Na
década de 90 do século passado, o último do milénio anterior, deparei-me, ao
entrar em alguns cafés da zona geográfica onde residia e trabalhava, com aquilo
que eu chamava a “propaganda à unha”: pedia-se um café e lá vinha o dito na
chávena sobre o pires, vindo sobre este a colherinha e o pacotinho de açúcar
com a publicidade ao preservativo por obra e graça de um determinado grupo empresarial
de comercialização de café.
Quando
eu pedia um café ou uma bica e me confrontava com o facto do café e açúcar embrulhados
naquela postura, usualmente devolvia o pacotinho de açúcar e dizia que só pretendia
“tomar café”… Hoje, como deixei, por
motivos de saúde, de utilizar açúcar para condimentar qualquer bebida, não sei
se isso continua a suceder.
Entretanto,
devo dizer que não perdi antanho a oportunidade de fazer saber da minha
discordância através de um agente do aludido grupo empresarial, sustentando claramente
que, independentemente do juízo moral e/ou científico a produzir ou do direito
de publicitação de um produto, não me parecia proveitosa e ética a “propaganda à
unha” do preservativo (achava descabido meterem-nos uma coisa pelos
olhos a dentro). Havia
a rádio, a TV, os jornais e revistas, os painéis expositores, etc. Porém um indivíduo
não devia ser obrigado a levar com aquilo que não queria ou, em alternativa, a
ter de rejeitar de forma ora hipócrita ora ostensiva.
Agora,
a propósito dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, fizeram-se muitas críticas às
condições de instalação na “aldeia olímpica”, enalteceram-se as qualidades de
organização e segurança da olimpíada, a prestação dos atletas e o caráter “icónico”
do evento mundial; criticou-se o balanço otimista feito pelo Presidente do Comité
Olímpico Internacional; e foi referido que foram distribuídos 245 mil
preservativos aos residentes na “aldeia olímpica”, responsáveis pelo
entupimento de algumas das vias de esgoto.
Sobre
os demais pontos que foram objeto de crítica já me pronunciei. Agora passo a
interrogar-me se estava a raciocinar certo quando estava convicto de que os
atletas estavam ali “para competir”, representando os seus países e os dirigentes
e elementos da logística estavam ao serviço da competição.
***
Hoje,
como habitualmente, fui comprar a revista Visão
ao quiosque. Saltou à vista a capa, que promete uma reportagem subordinada ao
tema “Sexo sem medo” e elucida:
“O
fantasma da sida já não assusta. Um medicamento, aprovado no mês passado, evita
a transmissão do VIH e é usado por quem tem comportamentos de risco. O preservativo
fica esquecido e ganham terreno outras infeções sexualmente transmissíveis.”
Depois,
vem colado um exemplar de preservativo no canto inferior direito da mesma capa,
retirado o qual, se pode ler “Oferta da
Direção-Geral de Saúde e da Associação Abraço”. são distribuídos 80 mil.
Então,
lembrado das memórias do passado do outro milénio, apraz-me dizer: “Eu apenas queria ler”.
Independentemente
das concordâncias/discordâncias por motivos científicos, éticos, medicinais, profiláticos
ou negociais, rejeito a “propaganda à unha”. E quero recordar como o
facilitismo e o negócio levaram a crítica mundial a “crucificar” o atual papa emérito
por motivo das declarações que ele produziu no âmbito da sua viagem apostólica aos
Camarões e a Angola. Afinal, os perigos vão passando, mas o preservativo persiste
intocável no seu foro de cidadania.
Se
os formadores de Seminário soubessem da “eficácia do preservativo” qual remédio
para todas as doenças e antídoto contra todas as tentações, bem podiam
dispensar os destinatários dos seus discursos daquelas preleções monótonas a
promover a vigilância sobre os sentidos e sensações – vista, ouvido, olfato, gosto
e tacto para não se cair em tentação e para que o Senhor nos livre do mal. Com cinco
preservativos distribuídos a cada um tê-los-iam libertado do inferno e, a
continuar assim, os padres talvez deixassem de pedir a dispensa do exercício do
sacerdócio para contraírem matrimónio.
Podem
objetar que era preciso multiplicar sucessivamente as doses. Respondo que
poderiam estabelecer protocolo com a Direção-Geral de Saúde, que pode não ter
recursos para mais nada, mas para isso tem sempre.
Já
agora me recordo de que um aluno do curso de construção civil numa escola
profissional, no segundo milénio, apresentou como trabalho de projeto para finalização
do curso – a PAP (prova de aptidão profissional) um estudo sobre a remodelação
da igreja da sua paróquia. Ora, ao explicar perante o júri os diversos materiais
e a sua aplicação, a cada passo se lhe ouvia dizer: “depois aplica-se-lhe um preservativo”.
O
Presidente do Júri, reparando que ele confundia as palavras “preservativo” e “preservante”,
comentou ironicamente: “Talvez a tua
Igreja não esteja pelos ajustes”. E um outro membro do júri, percebendo que
o aluno não tinha percebido, atalhou: “As
pessoas vão à igreja para rezar”.
***
Enfim,
deixem que as pessoas exerçam o direito de só quererem “tomar café”, “competir”,
“ler”, “rezar” e que se decidam pelo resto se, como e quando quiserem.
É
que eu hoje de tarde só queria mesmo ler.
2016.08.25 – Louro de Carvalho
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