É o que sustentam 88
personalidades que subscreveram um documento, hoje tornado público, e que enviarão
aos diversos grupos parlamentar. Trata-se de um conjunto plural de entidades e
profissões – médicos, enfermeiros, professores catedráticos, economistas, advogados,
sociólogos, historiadores, generais e ex-governantes do PS – que se congregaram
para defenderem um SNS (Serviço Nacional de Saúde) para o século XXI.
É, do meu ponto de vista, necessário não deixar apagar ou diminuir a chama
da renovação do SNS preconizada sob o formato de livro apresentado a 6 de
janeiro no início deste ano pelos já falecidos António Arnaut (advogado e antigo ministro e deputado do PS) e João Semedo (médico e antigo
coordenador e deputado do BE), bem com o manifesto do grupo dos 100, formulado o ano passado. E o atual manifesto surge no âmbito
da discussão da nova Lei de Bases da Saúde
Entre as susoditas personalidades
que assinaram o documento, contam-se: Ana Jorge,
médica e ex-Ministra da Saúde: Maria Augusta Sousa, ex-bastonária dos
Enfermeiros; Manuel Sobrinho Simões, professor catedrático jubilado e
investigador; Constantino Sakellarides, médico e antigo diretor da Escola
Nacional de Saúde; Ana Drago, socióloga; Ana
Escoval, economista; António Leuchner, Beatriz Craveiro Lopes, Cipriano Justo, médicos;
Manuel Pizarro, médico e ex-Secretário de Estado da Saúde; Carvalho da Silva, investigador
e ex-dirigente sindical; Aranda da Silva, farmacêutico; Júlio Machado Vaz,
psiquiatra; Pezarat Correia, general antigo comandante da Região Militar do Sul
e especialista em Geopolítica e
Geoestratégia; e muitos outros.
Defendem que as verdadeiras urgências não devem
pagar taxas moderadoras e que o desempenho do SNS deve ser avaliado por
entidades idóneas e independentes de interesses políticos, económicos e
sociais, a cada dois anos.
Entretanto, o Governo nomeou um grupo de trabalho, liderado pela ex-Ministra
Maria de Belém Roseira, que já apresentou uma pré-proposta de Lei de Bases. Em
setembro, prazo definido por António Costa, deverá ser conhecido o documento
final.
O texto do grupo dos 88, a que o DN acedeu,
inclui seis grandes desafios para um SNS do século XXI. E deixa um
alerta: “Deixar perder este património comum por percalço ideológico ou para a
conveniência dos mercados de saúde empobrecerá o país”.
A grande prioridade é o acesso aos cuidados de saúde com qualidade, para o
que é necessário que a futura Lei de Bases salvaguarde os “tempos máximos de
resposta” às necessidades e estabeleça que as verdadeiras urgências – ou seja, as
que não dependem da vontade do utilizador – não devem pagar taxas moderadoras. Com
efeito, como se pode ler no documento, “as taxas moderadoras só se
justificam quando é possível demonstrar que têm uma ação positiva na moderação
da utilização desnecessária de cuidados”. Se os casos forem urgentes, que não dependam da vontade do
utilizador, está a aplicar-se o que designam como “falsa taxa moderadora”, que
não é tolerável. No pressuposto de que “é
preciso dizer claramente que o financiamento público deve privilegiar
primeiramente o SNS, defendem, quanto à sua organização e gestão, “o investimento na qualidade e integração dos
cuidados” e a sua articulação com o setor social, garantindo
a inovação técnica e tecnológica e a qualidade das lideranças”. Porém, para que
tal seja possível, o SNS tem de “cuidar
dos profissionais, das condições de trabalho, das remunerações, formação
contínua, premiando o mérito e desencorajando as relações de precariedade”.
E, em relação ao financiamento para o setor assumem a necessidade de os
objetivos de saúde serem incluídos na Estratégia Orçamental do país,
considerando fundamental que “os agentes políticos se posicionem de forma clara”
no atinente ao financiamento público dos cuidados de saúde. Nestes termos,
aduzem:
“É preciso dizer claramente que o
financiamento público deve privilegiar primeiramente o SNS e, secundariamente,
de forma justificada, objetiva e transparente, face às necessidades, o setor
social e privado com fins lucrativos. […] Sendo o SNS a expressão de uma
política pública maior, é dever do Estado investir no SNS os recursos e a
inteligência necessários para que este tenha a melhor qualidade possível.”.
Obviamente, esta ideia não é compatível com a de se jogar o destino do SNS
num mercado aberto com os setores privado e social. Na verdade, se não se
investir no desenvolvimento do SNS, em pouco tempo o serviço público tornar-se-á residual e de má qualidade”.
