O período oficial de incêndios florestais do ano de 2016 não trouxe notícia
de alteração do panorama criado pelo flagelo incendiário: área ardida, armazéns
destruídos, suspeitos de fogo posto detidos e libertados, bombeiros exaustos,
populações desoladas, autarcas a falar à rádio e à televisão, mortos, feridos, desaparecidos,
evacuados, desalojados e acusações à prevenção insuficiente e à estratégia do
combate. Registam-se, paralelamente, palavras e gestos de solidariedade, apoio
e remediação da parte de governantes, autarquias e de voluntários. Neste último
aspeto, sobressai o apoio épico de um casal de Avanca que, decidiu por
solidariedade, para com as pessoas que estiveram presas na fila da autoestrada interrompida
durante umas cinco horas devido a um incêndio, depois de esgotar as suas
reservas domésticas, resolveu comprar, a expensas suas, três mil litros de água
para distribuir gratuitamente àquelas pessoas – que até a queriam pagar, mas o
casal manteve a oferta solidária e gratuita. Divulgada a notícia desta obra de misericórdia
corporal – dar de beber a quem tem sede – também a BRISA veio informar o
povo de que, embora não tivesse qualquer responsabilidade no incidente, proveu
à distribuição gratuita de água pelas pessoas e até houve problemas com alguns
viajantes por a empresa ter definido prioridades na distribuição: grávidas,
crianças e idosos.
Porém, 2016 trouxe como novidades: a cobertura maciça do país pelo surto
incendiário nas primeiras semanas de agosto; e a promiscuidade entre incêndio
florestal e incêndio urbano. Terão surgido, em anos anteriores, situações
embrionárias parecidas com as de este ano; porém, este ano a cobertura maciça
do país foi mais evidente, a ponto de se ter verificado que só nestes dias de
agosto ardeu maior extensão do que em todo um ano nalguns dos anteriores. Por outro
lado, este ano houve não só palheiros e armazéns destruídos, mas também casas de
habitação, embora algumas estivessem devolutas. Arderam hotéis, igrejas e outros
equipamentos de utilização coletiva. E o centro da cidade do Funchal foi
devorado pelas chamas: a Madeira parecia o inferno entre o céu e o mar!
Dizem que este ano não se esperava um panorama incendiário como o que vem
acontecendo. Não sei porquê. Com efeito, houve muita chuva. Porém, toda a gente
via como tudo foi secando graças ao calor intenso e ao vento. Só não viu quem
não quis. E o pessoal responsável preferiu criticar a dialética “geringonça/caranguejola”
e a prevenção ao nível da Administração Central e Autárquica ficou mais a ver
navios que a atuar no terreno.
***
Toda a gente sabe o que é preciso fazer ao nível da prevenção. E tem-se
feito? Bem creio que não. Reordenar a floresta portuguesa é prioridade
equacionada, mas travada pela resistência e pela inação. E a vigilância está
dependente da vontade política de a ela afetar recursos.
O país precisa de uma floresta redimensionada: baseada predominantemente em
folhosas em detrimento das resinosas (estas, que também
são necessárias, devem ser devidamente localizadas e isoladas); servida pela pluricultura; cada
mancha florestal com vias de largura razoável de acesso ao seu interior,
aceiros e clareiras, charcas de água e pontos de água; zonas efetivamente agricultadas
a envolver cada mancha florestal. E porque não avança este tipo de reordenamento?
Resistências dos particulares, sem dúvida, mas o Estado não o faz nas áreas da
sua jurisdição direta nem tem usado da sua capacidade se persuasão, incentivo e
apoio.
Depois, vem a limpeza de matas, bermas de caminhos e estradas, terrenos
incultos.
Como é que se pretende que os particulares o façam, se o Estado o não faz? Quanto
aos terrenos incultos e/ou abandonados, porque não se dá às autarquias a
incumbência de proceder à limpeza de bermas, estradas, caminhos, terrenos
incultos, matas particulares espessas e/ou abandonadas, dando-lhes a
prerrogativa de utilizar para isso as receitas de IMI dos prédios rústicos (para tanto, todos os prédios rústicos deveriam ser reavaliados e taxados mesmo
que o proprietário não pague IMI sobre prédios urbanos) e outras receitas como as provenientes
da instalação dos geradores eólicos, das torres das redes móveis de comunicação?
