Celebra-se, a 8 de agosto, a
memória litúrgica de São Domingos de Gusmão, famoso pelo combate aos hereges,
denominados de cátaros (puros) ou albigenses (por medrarem na região de Albi), por incrementar a recitação do santo rosário e por vir a fundar a
Ordem dos Pregadores (e o seu ramo feminino), uma das ordens
mendicantes que se criaram no século XIII para consolidar a doutrina e reformar
os costumes.
***
As ordens
mendicantes são formadas por frades (padres e/ou leigos) ou freiras que vivem habitualmente em conventos,
não em mosteiros. Centram a sua ação e apostolado na oração, na pregação, na
evangelização no serviço aos pobres e nas demais obras de caridade estruturadas
e estruturantes. O seu apostolado mais ativo no mundo secular implica que eles
não vivam tão enclausurados como os monges. Não obstante, vivem em comunidades disciplinarmente
austeras e reservadas. Surgiram numa época em que aumentavam as concentrações
urbanas e, porque este seu estilo de vida respondia às necessidades de
evangelização das cidades,
receberam forte apoio dos Papas. A
sua principal caraterística reside no facto de a sua sobrevivência depender das
esmolas e dádivas dos outros, já
que os seus membros renunciaram à posse de quaisquer bens, comprometendo-se em
viver radicalmente na pobreza e na humildade. As esmolas e dádivas são obtidas
principalmente através da pregação e
de outras obras atinentes ao seu apostolado.
Os exemplos
mais notáveis de mendicantes foram Francisco de Assis e Domingos de Gusmão,
ambos fundadores de duas ordens mendicantes notáveis, que emparceiraram bem com
os agostinianos, mercedários e carmelitas e desempenharam um papel fundamental
na reforma católica e na
evangelização das Américas.
***
Filho de
Joana de Aza e Félix de Gusmão, Domingos nasceu, em Caleruega, na zona de
fronteira do Reino de Castela, cerca do ano 1170 e faleceu em Bolonha (Itália), a 6 de agosto de 1221. Os pais, pertencentes à
pequena nobreza guerreira, que
tinha o encargo de assegurar as praças militares da fronteira com o sul
dominado pelos muçulmanos, deram-lhe esmerada educação. E, notando a sua inclinação
para a vida religiosa, mandaram-no estudar, em 1189, para Palência e,
concluídos dos estudos, em 1196, tornou-se presbítero e membro do cabido de Osma, sua diocese natal, de que chegou a
ser subprior.
Em 1203, o
rei de Castela encarregou Diogo, Bispo de
Osma, de negociar o casamento do filho com uma princesa da Dinamarca e de a
trazer para o reino, tendo Domingos acompanhado o seu bispo na viagem. Durante esta, Domingos
ficou deveras impressionado com o desconhecimento dos povos da Europa do norte sobre a doutrina cristã,
tornando-se-lhe evidente a necessidade de ir evangelizar aqueles povos, em especial os cumanos.
E, para consecução do objetivo inicial, Domingos e Diogo realizaram, em 1205,
nova missão ao norte da Europa e uma peregrinação a Roma e a Cister. Encontraram,
no sul de França, junto a
Montpellier, legados do Papa a
pregar contra a heresia dos cátaros (albigenses), que afirmavam que dois princípios
dividiam o Universo: o princípio espiritual, bom; e o princípio material, mau.
O homem, juntando em si os dois princípios era um anjo aprisionado num corpo e
tinha como objetivo libertar-se do próprio corpo através da purificação
espiritual. Proibiam o casamento e a procriação, porque isso era ajudar o demónio
a aprisionar almas em corpos. Por conseguinte, incentivavam o suicídio, o aborto
e a eutanásia, enquanto meios de acelerar a libertação da alma. Também negavam ao
Estado o direito de punir criminosos, bem como contestavam a validade dos juramentos,
os quais, na Idade Média, constituíam a base da confiança social. E negar a sua
validade era tão grave como negar hoje a validade da lei. Com aquela ética, os
cátaros tinham dificuldade em ajuntar sequazes. Sendo assim, estabeleceram dois
tipos de fiéis: os “perfeitos” e os “simples”. Os perfeitos seguiam a ética
cátara, vivendo em comunidades isoladas. Os simples não tinham de seguir um
código de conduta, bastando-lhes como penhor do Céu o “consolamentum”,
um tipo de extrema-unção. Em suma, a heresia cátara defendia uma dupla moral: vida
ascética para a minoria; e libertinagem para a maioria, com a salvação obtida
sem esforço. Por isso, a heresia acabou por conquistar muitos adeptos. A Igreja
demonstrou grande paciência antes de tomar medidas contra o catarismo. De 1119,
ano em que o catarismo foi condenado no Concílio de Toulouse, até 1179, Roma
contentou-se com enviar pregadores, embora grande sucesso. Diogo e Domingos, face à evidência das
dificuldades na missão dos legados papais, convenceram-nos a adotar uma
estratégia de simplicidade ao estilo apostólico e mendicante, pois que os
Legados se deslocavam com grande pompa. Os Legados deixam-se convencer,
despachando para casa todo o supérfluo, na condição de que Diogo e Domingos os
acompanhassem e os dirigissem na missão – o que estes fizeram. O Papa Inocêncio
III, descobrindo virtudes nesta nova forma de pregação,
aprovou-a e mandou Diogo e Domingos para a “santa pregação”. Diogo,
sendo bispo, por razão das suas responsabilidades e não podendo ficar muito
mais tempo na região, regressou à diocese, falecendo passado algum tempo.
