sábado, 20 de agosto de 2016

A hipocrisia e o despudor já saturam

Entre uma e o outro que venha o diabo e escolha, se é que lhe apetece.
Vem o tema a propósito de dois casos: a geringonça das votações no seio do Conselho de Segurança a ONU com a melhor votação para António Guterres pelas duas vezes consecutivas em que se procedeu a tal votação; e a escolha, pela primeira vez, de um português para o comando do JALLC (sigla inglesa de: Joint Analysis and Lessons Learned Centre), ou seja, o centro de investigação analítica da NATO localizado em Lisboa (Monsanto).  
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A 21 de julho, o Expresso on line noticiava que António Guterres fora o candidato mais votado na 1.ª votação para secretário-geral da ONU e que imediatamente atrás do candidato português ficara o ex-Presidente esloveno Danilo Turk. Além disso, explicava:
“Na corrida ao cargo de secretário-geral estão, neste momento, 12 candidatos, metade dos quais mulheres, entre elas a Ministra dos Negócios Estrangeiros da Argentina, Susana Malcorra, a antiga chefe do governo neozelandês e dirigente do Programa da ONU para o Desenvolvimento, Helen Clark, e a ex-ministra dos Negócios Estrangeiros búlgara e diretora da UNESCO, Irina Bokova”.
Por outro lado, anotava que a indicação dum candidato pelo Conselho de Segurança à Assembleia Geral requeria, pelo menos, 9 votos a favor, incluindo os dos 5 membros permanentes do Conselho de Segurança (China, França, Estados Unidos, Reino Unido e Rússia).
A 5 de agosto, o Jornal de Negócios referia que o ex-primeiro-ministro português consolidara a sua posição entre as preferências do Conselho de Segurança para poder tornar-se o 9.º secretário-geral da ONU, ao destacar-se de novo na votação dos 15 países membros do Conselho de Segurança. Com efeito, o candidato recebeu 11 votos de encorajamento, 2 de desencorajamento e 2 sem opinião, continuando à frente de Danilo Turk – o esloveno estava em 2.º lugar na 1.ª ronda de votações e agora passou para 4.º. Logo a seguir a Guterres, nesta votação, ficou Vuk Jeremic, ex-ministro sérvio dos Negócios Estrangeiros, com 8 votos de encorajamento (mas com 4 de desencorajamento e 3 sem opinião). Também com 8 votos de encorajamento ficou a ministra argentina dos Negócios Estrangeiros, Susana Malcorra (mas 6 de desencorajamento e 1 sem opinião). 
Estão, pois, na corrida ao posto cimeiro da ONU 11 candidatos – 6 homens e 5 mulheres – depois de Vesna Pusic, ex-ministra croata dos Negócios Estrangeiros, ter desistido. Porém, apesar de Guterres ter vencido estas duas votações, há senãos. Nesta votação indicativa feita pelos 15 Estados que atualmente compõem o Conselho de Segurança da ONU (5 permanentes e 10 não-permanentes), o candidato recebeu 2 votos de desencorajamento. Se estes 2 votos foram provenientes dum dos membros permanentes, por exemplo da Rússia ou da China, de nada lhe servirá a liderança atual. O português tem contra si o princípio da rotatividade, segundo o qual, desta vez, deveria ser alguém proveniente da Europa de Leste a ocupar a liderança da ONU. Por outro lado, acreditava-se que, desta vez, seria indicada para o cargo uma mulher.
Acresce um outro fator potencialmente desfavorável a Guterres. Moscovo tem-se oposto a candidatos provenientes de países-membros da NATO. E Portugal é um dos fundadores desta organização atlântica. Por sua vez, Ban Ki-moon – que, em recente visita a Portugal a convite do Presidente da República, elogiou António Guterres, que considera “um grande líder, com uma forte visão” e por quem tem uma grande admiração (que “deu um grande contributo à Humanidade como Alto Comissário para os Refugiados“, tendo deixado “um grande legado”) – referiu há, poucos dias, que estava na hora de a ONU ser liderada por uma mulher.
Por mim, pergunto-me por que motivo vem a realizar-se esta palhaçada das votações. Se querem um candidato de Leste ou uma mulher, digam-no claramente. E, sobretudo, acabem de vez com o direito de veto de alguns membros do Conselho de Segurança.
Também se torna irritante o facto de a candidata da Argentina, depois de Angola ter declarado o seu apoio a Guterres, ir a Angola pescar em águas turvas a coberto do hipotético facto de Guterres representar para os angolanos o passado de colonialismo (vd Expesso de hoje, 20 de agosto).
Será que a Argentina ainda vive o trauma do colonialismo espanhol ou britânico? Ainda não cresceu? Ou será que Angola já não teve tempo de em 40 anos se desfazer desse trauma? Para negócios, os angolanos não têm traumas. Mas alguns esqueceram que foi com a formação académica em Portugal que os seus antepassados revolucionários reconheceram o colonialismo.
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Também, há dias, foi notícia que pela primeira vez, o JALLC (sigla inglês para designar “Joint Analysis and Lessons Learned Centre”), ou seja, o Centro Conjunto de Análises e Lições Aprendidas da NATO, vai ser comandado por um português.