O grupo dos 88, acreditando que “as
políticas de ajustamento económico e financeiro enfraqueceram o SNS”, propõe regras
a “boa governação em saúde”; e defende que uma Lei de Bases da Saúde tem
de assegurar que o sistema de saúde se paute por “princípios da transparência,
inclusão, participação dos cidadãos, cooperação entre setores, antecipação de
riscos e oportunidades, avaliação e aprendizagem contínuas e responsabilização
efetiva de todos os agentes”. Neste sentido, sustenta a necessidade de uma
avaliação ao desempenho do SNS, por entidades idóneas e independentes. Assim,
na ótica do grupo, agora, a opção é só uma: lançar
as bases para um novo SNS: o do século XXI.
***
Por
seu turno, já no dia 25 de junho, o grupo dos
100, acima aludido, que lançou, há um ano, o Manifesto
pela Nossa saúde, pelo SNS, discutiu e analisou a pré-proposta sobre a
nova Lei de Bases da Saúde, apresentada pela equipa nomeada pelo governo, já
referida e liderada por Maria de Belém Roseira. O objetivo do grupo era
participar na discussão pública do documento, o que pôde suceder até dia 19 de
julho, e apresentar propostas de alteração. As propostas que visam a separação
entre setores público e privado, as PPP e o financiamento do SNS concentram as
críticas à equipa de Maria de Belém. Além disso, o grupo tem reservas sobre uma
certa municipalização dos serviços de saúde, considerando que Portugal não tem
histórico nesta matéria e só o facto de se pôr a questão, pode originar
situações de conflito não desejáveis.
Relativamente ao setor privado, argumentam que “teve 27
anos para se instalar e desenvolver” e, tratando-se da revisão da lei de 1990,
é tempo de as fronteiras com o serviço público ficarem bem delimitadas. Não
devem os dois setores ficar de costas voltadas, mas o privado deve funcionar de
forma casuística e só em certas circunstâncias.
Sobre o fim das PPP, defendido por António Arnaut e João
Semedo e pelo projeto do BE apresentado ao Parlamento (que desceu à comissão sem ser votado), dizem:
“Não faz sentido
que qualquer unidade do setor público seja gerida pelo setor privado, até
porque ainda não está determinado o benefício destas parcerias”.
No documento do ano passado, o grupo, que inclui nomes
como Helena Roseta, Marisa Matias, Mário Jorge Neves, Ricardo Sá Fernandes,
Guadalupe Simões, entre muitos outros, sustenta a necessidade de a revisão da
lei ter em consideração “a nova visão sobre a Saúde”: “da prevenção da doença à
promoção da saúde em todas as políticas públicas; da garantia de acesso aos
serviços públicos da saúde à organização desses serviços; do financiamento à
regulação do setor privado”.
Maria de Belém não concorda com as críticas no tocante à
separação entre setores. Considera que o texto tem a situação mais definida, e
até de forma mais exigente, do que o projeto do BE. E diz:
“A nossa proposta
separa o que é público e privado no que respeita à aquisição de cuidados,
exigindo grande transparência e rigor na definição das necessidades que levam a
esta aquisição. Está lá tudo.”.
Quanto à questão das PPP explica por que a pré-proposta
não as refere:
“Não o podemos
fazer, esta não é uma proposta de lei de um partido político. Nós só podemos
apresentar o que é constitucionalmente adequado. O resto decorre do processo
democrático e do que os partidos políticos com assento na Assembleia da
República podem fazer, inclusivamente mudar a Constituição.”.
Não se percebe como mexer nas PPP mexe com a
Constituição, mas a ex-Ministra deve saber.
E também a crítica da possível municipalização dos
serviços de saúde é contestada por Maria de Belém, que argumenta:
“A participação
dos poderes locais ocorre mais ao nível da promoção da saúde, através das suas
competências na criação de espaços exteriores para desporto ou outras
atividades, ou na questão dos transportes para doentes”.
Entretanto, a porta-voz do grupo parlamentar do PS,
Maria Antónia Almeida Santos, garantiu no hemiciclo que haverá uma nova Lei de
Bases da Saúde até ao final da legislatura. Mas, para já, o projeto de lei
apresentado pelo BE, que insiste em pressionar o Governo e o PS, baixou à Comissão
sem votação.
***
Todavia, dado o estrangulamento criado pela
ditadura das Finanças, as notícias não são animadoras. Com efeito, aumenta nos hospitais o valor de
pagamentos em atraso a fornecedores, ou seja, após a injeção de capital no
início do ano, os hospitais voltaram a degradar a sua folha de pagamentos. As dívidas aos fornecedores
aumentaram 68 milhões de euros entre maio e junho, a segunda subida
consecutiva após a injeção de capital feita pelo Estado terminada em abril,
embora, face ao período homólogo, os atrasos dos hospitais apresentem uma
redução.
Em conformidade com dados da DGO (Direção-Geral do Orçamento), as dívidas dos hospitais aos fornecedores atingiram
773 milhões de euros em junho, quando, em maio, os pagamentos em atraso estavam
em 705 milhões de euros, revelando já um acréscimo em relação a abril.
Março e abril foram os meses do ano em que se registou
uma redução das dívidas em relação ao mês anterior. Foi neles que o Estado entregou o capital aos hospitais-empresa.