Domingos continuou, muitas vezes só.
***
Em 1206, um
grupo de mulheres por si convertidas do catarismo pede-lhe apoio; e ele
acha, em 1207, uma casa para elas morarem em Prouille, dá-lhes uma regra de
vida simples, de oração e reclusão, no que veio a ser a primeira
comunidade religiosa dominicana de monjas de clausura. Domingos assume
esta comunidade feminina como ponto de apoio à santa pregação, pois aquelas
religiosas, por meio da oração, seriam o apoio dos pregadores. Em 1208, encontra-se
completamente só na missão de pregar pelas localidades do sul de França; em
1210, está na região de Toulouse, palco de violentos combates entre senhores
feudais e cátaros; e, em 1214, em Carcassonne, assiste a duras batalhas entre
as duas partes e começa a juntar um pequeno grupo de companheiros que com ele
adotam a vida de pregadores itinerantes. No mesmo ano, torna-se pároco de
Fanjeaux, junto a Prouille e à sua comunidade feminina.
Em 1215, em
Toulouse, adota uma regra de vida para a sua comunidade de pregadores,
obtendo a aprovação do Bispo local. No entanto, o objetivo era criar uma ordem
religiosa masculina que não ficasse restrita a uma diocese, mas que
tivesse um mandato geral, por forma a poder atuar em todos os territórios onde
fosse necessária a evangelização. Dirige-se, nesse mesmo ano, a Roma, onde
decorria o IV Concílio de Latrão, a fim de obter o reconhecimento da
Ordem. No entanto, o concílio, perante tantos e diferentes novos
movimentos que surgiram por todo lado, e para evitar a anarquia, decide proibir
que sejam aceites novas ordens religiosas. Aconselhado pelo Papa e de
regresso a Toulouse, Domingos e companheiros estudam as várias Regras de
vida religiosa já existentes e optam pela Regra de Santo Agostinho. Entretanto,
o Papa Inocêncio III morre e o novo Papa, Honório III, é um
admirador e amigo de Domingos e dos pregadores. Em 1216, Domingos volta a Roma com
a Regra atualizada e, a seu pedido, o Papa insta à Universidade de Paris o
envio de alguns professores para Toulouse destinados ao ensino e à pregação.
Entretanto, o Papa confirma, pela bula Religiosam
Vitam (22.12.1216), a regra
da Ordem dos frades pregadores como religiosos “totalmente dedicados ao
anúncio da palavra de Deus”. Logo após o reconhecimento da Ordem, Domingos
envia os primeiros discípulos, dois a dois, a fundar novas comunidades em
Paris, Bolonha, Roma e Espanha. Domingos acreditava que apenas o estudo
profundo da Bíblia daria os meios necessários à pregação eficaz. Assim, envia
os irmãos para as principais cidades universitárias da época, para
adquirirem os conhecimentos necessários e agirem e recrutarem novos membros
entre as camadas estudantis e intelectuais.
Foi
prodigiosa a sua atividade nos últimos 5 anos de vida: ida a Roma; visita aos
frades em Espanha, Provença, Paris e Bolonha; convocação e presidência dos dois
primeiros Capítulos Gerais em Bolonha (1220 e 1221). Uma tradição, evocada por alguns Papas, dá-o como instituidor do
Rosário. Morreu no regresso da pregação na missão do Norte de Itália. E,
passados 12 anos, foi canonizado e o seu culto difundiu-se com rapidez. Varão evangélico e homem apostólico são os títulos que melhor o definem.
***
A Igreja atribui a Domingos de Gusmão, conhecido como o “Apóstolo do
Rosário”, a difusão e posterior expansão do Rosário. E esta devoção propagou-se
nos católicos como arma contra o pecado e contra a heresia albigense, que
assolava a região de Toulouse.
Segundo uma respeitada tradição, Nossa Senhora revelou, em 1214, numa aparição
a São Domingos a devoção ao Rosário como meio para
salvar a Europa da heresia. Com efeito, os albigenses, infiltrando-se nos meios
católicos para melhor captarem simpatia, contagiavam com os seus erros diversos
países a partir do norte da Itália e da região de Albi, no sul da França. Tais
hereges, além do que foi dito acima, pregavam o panteísmo, o amor livre e a
abolição das riquezas, da hierarquia social e da propriedade particular.
