terça-feira, 31 de julho de 2018

A melhor tese de doutoramento da Europa foi escrita por uma portuguesa


Mais uma mulher portuguesa em destaque na cena internacional em razão do mérito. Margarida Carvalho, com a idade de 30 anos, natural da cidade do Porto, em cuja Universidade fez a licenciatura em matemática e o mestrado em engenharia matemática, estava no Canadá em atividade de investigação quando recebeu a notícia de que a sua tese de doutoramento, escrita a partir da FCUP (Faculdade de Ciências da Universidade do Porto), foi considerada a melhor da Europa.
Assim, a antiga estudante do Doutoramento em Ciências dos Computadores da FCUP e investigadora do INESC TEC é a primeira portuguesa a ser premiada com o EURO Doctoral Dissertation Award, distinção que reconhece dissertações de doutoramento excecionais na área de investigação operacional (IO).
Com o título Computation of equilibria on integer programming games, a tese premiada foi escrita e apresentada, em 2016, por Margarida Carvalho, sob orientação de João Pedro Pedroso, docente na FCUP e investigador no INESC TEC (Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência), e de Andrea Lodi, professor no Departamento de Engenharia Elétrica, Electrónica e Informação “Guglielmo Marconi”, na Universidade de Bolonha.
Nela, resulta o  cruzamento de duas áreas científicas, a otimização combinatória e a teoria dos jogos, para desenvolver resultados matemáticos que evidenciam a utilidade da teoria na prática. Com efeito, as conclusões apresentadas têm um potencial prático no âmbito da saúde, com aplicações em casos de transplante renal.  
Margarida Carvalho, agora docente na Universidade de Montreal, onde vive há pouco mais de um ano, explica-se:
Na tese foi, pela primeira vez, formulado um jogo para modelar programas de trocas de rins envolvendo hospitais de vários países. O que conseguimos concluir foi que o jogo tem boas propriedades do ponto de vista do bem-estar social. Quer isto dizer que, quando as entidades se comportam de forma mais racional, ou seja, concentrando-se apenas no seu benefício individual, o número de pacientes com insuficiência renal que recebe um transplante é maximizado.” (vd Observador, 23 de julho).
Segundo Mariana Barbosa (Eco, 30 de julho), a investigação, que Margarida tinha começado ainda na licenciatura, serviu de mote à tese do doutoramento. Na verdade, ela queria estudar teoria da informação e calcular a informação que um determinado evento dá, de modo a poder planear o comportamento estratégico de decisores, sejam eles empresas ou outras instituições, ou seja, estudar formas de otimizar um determinado processo. Assim, focada na otimização, escolheu o Porto, que lhe dava a oportunidade de fazer uma parte dos estudos fora. Entretanto, teve a oportunidade de se mudar para Bolonha, na Itália, a trabalhar de perto com Andrea Lodi, uma espécie de “estrela de rock ou guru” desta área de investigação. De pronto, este orientador recomendou-lhe que lesse algumas das teses de doutoramento de anteriores vencedores, pois, talvez pudessem “ser uma inspiração”.
Depois da apresentação da candidatura ao prémio atribuído de dois em dois anos, a tese ficou entre os três trabalhos finalistas. A investigadora portuense foi, depois, convidada a defender a tese num evento internacional e, aí, foi-lhe comunicado que era a vencedora. Isto faz-lhe concluir que o seu trabalho “não vai ficar esquecido no jornal onde for publicado nem na biblioteca de uma faculdade”.
Embora a tese se foque no âmbito da saúde, com aplicações em casos de transplante renal, por se tratar do desenvolvimento de resultados matemáticos e da área de investigação operacional (IO), a teoria é aplicável a outras áreas, incluindo a economia.
A grande vantagem do modelo proposto está na combinação de uma área que permite aumentar o coeficiente de otimização de uma empresa, como é a otimização combinatória e conseguir prever respostas da concorrência.
Exemplo disso são as empresas que produzem energia. E investigadora lança a premissa em formato de pergunta: Qual seria a melhor proposta de venda de energia, tendo em conta a concorrência? Mais: no trabalho desenvolvido, é introduzido um novo fator: em vez de se tratar de apenas um player do mercado, foi criado um processo que permite incluir vários decisores em cuja dinâmica se vai refletir a decisão.
A este respeito, o orientador português da tese João Pedro Pedroso, investigador do CEGI (Centro de Engenharia e Gestão Industrial) do INESC TEC e docente na FCUP, explicita:
Os modelos de otimização são utilizados hoje em dia em inúmeras aplicações, como por exemplo no planeamento da produção de uma empresa. A evolução que houve na área de otimização permite que as empresas que apliquem estes modelos tenham muito sucesso. Os modelos mais comuns, no entanto, não têm em conta alguns fatores importantes, como é o caso da influência mútua que as decisões das várias empresas têm num mercado. A ciência que nos permite prever esses comportamentos chama-se teoria dos jogos. A Margarida propõe formulações matemáticas para problemas concretos e também algoritmos que podem ser aplicados de forma mais geral na solução de jogos que envolvem programação inteira, chamados integer programming games como aparece no título da tese. (vd ECO, 30 de julho).
Outra das áreas de aplicação da teoria desenvolvida é a da segurança. E a investigadora dá outro exemplo: é possível proteger um aeroporto otimizando o trajeto das patrulhas de polícias antecipando o comportamento das entidades mal-intencionadas. A base, como explica a autora da tese, assenta “no líder que toma a decisão e nos seguidores, que olham para o líder e depois tomam uma decisão”.
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Em suma,
Computation of equilibria on integer programming games”, a tese de Margarida Carvalho – cujas conclusões têm um potencial prático no âmbito da saúde, com aplicações em casos de transplante renal –, levou a investigadora do Porto a alcançar uma distinção até agora nunca conseguida por um português, o EURO Doctoral Dissertation Award (EDDA), prémio atribuído à melhor tese de doutoramento da Europa, na área da investigação operacional (IO).
