quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Incêndios – a praga que teima em acossar as populações

O período oficial de incêndios florestais do ano de 2016 não trouxe notícia de alteração do panorama criado pelo flagelo incendiário: área ardida, armazéns destruídos, suspeitos de fogo posto detidos e libertados, bombeiros exaustos, populações desoladas, autarcas a falar à rádio e à televisão, mortos, feridos, desaparecidos, evacuados, desalojados e acusações à prevenção insuficiente e à estratégia do combate. Registam-se, paralelamente, palavras e gestos de solidariedade, apoio e remediação da parte de governantes, autarquias e de voluntários. Neste último aspeto, sobressai o apoio épico de um casal de Avanca que, decidiu por solidariedade, para com as pessoas que estiveram presas na fila da autoestrada interrompida durante umas cinco horas devido a um incêndio, depois de esgotar as suas reservas domésticas, resolveu comprar, a expensas suas, três mil litros de água para distribuir gratuitamente àquelas pessoas – que até a queriam pagar, mas o casal manteve a oferta solidária e gratuita. Divulgada a notícia desta obra de misericórdia corporal – dar de beber a quem tem sede – também a BRISA veio informar o povo de que, embora não tivesse qualquer responsabilidade no incidente, proveu à distribuição gratuita de água pelas pessoas e até houve problemas com alguns viajantes por a empresa ter definido prioridades na distribuição: grávidas, crianças e idosos.
Porém, 2016 trouxe como novidades: a cobertura maciça do país pelo surto incendiário nas primeiras semanas de agosto; e a promiscuidade entre incêndio florestal e incêndio urbano. Terão surgido, em anos anteriores, situações embrionárias parecidas com as de este ano; porém, este ano a cobertura maciça do país foi mais evidente, a ponto de se ter verificado que só nestes dias de agosto ardeu maior extensão do que em todo um ano nalguns dos anteriores. Por outro lado, este ano houve não só palheiros e armazéns destruídos, mas também casas de habitação, embora algumas estivessem devolutas. Arderam hotéis, igrejas e outros equipamentos de utilização coletiva. E o centro da cidade do Funchal foi devorado pelas chamas: a Madeira parecia o inferno entre o céu e o mar!
Dizem que este ano não se esperava um panorama incendiário como o que vem acontecendo. Não sei porquê. Com efeito, houve muita chuva. Porém, toda a gente via como tudo foi secando graças ao calor intenso e ao vento. Só não viu quem não quis. E o pessoal responsável preferiu criticar a dialética “geringonça/caranguejola” e a prevenção ao nível da Administração Central e Autárquica ficou mais a ver navios que a atuar no terreno.  
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Toda a gente sabe o que é preciso fazer ao nível da prevenção. E tem-se feito? Bem creio que não. Reordenar a floresta portuguesa é prioridade equacionada, mas travada pela resistência e pela inação. E a vigilância está dependente da vontade política de a ela afetar recursos.
O país precisa de uma floresta redimensionada: baseada predominantemente em folhosas em detrimento das resinosas (estas, que também são necessárias, devem ser devidamente localizadas e isoladas); servida pela pluricultura; cada mancha florestal com vias de largura razoável de acesso ao seu interior, aceiros e clareiras, charcas de água e pontos de água; zonas efetivamente agricultadas a envolver cada mancha florestal. E porque não avança este tipo de reordenamento? Resistências dos particulares, sem dúvida, mas o Estado não o faz nas áreas da sua jurisdição direta nem tem usado da sua capacidade se persuasão, incentivo e apoio. 
Depois, vem a limpeza de matas, bermas de caminhos e estradas, terrenos incultos.
