Os dias 14 e
15 de agosto de 1941 ficaram como indelével pedra de toque na História da
Igreja da contemporaneidade, dolorosamente integrada no período mais infernal
da História Humana no século XX, inferno provocado pela sanha de homens cruéis
inspirados na idiota purificação da raça humana através da pretensa eliminação duma
etnia plurimilenar.
O silêncio e
a oração do Papa Francisco nos campos de concentração de Auschwitz e Birkenau,
no passado dia 29 de julho, constituem o melhor sermão para que se faça memória
do terrível holocausto dos nossos tempos civilizacionais. Francisco encontrou-se
com sobreviventes, deixou uma vela junto do muro onde os prisioneiros eram
fuzilados em Auschwitz e rezou na cela onde foi martirizado São Maximiliano
Kolbe, que se ofereceu para morrer em vez de um pai de família, em 1941. No
campo de concentração de Birkenau, o Santo Padre cumprimentou vinte e cinco “Justos entre as nações” – título
conferido pelo Estado de Israel a pessoas que não são judias, mas que
arriscaram as suas vidas durante o Holocausto
para salvar vidas de judeus. Também em Birkenau, Francisco fez uma oração
silenciosa e deixou uma vela. Um rabino, por seu turno, entoou em hebraico o
Salmo 130.
***
Porque, a 14
de agosto se faz memória litúrgica de São Maximiliano Kolbe, aqui fica a
referência à sua personalidade e ao seu apostolado.
Nascido a 8
de janeiro de 1894, em Zdunska-Wola, na Polónia, Raimundo Kolbe era o segundo
filho de Julio e Maria Dabrowska, membros da Ordem Terceira Franciscana e
tecelões da cidade. Tendo o menino apenas 10 anos de idade, Nossa Senhora
apareceu-lhe e ofereceu-lhe duas coroas, uma branca e outra vermelha,
significando a branca a pureza e a vermelha o martírio. Como o menino respondeu
que aceitava as duas, Nossa Senhora olhou-o com doçura e desapareceu.
Raimundo
nunca mais se esqueceu daquele dia e sentiu que estava destinado a amar
incondicionalmente a Mãe Imaculada. Entrou, em 1907, no seminário dos Frades
Menores Conventuais e mudou-se para Roma, em 1912, para continuar os estudos
eclesiásticos na Pontifícia Universidade Gregoriana e no “Seraphicum” da sua Ordem e, a 1 de Novembro de 1914, após 3 anos de
votos temporários na família franciscana, Raimundo emitiu a profissão solene,
tornando-se Frei Maximiliano Maria Kolbe. A adição de “Maria” ao nome religioso
expressa fielmente a sua espiritualidade mariana. E, ainda estudante, na noite
do dia 16 de outubro de 1917, na vigília da Festa de Santa Margarida Maria
Alacoque, Frei Maximiliano fundou o movimento de apostolado mariano chamado “Milícia
da Imaculada” com mais seis estudantes do seminário: Padre Giuseppe
Pal, romeno; Padre Quirico Pignalberi, da província de Roma; Padre Antonio
Glowinski, romeno; Frei Antonio Mansi e Frei Enrico Granata, da Província de
Napoles; e Frei Girolano Biasi, da Província de Pádua.
Ordenado sacerdote
a 28 de abril de 1918 e regressado à Polónia, começou o seu apostolado mariano com
a publicação do boletim mensal “O
Cavaleiro da Imaculada”; em 1927, fundou a “Cidade da Imaculada”, um centro
de vida religiosa e de diversas formas de apostolado; em 1930, partiu para o
Japão, onde fundou uma instituição semelhante à da Polónia e onde deixou fecundo
trabalho apostólico; e, regressado definitivamente ao seu país, dedicou-se inteiramente
à sua obra com diversas publicações religiosas, de modo que a II Guerra Mundial
o surpreendeu à frente dum imponente complexo editorial da Polónia.
Como
sacerdote, Maximiliano empenhou-se em ensinar com afinco o caminho da salvação,
sobretudo pelo apostolado através da imprensa e pôde, assim, evangelizar em
muitos países.