Neste trabalho, orientado por João Pedro Pedroso e por Andrea Lodi, formula-se, pela primeira vez, um jogo para modelar programas de trocas de rins envolvendo hospitais de vários países.
A investigação permitiu concluir que “o jogo tem boas propriedades do ponto de vista do bem-estar social”, de acordo com a antiga colaboradora do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC) e atual docente na Universidade de Montreal, citada pelo Viva Porto.
Ainda segundo a investigadora, isto significa que, quando as entidades se comportam de forma mais racional, o número de beneficiários é maximizado.
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Lançado em 2003 e promovido pelo EURO – the European Association of Operacional Research Society, o prémio “Euro Doctoral Dissertation Award” (EDDA) distingue contribuições de estudantes de doutoramento ou cientistas que tenham menos de dois anos de experiência desde a conclusão do doutoramento na área da investigação operacional; e avalia, não só a originalidade e novidade do tema da tese, mas também aspetos como a importância para a área de investigação operacional, a profundidade e amplitude dos resultados e as contribuições práticas e teóricas. Por conseguinte, nos critérios de avaliação incluem-se: a originalidade e a novidade do tema, a pertinência para a área de IO, a profundidade e amplitude dos resultados, as contribuições práticas e teóricas, as aplicações dos resultados, o impacto nas áreas de investigação e a qualidade das publicações associadas.
A edição deste ano foi entregue no passado dia 11 de julho, no encerramento da EURO 2018, a maior e mais importante conferência europeia nos domínios da Investigação Operacional e da Science Management organizada pelo EURO – a Associação Europeia de Sociedade de Pesquisa Operacional (EURO – the European Association of Operacional Research Society) e pela Sociedade Espanhola de Estatística e Pesquisa Operacional. É realizado pelas duas principais universidades valencianas, Universitat de València e Universitat Politècnica de València.
Foi esta a primeira vez que um investigador português foi distinguido com este prémio.
Aqui fica para que se fortaleça a memória coletiva e não se conclua que em Portugal não se produz conhecimento ou não se escreve ciência.
2018.07.31 – Louro de Carvalho

segunda-feira, 30 de julho de 2018

A 29 de julho de 1993, criação da Escola Profissional de Sernancelhe


Sim, já lá vão 25 anos. Em 29 de julho de 1993, uma quinta-feira de forte trovoada na zona de Sernancelhe e Lapa (os telefones avariaram quase dos na zona), foi firmado, no auditório do CNE (Conselho Nacional de Educação), em Lisboa, o contrato-programa da criação da Escola Profissional de Sernancelhe, juntamente com mais uma dúzia de outras.  
O contrato-programa foi elaborado ao abrigo dos artigos 5.º, 6.º e 7.º do Decreto-lei n.º 70/93, de 10 de março, e foi assinado em sessão solene, por parte do Estado, pelo Dr. Alberto Antas de Barros, diretor do DES (Departamento do Ensino Secundário), e, por parte das entidades promotoras, pelos respetivos presidentes, Dr. José Mário Almeida Cardoso, Presidente da Câmara Municipal de Sernancelhe, e Dr. Joaquim António Ferreira Seixas, Presidente da Associação Jornalística de Sernancelhe. E o Dr. Manuel Joaquim Pinho Moreira de Azevedo, Secretário de Estado dos Ensinos Básico e Secundário, que presidiu à sessão, procedeu à homologação dos respetivos contratos-programa.
Estive presente na sessão, dado que, nos termos do n.º 1 do art.º 5.º do aludido normativo legal, a criação de escolas profissionais era “precedida da candidatura a um concurso anual de projetos para abertura de novas escolas” e eu, na qualidade de vice-presidente da susodita Associação Jornalística de Sernancelhe (AJS), assumi-me como um dos colaboradores ativos da preparação da candidatura, bem como colaborador nas demais diligências prévias tendentes à criação da escola, sua organização e funcionamento. Isto não retira absolutamente nada ao mérito das personalidades acima referidas, já que o trabalho desenvolvido foi um trabalho de conjunto que teve de suscitar diversas sinergias e ultrapassar algumas resistências.
Não se pode deixar de recordar, para satisfação do estipulado no n.º 1 do art.º 6.º do mesmo diploma, o trabalho com o Dr. Jaime Manuel Oliveira Ferreira na definição dos estatutos, do projeto educativo, áreas e perfis de formação, recursos humanos e materiais, financiamento e gestão, bem como a natureza e objectivos da escola, denominação e regime de acesso – no que ajudaram imenso os contributos da direção da Escola Profissional de Torredeita e os serviços jurídicos do Departamento do Ensino Secundário. Obviamente que a parte de financiamento que incumbia às entidades promotoras foi definida por estas sob a égide dos respetivos presidentes.
É de justiça salientar o apoio de dactilografia prestado pela funcionária do município Graça Figueiredo e as diligências feitas no RNPC (Registo Nacional de Pessoas Coletivas), da parte do então motorista do Conselho Diretivo do Centro Regional de Segurança Social, Viseu, Jorge Patrício, já falecido, bem como o acompanhamento de Nelson Soares um pouco para todo o lado.
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O processo conducente à criação da Escola Profissional foi um tanto longo e teve informações contraditórias da parte do DES. E o Presidente da Câmara foi firme no contorno da situação.
