O Tribunal de Contas (TdC), no relatório sobre o acompanhamento da execução orçamental da
Administração Central referente ao ano económico de 2015, divulgado hoje, dia
16, assinala situações de violação das normas legais relativas à gestão e
controlo orçamental, de tesouraria e de património e, ainda, o incumprimento
pelo Estado das recomendações do próprio TdC.
Apesar de a sua divulgação ter ocorrido apenas hoje, o
relatório foi aprovado, pelo tribunal fiscalizador das contas do Estado, no
passado dia 14 de julho, depois de as entidades interessadas terem usado do
direito do contraditório. Além disso, no dia 5 de julho, foi entregue ao Presidente da
Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, pelo Presidente do TdC, Carlos
Alberto Morais Antunes, o parecer sobre as Contas
da Assembleia da República, de 2015.
No referido relatório (de 97 páginas, com 4 anexos, 26 quadros e 6 gráficos), o Estado é acusado pelo TdC de exigir aos cidadãos
regras que não cumpre, sendo notório o “contraste flagrante” entre o
incumprimento do Estado e as “consequências gravosas” impostas aos cidadãos,
bem como de não cumprimento das decisões do Tribunal.
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Sobre o cumprimento das decisões dos tribunais, é de recordar que os departamentos
do Estado também são obrigados a acatá-las, no respeito pelo preceito
constitucional que estabelece que “as decisões dos tribunais são
obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as
de quaisquer outras autoridades”
(CRP,
art.º 205.º/2).
Além disso, é de considerar que o TdC, nos termos constitucionais, “é o órgão
supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento
das contas que a lei mandar submeter-lhe, competindo-lhe, nomeadamente: a) dar
parecer sobre a Conta Geral do Estado, incluindo a da segurança social; b) dar
parecer sobre as contas das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira; c) efetivar
a responsabilidade por infracções financeiras, nos termos da lei; e d) exercer
as demais competências que lhe forem atribuídas por lei” (vd
CRP, art.º 214.º/1).
Assim cabe-lhe o controlo financeiro e jurisdicional (prévio,
concomitante e sucessivo, conforme os casos) da utilização dos dinheiros e valores públicos
independentemente da natureza das entidades que os detenham e giram.
Ora, é conveniente que o Estado dê o exemplo tanto no cumprimento das
decisões do TdC (e já se registaram notícias de crítica intempestiva às
suas decisões, inclusive do Tribunal Constitucional), como na sujeição à fiscalização prévia,
concomitante e sucessiva de atos e contas, aceitando não só os procedimentos
como as conclusões avaliativas e prestando-lhe a cooperação pública necessária.
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E o que exige os Estado aos cidadãos e às empresas e que não assume para si
algumas vezes? Rigor e transparência no planeamento, gestão e avaliação. Em termos
do Estado, este rigor e esta transparência conseguem-se através da correta orçamentação
e ponderosa execução física e financeira, espelhável, a montante, no orçamento e,
a jusante, no relatório de contas, que devem ser encerradas dentro dos prazos legais.
Ora, o TdC aponta às contas de 2015 (de 1 de janeiro a 31 de dezembro), como se disse, situações de violação das normas
legais relativas à gestão e controlo orçamental, de tesouraria e de património,
bem como o incumprimento das recomendações do próprio tribunal. E exemplifica
com o incumprimento de prazos legais no encerramento da contabilidade do
Tesouro para divulgar a conta provisória, deixando uma crítica em que considera
um “contraste flagrante com as consequências gravosas que o Estado impõe aos
cidadãos”.
Mais: o relatório, sobre as receitas da Administração Central, mostra a
evidência de “casos relevantes de desrespeito dos princípios e regras
orçamentais, de incumprimento das disposições legais que regulam a execução e a
contabilização das receitas e de deficiências dos sistemas de contabilização e
controlo”.
Assim, o TdC recorda que insiste, desde 2005, na implementação da
interligação dos sistemas da ATA (Autoridade Tributária e Aduaneira) com o sistema de contabilização das receitas da Conta
Geral do Estado, o que “permanece por implementar”. A este respeito, o tribunal
liderado por Carlos Morais Antunes sentencia:
“Pelas razões que levaram à implementação do e-fatura, em poucos meses, é mais do que
oportuno que o Estado, o Ministério das Finanças e a AT também apliquem, como
administradores de receitas públicas, os princípios e procedimentos que
tornaram obrigatórios aos contribuintes por os reputarem essenciais para a
eficácia do controlo dessas receitas”.
Como exemplos da contabilização deficiente de receitas fiscais, o TdC
apresenta o caso das contribuições de serviço rodoviário (afetas à
Infraestruturas de Portugal – IP) e para o
audiovisual (afetas à Rádio e Televisão de Portugal – RTP).
