Celebra-se, a
22 de agosto, oitava da solenidade da Assunção da Virgem Maria, a memória
litúrgica da Virgem Santa Maria, Rainha. É o cume doas prerrogativas com que
Jesus distingue a Sua e nossa Mãe. Com efeito, Ela é rainha, porque assunta;
assunta, porque mãe; mãe, porque serva da Palavra pela fé em tudo quanto Lhe
foi dito da parte do Senhor; serva da fé, porque donzela disponível para a virgindade
e para a maternidade; disponível, porque eleita e predestinada pelo Senhor. É este – a realeza – o quinto
mistério glorioso do rosário.
Finalmente, a Virgem Imaculada, que fora preservada de toda a mancha de
culpa original, terminado o curso da sua vida terrena, foi levada à glória
celeste em corpo e alma e exaltada pelo Senhor como Rainha do Universo, para
que se parecesse mais com o Filho, Senhor dos Senhores e vencedor do pecado e
da morte.
Paralelamente ao reconhecimento de Cristo Rei e Senhor do
Universo, encontramos a realeza da Virgem Assunta Céu. Porém, a Sua realeza,
participante da realeza de Cristo, não se manifesta como domínio ou poder, mas
como provedora dos filhos, mestra cheia de santa e persistente pedagogia,
companheira solícita nos caminhos escolhosos da vida, intercessora pelos homens
junto do Filho por causa dos dramas humanos, testemunha da misericórdia divina
junto dos homens. A realeza de Maria não se distancia um milímetro sequer da
sua maternidade. Mãe de Cristo-cabeça, é mãe do Cristo total – cabeça e membros
– é mãe da Igreja, da qual também é protótipo, modelo e membro proeminente.
Nossa Senhora é Aquela que do Céu reina sobre as almas cristãs, a
fim de que haja a salvação: “É impossível que se perca quem se dirige
com confiança a Maria e a quem Ela acolher” (Santo
Anselmo). Ela é Rainha desde a encarnação do
Filho de Deus, participou dos Mistérios da vida de Cristo como discípula, porém
sem nunca renunciar à sua maternidade divina, que a partir da Crus se estendeu
a todo o discipulado. Por isso, o evangelista Lucas a identifica entre os
primeiros cristãos, “Maria, a mãe de Jesus” (At 1,14). Diante desta realidade de se ter a Rainha que no e do
Céu influencia a terra, podemos com toda a Igreja saudá-la: “Salve Rainha” e
repetir com o Papa Pio XII, que escreveu a carta-encíclica “Ad Coeli Reginam" (à Rainha do
Céu), de 11 de outubro de 1954: “A
Jesus por Maria. Não há outro caminho”. Pela Assunção, esplende a
sua conceição imaculada, os trilhos de fidelidade à Palavra e fecundidade da
sua maternidade universal.
Ao comentar a
instituição da festa da realeza de Maria por Pio XII, visando louvar o Filho, o
Cardeal Suenens advertia que “toda devoção a Maria termina em Jesus, tal como o
rio se lança no mar”, assumindo totalmente a intuição da doutrina e da piedade,
que levou a estabelecer o princípio: “Per
Mariam ad Iesum”. Toda a história da nossa vida se passa num diálogo com Deus: Ele solicita,
aponta metas de generosidade, animando-nos a subir até junto d’Ele; e nós
respondemos com maior ou menor prontidão ao Seu apelo. E um pequeno gesto de
generosidade abre a porta a muitas outras possibilidades. Estamos longe de
imaginar a importância que tem, para nós e para a história dos homens, um sim ou um não a Deus, mesmo numa coisa que nos parece insignificante.