Começando do início, deve dizer-se que a ideia da criação da escola resultou no âmbito de um debate, que moderei, sobre a prossecução dos estudos dos jovens sernancelhenses (já que no concelho não havia oferta formativa no ensino secundário), ocorrido a 2 de novembro de 1991 no Salão Nobre do Município com a presença de antigos alunos e professores do Colégio Infante Santo (criado em 1966, vindo progressivamente a dar lugar ao ensino público), os presidentes daquelas que viriam a ser as entidades promotoras, vários professores, com destaque para o então Presidente do Conselho Diretivo da EB 2/3, o Governador Civil, um Deputado e o antigo Diretor do Colégio.
Quando foram auscultados técnicos do DES, a orientação era de que o processo não deveria mencionar a autarquia. Como assim se procedeu na elaboração do material da candidatura, esta acabou por não ser considerada justamente por não estar expressamente envolvida na mesma a câmara municipal. Esta foi a grande contradição lançada precisamente por quem tinha a função de analisar as candidaturas.
Também se ficou a saber que o Secretário de Estado que tutelava diretamente a criação das escolas profissionais não estava pela criação da escola em Sernancelhe e alguns achavam descabida a insistência de Sernancelhe neste projeto, o qual teve a persistência de prosseguir.
Entretanto, o Primeiro-Ministro Cavaco Silva, a 21 de novembro de 1992, visitou Tarouca, Armamar, Tabuaço, São João da Pesqueira, Penedono, Sernancelhe e Aguiar da Beira.
Sernancelhe recebeu-o em peso em frente à EB 2/3. E, além dum memorando rubricado por seis presidentes da câmara presentes, o Presidente da Câmara de Sernancelhe, em seu discurso, enfatizou a relevância da criação da escola profissional no concelho, desafiando retoricamente o líder do Governo a percorrer as diversas paragens do território do município, garantindo-lhe que, vendo tanto trabalho dos munícipes e seus animadores, “até levaria a mal estarmos a pedir-lhe tão pouco” (cito de cor). E foi mais explícito ao dizer: “a maior e melhor obra que V. Ex.cia pode inaugurar em Sernancelhe será a escola profissional” (cito de cor).
O Primeiro-Ministro respondeu ao discurso e, no atinente à escola profissional, referiu que estávamos numa escola, que a escola é o principal motor do desenvolvimento, que à Câmara Municipal cabia a liderança do projeto e que, depois, “numa perspetiva de complementaridade, o meu Governo pode apoiar”. Portanto, “não será por culpa do meu Governo que Sernancelhe não terá a escola profissional” (cito de cor).
As palavras do Primeiro-Ministro foram escutadas por todos, incluindo José Manuel Durão Barroso, Ministro dos Negócios Estrangeiros, Álvaro José Brilhante Laborinho Lúcio, Ministro da Justiça, Manuel Joaquim Dias Loureiro, Ministro da Administração Interna, José Manuel Nunes Liberato, Secretário da Administração Local e Ordenamento do Território, e José Manuel Bracinha Vieira, Secretário de Estado dos Recursos Educativos. Bastava que alguém fosse lembrando a Cavaco Silva que tinha prometido a criação da escola, o que alguns dos presentes tentaram fazer logo no dia seguinte em Viseu e que Bracinha Vieira manteve até ao fim.
Uns dias antes do Carnaval, estivemos (Presidente da Câmara, Presidente e Vice-presidente da AJS) no gabinete de Bracinha Vieira a dar conta do projeto de candidatura, que deveria ser por nós entregue nas instalações do DES no Porto. E Bracinha Vieira fez questão de lembrar diante de nós, por telefone, a Joaquim Azevedo a promessa de Cavaco Silva em Sernancelhe. 
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Criada a escola, entrou em funcionamento em setembro seguinte, com duas turmas do 1.º ano, uma de construção civil/condução de obra e uma de turismo/profissionais de informação turística. E foi crescendo e gerida pelos órgãos previstos nos estatutos.
Entretanto, com a publicação do Decreto-lei n.º 4/98, de 8 de janeiro, que estabelecia o regime jurídico das escolas profissionais, estas, sendo privadas, deixavam de funcionar sob a égide de entidades promotoras, mas tinham de ser detidas por uma entidade proprietária. Esta podia ser uma pessoa singular, uma pessoa coletiva – isoladamente ou em regime de associação. Era, na prática uma refundação, visto que o art.º 20.º do Decreto-lei n.º 4/98, de 8 de janeiro, estabelecia que o regime ora estabelecido se aplicava às escolas profissionais criadas ao abrigo da legislação anterior; que estas dispunham do prazo de um ano para procederem à reestruturação decorrente do regime estabelecido; e  que os direitos e obrigações de que eram titulares as escolas profissionais e/ou as respetivas entidades promotoras e que se encontrassem afetos ao desempenho das funções daquelas escolas se transferiam, por força do susodito diploma, que constituía título bastante para efeitos de registo, com dispensa de qualquer outra formalidade, para as entidades proprietárias. 
Como a AJS deixara de funcionar, fora criada uma associação designada por Liga dos Amigos da Esproser, a funcionar nos termos estatutários. Recordo parenteticamente que Esproser era a designação abreviada de Escola Profissional de Sernancelhe como constava no contrato-programa. E, havendo dúvidas sobre a forma de entidade proprietária a constituir para responder aos objetivos do ensino profissional, entendeu-se que a melhor forma seria a de sociedade anónima (SA), embora sem fins lucrativos. E, ainda que fossem necessários, ao tempo, nos termos do código das sociedades comerciais, cinco subscritores para se constituir uma SA, desde que um dos subscritores fosse uma entidade pública que subscrevesse a maioria do capital social, bastava um outro subscritor privado. Assim, a entidade proprietária surgiu duma parceria entre o município, que subscreveu 60% do capital social, e a Liga dos Amigos da Esproser, que subscreveu 40%.
O projeto de estatutos, elaborado com a colaboração de um jurista e um economista recomendados pela ANESPO, foi submetido, para aprovação, à Assembleia Municipal e à assembleia geral da Liga dos Amigos da Esproser.