No caso da IP, o TdC critica o facto de cerca de 652,7 milhões de euros
terem sido contabilizados como ISP (Imposto sobre os Produtos
Petrolíferos), quando
correspondem “à verba recebida a título de CSR (Contribuição de Serviço
Rodoviário)”. E, em relação à RTP, o tribunal critica que, sendo a CAV (Contribuição
para o Audiovisual) um
imposto, ela “não seja validada e registada como receita do Estado, bem como o facto
de o respetivo montante não ser entregue “através de transferências orçamentais
registadas em despesa do Estado”.
Ora, segundo o TdC, a CSR deve ser registada pela AT como receita do Estado
e a consequente transferência deve constar da despesa do Estado e da receita da
IP no Orçamento do Estado e na respetiva execução orçamental (dada a
integração desta empresa nos Serviços ou Fundos Autónomos como Entidade Pública
Reclassificada)”.
Também o produto da CAV deveria ser entregue à AT que o registaria como
receita do Estado e o transferiria para a RTP como despesa do Estado. Ora, o que
tem acontecido é que, “após ser cobrado pelas empresas distribuidoras de
energia elétrica”, é entregue diretamente à RTP que em 2015 continua a
contabilizá-lo de forma indevida”.
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Também
o referido relatório do TdC mostra a evidência de que o BPN custou mais de 3,2
mil milhões ao Estado desde 2011. Só no ano passado
o BPN custou quase mais 600 milhões de euros ao Orçamento do Estado. E para
este ano preveem-se, no orçamento, gastos com a reprivatização no valor de
quase 30 milhões de euros. E os custos podem aumentar.
Diz o Tribunal que se trata de fatura que não para de crescer e cujo fim até parece
estar perto, mas nunca chega. O encargo para o Orçamento do Estado do BPN, que
inclui custos decorrentes da nacionalização e da sua reprivatização e os custos
associados às respetivas sociedades-veículo criadas pelo Estado para gerir os
seus ativos, atingiu no final do ano passado os 3.237,5 milhões de euros.
O Tribunal
de Contas esclarece que estes mais de 3,2 mil milhões de euros dizem respeito
apenas aos custos para o orçamento desde 2011 e se trata de um custo que pode
vir a aumentar, consideravelmente, nos próximos anos, começando pelos 29,5
milhões de euros de despesas de reprivatização previstas no orçamento para este
ano, despesas que são maiores que as previstas.
A este valor
acrescem 2.669,77 milhões de euros de empréstimos garantidos pelo Estado. É certo
que as garantias até rendem dinheiro para os cofres públicos (37 milhões
de euros que foram recebidos pelo Estado e não estão nestas contas do BPN), mas também o é que o baixo risco associado a este
tipo de garantias não parece ser o caso do BPN.
Segundo o TdC,
no final de 2014 – ainda não há valores referentes a 2015 –, as duas sociedades-veículo
que estão a gerir os ativos tóxicos do BPN que o Estado assumiu quando
nacionalizou o banco – a Parvalorem e a Parparticipadas – tinham capitais
próprios negativos de 2.138,7 milhões de euros e 142,1 milhões de euros, ou
seja, mais quase 2,3 mil milhões de euros que o Estado pode ter de vir a
suportar no futuro.
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De facto, é
chocante, no relatório, que os Departamentos do Estado sejam extremamente severos
para com os cidadãos e as empresas (que, ao fim e ao cabo são detidas,
geridas e trabalhadas por cidadãos), no
atinente a prazos, rigor de registos, nomeadamente de contas (receitas
despesas) e guarda e/ou exibição de documentação
(por vezes de
forma desnecessariamente reiterada) e
cumprimentos de regras, sob pena de multa, execução fiscal ou judicial e até
prisão. Porém, quando se trata de o Estado cumprir obrigações, falha-se, não se
explica ou dão-se explicações aleatórias.
E a
desorçamentação, pela via da arrecadação de verbas que, apesar de provirem dos
contribuintes, não são registadas como receitas do Estado nem como despesas do
mesmo. Isto para não falar da despiciente execução física e financeira.
E continua a
saga do BPN sem novidades em relação ao previsto, apenas conformando os agouros
mais pessimistas
Depois, como
é possível que o Estado despicientemente não acate as decisões do TdC, cujas decisões jurisdicionais “são
obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas” (vd
LOPTC, art.º 8.º/2)?
Cabe,
finalmente, questionar se a alguém (e/ou a quantas pessoas singulares e
coletivas) já o TdC aplicou algumas das
multas previstas nos artigos 65.º a 67.º ou assacou a responsabilidade por crime
de desobediência qualificada tipificado no art.º 68.º – artigos da LOPTC (Lei de Organização e Processo do
Tribunal de Contas).
É
que, para moralizar, não basta denunciar: tem de se agir.
2016.08.16 – Louro de Carvalho
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