Também as empresas concessionárias de autoestradas e das vias férreas deveriam
ser obrigadas à limpeza das respetivas margens em toda a sua extensão e numa
largura considerada razoável. Isto, para não falarmos do dever dos
departamentos do Estado em cuidar da limpeza das matas nacionais, das estradas
nacionais e de demais espaços entre edifícios públicos ou a eles equiparados. E,
no atinente à vigilância, que é a fase última da prevenção, deve ser
considerada em regime de permanência e a cobrir todo o território e cada uma das
suas parcelas e envolver meios terrestres e aéreos, promovendo a cultura intensa
e rotineira da responsabilidade, mesmo despistando os prováveis suspeitos.
***
Quanto ao combate, hemos de dizer que o Estado não tem qualquer tipo de
desculpa ante o drama que todos os anos o país vive e o espetáculo que se
mostra ao exterior. Depois, admiramo-nos de os outros países parceiros não
serem tão prontos e generosos como gostaríamos.
O negócio em torno dos incêndios florestais surgiu, cresceu e engordou. E não se pode assacar a culpa a
governos de esquerda ou de direita. Nesta matéria, têm todos a sua quota-parte
de responsabilidade. Por exemplo, a Força Aérea só não tem estes meios, porque
outros e altos interesses se levantaram. Precisaremos de alguém independente e
competente que faça uma investigação rigorosa do que realmente aconteceu e acontece
ao longo dos vários anos, para que se ponha termo ao sucesso dos grandes
interesses que se movimentam em volta dos incêndios. Não há dúvida de que estes
problemas são tão perigosos como os atos de terrorismo. É claro que alguns incêndios
deflagram por acaso e em virtude das condições edáficas e atmosféricas, mas a
grande maioria dos fogos tem mão criminosa, embora ninguém pareça confirmar que
isto foi e é uma ameaça real, já que nunca se sabe calcular as consequências –
a nível da surpresa e da extensão – em danos pessoais, estimativo e
patrimoniais. Ora, para a situação venha minorar-se, terá de haver uma sólida prevenção estrutural e tática, um combate sistémico (coordenado,
estrategicamente montado, taticamente eficaz e atempada e convenientemente
avaliado) e uma
justiça mais musculada do que aquela que tem existido até agora. Não será com falinhas
mansas e panos quentes que levaremos o navio a melhor porto.
Ana Rodrigues questionava hoje, dia 11 de agosto, na Rádio
Renascença, a razão por que não há meios da FA
(Força Aérea) no combate aos
fogos. Considerando o panorama atual em que “as chamas não
dão tréguas aos bombeiros” e que, “nos últimos dias, o número de fogos
registados ultrapassou sempre as 300 ocorrências, mobilizando milhares de
operacionais e centenas de meios”, incluindo bombeiros, GNR, militares e voluntários
civis, a jornalista verifica que “a vaga de fogos trouxe à atualidade
o debate sobre a utilização de meios da FA no combate aos incêndios”, já que,
em tempos, “eram utilizados aviões militares” para o efeito. Porém, segundo Rodrigues,
tal prática desapareceu no final dos anos 1990 por decisão política.
Atualmente, a FA não dispõe de condições para
participar no combate direto aos fogos, mesmo sendo essa a vontade do Governo. De
facto, os aviões C-130 equipados com kits de combate aos fogos (compostos por um sistema que embarca e confere à aeronave a capacidade de
combate direto aos incêndios, através da libertação de cerca de dez mil litros
de produtos retardantes) foram descontinuados por
decisão política, por se pensar que a participação da FA não era necessária. Tais
kits não sofreram manutenção e estão obsoletos. A opção passaria pela utilização
dos helicópteros Puma, estacionados em Beja mas que têm de ser requalificados,
tal como a tripulação e pessoal de manutenção com ajuda duma força aérea
estrangeira. Aliás, foi entregue ao anterior Governo, a 15 de setembro de 2015,
um documento com a sugestão foi entregue pela FA e Proteção Civil.