No RNPC, foi acordado para a SA com a representante da escola a designação de ESPROSER – Escola Profissional, S.A.  
E, a 9 de junho de 1999 (já lá vão 19 anos), foi celebrada escritura pública no cartório notarial de Sernancelhe em que outorgaram, pelo município, o Dr. José Mário Almeida Cardoso, Presidente da Câmara Municipal, e, pela Liga dos Amigos da Esproser, o Dr. António Adelino Conde Rebelo, Presidente, e eu próprio, vice-presidente (os estatutos da Liga obrigavam a duas assinaturas).
Entretanto, foi efetuado o registo na Conservatória do Registo Comercial e o Ministério da Educação emitiu o alvará de funcionamento. E, em setembro, a SA e a escola já funcionaram com os novos órgãos estatutários.
E, obviamente, ao longo do tempo, a ESPROSER e a escola foram-se ajustando às alterações legislativas e às novas circunstâncias. Mas estão de pedra e cal como uma válida resposta formativa de Sernancelhe às necessidades da região (e de alguns PALOP) e como contributo para o seu progresso – e a cumprir as suas obrigações com a educação, o Estado e a sociedade.
Porém, é de justiça deixar esta referência da génese e dos alvores da escola para que conste, já que 25 anos são uma bonita etapa. Só espero que ninguém pense que pretendo tirar qualquer proveito pessoal ou partidário, já que, a 29 de julho de 2007, também domingo, me coube apresentar um livro e seu autor, meu amigo. A apresentação, porque o livro era adequado, fez-se dentro da capela da Senhora das Necessidades e eu frisei que aquele dia era importante para o concelho de Sernancelhe por ser o dia aniversário da escola profissional. E alguém disse, na sessão subsequente da Assembleia Municipal, que eu fora fazer política (?) na capela!...  
2018.07.30 – Louro de Carvalho        

domingo, 29 de julho de 2018

Em dia de Santa Marta, faleceu Dom António José Rafael


Sim, se hoje, dia 29 de julho, não fosse domingo, celebrar-se-ia a memória litúrgica de Santa Marta, irmã de Lázaro, que Jesus ressuscitou, e de Maria. Marta servia com diligência o Senhor e com a sua fé, que a fazia acreditar na ressurreição dos mortos no último dia, acolheu a asserção de Jesus como “a Ressurreição e a Vida” e contemplou a ressurreição do irmão.
Coincidiu com este dia de Marta o óbito do Bispo emérito de Bragança-Miranda, Dom António José Rafael, diligente na formulação de ideias e gizamento de planos pastorais (em tempo em que a pastoral em Portugal era mais reativa que interventiva) e vigoroso na intervenção e na ação – muito semelhante à Marta do evangelho – mas também homem de muita fé e oração.
É agora rotulado de bispo polémico pela generalidade dos órgãos de comunicação social (não lhes agradou, caso contrário seria homem de convicções fortes), justamente porque soube sempre estar do lado dos seus padres esconjurando a avidez de alguma comunicação social a propósito de alguns factos, lutou, por vezes ingloriamente, contra a apresentação de políticas públicas que entendia colidirem com a dignidade humana e com a doutrina cristã, não se amoldando ao politicamente correto.
O Presidente da República, como se pode ler pela nota da página da Presidência, enaltece nele “uma vida longa ao serviço da Igreja, do povo transmontano e dos portugueses”, que “deixa, também ao Presidente da República que o conhecia desde há muito, memórias perenes de dedicação ao bem comum e na defesa da igualdade entre os cidadãos, cumprindo o Evangelho e sendo um incansável porta-voz da Palavra”. Fica tudo dito!
E o porta-voz da Conferência Episcopal, Padre Manuel Barbosa SJ, frisou em comunicado:
A Conferência Episcopal manifesta sentida comunhão para com Dom António José Rafael, neste dia em que o Senhor o chamou para junto de Si, depois de 92 anos intensamente vividos ao serviço da Igreja, em particular como Pastor da Diocese de Bragança-Miranda. Exprime ainda profundo agradecimento pela sua dedicação à Igreja em Portugal, participando ativamente nas comissões e organismos da Conferência Episcopal. Que o seu lema enquanto Bispo permaneça na sua paz eterna com Deus, vivida ‘na graça e na verdade por Jesus’ (cf Jo 1,17).”.
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Dom António José Rafael nasceu a 11 de novembro de 1925, em Paradinha, do concelho de Moimenta da Beira e, depois do curso dos seminários de Resende e de Lamego, recebeu a ordenação de presbítero a 22 de agosto de 1948, paroquiou durante algum tempo Fontelo, do concelho de Armamar, e fez a licenciatura em Filosofia na Pontifícia Universidade de Salamanca. Foi professor e prefeito no Seminário de Resende, tendo passado a vice-reitor. Foi nesta última condição que o via nos meus dois primeiros anos de seminário, sendo que, no primeiro, foi meu professor de civilidade ou urbanidade e religião e, no segundo, professor de matemática.
Sucedeu-lhe no cargo o Dr. Mário de Araújo Pereira Pinto, porque o então cónego Rafael foi chamado para a direção espiritual dos cursos de cristandade da diocese. Além disso, foi vigário episcopal dos leigos, bem como administrador e coordenador da Voz de Lamego. Nesta última condição, trabalhei com ele e com o então Cónego Simão Morais Botelho, diretor, o que me deu ensejo à leitura de muitos livros enviados ao jornal para recensão crítica.
Foi ainda colaborador do Congresso Eucarístico, delegado diocesano da Comissão Episcopal de Vigilância da Fé e presidente da Comissão Diocesana do Ano Santo e da Comissão dos Centenários da Diocese.
