terça-feira, 30 de agosto de 2016

Sobre a Assembleia Geral da CMIS

Decorreu, no Centro Salesianum, em Roma, de 21 a 25 de agosto, a Assembleia Geral da CMIS (Conferência Mundial de Institutos Seculares), sendo os seus temas centrais a “formação dos membros de Institutos seculares” e a “identidade da consagração dos próprios Institutos”.
O evento reuniu responsáveis gerais dos Institutos Seculares membros da CMIS e presidentes das conferências nacionais e continentais dos Institutos Seculares. No total, foram mais de 140 os participantes, representando 25 países de 5 continentes. A Missa de abertura foi presidida pelo cardeal Dom João Braz de Aviz, Prefeito da CIVCSVA (Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica), no dia 22. Além de ter relatado as atividades da CMIS nos últimos 4 anos, apreciado as suas contas e promovido a eleição dos seus órgãos de governança, o encontro examinou subtemas importantes para o próximo quadriénio, no âmbito dos temas centrais acima referidos, como: a laicidade como sede natural da formação; as novidades emergentes de diferentes culturas e continentes; os vários perfis e andamentos dos Institutos; e a redescoberta do valor duma vocação evangélica que não busca visibilidade ou eficiência. E, a 24 de agosto, teve lugar a audiência com Papa Francisco, que saudou os participantes na Assembleia Geral da CMIS e lhes disse:
“Com fervorosos bons votos de que o atual Jubileu da Misericórdia seja para vós e para as vossas famílias um tempo de graça e de renovação espiritual, invoco sobre vós a alegria e a paz do Senhor Jesus!”.
Também se tornou central a reflexão sobre o 70.º aniversário da “Provida Mater Ecclesia”, a Constituição Apostólica sobre Institutos seculares, assinada por Pio XII em 1947. A Assembleia elegeu os órgãos da governança, de que se destaca o Conselho executivo, a quem é confiada a tarefa de executar as orientações da Assembleia Geral.
Entretanto, o Papa, em mensagem assinada pelo Cardeal Secretário de Estado enviou a cada Instituto uma fórmula de “síntese renovada” entre o aspecto laical e o de consagração desta peculiar vocação: “criar unidade entre consagração e secularidade, entre ação e contemplação”. E, citando Paulo VI, afirmou que estes Institutos estão numa “misteriosa confluência entre as duas poderosas correntes da vida cristã”, a laical e a voltada para Deus pela profissão dos conselhos evangélicos – correntes que Francisco não quer ver separadas nem subordinadas uma à outra. A explicitar esta sua visão integradora, sustenta:
 “Não se é antes leigos e depois consagrados, mas nem mesmo antes consagrados e depois leigos, é-se contemporaneamente leigos e consagrados”.
E acrescenta:
“Deriva também outra consequência importantíssima: é necessário um discernimento contínuo, que ajude a concretizar o equilíbrio; um comportamento que ajude a encontrar Deus em todas as coisas”.
Para tanto, urge uma cuidadosa formação que esclareça como, mesmo não “sendo exigida” aos leigos dos Institutos Seculares a vida comunitária, “é essencial a comunhão com os irmãos”. Ademais “a secularidade move-se com um amplo respiro, em vastos horizontes”, o que leva quem faz parte dele, a aceitar “a complexidade, a fragmentação e a precariedade do nosso tempo” e a ser criativo em “imaginar soluções novas, inventar respostas inéditas e mais adequadas às novas situações que se apresentam”, “vivendo uma espiritualidade capaz de conjugar os critérios que vêm “do alto”, da graça de Deus, e os critérios que vêm “de baixo”, da história humana”, lida e interpretada”.
Depois, o Papa exorta estes Institutos a intensa “vida de oração”, a “serem uma chama acesa” para homens e mulheres que buscam uma luz e, por estarem mergulhados no mundo, a serem “testemunhas do valor da fraternidade e da amizade”. Nestes termos, “o maior desafio, para os Institutos Seculares, é o de serem escolas de santidade”, com os conselhos evangélicos de castidade, pobreza e obediência, testemunhando que se pode ser livre e humilde e estar a serviço dos outros, muitos dos quais são “pessoas que perderam a fé ou que vivem como se Deus não existisse, jovens sem valor e ideais, famílias desagregadas, desempregados, idosos sozinhos, imigrantes...”. E aponta como modelo Maria, que “levava uma vida normal, parecida com a de tantos outros, e assim colaborava com a obra de Deus”.
