segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Contra a exploração pelo banco guarda-se o dinheiro no colchão?!

Face à exploração dos clientes pela banca seria de aconselhar o não depósito, o levantamento de dinheiro depositado a prazo e/ou à ordem, não utilizar o cheque nem fazer pagamentos por multibanco ou por cartão de crédito. Pelo contrário, pagar todas as aquisições, salários e impostos com dinheiro vivo, não solicitar qualquer empréstimo ao banco e guardar o resto do dinheiro no colchão. Porém, a banca sabe que isto não é viável dado o estado a que chegou o sistema de comercialização e de remunerações salariais. Até as contribuições, impostos, taxas, sobretaxas e tarifas se pagam por transferência bancária, débito direto, multibanco, cartão de crédito, cheque e aplicação via internet.
Por outro lado, guardar o dinheiro sobejante no colchão torna-se complicado, a ponto de se poder perguntar que dinheiro é que resta depois de satisfazer os encargos familiares correntes ou se o hipotético dinheiro sobrante estará a coberto de riscos. Pode surgir um incêndio ou um cataclismo ou a residência ser objeto de assalto e o dinheiro ser arrastado no roubo. Pode ainda a traça roer aquele papel especial ou uma medida de política monetária fazer desaparecer da circulação uma série de notas. Acresce ainda referir que um investimento imobiliário, mobiliário ou em qualquer outra modalidade dificilmente se obtém na totalidade sem o recurso ao financiamento bancário. E a banca, que pode nos últimos tempos não saber fazer mais nada, sabe muito bem explorar os efeitos da situação criada pelo capitalismo financeiro – que de económico já quase nada tem – e cobra-se por tudo, quase nada dando pela guarda de dinheiros dos clientes. Nesta onda de manobras exploratórias, tem naturalmente as casas financeiras, que são o parente diabólico da banca, e as seguradoras – estas capciosamente hábeis para obter contratos de seguros à custa de tudo prometerem e saloiamente espertas para dificultarem a satisfação dos encargos decorrentes das situações de sinistro (alegadamente sustentadas em abusos), mercê do “conselho” de “bons” advogados.
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Antigamente, a banca vivia basicamente da compra de dinheiro e da venda de dinheiro, ou seja, do depósito à ordem e do depósito a prazo, bem como do crédito. Para tanto, socorria-se do sistema de prospeção bancária, pondo no terreno funcionários cuja missão era a de contactar potenciais clientes e arrecadar in loco poupanças dos clientes consolidados, de modo que estes tivessem de fazer apenas as deslocações indispensáveis ao seu banco. Nalguns casos, eram designados para determinadas localidades os correspondentes do banco, que viviam de outras atividades e cuja função bancária era a de servir de intermediários entre o banco e os clientes da localidade. Também os bancos faziam negócio com a permuta cambial de moeda, bem como com o aluguer de cofres para guarda de valores (vg joias). No atinente ao empréstimo, a situação era mais complexa: estudavam-se as condições do empréstimo a partir do perfil do cliente, das garantias que prestava em haveres e/ou em fiadores e da calendarização de reembolso ao banco do capital e respetivos juros, obviamente mais altos que os atinentes aos depósitos a prazo. 
Alguns bancos também ofereciam juro por depósito à ordem. Obviamente a banca sempre cobrou taxas (comissões) por serviços que prestava, bem como imposto de selo e de capitais. É que os bancos não instituições de caridade: vivem exatamente do lucro, lucro com dinheiro de outrem.
Porém, a banca nem sempre acautelou os riscos dos empréstimos (chamem o que quiserem ao facto).
Emprestou e empresta a quem não oferecia (ou não oferece) garantias mínimas de retorno ou a quem apresentou garantias mais fictícias que reais, para lá dos casos em que o império, compadrio, a amizade ou as luvas falam mais alto que as cautelas. Mas a política social e económica deu a mãozinha à banca através do domiciliamento da conta-ordenado. E o sistema de pagamentos e transações tornou-se no que se vê. Paga-se (alguém paga) comissão por tudo: caderno/caderneta de cheques, multibanco, cartão de crédito (estes por aquisição do documento e por pagamento), manutenção de conta à ordem (dantes era somente quando estivesse sem movimentação), expediente, transferência bancária, informação escrita solicitada, etc.
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Ora, além de se pagar por tudo e por mais alguma coisa, paga-se em excesso, ou seja, como refere o jornal Dinheiro Vivo, o “valor cobrado é desproporcional ao serviço prestado”. Nuno Rico põe em causa a justificação apresentada pela banca para a cobrança de comissões cada vez mais altas e sobre um número cada vez maior de serviços, sob a alegação de custos. É uma situação combatida de há muito tempo pela Deco (Defesa do Consumidor), que anota a “alteração do paradigma da atividade bancária”, que da “intermediação financeira” vem passando a ter o comissionamento como atividade principal. Ora esta alteração de paradigma tornou-se num um fator de penalização dos consumidores, uma vez que hoje a titulação de conta bancária é essencial na gestão do nosso quotidiano. Assim, apesar da legislação publicada nos últimos tempos, a banca tem sabido contornar os seus quesitos e efeitos. Por exemplo, segundo a legislação atual, apenas é permitida a cobrança de comissões por serviços efetivamente prestados. Todavia, a banca persiste na cobrança de comissão de manutenção de conta à ordem, que não é um serviço, já que sem conta bancária não se consegue aceder a qualquer outro produto, seja um financiamento ou um produto de investimento, seja uma simples transação.