***
Pio XII, ao
instituir, em 1954, a festa litúrgica da Virgem Santa Maria, colocou-a no dia
31 de maio, a encerrar o Mês de Maria, desejando que neste dia se fizesse ou renovasse
a consagração ao Imaculado Coração de Maria. Porém, com a celebração da memória
na oitava da Assunção, ultrapassou-se a mera dimensão devocional e manifesta-se
mais inequivocamente a conexão que existe entre a realeza de Maria e a sua
Assunção ao céu. E o mistério da Visitação coroa a devoção mariana de maio. Porém, o dia 22 de agosto era reservado à homenagem ao Coração
Imaculado de Maria. Ora, a Igreja desejando, por um lado, aproximar a festa da
realeza de Maria da data da sua gloriosa assunção ao céu e, por outro, associar
a memória do Coração de Maria à solenidade do Sagrado Coração de Jesus, colocou,
pela reforma do calendário litúrgico em 1969, a memória da Realeza de Maria na
oitava da Assunção e a do Coração de Maria no sábado subsequente à solenidade do
Sagrado Coração de Jesus.
Sobre a conexão
da Realeza com a Assunção, Dom António Couto, Bispo de Lamego, justifica:
“No seguimento lógico da Assunção de Maria, a Igreja celebra oito
dias depois, em 22 de agosto, a Memória da Virgem Santa Maria, Rainha – Mãe
Elevada aos Céus, mas Mãe que vela carinhosamente pelos seus filhos.”
E explica:
“O Rei e a Rainha não são, na Bíblia, títulos de nobreza, mas
traduzem a dupla função de quem deve estar particularmente próximo de Deus e
particularmente próximo dos homens. Para acolher de perto toda a Palavra que
vem do coração de Deus e para trazer à humanidade a prosperidade, o bem-estar e
a felicidade. Tal é a função do Rei e da Rainha. Entende-se bem, neste sentido,
o título de Rainha dado a Maria. Ninguém como Ela sente o pulsar do coração de
Deus. Ninguém como Ela leva os seus filhos pela mão até ao coração de Deus.”
A profecia
da maternidade divina de Maria, predita por Isaías (Is 7,14) é
tornada presente pela mensagem do anjo Gabriel:
“O
Espírito Santo virá sobre ti, e o poder do Altíssimo vai-te cobrir com a sua sombra; por isso, o Santo que nascer será chamado Filho
de Deus. Disse, então, Maria: Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a
tua palavra!’.” (Lc 1,37-38).
E Lucas, no livro dos Atos dos apóstolos, coloca Maria, como já foi referido,
no meio dos apóstolos – recolhida com eles em oração – como o vínculo que
mantém unidos ao Ressuscitado aqueles homens ainda não robustecidos pelos dons do
Espírito Santo. É que a sua extraordinária humildade e fé total na palavra do
anjo, que fez descer sobre a Terra o Deus ainda mais humilde do que Ela. Ora,
através de suas virginais virtudes e pureza de coração, Maria ficou ainda mais
próxima de seu Filho. E é Rainha, porque é a Mãe de Jesus Cristo, o Rei. Ela é
Rainha porque supera todas as criaturas em santidade. “Ela encerra em si toda a
bondade das criaturas” (Dante na Divina Comédia). Ela cumpre a profecia messiânica
do salmo 45: “Entre as damas da tua
corte há filhas de reis, à tua direita está a rainha ornada com
ouro de Ofir” (Sl 45/44,10). E tanto o Rei como os cidadãos do Reino dão corpo à mesma profecia do
salmista; “Celebrarei
o teu nome por todas as gerações, e os povos hão de louvar-te para
sempre” (id, 18). Aliás, Maria, no Magnificat, cântico
profético de louvor e testemunho da misericórdia divina que enche o coração do
homem humilde, profetiza sobre Si mesma:
“Porque pôs os olhos na humildade da sua
serva. De hoje em diante, me chamarão bem-aventurada
todas as gerações. O Todo-poderoso fez em mim maravilhas. Santo é o seu nome.” (Lc
1,48-49).
Tudo que diz respeito ao Messias traz a marca da divindade. Assim, os
cristãos veem em Maria a superabundância da generosidade do amor divino, que A cumulou
de todos os bens. E a Igreja convida o povo a invocá-La não apenas com o nome
de Mãe, mas também com o de Rainha, porque Ela foi coroada com o duplo diadema,
da virgindade e da maternidade divina.