Entretanto, na manhã de 8 de dezembro de 1976, passei por Lamego e fui visitá-lo ao seu gabinete no Centro Apostólico. Estava ele ao telefone e ouvi-o dizer para alguém que tinha em linha: “Reze também por esta intenção”. Ora, como eu não sabia do que se passava, perguntei-lhe que desgraça tinha acontecido, ao que me respondeu que tinha sido nomeado, na véspera, Bispo Titular de Budua e Auxiliar de Bragança. Embora lhe tenha respondido que o facto só pecou por ser muito tardio, dei-lhe os parabéns e desejei bons frutos pastorais. E, a seu pedido, acompanhei-o até à porta do Colégio da Imaculada Conceição, aonde ele, na qualidade de capelão, ia celebrar a missa da Solenidade. E, assim, me colocou a par da situação com os pormenores da ordem.
Devo recordar que o convidámos (os alunos do então oitavo ano do Seminário) para fazer o sermão da festa de São Tomás de Aquino no último ano em que foi celebrada a 7 de março. No ano seguinte começou a ser celebrada a 28 de janeiro.
Recebeu a ordenação episcopal a 13 de fevereiro de 1977, na Sé Catedral de Lamego. Participei na celebração integrando o grupo coral, tendo treinado a sós em Vila Nova de Paiva os cânticos religiosos e participado no último ensaio geral já em Lamego, aonde me desloquei de véspera.
Acompanhado por Dom Manuel de Jesus Pereira, natural de Baldos, também do concelho de Moimenta da Beira, entrou solenemente na Diocese de Bragança a 19 de março.
Após o falecimento de Dom Manuel de Jesus Pereira, foi nomeado vigário capitular e nomeado Bispo de Bragança-Miranda a 1 de março de 1979, tendo tomado posse a 24 do mesmo mês.
Resignou a 13 de junho de 2001, mas ainda presidiu à dedicação da Nova Catedral de Bragança a 7 de outubro do mesmo ano. O sucessor, Dom António Montes Moreira, que fora nomeado à data da resignação de Dom Rafael, recebeu a ordenação episcopal a seguir, em 4 de outubro.
Faleceu hoje, com a idade de 92 anos. A Diocese de Bragança-Miranda informou que o corpo se encontra no Santuário da Família, na Fundação Betânia (em Bragança), indo, pelas 19 horas, para a Catedral, onde teve lugar uma Vigília de Oração pelas 22 horas.
A missa exequial realiza-se no dia 30, seguindo-se o funeral no átrio dos Bispos na Catedral.
Ao longo do seu ministério pastoral, cujo lema preferido se centrou n’A graça e a verdade por Jesus (cf Jo 1,17), o prelado foi responsável pela projeção da nova Catedral de Bragança, que começou a ser construída em 1981 e foi dedicada, como se disse a 7 de outubro de 2001, no seu último ano à frente da Diocese.
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Refere o Expresso on line que “a insistência durante 22 anos na construção de uma nova catedral em Bragança marcou o episcopado de António Rafael”; que “ficou conhecido como o ‘bispo polémico’, pelas suas intervenções na vida da Diocese e do país, que foram muito além do que à Igreja diz respeito (sic)”; que, “ao longo do seu episcopado pediu ao Governo que criasse incentivos para as famílias numerosas de forma a combater a desertificação que assola o Nordeste Transmontano” (apelando insistentemente à geração de filhos por parte dos transmontanos); que combateu a legalização do aborto, comparando-o ao holocausto nazi, e ameaçou não dar os sagrados sacramentos a quem se dissesse a favor desta prática; e que “defendeu que os salários dos mais abastados deviam ser congelados até que todo o país recebesse, pelo menos, o salário mínimo nacional”.
Mais, segundo o Expresso, “a sua discordância com a governação de Mário Soares, enquanto Primeiro-Ministro, foi ao ponto de apelar aos emigrantes portugueses para não enviarem as suas poupanças para Portugal, porque o dinheiro cairia num saco roto”. Mas o Expresso esquece que Mário Soares foi recebido na velha Catedral de Bragança por Dom António Rafael, que ali o fez entrar debaixo do pálio processional, como era tradição serem recebidos os Chefes de Estado e que Mário Soares, tendo sido muito parco nas palavras como que se referiu a Dom Rafael, não deixou de dizer que fora um homem especial.
Apesar de ser fortemente regionalista, como o demonstrou no III Congresso de Trás-os-Montes e Alto Douro, votou “não” no referendo sobre a regionalização, em 1998, tendo em conta o mapa apresentado a sufrágio. “Com a mesma frontalidade, aplaudiu a descriminalização do consumo de drogas, considerando que não se deve castigar um toxicodependente, que é um doente, mas sim os traficantes que são os verdadeiros criminosos”. E contestou a atribuição do prémio Nobel da Literatura a José Saramago, no que não pode ser crucificado por emitir opinião.
Foi ainda criticado pelo seu alegado “autoritarismo e reações repentinas”, entre as quais aquelas em que expulsou os jornalistas do Paço em situações controversas como a manifestação dos populares de Vilares da Vilariça contra o pároco local. E enfrentou a contestação das gentes de Miranda da Douro à alegada “despromoção” da Sé de Miranda, ao construir a “igreja mãe” em Bragança e à colocação em segundo lugar da terra berço da diocese, na nova designação – “Diocese de Bragança-Miranda”. Mas não é bem assim: como explicou à RTP, os bispos começaram por ter o título de Miranda, passaram ao título de Bragança e foi com Dom António José Rafael que Paulo VI fez o título composto de Bragança-Miranda, ficando a Sé de Miranda como Concatedral.
O Expresso diz que as suas intervenções “foram muito além do que à Igreja diz respeito”, mas o semanário não está conforme à missão da Igreja quando a pretende encurralar na sacristia ou no templo. Cumpre ao Bispo pronunciar-se com a necessária clareza e com a frontalidade sobre o que pensa no atinente aos problemas das pessoas e das populações. Qual das críticas – com razão ou sem ela – ultrapassa as raias da missão da Igreja?
