terça-feira, 30 de agosto de 2016

Madre Teresa de Calcutá como um “ícone da misericórdia de Deus”

No próximo domingo, 4 de setembro, ocorrerá a celebração da Eucaristia em que o Papa Francisco procederá, na Praça de São Pedro, à canonização da Beata Madre Teresa de Calcutá, que Lush Gjergji, em artigo publicado L'Osservatore Romano, chama “Samaritana da misericórdia”, alinhado coo Papa Woijtyla. A cerimónia constituirá um dos grandes momentos culminantes do Ano Jubilar da Misericórdia, proclamado por Francisco.
Em Calcutá, nas próximas semanas, a simplicidade deverá marcar as celebrações pela canonização de Madre Teresa. É o que assegura à Agência espanhola Europa Press a Irmã Pierick Mary Prema, Superiora das Missionárias da Caridade, ao falar da grande expectativa vivida na Índia pelo histórico acontecimento. Porém, a simplicidade não retira nada da grande emoção em que vive a cidade, que “estará toda envolvida com a celebração da canonização”, segundo o que declarou a religiosa, presente nestes dias em Roma para colaborar na preparação do evento, junto de outras 30 irmãs da Congregação fundada pela novel santa.
A Irmã Pierick Mary Prema esclareceu:
“A partir do momento em que o Papa estabeleceu a data da canonização de Madre Teresa, começámos a organizar o evento em Calcutá com a criação de um Comité encarregado das atividades ligadas à celebração”.
Contudo, para o dia da canonização, está prevista apenas a celebração da Missa na Casa da Madre, em Calcutá, após a Solene Liturgia no Vaticano, presidida pelo Papa Francisco e acompanhada pela televisão.
Porém, outras iniciativas terão lugar naquela cidade indiana, capital do Estado de Bengala Ocidental, de que se destacam: um Festival Internacional de Cinema sobre Madre Teresa; concursos de desenhos para crianças; mostras fotográficas e de pintura; e vários simpósios sobre a sua figura. As celebrações concluir-se-ão a 2 de outubro com uma Missa de Ação de Graças no grande Estádio de Calcutá, com capacidade para 120 mil pessoas. A Superiora Geral das Missionárias da Caridade frisou “a grande alegria” com que as religiosas estão a viver nas vésperas do evento. Porém, o que irá predominar será a “simplicidade”.
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Em entrevista concedida ao jornal da Santa Sé, a Irmã Pierick Mary Prema – a terceira Superiora das Missionárias da Caridade, depois de Madre Teresa e Irmã Nirmala – pronunciou-se sobre o significado da canonização da fundadora para a Congregação, em termos de honra para as irmãs e de oportunidade para exame de consciência e autocrítica. Diz a religiosa:
“A canonização da nossa Madre é para nós uma grande honra. Dá-nos a oportunidade de olhar para a sua vida de perto, para o seu trabalho e para a grande atenção dada aos outros, mas também de olhar para as nossas vidas. Este é realmente um momento de exame de consciência para ver mais profundamente como vivemos a vocação que recebemos como Missionárias da Caridade e, sobretudo, a nossa união com Deus na oração e a nossa união com Jesus nos mais pobres.”
Evocando o Prémio Nobel da Paz, que a Madre recebeu em 1979, sublinha que lhe fora atribuído “pelos esforços em criar a união de todos os povos como filhos de um único Pai Celeste” – “tema de grande atualidade”, pois, sendo a paz “o desejo de cada um”, será sobretudo “o resultado do perdão e do compromisso na escuta das pessoas, para poder entendê-las”.
Sobre a Igreja que se pensará a Madre Teresa ter desejado, a Superiora Geral sustenta:
“A Madre não usava o seu tempo para fazer pedidos deste tipo: a Igreja deveria ou não deveria ser assim... A Madre não analisava, mas empregava o seu tempo para transmitir a sua responsabilidade, levando Jesus a sério. A Madre dizia: ‘A Igreja somos tu e eu. Se queres que a Igreja seja Santa, é teu dever, e meu, ser santos’. E viveu isto desta forma.”
No respeitante a uma vertente iconográfica da novel santa, assegura a forte nível de exigência:
“Venerar a sua imagem sem buscar nela um modelo a ser imitado seria injusto. A Madre é a vida e permaneceu connosco. Ela reza por nós. Foi atuante na vida de muitos; vi este particular na sua casa em Calcutá onde os restos mortais da Madre são visitados por milhares e milhares de peregrinos, gente pobre. Rezam e a Madre ouve as suas orações. E retornam com a paz no coração, com a confiança e a esperança de que a vida possa ser melhor. A Madre não é um santinho! A Madre é viva, atuante, em todos os lugares. Nós temos necessidade dela, dos seus ensinamentos, da sua intercessão.”
