terça-feira, 17 de julho de 2018

Governo defende “sozinho” lei laboral resultante da Concertação


O Parlamento discutiu no passado dia 6 de julho um pacote de 20 iniciativas legislativas (proposta de lei do Governo e 19 projetos de lei dos deputados) com alterações à lei laboral. No momento das votações no plenário, só passaram três: dois projetos do Bloco de Esquerda e um do PCP. A maior parte dos textos pré-legislativos em cima da mesa vai voltar a ser votada ainda este mês, a 18 de julho, mas fica para setembro um projeto dos bloquistas que não pode ir já a votos por impedimento legal (a sua fase de consulta pública termina apenas a 20 de julho) e seis foram rejeitados.
Foram assim 11 os textos de iniciativa legislativa que não foram votados. Entre eles está, por exemplo, a proposta de lei do Governo que pretende limitar o recurso aos contratos de trabalho a termo certo e aumentar o período experimental de 90 para 180 dias.
Nenhum dos projetos adiados nem a proposta do Governo tinham visto terminado o período de consulta pública no momento em que os deputados debateram o tema no plenário. Por isso, a votação na generalidade não pôde ser feita naquele dia. Assim, 10 dos textos de iniciativa legislativa serão votadas a 18 de julho, o último plenário com votações e o primeiro depois de terminado o período de consulta pública, que acaba a 12 de julho.
Os diplomas que passarem à especialidade e não foram logo rejeitados nesta fase inicial ainda serão debatidos ponto a ponto, podendo ser alterados por propostas entregues pelos partidos numa fase do debate que também já só acontecerá a partir de setembro, mas que já resultará de votações feitas agora na generalidade.
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Ora, para assegurar a receção da parte dos parceiros, a matéria foi discutida em maio, no Conselho de Concertação Social, de cuja discussão, dada por concluída no dia 30, resultou um acordo subscrito em cerimónia de 18 de junho, a que presidiu o Primeiro-Ministro, por quatro entidades representativas do patronato e pela UGT em representação dos sindicatos que a integram. Ficou de fora do acordo a CGTP por considerar que a lei laboral não será melhorada em relação ao normativo em vigor, antes aumentando a precariedade e não acautelando os interesses dos trabalhadores.
Porém, apesar de a UGT e os representantes dos patrões terem assinado o acordo de concertação social com o Governo para mudar lei laboral, os pareceres que fizeram chegar ao Parlamento revelam descontentamento.
A CIP (Confederação Empresarial de Portugal), uma das quatro confederações patronais subscritoras do acordo, sustenta que a proposta de lei do Governo sobre alterações à legislação laboral, que será votada no dia 18, “viola frontalmente” alguns do pontos do acordo, que, segundo diz, o Governo está a adulterar. A sua posição consta dos contributos enviados ao Parlamento no âmbito da apreciação pública da proposta do Executivo.
Segundo a confederação a que preside António Saraiva, entre as matérias que “desvirtuam ou violam o acordo tripartido” está o artigo relativo ao banco de horas grupal, criado para compensar o banco de horas individual. A CIP faz constar a sua exigência de que fique expresso que o banco de horas grupal, mais do que instituído, será “aplicado”, após consulta aos trabalhadores e desde que 65% concordem, sendo ainda clarificado que este valor percentual incide sobre “a totalidade dos trabalhadores consultados” e não sobre a totalidade dos trabalhadores existentes na empresa.
Além disso, exige alterações aos artigos atinentes à cessação e vigência das convenções coletivas frisando que, nesta matéria, “a violação e desvirtuação do acordado são, pois, totais”.
Considera ainda como fator de “incerteza nas empresas” o facto de a proposta de lei prever a possibilidade de qualquer trabalhador revogar, com efeitos imediatos, a vinculação a uma determinada convenção coletiva de trabalho.
As correções que a CIP propõe, segundo o documento, “são essenciais para o integral respeito do acordo subscrito” a 18 de junho na Concertação Social.
Em suma, a CIP conclui:
Nem sempre a proposta de lei respeita o acordo. Nalguns casos, a proposta de lei viola frontalmente o acordo tripartido, acrescendo que, noutros, também lhe confere deficiente e distorcedora tradução legislativa.”.
Já antes António Saraiva, presidente da Confederação, tinha afirmado que, se o documento fosse desvirtuado, o texto deixaria de fazer sentido.
Por seu turno, a CCP (Confederação do Comércio e Serviços de Portugal), que também assinou o acordo, refere que o seu parecer “só considera as matérias que se julgue desrespeitá-lo” ou que foram “introduzidas para além deste” ou ainda “as normas julgadas inconstitucionais” (Que normas?).
Está em causa, pelos vistos, a duração do período experimental, a alargar de 90 dias para 180 dias para jovens à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração. Ora, o Governo na sua proposta de lei prevê que a duração do período experimental seja reduzida ou excluída, considerando os contratos a termo anteriores “para a mesma atividade”. E a CCP, pretende que seja clarificado que, nestas situações, contam apenas os contratos celebrados com o mesmo empregador e “nos últimos dois anos”.
Entre as várias alterações defendidas, a confederação a que preside Vieira Lopes sugere que, nas microempresas, no caso de a ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho) não designar em dez dias a data para a realização do referendo com vista à instituição do banco de horas grupal, o próprio empregador o possa realizar.