De resto, o juízo global a fazer de Dom António José Rafael, que a História há de evidenciar, não se confina à polémica nem mesmo à catedral, que é imponente obra da sua tenacidade, (ideia de 230 anos) como bem recordou em tempos a engenheira Joaquina Miranda em conversa privada. Para o prelado não havia meias tintas, mas era absolutamente respeitador da opinião e do trabalho dos outros – digo-o por experiência pessoal.
Aquando da celebração dos 40 anos de episcopado de Dom Rafael, Dom José Cordeiro disse:
Dom António José Rafael, bispo emérito da diocese, era um europeísta, mesmo antes de 1985, e que transformou ‘as dificuldades em oportunidades. […] Diante do seu estilo frontal, lutador e corajoso ninguém ficou indiferente. Pensava a Europa como um lugar de Paz e de solidariedade olhando ao seu patrono – S. Bento – com o mote ‘ora et labora’.”.
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Que Deus receba a sua alma e o recompense dos seus trabalhos e intervenções mesmo que polémicas.
2018.07.29 – Louro de Carvalho

“Quem trabalha no bloco operatório é como quem trabalha num sacrário”


A frase foi citada, em entrevista à agência Ecclesia, por Dom António Luciano, Bispo de Viseu, que diz tê-la ouvido a Dom Alberto Cosme do Amaral, então Bispo Auxiliar de Coimbra, no encerramento do seu curso de enfermagem.
Dessa longa entrevista recolhem-se sobretudo asserções ligadas ao sentido da profissão e à formação em Teologia Moral e Bioética, bem como ao ensino conexo com estas.  
O Bispo enfermeiro que viveu a infância “numa família cristã, num ambiente cristão”, conta que um dia foi um padre missionário à escola primária e, enquanto os outros miúdos se afastaram do padre, ele agarrou-se-lhe à batina.
Entretanto, provavelmente por influência duma enfermeira conterrânea, fez a formação em enfermagem em Coimbra, passando a trabalhar nos HUC (Hospitais da Universidade de Coimbra). A seguir, fez o curso de enfermagem militar e passou a Leiria, Caldas da Rainha e Lisboa, na Estrela, onde fez a formação militar, após o que foi para o Hospital Militar em Coimbra, daí tendo sido mobilizado para Moçambique (já depois da revolução abrilina) onde esteve de agosto de 1974 a abril de 1975, passando por Quelimane e Nampula, onde atendeu “muitos traumatizados de guerra e muitos mutilados”.
Diz ter servido quase sempre no bloco operatório, com exceção de uns meses depois do serviço militar em que ajudou a abrir um serviço de neurotraumatologia. Mas no tempo de seminário, trabalhou em Lisboa, no Hospital de São Francisco, e no Hospital da Nazaré, onde estavam as irmãs de São José de Cluny e aonde ia durante as férias de verão fazer um pouco de praia e ajudava; e, ainda, na Clínica de Santa Filomena, em Coimbra.
Interpelado sobre a atenção e proximidade que punha nos cuidados de saúde, confessa que teve “sempre muito contacto com as pessoas simples, humildes, pobres, doentes”, no que vinha habituado da vida em família. E conta:
Em casa dos meus pais e avós, muita gente ia ajudar no serviço. Eles tinham comércio e lavoura, iam pessoas gratuitamente que ajudavam e ali tomavam a refeição. Sempre me habituei a estar com os mais necessitados e pobres. Os meus pais deram-me essa lição.”.
Foi com o ideal cristão para enfermagem e integrou-se como aluno na associação dos enfermeiros católicos, procurando transpor discretamente “aquele espírito evangélico e cristão que levava”, inspirado enunciado evangélico “o que fizerdes ao mais pequenino dos meus irmãos, é a mim que fazeis”. Reconhecendo que isto sempre o orientou, citou a frase plasmada em epígrafe e proferida no encerramento do curso por Dom Alberto Cosme do Amaral, da qual nunca mais se esqueceu: “Quem trabalha no bloco operatório é como quem trabalha num sacrário”. E foi, depois, “trabalhar para o bloco operatório”.
Desse trabalho encarece a atenção “à pessoa doente e aos médicos”, pois, como discorre, “um bloco operatório é um lugar de muita responsabilidade, onde a vida entra e pode não sair”. Por isso, tudo tem de estar bem preparado, “tanto da parte médica como da enfermagem, técnica e do pessoal de apoio” – o que tem suscitado “sempre uma cooperação muito grande, um espírito de família”. Confessa que a preocupação por que o doente saia dali com vida se sente sobretudo quando são “grandes sinistrados, em urgências” ou numa intervenção de risco – o que impõe uma atenção redobrada. E o enfermeiro, ora bispo, pensava “que, interiormente, muitos pediriam a Deus que os ajudasse naquele trabalho tão importante da cirurgia e da medicina”.
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Sobre o momento atual que a área da saúde enfrenta, nomeadamente algumas tensões entre a classe dos enfermeiros e o Ministério da Saúde, diz que se tem apercebido dessa tensão, que significa “um momento de reviravolta também histórica na relação Ministério/profissionais”. E chama a atenção para a necessidade de, antes de mais, “se olhar para a pessoa humana e para os cuidados que se têm de dar com qualidade”, esperando “que nunca aconteça que nós não demos ao doente o que devemos dar por falta de recursos económicos”. Acredita no equilíbrio entre o Ministério e os grupos profissionais, que hão de encontrar o melhor para a saúde”, porque esta “é um bem integral”, no dizer de João Paulo II, pelo que “temos de a promover mesmo quem não tenha fé”. Por outro lado, a OMS (Organização Mundial de Saúde) “quer que a saúde seja para todos”, o que, entre nós, “é uma conquista que se fez com a nossa revolução de abril”.