Como é que se pretende que os particulares o façam, se o Estado o não faz? Quanto aos terrenos incultos e/ou abandonados, porque não se dá às autarquias a incumbência de proceder à limpeza de bermas, estradas, caminhos, terrenos incultos, matas particulares espessas e/ou abandonadas, dando-lhes a prerrogativa de utilizar para isso as receitas de IMI dos prédios rústicos (para tanto, todos os prédios rústicos deveriam ser reavaliados e taxados mesmo que o proprietário não pague IMI sobre prédios urbanos) e outras receitas como as provenientes da instalação dos geradores eólicos, das torres das redes móveis de comunicação? Também as empresas concessionárias de autoestradas e das vias férreas deveriam ser obrigadas à limpeza das respetivas margens em toda a sua extensão e numa largura considerada razoável. Isto, para não falarmos do dever dos departamentos do Estado em cuidar da limpeza das matas nacionais, das estradas nacionais e de demais espaços entre edifícios públicos ou a eles equiparados. E, no atinente à vigilância, que é a fase última da prevenção, deve ser considerada em regime de permanência e a cobrir todo o território e cada uma das suas parcelas e envolver meios terrestres e aéreos, promovendo a cultura intensa e rotineira da responsabilidade, mesmo despistando os prováveis suspeitos.
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Quanto ao combate, hemos de dizer que o Estado não tem qualquer tipo de desculpa ante o drama que todos os anos o país vive e o espetáculo que se mostra ao exterior. Depois, admiramo-nos de os outros países parceiros não serem tão prontos e generosos como gostaríamos.
O negócio em torno dos incêndios florestais surgiu, cresceu e engordou. E não se pode assacar a culpa a governos de esquerda ou de direita. Nesta matéria, têm todos a sua quota-parte de responsabilidade. Por exemplo, a Força Aérea só não tem estes meios, porque outros e altos interesses se levantaram. Precisaremos de alguém independente e competente que faça uma investigação rigorosa do que realmente aconteceu e acontece ao longo dos vários anos, para que se ponha termo ao sucesso dos grandes interesses que se movimentam em volta dos incêndios. Não há dúvida de que estes problemas são tão perigosos como os atos de terrorismo. É claro que alguns incêndios deflagram por acaso e em virtude das condições edáficas e atmosféricas, mas a grande maioria dos fogos tem mão criminosa, embora ninguém pareça confirmar que isto foi e é uma ameaça real, já que nunca se sabe calcular as consequências – a nível da surpresa e da extensão – em danos pessoais, estimativo e patrimoniais. Ora, para a situação venha minorar-se, terá de haver uma sólida prevenção estrutural e tática, um combate sistémico (coordenado, estrategicamente montado, taticamente eficaz e atempada e convenientemente avaliado) e uma justiça mais musculada do que aquela que tem existido até agora. Não será com falinhas mansas e panos quentes que levaremos o navio a melhor porto. 
Ana Rodrigues questionava hoje, dia 11 de agosto, na Rádio Renascença, a razão por que não há meios da FA (Força Aérea) no combate aos fogos. Considerando o panorama atual em que “as chamas não dão tréguas aos bombeiros” e que, “nos últimos dias, o número de fogos registados ultrapassou sempre as 300 ocorrências, mobilizando milhares de operacionais e centenas de meios”, incluindo bombeiros, GNR, militares e voluntários civis, a jornalista verifica que “a vaga de fogos trouxe à atualidade o debate sobre a utilização de meios da FA no combate aos incêndios”, já que, em tempos, “eram utilizados aviões militares” para o efeito. Porém, segundo Rodrigues, tal prática desapareceu no final dos anos 1990 por decisão política.
Atualmente, a FA não dispõe de condições para participar no combate direto aos fogos, mesmo sendo essa a vontade do Governo. De facto, os aviões C-130 equipados com kits de combate aos fogos (compostos por um sistema que embarca e confere à aeronave a capacidade de combate direto aos incêndios, através da libertação de cerca de dez mil litros de produtos retardantes) foram descontinuados por decisão política, por se pensar que a participação da FA não era necessária. Tais kits não sofreram manutenção e estão obsoletos. A opção passaria pela utilização dos helicópteros Puma, estacionados em Beja mas que têm de ser requalificados, tal como a tripulação e pessoal de manutenção com ajuda duma força aérea estrangeira. Aliás, foi entregue ao anterior Governo, a 15 de setembro de 2015, um documento com a sugestão foi entregue pela FA e Proteção Civil.