Nesta situação ficam fragilizados e postos em causa os direitos dos clientes com algumas das comissões cobradas. E o facto de as comissões bancárias estarem previstas em preçário, documento supervisionado pelo regulador, não as torna só por si boas ou inócuas, dado que tornam muito oneroso o acesso aos produtos e serviços bancários, sobretudo se tivermos em conta que vários destes serviços são essenciais para os mais diversos fins utilitários.  
Para a proliferação e agravamento das comissões argumentam os bancos com a multiplicidade de serviços prestados – que “exigem grande investimento e têm custos operacionais”. Porém, a grande razão é o aproveitamento da crise económica e financeira. Tanto assim é que, segundo o Dinheiro Vivo, principalmente desde 2011, com a crise e a redução drástica das taxas de juro, “o comissionamento bancário tem vindo a abranger cada vez maior número de produtos e serviços”, assim como a aumentar constantemente “o respetivo valor”, sempre muito acima da inflação. Por exemplo, as transferências interbancárias realizadas através do homebanking ou as contas-ordenado têm vindo a deixar de ser, nos últimos anos, produtos isentos de custos para o cliente. Já não é possível utilizar um serviço bancário sem qualquer tipo de custo; e as situações de isenção são cada vez mais raras ou de difícil obtenção.  
Segundo a Deco, as comissões devem ser cobradas em valor proporcional ao serviço prestado. Porém, o que se passa é que o montante cobrado é quase sempre desproporcional por excesso ao serviço prestado ao cliente pelo banco, atingindo valores completamente injustificáveis. Mais: os aumentos verificados periodicamente superam a taxa de inflação e os aumentos de outros custos operacionais; e, contraditoriamente, vem-se procedendo a crescente e drástica redução das estruturas dos bancos, tanto em termos de pessoal (com exceção os administradores), como em termos de balcões, o que, aliado à cada vez maior utilização dos meios de movimentação das contas à distância, tem permitido poupanças muito significativas aos bancos. Por outro lado, os prejuízos avolumam-se e os erros de gestão multiplicam-se sem que alguém lhes ponha cobro.
Sendo assim, a única justificação viável é a necessidade da obtenção de receitas que já não conseguem através da convencional atividade de intermediação financeira.
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A este respeito, as edições on line de hoje do Dinheiro Vivo e do DN, em artigo sob o título “Onde o banco ganha o dinheiro”, presta-nos informações curiosas, mas exorbitantes. Veja-se, a título de exemplo, o elenco:  
- Pedido de novo código PIN do cartão multibanco ou de crédito (por perda ou esquecimento) custa em média 7,21 euros, mas pode atingir os 12 euros;
- Cancelamento de cheque preenchido, mas perdido, custa em média 10,85 euros, podendo chegar a 24,60 euros;  
- Depósito de moedas amealhadas durante meses poderá custar mais de 5 euros, sobretudo se o depósito ultrapassar as 10 moedas, sendo que o montante desse depósito demora vários dias a entrar na conta do cliente (leva muito tempo a contagem das moedas);
- Levantamento de dinheiro ao balcão custa em média 5 euros, podendo chegar aos 12,48 euros;
- Emissão de cheque sem provisão custa em média 38 euros, podendo atingir os 67 euros;
- Aviso do banco ao cliente de ter emitido cheque sem cobertura comporta um custo que pode ascender a 57 euros, mais 43 euros, em média, para fazer a necessária regularização, para o nome não ir para a lista negra do BdP, como utilizador de risco num prazo que pode ir a 2 anos;
- Saída da lista negra pode custar mais de 100 euros, sendo que a licença para voltar a passar cheques custará cerca de 113 euros;
- Anulação de transferência bancária (vg com o IBAN do destinatário errado) custa em média 24,79 euros, mas pode ir até 73,80 euros;
- Renegociação de crédito, além de difícil, custa cerca de 125 euros;
- Mudança de titularidade de conta pode custar 4,68 euros;
- Prova de crédito à habitação pode custar 40 euros;
- Documento comprovativo de conta solidária custa, em média, 56,12 euros, podendo chegar aos 153 euros;
- As comissões já representam quase metade das receitas dos bancos.
A Deco luta há anos para colocar o Parlamento a discutir a questão, mas, não obstante algumas pequenas vitórias, sente que ainda há um longo caminho a percorrer.
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Respiguei, sintetizando ao máximo, os dados do artigo supramencionado para que se advirta, sem margem de dúvida, como se tornou todo-poderosa a escravização das pessoas livres por obra dum déspota sem rosto – o capital financeiro, que hoje não se importa de asfixiar e até matar para conseguir os seus fins: a acumulação avarenta; o domínio sobre os outros; e o bem-estar hedonista. Na minha terra, dir-se-ia: “Arre porra, que é demais!

2016.08.29 – Louro de Carvalho

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