Logo no
início da II Grande Guerra Mundial, a Polónia foi tomada por nazistas e, com
isto, Frei Maximiliano foi preso por duas vezes, sendo que a prisão definitiva,
ocorrida em 1941, o levou para Varsóvia e, posteriormente, para o campo de
concentração em Auschwitz, onde no campo de extermínio evangelizou heroicamente
com a vida e com a morte. Se um prisioneiro lograva escapar, o comandante do
campo nazista escolhia 10 homens para serem mortos à fome (uma forma de
dizimação). Sucedeu que, em virtude da fuga dum
prisioneiro, uma dessas 10 pessoas escolhidas era um pai de família que
desesperadamente caiu em prantos ao ser escolhido. Foi então que Frei
Maximiliano Maria ofereceu a própria vida para salvar aquele homem.
Na sua cela,
Kolbe celebrava a missa todos os dias e cantava hinos com os prisioneiros que o
ouviam. A sua fé era inabalável e desejava comunicar a paz aos outros condenados
nos seus últimos dias de vida, cantando e orando juntos, dizendo-lhes que em
breve estariam no céu com Maria. Após duas semanas de desidratação e fome, Frei
Maximiliano era o único que ainda permanecia vivo e, por isso, foi morto pelos
nazistas com uma injeção letal de ácido carbólico no dia 14 de agosto de 1941.
Os restos foram cremados no dia 15 de agosto, o dia da festa da Assunção de
Maria (Hoje,
solenidade).
Maximiliano
Maria Kolbe, mártir e idealizador da Milícia da Imaculada, foi
beatificado por Paulo VI, a 17 de outubro de 1971, e canonizado a 10 de outubro
de 1982, por João Paulo II.
Maximiliano Kolbe foi um apóstolo do culto de Nossa Senhora, do ângulo do
seu primeiro, originário e privilegiado esplendor, o da sua autodefinição em Lourdes:
a Imaculada Conceição. Por isso,
torna-se impossível separar o nome, a atividade e a missão de Kolbe do nome, atividade
e missão de Maria Imaculada.
***
Do campo de concentração
de Auschwitz e do santo
devoto de Maria Imaculada falou João Paulo II, na homilia da Missa de canonização
deste santo mártir polaco:
“De facto, no final de
Julho de 1941, quando por ordem do chefe do campo foram colocados em fila os
prisioneiros destinados a morrer de fome, este homem, Maximiliano Maria Kolbe,
apresentou-se espontaneamente, declarando-se pronto a morrer em substituição de
um deles. Esta disponibilidade foi acolhida, e ao Padre Maximiliano, após mais
de duas semanas de tormentos por causa da fome, foi enfim tirada a vida com uma
injeção mortal, a 14 de Agosto de 1941. Tudo isto ocorreu no campo de concentração de Auschwitz,
onde foram levadas à
morte durante a última guerra cerca de quatro milhões de pessoas, entre as
quais também a Serva de Deus Edite Stein (a carmelitana Irmã Teresa Benedita da
Cruz), cuja causa de Beatificação está em andamento junto da competente
Congregação. [Foi canonizada pelo Papa João
Paulo II, em 1998].
Depois
de frisar que “a desobediência a Deus, Criador da vida, que preceituou ‘não
matarás’, causou nesse lugar o imenso morticínio de tantos inocentes”, referiu-se
a Kolbe como “um prisioneiro do campo de concentração que reivindicou, em lugar
da morte, o direito à vida de um homem inocente, um dos quatro milhões”, e declarou:
“Este homem (Franciszek
Gajowniczek) vive ainda e está presente entre nós. Padre Kolbe reivindicou em favor
dele o direito à vida, ao declarar a disponibilidade de morrer em lugar
dele, porque era um pai de família e a sua vida era necessária aos seus entes
queridos. Padre Maximiliano Maria Kolbe reafirmou assim o direito exclusivo do
Criador à vida do homem inocente e deu testemunho
a Cristo e ao amor. Escreve de facto o apóstolo João: Nisto conhecemos a caridade: Ele (Jesus) deu a Sua vida por nós, e nós
devemos dar a vida pelos nossos irmãos” (1Jo 3,16).