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Fundada em 1972, a CMIS recebeu a aprovação da Santa Sé em 1974. É um projeto com o objetivo de contribuir com a colaboração dos Institutos Seculares de modo que possa ser efetivamente no mundo “fermento para o vigor e o crescimento do Corpo de Cristo”, isto é, a Igreja (vd Perfectae Caritatis, 11). Assim, coopera com cada Instituto para que alcance o seu próprio fim. Em particular, a CMIS: favorece os contactos, trocas de experiências e a ajuda fraterna entre os institutos e mantém relações regulares com outros grupos, como as conferências nacionais e territoriais em espírito de serviço; promove estudos e pesquisas para aprofundar a atual missão dos Institutos Seculares, tomando como base os documentos da Santa Sé e do Concílio, tendo em consideração as experiências vividas pelas mesmas instituições; e manifesta as necessidades, os interesses, as opiniões dos Institutos à Santa Sé. (Estatutos,1). A CMIS é um lugar de encontro, de troca e de pesquisa ao serviço dos Institutos (Estatutos, 2).
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Mas o que são Institutos Seculares?
Toda a gente ouviu falar de frades e freiras – homens e/ou mulheres que acrescentam à consagração batismal a consagração específica em torno dos valores ou conselhos evangélicos (pobreza voluntária, obediência inteira e castidade perpétua). Se vivem isolados no deserto, chamam-se eremitas ou anacoretas; se vivem em comunidade de vida contemplativa com clausura, oração e trabalho no mosteiro ou cenóbio, são monges (cenobitas); se vivem em comunidade ou nela se encontram regular e periodicamente, entregues sobretudo à ação (pregação, ensino, saúde, promoção social, missões…), são irmãos e vivem no convento ou em pequenas comunidades. Muitos dos frades recebem a ordenação sacerdotal, mas, em vez da promessa da obediência ao bispo diocesano e sucessores, prestam obediência ao seu ordinário e sucessores.
E os institutos seculares? Formam-se a partir de homens e/ou mulheres que se encontraram com Jesus e se apaixonaram por Ele, mas, seguem-No pela profissão dos conselhos evangélicos vivendo no mundo (a sós ou em família ou em grupo de amizade), sem hábito e exercendo normalmente uma profissão. É o que se designa por consagração secular e/ou secularidade consagrada.
À pergunta, “porquê esta paixão pelo mundo?”, respondem com a vida, “porque esta é a paixão de Deus!”. Chamados a uma plena e completa consagração a Deus vivida em pleno mundo, desejam viver e atualizar o mistério da Vida e Ressurreição de Jesus a partir de dentro do mundo e com os meios do mundo como Jesus nos seus 30 primeiros anos na família de Nazaré. 
A sua consagração impele-os à radical fidelidade ao Evangelho até as últimas consequências. Estar no mundo, como fermento e sal, com presença discreta, mas ativa e transformadora das pessoas e da realidade, constitui a sua estratégia específica e privilegiada de evangelização. A opção pela secularidade consagrada é fruto de resposta a uma vocação divina para contribuir para que o mundo seja o que e como Deus quer; é amar o mundo onde Deus os coloca, para o transfigurar com o testemunho de vida a partir de dentro. É Evangelização a partir da presença pessoal no meio familiar, sociopolítico, cultural e profissional em conformidade com a vocação pessoal discernida à luz do evangelho e realidade em que se vive.
Os Institutos Seculares, embora ensaiados antes, por exemplo por Santo António Maria Claret, ganharam estatuto eclesial e fundamento sólido com os documentos do Magistério de Pio XII: a Constituição Apostólica “Provida Mater Ecclesia” (1947); o Motu Proprio Primo Feliciter” (1948); e a Instrução Cum Sanctíssimus (1948). Mais proximamente, referem-se-lhes discursos de Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI, o Decreto Perfectae Caritatis (n.º 11) o Código de Direito Canónico (cânones 710-739) e a Exortação Apostólica Vita Consecrata (n.º 10).