O relatório surge a pedido do executivo de Passos Coelho que solicitou à FA que estudasse a melhor maneira de este ramo das Forças Armadas participar no combate aos fogos.
Por seu turno, o atual Governo julga que esta é uma hipótese pouco provável, porque a FA teria de receber para manutenção os helicópteros Kamov. E a FA não quer, pois teria custos muito elevados com a manutenção e com a própria utilização: cada hora de voo custa 35 mil euros.
Não sei se é a FA que não quer ou se o seu orçamento não tem garantias de reforço para essa missão, bem como para o aumento dos quadros de pessoal neste ramo das Forças Armadas, que o poder político tem vindo a minimizar, não obstante os fogachos de afirmação de apoio e de bem querer.  
Por sua vez, o tenente- coronel António Mota, presidente da AOFA (Associação de Oficiais das Forças Armadas), chama ‘crime de lesa-pátria’ à atribuição a empresas privadas do combate aéreo aos fogos florestais, cometido pelo poder político ao afastar por completo a FA do combate aos incêndios, o que “ninguém entende”. Esse oficial disse não fazer sentido os portugueses pagarem o combate aos incêndios a empresas privadas existindo uma rede da FA capaz de responder ao flagelo, com aeródromos e profissionais. Declarou ao JN:
“Os pilotos são pilotos o ano todo e não apenas no verão. São custos que os portugueses já têm. O piloto tanto sai para fazer o transporte de bombeiros para a Madeira, como está a acontecer agora, como segue para apagar um fogo em Arouca”.
E acrescentou:
“Os militares estão preparados e interessados nessa missão, mas alguém decidiu retirar essa competência à Força Aérea. É um negócio que envolve muitos milhões de euros”.
As declarações do presidente da AOFA surgem horas depois de ter surgido na página oficial da associação no Facebook um texto assinado pelo coronel João Marquito, a criticar o ‘negócio’ aéreo que envolve o plano de combate a incêndios em Portugal. Faz uma clara crítica à forma como foi retirada às Forças Armadas a função de operar os meios aéreos envolvidos no combate aos incêndios. Diz este oficial:
“O MAI (Ministério da Administração Interna) recusou entregar à Força Aérea a gestão e operação dos meios aéreos de combate a incêndios, bem como os de emergência médica, optando por manter o atual estado de coisas, com várias entidades, várias frotas, cada uma no seu ‘interesse’ e custos acumulados para todos, incluindo contratação dentro e fora do país”.
O coronel acrescenta:
“Quando esse combate passou a ser um ‘negócio’ arrumaram-se os C-130, os kit MAFFS para os equiparem e ficaram a apodrecer, os bombeiros exaustos, os meios de substituição não aparecem e....o flagelo continua”.
Que vantagens adviriam de a solução passar pela utilização da Força Aérea? A página oficial da AOFA explica:
“A centralização dos meios aéreos na Força Aérea com custos reduzidos para o erário público, bem como a poupança em termos de manutenção (dado o background existente) e uma logística dos meios incomensuravelmente mais rápida e operacional”.
O governo anterior, como vem referido acima, pediu um estudo sobre a resposta aérea de combate aos incêndios, o qual defende o regresso dessa competência à FA. A garantia da capacidade desta é reiterada pelo presidente da AOFA, que afirma que no dito relatório se identificam os meios que a FA precisaria de voltar a ter para assumir a responsabilidade. O relatório, “que continua numa gaveta”, estima que “a partir de 2018 haveria um lucro para o erário público (2016 e 2017 seriam anos de investimento), uma vez que deixaria de ser necessária a contratação de meios privados para fazer o ataque aéreo às chamas”.
Porque estamos à espera, Senhor Primeiro-Ministro?

2016.08.11 – Louro de Carvalho

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