Por sua vez, a CTP (Confederação do Turismo Português) propõe, entre outras matérias, o aumento de 3 para 5 do número de renovações máximas dos contratos a termo certo, com a justificação de que certas atividades económicas, como o turismo, “são marcadas por necessidades de trabalho imprevisíveis decorrentes de diferentes e sucessivos motivos, sempre temporários”.
Quanto à duração do período experimental, considera que “um prazo de apenas três meses é, em muitos casos, manifestamente curto” para que o empregador se certifique “da capacidade e especificidades técnicas do trabalhador para o exercício do cargo para o qual foi contratado”.
E a CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal) aponta, como a CCP, o vazio legal sobre a consequência para as microempresas se, ao fim de dez dias, a ACT não tiver definido a data para o referendo sobre o banco de horas. E defende que a norma que cria a taxa adicional para a Segurança Social sobre as empresas que abusem dos contratos a termo seja melhorada para não suscitar dúvidas às empresas quanto à sua aplicação.
Já o parecer da UGT sustenta que se deve salientar que “algumas das propostas em análise carecem ainda de aperfeiçoamento, nomeadamente o regime estabelecido para o banco de horas por acordo de grupo, e outras, pela sua maior sensibilidade, como o alargamento do período experimental ou as alterações ao regime dos contratos intermitentes e ao dos contratos de muito curta duração”. Assim, considera que estas questões devem merecer “uma reflexão adicional”.
Também a APED (Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição), que não está na concertação, entregou parecer sobre as alterações ao código do trabalho, onde diz, por exemplo, que as limitações a introduzir nos contratos a prazo serão “forte obstáculo” ao desenvolvimento da atividade da distribuição – a qual, segundo cálculos da organização tem um volume de negócios com valor de cerca de 10% do PIB. Frisa que tais regras obrigam as associadas a “reforço adicional dos seus quadros de pessoal permanente e subsequente promoção de processos de despedimento” e considera “totalmente inadequado” o fim do banco de horas individual.
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As críticas da CIP e as das organizações patronais surgem depois de os partidos que sustentam a coligação governamental terem acusado o Executivo de ultrapassar o entendimento à esquerda deslocando a discussão legislativa do Parlamento para a Concertação Social tendo como resultado a proteção da precariedade e dando azo a que as empresas se possam vir a aproveitar duma norma legal para multiplicar os contratos a termo por 180 dias.
Ora, este conjunto de críticas à posição de colagem do Governo à direita política (que no geral se revê nesta proposta de lei), embora com erupções em contrário da parte da bancada do PS, podia significar a ameaça dos parceiros parlamentares de chumbo à iniciativa legislativa do Governo e, consequentemente, a rotura da maioria parlamentar que viabilizou este Executivo.
O Expresso revela que o gabinete de Vieira da Silva, Ministro do Trabalho, considera que a proposta de lei “concretiza em cada um dos pontos o sentido, o alcance e os limites acordados”.
Assim, enquanto Costa no debate do Estado da Nação tentou segurar a maioria parlamentar, aparentemente contrariando Santos Silva, o Ministério do Trabalho faz saber que o Governo considera que a proposta de lei sobre o pacote laboral “concretiza, escrupulosamente e de modo integral, cada um dos pontos, o alcance e os limites acordados a 30 de maio”. Nestes termos rejeita as acusações do patrão dos patrões de que está a distorcer o acordo de concertação social.
Para o Executivo, os reparos da CIP “são, sobretudo, observações de caráter técnico/legislativo inerentes à redação legislativa e não de substância”. Ou seja, as questões invocadas no processo de consulta pública referem-se, no essencial, a aspetos de pormenor e redação legislativa, o que não significa falta de abertura da parte do Governo para que sejam feitas melhorias na proposta de lei de modo que fique mais clara e vá mais ao encontro do espírito da lei. Contudo, nesta fase, só os grupos parlamentares podem fazer alterações à proposta de Lei.
Por outro lado, fonte oficial frisa que “o Governo reitera a postura construtiva e o espírito de abertura com que encarou este processo desde o início”.
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O Governo está então “sozinho” na defesa da sua proposta de lei sobre as alterações ao Código do Trabalho. Tem contra si os patrões e o quase silêncio da direita, recebe críticas da UGT e vê de fora a CGTP e o PCP que lhe criticam a falta de combate à precariedade e às condições de trabalho existentes, bem como toma nota das anotações do BE. E, sobretudo, ainda não assegurou, nem à esquerda nem à direita, o apoio político de que precisa na Assembleia.
Seja como for, deve ter-se em conta que a sede da lei é o Parlamento. São muito bem-vindas as negociações nas instâncias vocacionadas para o efeito, como devem ser feitas as audições prévias e as discussões públicas que a lei impõe ou que a matéria aconselhe. Porém, o Parlamento, embora o deva ter em boa conta, não pode ficar refém desse trabalho prévio.
2018.07.16 – Louro de Carvalho  

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