Celebrou-se,
a 25 de julho, a festa do apóstolo São Tiago, o primeiro dos apóstolos a dar a
vida pelo Evangelho e um dos três (os outros dois eram
Simão Pedro e João) cuja
presença solicitou em alguns dos seus momentos mais significativos,
nomeadamente a transfiguração no Tabor (vd Mt 17,1-9; Mc 9,2-9;
Lc 9,28-36) e a
agonia no Horto das Oliveiras (vd Mt 26,36-46; Mc 14,32-42).
Era
este, com João, um dos filhos de Zebedeu, cuja mãe pediu a Jesus que fizesse
com que os seus filhos se sentassem um à direita e outro a esquerda no Reino (vd
Mt 20,21-28; Mc 10,35-45; Lc 22,24-27). E, o Mestre, voltando-Se para
eles, retorquiu: “Não sabeis o que pedis.
Podeis beber do cálice que eu estou para beber”. Ao que os dois responderam:
“Podemos”.
Obviamente
ficaram contentes e, apesar de não compreenderem, não perguntaram Jesus a que
tipo de cálice se referia.
E,
perante os outros discípulos que tinham percebido o diálogo da forma mais
conveniente para à sua ambição, Jesus assegurou:
“Na verdade, bebereis o meu cálice; mas sentar-se
à minha direita ou à minha esquerda não me pertence a mim concedê-lo: é para
quem meu Pai o tem reservado”.
E aproveitou para dar a lição de humildade a todos,
clarificando a natureza da sua missão messiânica, de que os discípulos hão de
participar:
“Sabeis que os chefes das nações as governam
como seus senhores, e que os grandes exercem sobre elas o seu poder. Não seja
assim entre vós. Pelo contrário, quem entre vós quiser fazer-se grande, seja o
vosso servo; e quem no meio de vós quiser ser o primeiro, seja vosso servo.
Também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua
vida para resgatar a multidão.”.
Nas
últimas palavras deste segmento discurso do Mestre, entrevê-se que Jesus há de
morrer para resgatar a multidão e os apóstolos, nomeadamente João e Tiago, hão
de ter sorte semelhante, muito embora venha a verificar-se que um dos apóstolos
traiu o Mestre, outro O negou e todos fugiram quando O sentiram apanhado pelo
tribunal judaico e pelo tribunal romano.
Mas o
Pentecostes com a irrupção da força do Espírito Santo fez com que outro galo
cantasse, o do entendimento e o da fortaleza. E a Igreja avançava como
comunidade modelo, mas a incomodar os chefes religiosos e políticos do
judaísmo.
Ora,
neste contexto, surge o episódio em que Tiago acaba por ser o primeiro dos
apóstolos a dar a vida em martírio por Cristo, como nos refere o Livro dos Atos
dos Apóstolos (At 12,1-3):
“Por esse tempo, o rei Herodes maltratou
alguns membros da Igreja. Mandou matar à espada Tiago, irmão de João e, vendo
que tal procedimento agradara aos judeus, mandou também prender Pedro.
Decorriam os dias dos Ázimos.”.
***
A
participação na ação messiânica de Jesus é um imperativo de todos os que se
fizeram discípulos a partir do momento em que, recebido o Batismo, se encontram
permanentemente matriculados na escola de Cristo e a frequentam. Pelo Batismo –
e com reforço especial na Confirmação – participam, por graça de Cristo (por
isso, por direito) e
não por favor dos homens – do tríplice múnus do Senhor: profético, sacerdotal e
pastoral.
No
entanto, há uns tantos teologicamente constituídos sucessores dos apóstolos que
participam de forma eminente nesse tríplice múnus. São os Bispos, que se
encarregam de zelar por uma porção particular da Igreja Universal e, ao mesmo
templo, unidos em colégio ao Bispo de Roma, alimentam e concretizam a
solicitude por todas as Igrejas. E a sua missão de liderança e proximidade
realiza-se até à exaustão, se necessário for, no acompanhamento do povo de Deus
peregrino, percorrendo os caminhos dos demais membros do Povo e animando-os na
realização das suas necessidades, na realização de seus anseios e aspirações,
no cumprimento dos seus deveres e na reivindicação e exercício dos seus
direitos. Caminham com o Povo: à frente, para indicar o caminho e puxar pelas sinergias;
a meio, para amparar os mais fracos; e na retaguarda, para que ninguém fique
para trás. E sempre vigiando para o inimigo não surja na forma de pecado,
sedução, devaneio ou frivolidade.