Confessa não se ter debruçado sobre o tema da discussão sobre a nova Lei de Bases da Saúde, mas que procura “ouvir médicos, enfermeiros e administradores e ver o que se pode fazer”, advertindo que é precisa “muita atenção e prudência”, pois “não podemos queimar etapas, mas saber respeitar para colher bons frutos”.
Quanto à ideia de voltar ao SNS (Serviço Nacional de Saúde) das origens, “gratuito, prestado por entidades públicas e assente na carreira dos médicos”, declara:
Isso foi um bem, seria bom se realmente se fizesse isso. Mas eu, desde muito novo, aprendi uma coisa: todos os ministérios podem dar prejuízos, mas o da saúde e da educação são sempre ministérios que dão prejuízo porque investem no que é o maior bem das pessoas. Os recursos podem não ser os suficientes, mas há que correr riscos! Se tivermos a saúde e as respostas gratuitas para todos, melhor. Mas compreendo que, em nome da justiça, quem possa pagar deverá ajudar os que são os mais necessitados.”.
Diz que gosta “de ir ao médico e pagar” o que deve pagar e que prefere “pagar toda a vida para esta ou para aquela instituição e nunca vir a precisar dela”. Isto é “contribuir para os outros”; é “a justiça social, que é importante para além da justiça evangélica”, que procura viver.
Sobre um SNS que conte com a iniciativa privada e social, pensa que “é saudável” e nos ajuda “a equilibrar”, pois, “no confronto, vemos de onde vêm as melhores respostas”.
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Revela que acompanhou o debate em torno da possível legalização da eutanásia “com muita expectativa, apreciando a posição dos comunistas e tendo participado, em nome da Igreja católica num dos colóquios, o inter-religioso, com intervenção dum médico judaico, dum representante islâmico e dum representante da associação das Igrejas evangélicas. Além disso, acompanhou “outros debates” e esteve na conclusão, em Lisboa, presidida pelo Presidente da República, tendo gostado “muito das conferências, principalmente dos peritos internacionais que nos chamaram a atenção para o facto de que, antes de decidir, é precisa prudência e cuidado”. E lembra o espanhol Diego Graz, “que terminou essa conferência” e que “dizia ser necessária muita cautela, estudar, falar e levar o debate às pessoas para que sintam a responsabilidade como sua”; “e depois virá o resto”.
No atinente à defesa da vida do início ao fim, discorre:
A saúde e as respostas do Governo devem seguir na linha de prestação de cuidados continuados e paliativos com qualidade. Eu sei que isto gasta dinheiro e envolve mais pessoal, mas isto é dignificante do ser humano, do seu valor e da sua presença no mundo. Se estamos numa sociedade que está a perder natalidade e onde o envelhecimento é global, devemos mostrar que queremos vida para todos. E, se queremos, temos de lhe dar qualidade.”.
Sobre o conflito entre a saúde e as questões económicas, refere:
Tive um professor na Faculdade de Medicina, em Lisboa, o professor João Ribeiro Silva, que dizia: em nome dos dólares pode-se estragar muita coisa do que é a vida das pessoas e alterar o que são os princípios éticos. E os princípios éticos aqui são fundamentais para uma boa harmonia e respeito pela pessoa, pela dignidade e pelo respeito das diferenças na tolerância. Esse é que é o anúncio do Evangelho de Jesus Cristo. Nós temos de saber levar às pessoas de uma outra forma e de uma outra naturalidade.”.
E deixou um apontamento sobre as periferias:
O Papa Francisco fala na proximidade e ainda há dias comentava que a primeira periferia sou eu, tem de começar por mim. Se não me entender como periferia não vou às dos outros. […] Ser em Igreja um hospital de campanha é estar sempre disponível, próximo e preparado para acolher as pessoas e para responder às suas necessidades. Haverá sempre uma marca pessoal que o Evangelho, todos os dias, nos convida a inovar. Aí está a beleza de Deus que é levada às pessoas, em especial aos mais frágeis, aos doentes, aos que vivem abandonados. É aí que o hospital de campanha se constrói. Também dentro das catedrais, mas fora delas, no Paço episcopal…”.
Não há, pois, um lugar único onde se possam situar as periferias humanas, mas eles estão onde as pessoas sofrem a doença, a debilidade, o ultraje à dignidade, a marginalização e o descarte. E a saída às periferias prepara-se no sítio onde estamos – penso seu.
Quanto ao facto de as questões de início e fim de vida poderem ser definidas mais por oportunismos políticos do que pelo que está em causa, a defesa da vida, explicita:
São questões complexas. Mas é ir ao terreno, onde estão as pessoas e ver as suas necessidades e melhorá-las. O que exige mais esforço! Por vezes, em nome da ideologia, pega-se em assuntos que são importantes para o debate, mas outros são mais relevantes para as pessoas viverem com dignidade.”.
Julgando que a educação sobre estas matérias é importante, lamenta e aponta sinais positivos:
Temos um défice de educação para a cidadania, o que traz um défice de educação para a fé e dificuldades quando temos de decidir. As decisões são, neste caso, de consciência, e hoje falta-nos uma formação séria para a consciência humana e, depois, para uma consciência iluminada pelo Evangelho, pela Boa Nova de Jesus Cristo. Este sinal hoje de estarmos a trabalhar para destruir a vida é muito negativo e terrível na nossa sociedade quando temos outros sinais positivos que nos devem animar e entusiasmar.”.