Sobre
o perfil mariano deste filho de São Francisco de Assis, o Papa polaco diz:
“A inspiração de toda a
sua vida foi a Imaculada,
à qual confiava o seu amor por Cristo e o seu desejo de martírio. No mistério
da Imaculada Conceição manifestava-se aos olhos da sua alma aquele mundo maravilhoso e sobrenatural da Graça
de Deus oferecida ao homem. A fé
e as obras de toda a vida do Padre Maximiliano indicam que ele entendia a sua
colaboração com a Graça divina como uma milícia sob o sinal da Imaculada Conceição. A caraterística mariana é particularmente expressiva na vida e
na santidade do Padre Kolbe. Com esta caraterística foi marcado também todo o
seu apostolado, tanto na Pátria como nas missões.”
Quanto
ao significado litúrgico do sucedido no Bunker da fome em Oswiecim (Auschwitz),
a 14 de Agosto de 1941, João Paulo II explicita, evocando o Livro da Sabedoria:
“Deus provou Maximiliano
Maria e achou-o digno de Si (cf Sb 3,5).
Provou-o como ouro na fornalha e
aceitou-o como holocausto (cf Sb 3,6).
Embora aos olhos dos homens tenha sido
atormentado, todavia a sua esperança
está cheia de imortalidade, pois as almas dos justos estão na mão de
Deus e nenhum tormento as tocará.
E quando, humanamente falando, lhes chegam o tormento e a morte, quando aparentemente estão mortos aos olhos dos
insensatos..., quando a sua saída
deste mundo é considerada uma desgraça..., eles estão em paz: eles experimentam a vida e a glória na mão de Deus (cf Sb 3,1-4).
Tal vida é fruto da morte à semelhança da morte
de Cristo. A glória é a participação na Sua ressurreição.”
Cumpriram-se
as palavras dirigidas por Cristo aos Apóstolos para que fossem e dessem fruto e
o seu fruto permanecesse (cf Jo15,16) – acrescenta o Papa
Wojtyla. Por isso, o fruto da morte heroica de Maximiliano Kolbe perdura como
sinal de modo admirável na Igreja e no mundo.
Claramente
a Igreja aceita, com veneração e
gratidão, este
sinal de vitória obtida pela força da Redenção de Cristo e procura
decifrar a sua eloquência com toda a humildade e amor. Sempre que proclama a santidade dos seus filhos e filhas, ela procura
agir com toda a precisão e responsabilidade devidas, penetrando em todos os
aspetos da vida e da morte dos servos de Deus. Todavia a Igreja está, ao mesmo
tempo, atenta ao sinal da santidade dado por Deus nos seus servos terrenos, para não perder a sua plena eloquência e o seu significado
definitivo.
***
Também Paulo VI, no ato de beatificação, se refere a Kolbe na sua dimensão
mariana:
“E Kolbe, como toda a doutrina, toda a liturgia e toda
a espiritualidade católica, vê Maria inserida no desígnio divino, como termo fixo de eterno conselho, a cheia de
graça, a sede da sabedoria, a predestinada à maternidade de Cristo, a rainha do
reino messiânico (Lc 1,33) e ao mesmo tempo como a serva do Senhor, a eleita
para oferecer à encarnação do Verbo a sua insubstituível cooperação, a Mãe do
homem-Deus, nosso Salvador. Maria é Aquela pela qual os homens chegam a Jesus e
Aquela pela qual Jesus chega aos homens.”
***
No dizer do Papa que o beatificou e do Papa que o canonizou, Kolbe, pelo
seu perfil mariano, é qualificado e classificado entre os grandes santos e os
espíritos videntes que perceberam, veneraram e cantaram o mistério de Maria, conexo
com o de Cristo e com o da Igreja. Não lhe prestam o culto de latria, devido só
a Deus, nem o de simples dulia, atribuível aos anjos, santos e santas, mas o de
hiperdulia ou veneração especial, porque Mãe de Deus e da Igreja, porque próxima
de cada um de nós e imagem, tipo e modelo da Igreja peregrina sob a batuta do Espírito
Santo.
2016.08.14 – Louro de Carvalho
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