Várias
regiões da Europa do século XIII ficaram infestadas por esta heresia, e toda a
ação católica que visava contê-la mostrava-se ineficaz. Os hereges, após
conquistar muitas almas, destruir muitos altares e derramar muito sangue
católico, pareciam vitoriosos e, definitivo.
Domingos empenhou-se intrepidamente
no combate à heresia albigense, não conseguindo, porém, sobrepujar o ímpeto dos
hereges, que continuavam a perverter os católicos. E os que não se pervertiam
eram massacrados. Desolado, Domingos suplicou a Maria que lhe indicasse um meio
espiritual capaz de vencer aqueles adversários da Igreja.
O Bem-aventurado Alain de la Roche (1428 –
1475), célebre pregador da Ordem Dominicana, no livro Da dignidade do Saltério, narra a aparição de Nossa Senhora a São Domingos, em
1214. Nessa aparição, Ela instou o Santo a pregar o Rosário (também
chamado Saltério de Maria, em lembrança dos 150 salmos bíblicos) para salvação das almas e conversão dos
hereges.
Na obra de
São Luís Grignion de Montfort, vem transcrita a narrativa da aparição,
referindo que Domingos, ao ver que os pecados dos homens criavam obstáculos à
conversão dos albigenses, entrou num bosque próximo de Toulouse e passou nele três
dias e três noites em contínua oração e penitência, não cessando de gemer,
chorar e macerar o corpo com disciplinas para aplacar a cólera de Deus, a ponto
de cair meio morto. Entretanto, a
Virgem apareceu-lhe seguida de três princesas celestes para responder à
sua inquietação.
Disse-lhe
Maria que a peça principal da bateria
de que a SS.ma Trindade se servira para reformar o mundo foi a
saudação angélica (ave-maria).
O Santo, sabendo
que, depois de Jesus Cristo, o principal instrumento da salvação foi
Maria, percebeu que a saudação
Angélica, fundamento do Novo Testamento, é útil para ganhar para Deus os
corações endurecidos. E o conjunto de 150 ave-marias (saudação angélica) faz o Saltério de Maria.
Assim, recitando 3 séries de 5 dezenas de ave-marias – antecedidas cada uma do
“pai-nosso” e seguidas do “glória ao Pai” – faz-se um conjunto de 150
ave-marias. Cada série de 5 dezenas (um terço) deve propiciar a meditação
dos mistérios do plano salvífico de Deus. Assim, o primeiro terço faz meditar
os 5 mistérios gozos; o segundo terço faz meditar os 5 mistérios dolorosos; e o
terceiro terço faz meditar os 5 mistérios gloriosos. João Paulo II adicionou
mais um conjunto de 5 dezenas em que se asila a meditação dos 5 mistérios
luminosos.
Domingos levantou-se
muito consolado e, abrasado de zelo pelo bem daquela gente, entrou na sé
catedral; e, no mesmo momento, os sinos tocaram para reunir os habitantes. No
princípio da pregação, formou-se uma espantosa tormenta: a terra tremeu, o sol
obscureceu-se, os repetidos trovões e os relâmpagos fizeram estremecer e
empalidecer os ouvintes e aumentou o terror quando se viu uma imagem da
Santíssima Virgem, exposta em lugar proeminente, levantar os braços três vezes
ao Céu a pedir o auxílio de Deus contra os hereges, se não se convertessem e
não recorressem à proteção da Santa Mãe de Deus.
A tormenta
cessou. O santo orador continuou o sermão e explicou com tanto fervor e
entusiasmo a excelência do santo Rosário que os moradores de Toulouse (um dos
principais focos da heresia) o
abraçaram quase todos e renunciaram aos seus erros, vendo-se em pouco tempo uma
grande mudança na vida e nos costumes da cidade.
Exibindo a
potente arma do Rosário, Domingos retornou
ao combate, pregando sem cessar na França, Itália e Espanha a devoção que a
própria Senhora do Rosário lhe
ensinara e por toda a parte reconquistava as almas: os católicos tíbios se
afervoravam, os fervorosos se santificavam; as ordens religiosas floresciam; os
hereges se convertiam e, abjurando seus erros, voltavam à Igreja; os pecadores
se arrependiam e faziam penitência; os demónios eram expulsos de possessos; e operavam-se
milagres e curas.
***
Enfim,
rezar o Rosário (coroa
de rosas oferecida à rosa das rosas)
não substitui, para quem deve e/ou pode, a oração do saltério – distribuída pelas
diversas horas canónicas da Liturgia das Horas (ou pela Bíblia). Mas quem não pode ou não sabe rezar
o saltério pode muito bem santificar-se e interceder pelos outros recitando o
rosário e meditando os divinos mistérios. E quem reza o saltério deve
disponibilizar a sua humildade e pobreza espiritual para rezar o rosário como
oração de pobres, sim, mas sobretudo como oração que, por Maria, leva a rezar a
oração que Jesus ensinou e a louvar a Santíssima Trindade.
São
Domingos bem pode ser uma inspiração e um auxílio espiritual, com dois
poderosos meios: a Bíblia e o Rosário.
2016.08.08 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário