No próximo domingo, 4 de setembro, ocorrerá a celebração da
Eucaristia em que o Papa Francisco procederá, na Praça de São Pedro, à
canonização da Beata Madre Teresa de Calcutá, que Lush Gjergji, em artigo
publicado L'Osservatore Romano, chama
“Samaritana da misericórdia”, alinhado coo Papa Woijtyla. A cerimónia
constituirá um dos grandes momentos culminantes do Ano Jubilar da Misericórdia,
proclamado por Francisco.
Em Calcutá, nas próximas semanas, a simplicidade deverá
marcar as celebrações pela canonização de Madre Teresa. É o que assegura à
Agência espanhola Europa Press a Irmã
Pierick Mary Prema, Superiora das Missionárias da Caridade, ao falar da grande
expectativa vivida na Índia pelo histórico acontecimento. Porém, a simplicidade
não retira nada da grande emoção em que vive a cidade, que “estará toda
envolvida com a celebração da canonização”, segundo o que declarou a religiosa,
presente nestes dias em Roma para colaborar na preparação do evento, junto de
outras 30 irmãs da Congregação fundada pela novel santa.
A Irmã Pierick Mary Prema esclareceu:
“A partir do momento em que o Papa
estabeleceu a data da canonização de Madre Teresa, começámos a organizar o
evento em Calcutá com a criação de um Comité encarregado das atividades ligadas
à celebração”.
Contudo, para o dia da canonização, está prevista
apenas a celebração da Missa na Casa da
Madre, em Calcutá, após a Solene Liturgia no Vaticano, presidida pelo Papa
Francisco e acompanhada pela televisão.
Porém, outras iniciativas terão lugar naquela cidade
indiana, capital do Estado de Bengala Ocidental, de que se destacam: um
Festival Internacional de Cinema sobre Madre Teresa; concursos de desenhos para
crianças; mostras fotográficas e de pintura; e vários simpósios sobre a sua
figura. As celebrações concluir-se-ão a 2 de outubro com uma Missa de Ação de
Graças no grande Estádio de Calcutá, com capacidade para 120 mil pessoas. A
Superiora Geral das Missionárias da Caridade frisou “a grande alegria” com que
as religiosas estão a viver nas vésperas do evento. Porém, o que irá predominar
será a “simplicidade”.
***
Em entrevista concedida ao jornal da Santa Sé, a Irmã
Pierick Mary Prema – a terceira Superiora das Missionárias da Caridade, depois
de Madre Teresa e Irmã Nirmala – pronunciou-se sobre o significado da
canonização da fundadora para a Congregação, em termos de honra para as irmãs e
de oportunidade para exame de consciência e autocrítica. Diz a religiosa:
“A canonização da nossa Madre é para
nós uma grande honra. Dá-nos a oportunidade de olhar para a sua vida de perto,
para o seu trabalho e para a grande atenção dada aos outros, mas também de
olhar para as nossas vidas. Este é realmente um momento de exame de consciência
para ver mais profundamente como vivemos a vocação que recebemos como
Missionárias da Caridade e, sobretudo, a nossa união com Deus na oração e a
nossa união com Jesus nos mais pobres.”
Evocando o Prémio Nobel da Paz, que a Madre recebeu em
1979, sublinha que lhe fora atribuído “pelos esforços em criar a união de todos
os povos como filhos de um único Pai Celeste” – “tema de grande atualidade”,
pois, sendo a paz “o desejo de cada um”, será sobretudo “o resultado do perdão
e do compromisso na escuta das pessoas, para poder entendê-las”.
Sobre a Igreja que se pensará a Madre Teresa ter
desejado, a Superiora Geral sustenta:
“A Madre não usava o seu tempo para
fazer pedidos deste tipo: a Igreja deveria ou não deveria ser assim... A Madre
não analisava, mas empregava o seu tempo para transmitir a sua
responsabilidade, levando Jesus a sério. A Madre dizia: ‘A Igreja somos tu e
eu. Se queres que a Igreja seja Santa, é teu dever, e meu, ser santos’. E viveu
isto desta forma.”
No respeitante a uma vertente iconográfica da novel
santa, assegura a forte nível de exigência:
“Venerar a sua imagem sem buscar
nela um modelo a ser imitado seria injusto. A Madre é a vida e permaneceu connosco.