Em março, os hospitais receberam 413 milhões, tendo o restante sido pago em
abril. E, face ao período homólogo, os pagamentos em atraso apresentam um
recuo. No final do 1.º semestre de 2017, as dívidas a fornecedores estavam em
806 milhões de euros, o que significa que em junho de 2018 ficavam 33 milhões
de euros abaixo.
Porque as dívidas a fornecedores são uma das preocupações do Governo, publicamente
pressionado para resolver problemas no setor da Saúde, o executivo nomeou uma comissão
para estudar as contas e a sustentabilidade do setor.
***
Por outro lado, há notícias favoráveis do lado da
receita fiscal do subsetor
Estado, que
aumentou 448,9 milhões de euros (+2,5%) até junho,
face ao período homólogo, impulsionada, em parte, pela subida de 4,4% da receita líquida do
IVA, segundo o que divulgou a DGO. Segundo a DGO, tal como refere a síntese
referente ao mês de maio, a redução da receita fiscal líquida verificada no mês
anterior decorria duma alteração no padrão intra-anual, graças à prorrogação do
prazo de entrega das declarações do Modelo 22 (e, inerentemente, da autoliquidação
e pagamento do IRC) de maio
para junho”.
De acordo
com o documento da DGO, os impostos indiretos registaram um aumento de 4,4%,
justificado principalmente pelo “comportamento favorável” do IVA (+4,4%), do Imposto sobre o Tabaco (+6%) e do Imposto de Selo (+5,3%). Ao invés, os impostos diretos recuaram 0,6% devido a ligeiras reduções
da receita de IRS (-0,3%) e IRC (-1,1%). Assim, no primeiro semestre, os pagamentos de
autoliquidação de IRC apresentam uma variação acumulada negativa de 70 milhões
de euros, em linha com a previsão de redução desta receita do imposto, refletida
no Orçamento do Estado. E, no que respeita exclusivamente à campanha do
IRS, até ao final de junho, foram emitidos reembolsos “167 milhões de euros
acima do homólogo de 2017”. Não obstante, o valor das notas de cobrança é
superior em 192 milhões de euros ao registado no mesmo período do ano anterior.
Além do aumento
de 4,4% na receita com IVA, também se regista o aumento de 6,8% na receita das
contribuições para a Segurança Social, o que ajuda o défice a melhorar em 406
milhões de euros entre janeiro e junho, comparativamente com 2017. Porém, o
valor do défice pode ainda aumentar na parte final do ano devido ao pagamento
de Subsídios de Natal, que deixou de se fazer em duodécimos, e à medida que se refletir
o impacto do descongelamento das progressões na carreira na Função Pública.
Em
comunicado enviado hoje às redações, antecedendo a publicação da síntese de
execução orçamental pela DGO, o Governo destaca que a receita total terá
crescido 2,5%, compensando o aumento de 1,3% na despesa. Mas, segundo o
Ministério das Finanças, a despesa estará ainda assim a crescer em linha com o
que está previsto no orçamento, salientando o aumento de 4,1% nos gastos com o SNS.
Este aumento estará acima do orçamentado, e deve-se a um aumento de 4,4% da
despesa com bens e serviços e de 56% na despesa com investimento no SNS.
O gabinete
de Centeno frisa que os gastos com pensões estarão mais baixos devido ao fim do
pagamento dos subsídios de Natal em duodécimos, mas que, sem esta mudança, a
despesa cresceria cerca de 3%, lembrando o aumento das pensões acima da
inflação para a maior parte dos beneficiários decorrente da aplicação da lei e
do aumento extraordinário decidido no ano passado (o que
voltará a suceder, mesmo que em moldes diferentes, a partir de agosto deste ano).
O Ministério das
Finanças sustenta também que a despesa
aumentará devido ao início do pagamento da prestação social para a inclusão.
Tanto o aumento da despesa com o SNS como o aumento da despesa com pensões e a
prestação social para a inclusão são bandeiras do Governo, ainda que algumas
delas tenham avançado só após negociação com os parceiros no Parlamento.
***
Para
chegarmos a uma Boa Lei de Bases da Saúde, termos um SNS pujante e inclusivo e
as unidades de saúde poderem lograr uma boa execução, físico-financeira e humana
do bolo orçamental que lhes é devido por direito, será necessário que os
governantes vejam mais as pessoas e menos os números. E é preciso definir
prioridades com forte vontade política, ou seja, decidir se estão em primeiro lugar
as boas políticas de saúde, educação, defesa e segurança, emprego e segurança
social ou o esbanjamento do erário na ajuda despudorada ou encapotada às
instituições financeiras, a cedência aos lóbis, a passiva assistência à
corrupção, às falsas falências, à fuga aos impostos e assim por diante.
Para simplesmente
deixar correr o marfim segundo as diretivas da UE ou para deixar engordar desenfreadamente
os interesses particulares, não precisamos de Parlamento nem de Governo. Basta um
árbitro! E para quê os tribunais se levam tanto tempo a fazer justiça, quando
efetivamente a fazem?
2018.07.26 –
Louro de Carvalho
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