A Igreja Católica celebra a memória litúrgica de Santa Mónica a 27 de
agosto e a de Santo Agostinho a
28 (este ano,
cai em domingo, razão pela qual a memória litúrgica fica eclipsada com a
liturgia dominical na maior parte das igrejas). Mãe e filho – dois santos admiráveis do século IV – são evocados, em
razão da santidade de vida em que ficaram irmanados, em dias consecutivos do mês
de agosto.
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Mónica nasceu no norte da África, em Tagaste (hoje,
Argélia), na região de Cartago, no ano 331,
numa família cristã e abastada que lhe entregou – segundo o costume da época e
local – como esposa um jovem chamado Patrício, decurião e membro do conselho de Tagaste, que possuía
terras, escravos e uma boa posição social.
Foi criada
por uma escrava que tratava dos filhos dos senhores. Os manuscritos que recolheram
a tradição oral sobre Mónica dizem que, desde criança, era muito religiosa e disciplinada.
E, sempre que podia, ajudava os mais pobres e demonstrava muita paciência e
mansidão.
Como cristã exemplar, a jovem esposa preocupava-se com
a conversão da sua família, pelo que se consumiu na oração pelo esposo pagão, rude
e violento e, sobretudo, pelo filho mais velho, Agostinho, que vivia nos vícios
e pecado, por causa de quem derramou muitíssimas lágrimas.
São múltiplos os testemunhos das inúmeras preces,
ultrajes e sofrimentos por que passou a mãe desvelada para ver a conversão e o
batismo, tanto do marido como do filho, o que mereceu a recomendação do seu
conselheiro espiritual de que persistisse na oração pois “é impossível que se
perca um filho de tantas lágrimas”.
Mónica
tinha três filhos: Agostinho, Navígio e Perpétua, que se tornou religiosa. A
dificuldade em lidar com Agostinho, o mais velho e rebelde, chegou a tal ponto
que, para lhe ensinar que as nossas ações neste mundo têm consequências, a mãe o
proibiu de entrar em casa, mas sem nunca desistir de rezar pela conversão
do filho. Pelo contrário, passou a interceder, de forma especial, por este
filho, que era dotado de aguda inteligência e duma inquieta busca da verdade, o
que fez com que se resolvesse a procurar as respostas e a felicidade fora da
Igreja. Por isso, envolveu-se em meias verdades e muitas mentiras e erros. Porém,
a mãe – fervorosa e fiel – nunca deixou de interceder pelo filho com ardor amor
e, durante 33 anos, e antes de morrer, em 387, ela mesma disse ao filho, já
convertido e cristão, que a única coisa que a fazia desejar viver ainda um
pouco era vê-lo cristão antes de morrer. Por isso, o filho Agostinho, que se
tornara Bispo de Hipona, santo e doutor da Igreja, pôde escrever que ela o gerara tanto em sua carne, para que ele viesse à luz do tempo, como
em seu coração, para que ele nascesse à luz da eternidade.
Exemplo de mãe verdadeiramente santa, alimentou a sua
fé com uma vida intensa de oração e enriqueceu-a com as virtudes teologais da
fé, esperança e caridade e com as virtudes morais da fortaleza, prudência, justiça
e moderação.
Mónica
deixou para todas as mães o ensinamento de que, além de educar os filhos para desenvolverem
a sua personalidade e viverem em sociedade, é preciso também educá-los para
Deus, desenvolvendo neles a vida espiritual. E ensina-nos que mães e pais se
devem preocupar com a salvação e santificação de seus filhos.
Chegou ao termo da sua vida terrena em Óstia no ano
387, com a idade de 56 anos.
Santa
Mónica foi canonizada pelo Papa Alexandre III, não por ter operado milagres ou
por ser mártir (no
sentido comum do termo),
mas por ter sido a responsável humana pela conversão de Santo Agostinho e
ensinado a fé cristã, a moral, o pudor e a mansidão, mostrando a força da
intervenção feminina na família e na sociedade.
Mais tarde, foi declarada Padroeira
das Associações das Mães Cristãs.
Agostinho,
no seu famoso livro autobiográfico intitulado “Confissões”, fez um monumento indelével à memória da mãe, Santa Mónica.
O corpo da Santa foi descoberto em 1430. O Papa Martinho V transportou-o para
Roma e depositou-o na igreja de Santo Agostinho.
***
Aurélio Agostinho, o Santo Agostinho de Hipona, foi um
importante bispo cristão e teólogo. Nasceu em Tagaste (hoje,
Argélia), na região de Cartago, no norte da
África, em 354, e morreu em 430, supostamente a 28 de agosto, durante um ataque
dos vândalos (povo bárbaro germânico) ao norte
da África.
Era filho de mãe que seguia o cristianismo, Santa
Mónica, porém o pai era pagão. Logo, na sua sua formação, teve importante influência
do maniqueísmo (sistema filosófico e religioso que une elementos
cristãos e pagãos e concebe o mundo regido por dois princípios eternos e
antagónicos: bem e mal).