Em relação à sua capacidade de “falar claramente, alto e bom som, com os líderes de todos os níveis”, a entrevistada, assume:
“A Madre não andava pra lá e pra cá para pregar ou ensinar às outras pessoas o que elas deveriam fazer. […]. O seu falar era com convicção sobre valores da vida: a espiritualidade, a oração, a família onde, às vezes, as relações são sustentadas pela aceitação do sofrimento e pelo perdão. O valor da vida religiosa como continuação da vida de Jesus. Ela levava consigo os valores dos mais pobres entre os pobres, que são pessoas grandes, porque nos ensinam muito, nos ensinam a aceitar o que a vida nos oferece. A Madre nunca deu um passo atrás ao defender a dignidade das pessoas.”
Sobre o sentido da morte de 4 irmãs – Mártires da indiferença, no dizer do Papa – massacradas em março no Iémen por um comando de homens armados, comentou assim:
“Se olharmos com os olhos do mundo para a morte das irmãs, é um desperdício de jovens vidas. Se olharmos com os olhos da fé, é um grande privilégio dar a própria vida pelos que estamos servindo. As perseguições fizeram parte do cristianismo desde as origens. As perseguições são necessárias para que alcancemos o melhor da nossa vocação. As nossas irmãs, livremente e conscientemente permaneceram a serviço dos doentes de Aden, no Iémen. É uma grande dor, mas ao mesmo tempo uma grande honra saber que elas atingiram o objetivo da sua vocação, que é a união com Deus, amando Jesus como Ele nos amou, perdoando àqueles que não sabem o que fazem.”
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Talvez seja, entretanto, conveniente respigar o que diz o mencionado colunista Lush Gjergji no predito artigo em que mostra o essencial do pensamento dos Papas a respeito de Madre Teresa.
- Pio XII estava firmemente convicto de que não havia necessidade de aumentar o número das congregações religiosas (femininas ou masculinas), mas de dar espaço ao espírito de Cristo e ao serviço evangélico. Porém, Teresa escreveu-lhe uma carta a dizer-lhe que Deus a chamara a abandonar tudo para se dedicar apenas a Ele através do serviço aos mais pobres e não amados. Assim, a 12 de agosto de 1949, o Pontífice permitiu-lhe a saída da comunidade das Irmãs de Loreto, ficando sob a jurisdição do Arcebispo de Calcutá; e, 2 anos mais tarde, em 1950, permitiu-lhe a fundação da nova comunidade de religiosas, as Missionárias da Caridade, cuja ação passou de Calcutá para a Índia e da Índia para o mundo inteiro.
- João XXIII sentiu-se tocado pelo carisma da Santa. O seu Secretário, Dom Loris Francesco Capovilla, criado Cardeal em 2014 por Francisco, revelou que o Papa Roncalli falava com enlevo de Madre Teresa, referindo que “a simplicidade e o amor eram a sua força” e achava “bonito que um povo pequeno tenha tido uma Madre tão grande”.
- Com Paulo VI deu-se uma grande reviravolta na comunidade de Madre Teresa. Um primeiro encontro ocorreu durante a histórica visita à Índia em 1964 para o Congresso Eucarístico em Bombay. O Papa Montini quis então presenteá-la com o Cadillac em que se deslocava durante suas visitas oficiais “para ajudá-la e pelo bem dos pobres”. A Madre colocou imediatamente o luxuoso carro como prémio duma lotaria, conseguindo assim muito dinheiro para ajudar os necessitados – atitude que teve repercussão internacional. No ano seguinte, a 10 de fevereiro, pelo Decretum laudis, Paulo VI reconheceu a ordem das Missionárias da Caridade como Congregação de direito pontifício, o que permitiu às irmãs expandirem-se na Índia e no mundo. E 3 anos mais tarde, a 22 de agosto, Montini convidou a Madre a abrir a primeira Casa das Missionárias da Caridade em Roma. Menos de um anos depois, a 29 de março, aprovou a Fundação Colaboradores de Madre Teresa. E, a 6 de janeiro de 1971, o Pontífice entregou à Irmã o Prémio pela Paz João XXIII.
