sobre a sua violação são tomadas pela Comissão Executiva do COI e são incontestáveis. A regra 50.3 já foi alvo de discussões nos Jogos do Rio. Assim, cartazes de manifestações contra o presidente Michel Temer foram proibidos nas arenas, pois os Jogos não devem ser palco para debate político.
O mesmo periódico diz que o Presidente do COI embeleza os Jogos para si mesmo e explica:
“Os Jogos do Rio não foram um sucesso de público. As condições para os atletas não foram sempre boas. E os atletas também não estiveram sempre em união. Pelo contrário. Eles estiveram mais ‘brigados’ do que nunca. E também deve ser posta em dúvida que os cariocas são gratos exclusivamente ao COI por todos os novos metros, ónibus e ruas. No final das contas, o país inteiro pagará uma elevada fatura pela festa olímpica.”
Também o Die Welt, depois da referência que faz ao futebol, fala do Brasil:
“As coisas não estão bem no Brasil. O país está enfrentando muitos problemas; afundado numa crise contínua. Portanto, é ótimo que as pessoas se possam orgulhar de algo novamente. E mesmo que seja apenas um jogo de futebol vencido. Aqui no Brasil, às vezes, isso realmente vale muito.”
Por seu turno, o Spiegel Online critica o balanço do COI ou o “sonho cor-de-rosa de Bach”:
“Quando o presidente do COI, Thomas Bach, afirma que os Jogos Olímpicos não custaram nada ao contribuinte, ele simplesmente se refere ao orçamento da organização, que abrange apenas uma fração dos custos gigantescos, que totalizam cerca de 20 biliões de dólares. Um dos repórteres investigativos brasileiros mais famosos, Jamil Chade, que trouxe à tona muitos escândalos sobre a máfia no futebol e os Jogos do Rio, prevê inúmeros processos por corrupção. Inúmeros documentos sobre corrupção envolvendo os Jogos Olímpicos se acumulam na Procuradoria-Geral – e trarão problemas também ao presidente do Comité Organizador e do COB, Carlos Arthur Nuzman”.
De facto, neste país tão famoso pela sua hospitalidade, os Jogos serviram sobretudo as elites ricas, que disputaram diversos contratos olímpicos para as suas empresas, e os “cartolas”, como é chamada a casta corrupta dos dirigentes desportivos. E os Jogos do Rio terminam com um ato que mostra melhor do que qualquer outro a desonestidade e a razão para a falta de confiança na marca olímpica: na cerimónia de encerramento, a saltadora russa Yelena Isinbayeva, banida dos Jogos de 2016 pela IAAF (Associação Internacional de Federações de Atletismo), fez o juramento olímpico como novo membro do COI.
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É pena que os Jogos Olímpicos percam, em seriedade, em objetivo desportivo, em convivência e organização. Se nada é perfeito, é pelos menos necessário que tudo seja rodeado de segurança, condições de vida. E os balanços – sejam do COI, sejam dos comités nacionais – devem ser rigorosos e partir de uma honesta e objetiva autoavaliação, secundada pela avaliação coletiva, através das quais se aprenda a melhorar.

2016.08.21 – Louro de Carvalho

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