Segundo a narração que ele próprio faz, Agostinho bebeu o amor de Jesus com
o leite materno. Porém, como acontece muitas vezes, a influência do pai fez com
que se retardasse o seu batismo, que ele acabou por não receber na infância nem
na juventude. Estudou literatura, filosofia, gramática e retórica, vindo a tornar-se
professor dessas disciplinas nas cidades
italianas de Roma e Milão. Afastou-se imenso dos
ensinamentos da mãe e, por causa de más companhias, entregou-se aos vícios.
Cometeu maldades, viveu no pecado durante toda a juventude, teve uma amante (achava que era impossível um homem dormir sempre sozinho) de quem teve um filho ao qual pôs o nome
de Adeodato (que em expressão latina significa “dado por Deus”) e caiu na heresia gnóstica sob a égide
dos maniqueus, para os quais trabalhou na tradução de livros.
Na cidade de Milão, para onde se transferira com a
mãe, teve contacto com o neoplatonismo cristão. E, após uma juventude
perturbada intelectual e moralmente, converteu-se genuinamente à fé cristã e
foi batizado, na vigília pascal de 387, meses antes da morte da mãe, por
Ambrósio, que era bispo de Milão e que também se tornou um grande e sábio santo.
Fora efetivamente levado pela mãe a ouvir
os célebres sermões do santo bispo e nutrido com a leitura da Sagrada Escritura
e da vida dos santos. E Agostinho converteu-se realmente, recebeu o Batismo aos
33 anos e dedicou-se a uma vida de estudos e oração.
Agostinho dizia-se um apaixonado pela verdade, que, de tanto buscar, acabou
por reencontrar na Igreja Católica. “Ó beleza, sempre antiga e sempre nova,
quão tarde eu te amei!”; “fizestes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração está
inquieto, enquanto não descansa em Vós!” – são comoventes gritos de alma passados
a escrito por ele nas “Confissões”,
onde relata a sua vida de pecador arrependido.
Regressado à pátria, levou uma vida de grande
ascetismo, tendo vivido em regime monasterial durante algum tempo, vindo a
receber a ordenação sacerdotal em 391. Em 395, foi eleito bispo coadjutor de
Hipona (cidade do
norte do continente africano), passando
a bispo diocesano pouco tempo depois. Apesar de ter deixado o mosteiro devido à
ordenação episcopal, continuou a levar vida de asceta na casa episcopal; e
legou aos companheiros uma “regra”, pelo que é considerado o pioneiro e
padroeiro do clero regular.
Pronunciou importantes sermões, que acabou por passar à
escrita. Como bispo daquela diocese, durante 34 anos, foi modelo perfeito do
rebanho a que ministrou sólida formação cristã.
As suas obras, em que combateu fortemente os erros da
época e ilustrou sabiamente a fé católica, influenciaram muito o pensamento
teológico da Igreja Católica na Idade Média e ainda hoje continuam a influenciar
grandes pensadores, mesmo não cristãos. Que o diga Bento XVI, sobretudo na
versão de Joseph Ratzinger!
Em “A Cidade de
Deus”, Agostinho combate as heresias e o paganismo e faz cerrada apologia
do cristianismo contra os ataques que o Império contra esta religião disparava.
Na obra “Confissões” faz uma descrição
íntima e confessionalista da sua vida pessoal antes da conversão ao
cristianismo. Analisava a vida levando em consideração a psicologia e o
conhecimento da natureza. Porém, o conhecimento e as ideias eram de origem
divina que passavam ao homem por uma iluminação de Deus. Para o bispo de
Hipona, nada era mais importante do que a fé em Jesus e em Deus. A Bíblia, por
exemplo, deveria ser analisada, tendo em conta os conhecimentos naturais de
cada época. Defendia também a predestinação, conceito teológico que afirma que
a vida de todas as pessoas é traçada anteriormente por Deus.
Foi canonizado por aclamação popular e, mais tarde, em
1298, declarado Doutor da Igreja pelo papa Bonifácio VIII.
Santo Agostinho é considerado o santo protetor dos
teólogos, impressores e cervejeiros.
Das obras que legou à posteridade, ressaltam: Da Doutrina Cristã (397-426); Confissões
(397-398); A Cidade de
Deus (413-426); Da Trindade (400-416); Retratações; De Magistro; 350 Sermões; Sobre a livre escolha da vontade; e Conhecendo a si mesmo.
De Santo Agostinho, disse o Papa Leão XIII: “É um génio vigoroso que, dominando todas as ciências humanas e divinas,
combateu todos os erros do seu tempo”.
A sua vida demonstra o poder da graça de Deus, que vence o pecado e sempre,
como Pai, espera a volta do filho pródigo, e constitui uma lição para nunca
desesperarmos da conversão de ninguém, por maior e mais refinado pecador que
seja, e para estarmos sempre sinceramente à procura da verdade e do bem.
***
Dois santos – mãe e filho – de quem não se pode dizer que a santidade resultou
da simples hereditariedade, mas da oração de alguém e da abertura a Deus por
parte de outrem: dom e esforço, fé e determinação, esperança e trabalho, amor e
misericórdia.
2016.08.27 – Louro de Carvalho
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