Os seus membros são seculares (leigos) consagrados. A vocação destes Institutos é a especial consagração vivida de modo secular e a vida plenamente secular vivida de modo consagrado. E os seus membros encontram no exercício profissional  o meio de sobrevivência e o espaço de missão e de testemunho do Reino: consagram a secularidade; vivem os conselhos evangélicos a partir do mundo: a sua consagração é secular. Paulo VI (26/09/70) define-os assim: “Pertenceis à Igreja a título especial, o vosso título de seculares consagrados”. E o facto de a maioria destes Institutos não terem obras próprias torna os seus membros abertos ao pluralismo no campo profissional. Escolhem livremente a profissão conforme as suas habilidades, discernimento e desafios do carisma. Como já foi dito, os membros dos Institutos Seculares residem com as suas famílias, sozinhos ou em pequenos grupos de pessoas que partilham ou não a mesma vocação.
Nestes casos, a formação e acompanhamento acontecem com a pessoa a conviver no ambiente familiar, profissional e social, tendo encontros periódicos com os (as) formadores(as), encontros mensais e retiros do Instituto. Esta missão no mundo exige maturidade humana e evangélica para ser testemunha de Jesus Cristo e do seu amor pela humanidade e postula o cultivo de intensa vida de oração litúrgica e pessoal a desembocar na experiência pessoal de convivência íntima com Aquele a quem se escolhe como Único Amor e sentido absoluto da vida.
Importa a unidade com a Igreja. Os(as) consagrados(as) seculares guardam discrição e, em alguns casos, sigilo sobre a sua vocação, mas devem ter acompanhamento espiritual e levar ao conhecimento do Bispo a presença do Instituto na Diocese. A consagração compromete-os(as) com a Igreja e fá-los(as) sempre interessados(as) e dispostos(as) a conhecer, acolher e viver as suas diretrizes e projetos de evangelização. Fazem-no como filhos(as) que se colocam ao serviço da Mãe Igreja sempre que puderem, de acordo com as suas condições e necessidades de atuação. Normalmente, o Instituto não dirige a ação dos seus membros e cada um assume a sua missão em caráter pessoal na Igreja.
A consagração secular expressa-se pela profissão dos conselhos evangélicos em consequência da radical opção pelo seguimento de Jesus Cristo, que durante a sua vida terrena teve Deus como único amor (castidade), seu único bem (pobreza) e o fiel cumprimento da vontade do Pai como sua única vontade (obediência).
O dom da pobreza evangélica voluntária é o fascínio pelo estilo de vida que Jesus viveu; purifica o olhar para discernir o definitivo e o transitório, levando a escolher o definitivo; compromete a pessoa no uso definido e limitado dos bens e, na consagração secular, inclui o exercício de trabalho civil. É o Amor que se doa e se compromete a compartilhar tudo o que possui – dons e talentos e/ou o que se adquire com o fruto do trabalho, indo ao encontro dos mais necessitados, em rostos concretos que se encontram na vida.
O dom da obediência inteira leva a contemplar, aprender e seguir a obediência de Jesus, que fez em tudo a vontade do Pai; é o Amor que se entrega sem reservas e descobre a vontade do Pai, manifestada na Igreja, na Norma de Vida e nos irmãos/irmãs do Instituto, nos factos da vida concreta e no cumprimento dos deveres profissionais e civis; é a confirmação do “Sim!” a Deus, no quotidiano da vida.
O dom da castidade consagrada e perpétua valida a opção exclusiva por Deus; é o Amor que se sacrifica e dá a vida disponibilizando o coração para o amor universal no anseio de se configurar ao amor de Deus, indo ao encontro das pessoas, especialmente dos deserdados do amor, vitimados pelo abandono, pobreza e/ou outras vicissitudes da vida.
Pio XII, no Motu ProprioPrimo Feliciter”, ensina que toda a vida dos membros dos Institutos Seculares se deve converter em apostolado, “exercido, constante e santamente por uma tal pureza de intenção, uma tal intimidade com Deus, um tal generoso esquecimento e abnegação de si próprio, um tal amor das almas, que seja capaz de revelar o espírito interior que o anima e na mesma proporção o alimente e renove sem cessar” – apostolado que “deve exercer-se fielmente não só no mundo, mas dalgum modo, a partir do mundo e, por isso, em profissões e atividades, formas, lugares e circunstâncias correspondentes a esta condição secular”.
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São um modo de exprimir o ser e a missão da Igreja, estando no mundo sem ser do mundo e implorando que o Pai nos livre, não do mundo, mas do mal.

2016.08.30 – Louro de Carvalho

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