Ela reza por nós. Foi atuante na vida de muitos; vi este particular na sua casa
em Calcutá onde os restos mortais da Madre são visitados por milhares e
milhares de peregrinos, gente pobre. Rezam e a Madre ouve as suas orações. E
retornam com a paz no coração, com a confiança e a esperança de que a vida
possa ser melhor. A Madre não é um santinho! A Madre é viva, atuante, em todos
os lugares. Nós temos necessidade dela, dos seus ensinamentos, da sua
intercessão.”
Em relação à sua capacidade de “falar claramente, alto
e bom som, com os líderes de todos os níveis”, a entrevistada, assume:
“A Madre não andava pra lá e pra cá
para pregar ou ensinar às outras pessoas o que elas deveriam fazer. […]. O seu
falar era com convicção sobre valores da vida: a espiritualidade, a oração, a
família onde, às vezes, as relações são sustentadas pela aceitação do
sofrimento e pelo perdão. O valor da vida religiosa como continuação da vida de
Jesus. Ela levava consigo os valores dos mais pobres entre os pobres, que são
pessoas grandes, porque nos ensinam muito, nos ensinam a aceitar o que a vida
nos oferece. A Madre nunca deu um passo atrás ao defender a dignidade das
pessoas.”
Sobre o sentido da morte de 4 irmãs – Mártires da indiferença, no dizer do
Papa – massacradas em março no Iémen por um comando de homens armados, comentou
assim:
“Se olharmos com os olhos do mundo
para a morte das irmãs, é um desperdício de jovens vidas. Se olharmos com os
olhos da fé, é um grande privilégio dar a própria vida pelos que estamos servindo.
As perseguições fizeram parte do cristianismo desde as origens. As perseguições
são necessárias para que alcancemos o melhor da nossa vocação. As nossas irmãs,
livremente e conscientemente permaneceram a serviço dos doentes de Aden, no Iémen.
É uma grande dor, mas ao mesmo tempo uma grande honra saber que elas atingiram
o objetivo da sua vocação, que é a união com Deus, amando Jesus como Ele nos
amou, perdoando àqueles que não sabem o que fazem.”
***
Talvez seja, entretanto, conveniente respigar o que diz
o mencionado colunista Lush
Gjergji no predito artigo em que mostra o
essencial do pensamento dos Papas a respeito de Madre Teresa.
- Pio XII estava
firmemente convicto de que não havia necessidade de aumentar o número das congregações
religiosas (femininas ou masculinas), mas de dar espaço ao espírito de
Cristo e ao serviço evangélico. Porém, Teresa escreveu-lhe uma carta a
dizer-lhe que Deus a chamara a abandonar tudo para se dedicar apenas a Ele
através do serviço aos mais pobres e não amados. Assim, a 12 de agosto de 1949, o Pontífice permitiu-lhe a saída da
comunidade das Irmãs de Loreto, ficando sob a jurisdição do Arcebispo de
Calcutá; e, 2 anos mais tarde, em 1950, permitiu-lhe a fundação da nova
comunidade de religiosas, as Missionárias
da Caridade, cuja ação passou de Calcutá para a Índia e da Índia para o mundo
inteiro.
- João XXIII
sentiu-se tocado pelo carisma da Santa. O seu Secretário, Dom Loris Francesco Capovilla, criado
Cardeal em 2014 por Francisco, revelou que o Papa Roncalli falava com enlevo de
Madre Teresa, referindo que “a simplicidade e o amor eram a sua força” e achava
“bonito que um povo pequeno tenha tido uma Madre tão grande”.
- Com Paulo VI deu-se uma grande reviravolta na comunidade
de Madre Teresa. Um primeiro encontro ocorreu durante a histórica visita à
Índia em 1964 para o Congresso Eucarístico em Bombay. O Papa Montini quis então
presenteá-la com o Cadillac em que se deslocava durante suas visitas oficiais “para
ajudá-la e pelo bem dos pobres”. A Madre colocou imediatamente o luxuoso carro como
prémio duma lotaria, conseguindo assim muito dinheiro para ajudar os
necessitados – atitude que teve repercussão internacional. No ano seguinte, a
10 de fevereiro, pelo Decretum laudis, Paulo VI reconheceu a ordem das
Missionárias da Caridade como Congregação
de direito pontifício, o que permitiu às irmãs expandirem-se na Índia e no
mundo. E 3 anos mais tarde, a 22 de agosto, Montini convidou a Madre a abrir a
primeira Casa das Missionárias da
Caridade em Roma. Menos de um anos depois, a 29 de março, aprovou a Fundação Colaboradores de Madre Teresa.
E, a 6 de janeiro de 1971, o Pontífice entregou à Irmã o Prémio pela Paz João XXIII.