O relatório surge a pedido do
executivo de Passos Coelho que solicitou à FA que estudasse a melhor maneira de
este ramo das Forças Armadas participar no combate aos fogos.
Por seu turno, o atual Governo julga
que esta é uma hipótese pouco provável, porque a FA teria de receber para
manutenção os helicópteros Kamov. E a FA não quer, pois teria custos muito
elevados com a manutenção e com a própria utilização: cada hora de voo custa 35
mil euros.
Não sei se é
a FA que não quer ou se o seu orçamento não tem garantias de reforço para essa
missão, bem como para o aumento dos quadros de pessoal neste ramo das Forças
Armadas, que o poder político tem vindo a minimizar, não obstante os fogachos
de afirmação de apoio e de bem querer.
Por sua vez, o tenente- coronel António Mota, presidente
da AOFA (Associação de Oficiais das Forças Armadas), chama
‘crime de lesa-pátria’ à atribuição a empresas privadas do combate aéreo aos
fogos florestais, cometido pelo poder político ao afastar por completo a FA do combate aos
incêndios, o que “ninguém entende”. Esse oficial disse não fazer sentido os portugueses
pagarem o combate aos incêndios a empresas privadas existindo uma rede da FA
capaz de responder ao flagelo, com aeródromos e profissionais. Declarou ao JN:
“Os pilotos
são pilotos o ano todo e não apenas no verão. São custos que os portugueses já
têm. O piloto tanto sai para fazer o transporte de bombeiros para a Madeira,
como está a acontecer agora, como segue para apagar um fogo em Arouca”.
E
acrescentou:
“Os
militares estão preparados e interessados nessa missão, mas alguém decidiu
retirar essa competência à Força Aérea. É um negócio que envolve muitos milhões
de euros”.
As
declarações do presidente da AOFA surgem horas depois de ter surgido na página
oficial da associação no Facebook um texto assinado pelo coronel João Marquito,
a criticar o ‘negócio’ aéreo que envolve o plano de combate a incêndios em
Portugal. Faz uma clara crítica à forma como foi retirada às Forças Armadas a
função de operar os meios aéreos envolvidos no combate aos incêndios. Diz este oficial:
“O MAI (Ministério
da Administração Interna) recusou entregar à Força Aérea a gestão e operação
dos meios aéreos de combate a incêndios, bem como os de emergência médica,
optando por manter o atual estado de coisas, com várias entidades, várias
frotas, cada uma no seu ‘interesse’ e custos acumulados para todos, incluindo
contratação dentro e fora do país”.
O coronel
acrescenta:
“Quando esse
combate passou a ser um ‘negócio’ arrumaram-se os C-130, os kit MAFFS para os
equiparem e ficaram a apodrecer, os bombeiros exaustos, os meios de
substituição não aparecem e....o flagelo continua”.
Que vantagens
adviriam de a solução passar pela utilização da Força Aérea? A página oficial
da AOFA explica:
“A
centralização dos meios aéreos na Força Aérea com custos reduzidos para o
erário público, bem como a poupança em termos de manutenção (dado o
background existente) e uma logística dos meios incomensuravelmente mais
rápida e operacional”.
O governo anterior,
como vem referido acima, pediu um estudo sobre a resposta aérea de combate aos
incêndios, o qual defende o regresso dessa competência à FA. A garantia da
capacidade desta é reiterada pelo presidente da AOFA, que afirma que no dito
relatório se identificam os meios que a FA precisaria de voltar a ter para
assumir a responsabilidade. O relatório, “que continua numa gaveta”, estima que
“a partir de 2018 haveria um lucro para o erário público (2016 e 2017
seriam anos de investimento), uma vez
que deixaria de ser necessária a contratação de meios privados para fazer o
ataque aéreo às chamas”.
Porque
estamos à espera, Senhor Primeiro-Ministro?
2016.08.11 – Louro de Carvalho
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