O Centro Conjunto de Análises e Lições Aprendidas da NATO, em Monsanto, que depende do Comando Aliado da Transformação (Norfolk, EUA), foi inaugurado no final de 2002 pelo então Ministro da Defesa Paulo Portas. Instalado, pois, na capital há 14 anos, o JALLC é o agente da NATO (sigla, em inglês, da Organização do Tratado do Atlântico Norte) perito em análise conjunta, que tem 66 pessoas ao seu serviço, entre militares e civis, oriundos de 16 países. E, a partir de 19 de agosto, é comandado por Mário da Salvação Barreto, brigadeiro-general da Força Aérea, que sucede ao brigadeiro-general Mircea Mîndrescu, da Roménia.
A cerimónia de tomada de posse, que decorreu nas instalações do JALLC a 19 de agosto, contou com a presença do Ministro da Defesa Nacional, Azeredo Lopes, e com Manfred Nielson, da NATO. Jorge Saramago, 2.º comandante, explicou à agência Lusa que “este centro se situa ao mais alto nível da estrutura da Aliança Atlântica”, apesar de ser “pouco conhecido em Portugal e na própria NATO porque se dedica a procurar soluções, a apresentar propostas para problemas ao mais alto nível”, problemas que não especificou.
Sendo um centro de estudo, o JALLC é “talvez uma das estruturas mais multinacionais de toda a NATO”, na qual são analisados problemas complexos e apresentadas soluções aos dois grandes comandos estratégicos da Aliança Atlântica para “melhorar o emprego operacional das forças ou até a própria estrutura” da organização. De acordo com o seu 2.º comandante, o centro tem ainda a responsabilidade de interagir “com a nação hospedeira, neste caso Portugal, para apoiar toda a comunidade da Aliança Atlântica que reside por motivos de serviço no país”.
O JALLC é o centro responsável pela análise conjunta das atuais missões operacionais da NATO, assim como dos treinos e exercícios, fazendo depois recomendações sobre o desenvolvimento ou melhoria dos conceitos, doutrina e capacidades militares da Aliança. Um exemplo do trabalho do JALLC é o relatório sobre a proteção de vítimas civis no Afeganistão, publicado há um ano e elaborado a partir da missão da NATO nesse país entre 2001 e 2014.
Outra particularidade é o facto de Portugal voltar a ocupar, ao fim duma década, o principal cargo num órgão da estrutura de comandos da NATO – agora com um oficial general da Força Aérea. Tal havia acontecido (entre 1982 e 2004) com militares da Marinha, à frente do comando operacional da Aliança em Oeiras.
Com a posse de Mário Barreto, piloto-aviador dos caças F-16 e ex-comandante da Base Aérea de Beja, cria-se também uma situação rara, senão única, num órgão multinacional da estrutura de comandos da NATO, os dois cargos principais serem ocupados por oficiais da mesma nacionalidade. Esta coincidência passará a ocorrer de três em três anos e decorre da última distribuição de cargos pelos países da NATO, em que ficou assente que o comando do Centro passaria a ser ocupado de forma rotativa entre Portugal e a Roménia. Isto resulta também de o cargo de chefe do Estado-Maior do JALLC, que assegura a ligação da agência ao país hospedeiro, se manter ocupado por um oficial superior português, o coronel Jorge Saramago (Exército).
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A NATO é uma aliança militar composta por 28 países, com sede em Bruxelas (Bélgica), e Portugal foi um dos membros fundadores, em 1949. Por isso, é normal que o comando das suas unidades seja ou não exercido por oficiais portugueses. Porém, a reflexão atinente a esta matéria prende-se com um comentário despudorado de alguém que, em rede social, sustenta que a participação de Portugal na Nato é ilegal, porque então o regime português era fascista.
Sem responder com as palavras do falecido almirante José Batista Pinheiro de Azevedo, apetece-me dizer que o comentador deve ser ilegal, pois terá nascido de pais nascidos (ou será neto de avós nascidos e criados) num país de regime fascista e é herdeiro de localidade, educação, saúde, função pública, forças armadas, casa, agricultura, floresta, minas, comércio, banca, amigos, cafés e tabernas, hotéis e bares, fisco, polícia, segurança social, justiça, desporto, ruas, animais, árvores, jardins, matas, ouro, ferro, aço, igrejas… – tudo com marcas de fascismo. À luz da candeia deste iluminado, eu sou ilegal porque nasci durante o regime anterior. Apesar de tudo, ilegal e fascista como, pelos vistos sou, pago impostos, dei aulas em escolas democráticas como aquelas em que o comentador terá aprendido (pouco, pelos vistos) e, mesmo sem querer, contribuo para a sua liberdade sem limites, saúde ou doença, trabalho ou preguiça e, infelizmente, para a sua atitude de despudor e petulância. Que o leve o diabo!
Finalmente, recordo que o povo democrata aceitou a revolução que garantiu o respeito pelos acordos internacionais e tem votado em partidos que se relacionam com a NATO, a ONU, A UE, o EURO, a Santa Sé, a CPLP.
Será que o douto comentador, a 25 de abril de 1974, pegou em armas ou em cravos, gritou? Ou estaria ainda no hiperurânio? Será que a ONU, com toda a sua hipocrisia e diversão, será menos colonialista e mais democrática que a NATO, que o antigo Pacto de Varsóvia, a OUA, a CPLP ou a OMC?
2016.08.20 – Louro de Carvalho

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