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Foi neste enquadramento que o entrevistador induziu Dom António Luciano a abordar o estudo da ética e bioética. E o entrevistado revela-se:
Desde novo, na enfermagem, ainda aluno, onde tive a sorte de me integrar num bom grupo. Na escola tive bons mestres e bons professoras e um bom diretor de escola que nos ensinava, antes de mais, a ser pessoas, homens e mulheres, mas também com postura. O estudo da ética e bioética vieram iluminar-me, mas foi desde a escola de enfermagem e em Roma, sem dúvida, e sendo professor destas matérias.”.
E continuou a autonarrativa:
Fui professor da Escola de Enfermagem e Saúde, a partir de outubro de 1989 até 2011, quando começou a crise (era contratado e ficaram os que lá estavam). Mas continuei na Universidade Católica Portuguesa, em Viseu, em cursos de gestão, de serviço social, de arquitetura e medicina dentária e na Universidade da Beira Interior, como capelão. Integrei o grupo de trabalho de Ética e História das Ideias em Medicina, desde a fundação da Faculdade até ao ano passado.”.
Sobre o espaço dado à ética nos alunos que procuram o conhecimento técnico para o exercício duma profissão, diz que é uma boa questão e prefere dar testemunho a teorizar. Fala de mensagens várias de antigos alunos, da enfermagem ou da medicina, e de outros que acompanhou como capelão da UBI (Universidade da Beira Interior) e do IPG (Instituto Politécnico da Guarda), podendo referir que encontrou “sempre a preocupação pela ética”. É certo que alguns pouco se interessavam, mas avisava-os:
Agora pode ser menos importante, mas um dia vão lembrar-se do que disse o Padre Luciano porque isto vai aparecer-te na vida e tens de saber responder de imediato”.
Como capelão, quando a UBI acolheu a Faculdade de Ciências da Saúde, foi, com o Padre José Manuel Pereira de Almeida, convidado para trabalhar com o Dr. Silvério e o Dr. Jorge, médicos no IPO de Lisboa, que tinham um trabalho entre Ética e Filosofia, e lecionou parte de Ética e Bioética e História das Ideias em Medicina. E assegura que a UBI apostou numa metodologia diferente assente numa aprendizagem baseada no aluno. 
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Foi Dom António dos Santos, então Bispo da Guarda, que o mandou para Roma estudar Teologia Moral. Fez o biénio em Teologia Moral, na academia Alfonsiana, terminando com a tese “Ser livre em Cristo, Projeto responsável do homem”; aproveitou todos os cursos e conferências que podia fazer porque em Roma havia muita coisa; e frequentei um curso de Mariologia.
Não pensa que a dimensão da moral tenha sido esquecida no quotidiano da vida da Igreja, mas constata que não se lhe deu “o valor que se devia”. Embora procure não fazer pregação com moralismos, entende que a desculpa dos moralismos pode significar menor apreço pela dimensão moral dos atos e situações. Com efeito, assegura que “não há uma vida séria que seja cristã se não tiver uma boa base moral”. E abona esta asserção com as seguintes palavras de Paulo VI em Fátima: “Homem sede Homens”.
Concedendo que “tudo assenta na capacidade, nas competências dadas a cada pessoa, de decidir”, sublinha que “aí temos um trabalho muito importante a fazer, a formação da consciência”. De facto, “sou livre na medida em que me sentir Homem livre, mas criativo, responsável, coerente, transparente, mesmo dentro da Igreja” – diz.
Considera que “a vida moral e a vida espiritual devem produzir o fruto da caridade para a vida do mundo”. E sobre a relação, por vez tensa, entre a norma e a moral, responde “com uma palavra: amor” – escudado no dito de João Paulo II de que “santidade igual a amor”. E diz:
É isto que falta no mundo. Eu respeito o amor que é só humano e o nosso Papa emérito Bento XVI fala muito nisso na carta encíclica ‘Deus é Amor’. Mas, para um crente, o amor é isso. A parte moral não se vê, mas está lá.”.
E sintetiza, dizendo que “a norma é aceitar o projeto de Deus em nós”, o “Projeto responsável do homem”, o título que apôs à tese de licenciatura.
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Interpelado sobre a revolução que Francisco está a fazer, assegura que todos “queremos colaborar para que ele a faça”, cabendo à Igreja a primeira responsabilidade, mas o mundo também tem um contributo a dar “porque o nosso Papa é humanista, fala para todas as pessoas, não faz aceção de pessoas”. E acrescenta:
Nós só teremos o tal mundo novo se vivermos isto. Por isso, poderíamos viver mais em paz com alegria, disponibilidade e satisfação interior, sem problemas em chegar ao final do dia para fazer um exame de consciência.”. 
Questionado se um homem dos hospitais, da Igreja, escolhido para Bispo de Viseu, corresponde ao perfil ideal desejado por Francisco para uma Igreja qual “hospital de campanha”, frisa:
Não sei. Nunca tinha pensado nisso. Eu sou um bispo para a Igreja. Sempre fui um homem eclesial. E um padre eclesial. O Concílio Vaticano II sempre me iluminou muito e como enfermeiro recebi muitos dos seus ensinamentos.”.
E abona as suas credenciais com a simplicidade de que quem aprendeu com o Padre Vitor Feytor Pinto, de quem é muito amigo e que trabalhava muito com os enfermeiros, com o Padre Vítor Franco, natural de Peniche, capelão nos Hospitais Civis de Lisboa, que visitou dias antes de ele morrer, internado no Hospital de São José. Diz, com humildade, que aprendeu “muito com esta gente: o que era o Concílio e a sua dinâmica na pastoral da saúde e dos doentes”; que “acompanhou depois o Conselho Pontifício para a Pastoral da Saúde”; e contactou “muita gente nestes meandros, gente com horizontes sobre isto de ser padre e bispo num hospital de campanha”.
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Ora, Viseu tem o hospital de campanha aberto e o enfermeiro-bispo está a postos. Prosit!
2018.07.28 – Louro de Carvalho