- Por sua vez, João Paulo II entregou, em 1980, à Madre a chave da Casa de Acolhimento destinada a hospedar e acudir as crianças e mães abandonadas. A seguir, doou-lhe a moradia Dom de Maria, para acolher e assistir os sem-teto de Roma. E ainda ressoam entre os católicos albaneses as palavras pronunciadas por João Paulo II durante a sua visita pastoral à Albânia:
“Não posso não saudar uma pessoa assim humilde que se encontra entre nós. É Madre Teresa de Calcutá. Todos sabem de onde vem, qual é a sua pátria. A sua pátria é aqui. Na pessoa de Madre Teresa, a Albânia foi honrada para sempre. Agradeço-vos hoje, em nome da Igreja Católica, vos agradeço queridos albaneses, pela filha desta terra, do vosso povo.”
À sua morte, a 5 de setembro de 1997, o Papa polaco, seu irmão espiritual, referiu-se-lhe como a “boa samaritana” e como “uma figura pequena, repleta de vida e ao serviço dos pobres entre os mais pobres, com a força de Cristo”. E, por consequência, permitiu de forma excecional o início do processo de beatificação antes de passarem os 5 anos desde a sua morte e fez coincidir a beatificação, a 19 de outubro de 2003, com o Dia Mundial das Missões, recordando como a vida da Beata foi permeada no amor, “como anúncio corajoso do Evangelho de Cristo”.
- Bento XVI considerava Teresa exemplo brilhante de como a oração é a inexaurível fonte de amor pelo próximo. Na encíclica Deus Caritas est, escreve: “
“A oração, como meio para haurir continuamente força de Cristo, torna-se aqui uma urgência inteiramente concreta. Quem reza não desperdiça o seu tempo, mesmo quando a situação apresenta todas as caraterísticas duma emergência e parece impelir unicamente para a ação. A piedade não afrouxa a luta contra a pobreza ou mesmo contra a miséria do próximo. A Beata Teresa de Calcutá é um exemplo evidentíssimo do facto que o tempo dedicado a Deus na oração não só não lesa a eficácia nem a operosidade do amor ao próximo, mas é realmente a sua fonte inexaurível.”
Mas, além disso, a Madre foi indicada pelo Papa alemão como exemplo de alegria evangélica. A 6 de dezembro de 2008, no III Domingo do Advento, Bento XVI dizia:
“A alegria cristã brota desta certeza: Deus está próximo, está comigo, está connosco, na alegria e na dor, na saúde e na doença, como Amigo fiel. A Beata Madre Teresa não era, quem sabe, a testemunha inesquecível da alegria evangélica no nosso tempo?”
- O Papa Francisco e a Beata Madre Teresa são espiritualmente duas “almas gémeas”, porque a sua orientação e comportamento evangélico são baseados na simplicidade, humildade, pobreza, mas sobretudo na fé e no amor. Na encíclica Lumen fidei, Francisco, o Papa argentino, escreve:
“A luz da fé não nos faz esquecer os sofrimentos do mundo. Os que sofrem foram mediadores de luz para tantos homens e mulheres de fé; tal foi o leproso para São Francisco de Assis ou os pobres para a Beata Teresa de Calcutá. Compreenderam o mistério que há neles; aproximando-se deles, certamente não cancelaram todos os seus sofrimentos, nem puderam explicar todo o mal. A fé não é luz que dissipa todas as nossas trevas, mas lâmpada que guia os nossos passos na noite, e isto basta para o caminho”.
Definindo Madre Teresa (mencionada em duas encíclicas) como um “ícone da misericórdia de Deus, o Papa decidiu canonizá-la este ano”, em pleno Ano Santo, Ano Jubilar da Misericórdia.
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Simplicidade, imersão e revestimento na e com a profundidade da imensidão terna de Deus, dedicação aos não amados, em pleno mundo e na comunhão com a Igreja que é, sem se questionar o que há de ser – são linhas-força para que a obra de Teresa de Calcutá (e de todo o mundo) continue de “vento em popa” ao sabor do Espírito de Deus, na atenção ao mundo mais necessitado, testemunhando a misericórdia divina e a beleza da filiação de todos em relação com o mesmo Deus, que gera a fraternidade universal.
Que Santa Teresa de Calcutá, da Ásia, das Américas, da África, da Europa e da Oceânia interceda, ensine e estimule.

2016.08.29 – Louro de Carvalho

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