- Por sua vez, João
Paulo II entregou, em 1980, à Madre a chave da Casa
de Acolhimento destinada a hospedar e acudir as crianças e mães abandonadas.
A seguir, doou-lhe a moradia Dom de Maria,
para acolher e assistir os sem-teto de Roma. E ainda ressoam entre os católicos albaneses as palavras
pronunciadas por João Paulo II durante a sua visita pastoral à Albânia:
“Não
posso não saudar uma pessoa assim humilde que se encontra entre nós. É Madre
Teresa de Calcutá. Todos sabem de onde vem, qual é a sua pátria. A sua pátria é
aqui. Na pessoa de Madre Teresa, a Albânia foi honrada para sempre. Agradeço-vos
hoje, em nome da Igreja Católica, vos agradeço queridos albaneses, pela filha
desta terra, do vosso povo.”
À sua morte, a 5 de setembro de 1997, o Papa polaco, seu
irmão espiritual, referiu-se-lhe como a “boa samaritana” e como “uma figura
pequena, repleta de vida e ao serviço dos pobres entre os mais pobres, com a
força de Cristo”. E, por consequência, permitiu de forma excecional o início do
processo de beatificação antes de passarem os 5 anos desde a sua morte e fez
coincidir a beatificação, a 19 de outubro de 2003, com o Dia Mundial das
Missões, recordando como a vida da Beata foi permeada no amor, “como anúncio corajoso
do Evangelho de Cristo”.
- Bento XVI considerava Teresa exemplo brilhante de como a
oração é a inexaurível fonte de amor pelo próximo. Na encíclica Deus Caritas est,
escreve: “
“A
oração, como meio para haurir continuamente força de Cristo, torna-se aqui uma
urgência inteiramente concreta. Quem reza não desperdiça o seu tempo, mesmo
quando a situação apresenta todas as caraterísticas duma emergência e parece
impelir unicamente para a ação. A piedade não afrouxa a luta contra a pobreza
ou mesmo contra a miséria do próximo. A Beata Teresa de Calcutá é um exemplo
evidentíssimo do facto que o tempo dedicado a Deus na oração não só não lesa a
eficácia nem a operosidade do amor ao próximo, mas é realmente a sua fonte
inexaurível.”
Mas, além disso, a Madre foi indicada pelo Papa alemão como
exemplo de alegria evangélica. A 6 de dezembro de 2008, no III Domingo do
Advento, Bento XVI dizia:
“A
alegria cristã brota desta certeza: Deus está próximo, está comigo, está connosco,
na alegria e na dor, na saúde e na doença, como Amigo fiel. A Beata Madre
Teresa não era, quem sabe, a testemunha inesquecível da alegria evangélica no
nosso tempo?”
- O
Papa Francisco e a Beata Madre Teresa são espiritualmente duas “almas gémeas”,
porque a sua orientação e comportamento evangélico são baseados na
simplicidade, humildade, pobreza, mas sobretudo na fé e no amor. Na encíclica Lumen fidei, Francisco, o Papa argentino, escreve:
“A luz
da fé não nos faz esquecer os sofrimentos do mundo. Os que sofrem foram
mediadores de luz para tantos homens e mulheres de fé; tal foi o leproso para
São Francisco de Assis ou os pobres para a Beata Teresa de Calcutá.
Compreenderam o mistério que há neles; aproximando-se deles, certamente não
cancelaram todos os seus sofrimentos, nem puderam explicar todo o mal. A fé não
é luz que dissipa todas as nossas trevas, mas lâmpada que guia os nossos passos
na noite, e isto basta para o caminho”.
Definindo Madre Teresa (mencionada em duas encíclicas) como um “ícone da misericórdia de Deus, o Papa
decidiu canonizá-la este ano”, em pleno Ano Santo, Ano Jubilar da Misericórdia.
***
Simplicidade, imersão e revestimento na e com a profundidade
da imensidão terna de Deus, dedicação aos não amados, em pleno mundo e na comunhão
com a Igreja que é, sem se questionar o que há de ser – são linhas-força para
que a obra de Teresa de Calcutá (e de todo o mundo) continue de “vento em popa” ao sabor do Espírito de Deus,
na atenção ao mundo mais necessitado, testemunhando a misericórdia divina e a
beleza da filiação de todos em relação com o mesmo Deus, que gera a
fraternidade universal.
Que Santa Teresa de Calcutá, da Ásia, das Américas, da
África, da Europa e da Oceânia interceda, ensine e estimule.
2016.08.29
– Louro de Carvalho
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