A
Virgem Maria Rainha resplandece em todos os tempos, no horizonte da Igreja e do
mundo, como sinal de consolação e de esperança segura para todos os cristãos,
já cobertos com a dignidade real do Senhor pelo Batismo. Se cada fiel, em razão do Batismo,
participa, a seu modo da tríplice missão de Jesus Cristo – profética,
sacerdotal e real – Maria tem esta participação num grau eminente, em virtude
da sua relação única com o Filho. Ela “cooperou de modo absolutamente singular
– pela obediência, pela fé, pela esperança e pela caridade ardente – na obra do
Salvador para restaurar a vida sobrenatural das almas”. (LG, 61).
***
Para melhor nos inteirarmos da realeza solícita de Maria já neste mundo,
antecipando-se à realeza no Além, tão intercessora junto de Deus como
pressurosa junto dos homens e mulheres que palmilham os caminhos da Terra, podemos
refletir nas palavras do bispo Santo Amadeu de Lausana, tomadas como 2.ª
leitura para o Ofício de Leitura, da Liturgia das Horas, para a
memória de Virgem Santa Maria, Rainha:
Rainha do mundo
e da paz
“Considera
como se difundiu em toda a terra o admirável nome de Maria, ainda antes da sua
assunção, e se estendeu por toda a parte o esplendor da sua glória imortal,
ainda antes de ser elevada acima dos céus com toda a magnificência. Convinha,
na verdade, que a Virgem Mãe, para honra de seu Filho, reinasse primeiramente
na terra e assim entrasse finalmente na glória do Céu; convinha que fosse
enaltecida neste mundo para ser depois glorificada na plenitude dos bens
celestes e, assim como na terra progredia sempre de virtude em virtude, assim
no Céu fosse exaltada de glória em glória pela ação do Espírito do
Senhor.
“Por isso, durante a sua vida
mortal, Ela saboreava antecipadamente as primícias do reino futuro, ora
elevando-se até Deus em sublime exaltação de espírito, ora descendo ao cuidado
do próximo com imensa caridade. Lá do Céu era assistida pelos anjos; cá na
terra era venerada e honrada pelos homens. Lá do Céu, Gabriel e os anjos
prestavam-Lhe assistência; na terra, João sentia-se feliz por lhe ter sido
confiada pelo Senhor, suspenso da cruz, a Virgem Mãe e, juntamente com os
Apóstolos, a tomava a seu cuidado. Os anjos alegravam-se por contemplarem a sua
Rainha; os homens por ver a sua Senhora; e uns e outros A honravam com
sentimentos de piedosa devoção. Situada na altíssima fortaleza das
virtudes e enriquecida com o mar inesgotável dos carismas divinos, Ela
derramava em abundância sobre o povo crente e sequioso a torrente das suas
graças, que superavam as de todas as outras criaturas. Dava saúde aos corpos e
remédio às almas e podia ressuscitar da morte corporal e espiritual. Quem
alguma vez se afastou d’Ela doente ou triste ou sem o conforto dos mistérios
celestes? Quem não voltou contente e alegre para sua casa, depois de ter alcançado
de Maria, Mãe do Senhor, o que desejava?
“Enriquecida de bens
superabundantes, a Esposa, a Mãe do único Esposo, suave e agradável, cheia de
delícias, como uma fonte dos jardins espirituais, como uma nascente de águas
vivas e vivificantes que brotam torrencialmente do Líbano divino, desde o monte
Sião até às nações estrangeiras em redor, para toda a parte fazia derivar rios
de paz e torrentes de graça celeste. Por isso, quando a Virgem das virgens era
elevada ao Céu por Aquele que era o seu Deus e o seu Filho, o Rei dos reis, por
entre a exultação dos anjos, a alegria dos arcanjos e a aclamação de todos os
bem-aventurados, então se cumpria a profecia do Salmista que diz ao Senhor: À vossa direita está a rainha, revestida com
manto de ouro, resplandecente de beleza”.
Das Homilias de Santo Amadeu de Lausana, bispo (Hom.
7: SC 72, 188.190.192.200) (Sec. XII)
2016.08.22 – Louro de Carvalho
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