Ao longo
da História da Igreja, os cristãos habituaram-se à peregrinação a santuários
habitualmente não muito distantes – distância que hoje pode ser muito mais
alargada graças aos modernos meios de comunicação. Mas, entre eles, muitos
ousaram peregrinar aos lugares onde presumivelmente se encontra o túmulo de
Cristo e túmulos de apóstolos, nomeadamente, Jerusalém, Roma e Santiago de
Compostela – isto para lá de santuários dedicados a mistérios de Cristo ou
episódios conexos com a Virgem Maria e alguns santos, nomeadamente mártires e
outros confessores da fé.
***
Ora,
neste sentido, o dia 25 de julho de 2018 fica marcado pela informação de que
Dom Nuno Almeida, Bispo Auxiliar de Braga, que, nos passados dias 9 e 10 de
junho, presidira à peregrinação anual das crianças a Fátima, donde formulou
orientações para todos, rumou em peregrinação a pé a Santiago de Compostela.
Com
efeito, como se pode ler no ACIDIGITAL (https://www.acidigital.com/noticias/bispo-percorre-pela-primeira-vez-caminho-de-santiago-e-revela-como-foi-a-experiencia-14081), “o Bispo auxiliar de Braga (Portugal),
Dom Nuno Almeida, percorreu pela primeira vez, a pé, o Caminho de Santiago de
Compostela e assinalou que está foi uma experiência que considera ‘um treino
para a vida’.”.
Tendo partido
de Pontevedra, no noroeste da Espanha, a cerca de 70 km de Compostela, seguiu
por uma das rotas que levam até o túmulo do Apóstolo.
Em
declarações à agência Ecclesia, Dom
Nuno contou que fez o trajeto acompanhado por um sacerdote, um diácono e uma
leiga; e juntos seguiram esta peregrinação de “contemplação” e despojamento.
Segundo o
Prelado, ele já “tinha o desejo no coração há muitos anos” e, neste ano, pensou
que deveria realizá-lo agora. Na verdade, como refere, “precisava de treino
intenso da fraternidade mística de que o Papa nos fala”.
O Bispo
Auxiliar de Braga declarou que “foi peregrinar em atitude de oração” e “fazer desta
experiência, por um lado a contemplação, mas, depois, o amor concreto no
esforço e atenção aos outros, no esquecimento de nós próprios para ajudar
outros a caminhar”. Buscando uma preparação espiritualmente mais intensa do que
fisicamente, tentou “encontrar a roupa e o calçado adequado” e foi “fazendo o
caminho com esta grande vontade a partir de dentro”. E, confessando que só
sentiu “o cansaço e o calor”, admitiu, no entanto, que “houve momentos em que
parecia que o albergue não chegava”.
Foi na última
etapa da peregrinação, já podendo avistar a Catedral de Santiago, que o Bispo
peregrino disse ter sentido uma grande experiência de fraternidade, quando teve
contacto com outros grupos, inclusive um de seminaristas de Braga “que ainda
não conhecia”. Recordou que, “nesses quilómetros o grupo aumentou, nessa última
etapa, Deus nos dá irmãos e irmãs”, e que sentiu “que era esse o objetivo; Deus
coloca pessoas, também na nossa vida, e estamos disponíveis”. E espera voltar ao caminho, “nas férias e talvez com
uma mochila mais leve”, uma lição que aprendeu, até por outros destinos de
peregrinação mas sempre com este propósito.
Para o
Prelado peregrino a pé como tantos outros, esta peregrinação ensinou-o a configurar
a mochila da vida de modo a “não programar demasiado” e, mesmo em seu
ministério episcopal, “estar aberto às surpresas de Deus”. E disse:
“A
nossa vida, o nosso magistério é ligado a um território, a uma diocese, a uma
cultura e tradições como no Minho, e que é muito belo, mas a dimensão de
peregrinação anima e este aspeto às vezes está esquecido”.
***
O Caminho de Santiago remonta ao século IX e designa as diferentes rotas
usadas pelos peregrinos para chegarem à catedral de Santiago de Compostela, na
Espanha, e atravessa a Europa “desde os confins da Rússia e da Escandinávia até
à bacia do Mediterrâneo e às costas das Ilhas Britânicas”.
Quase esquecido durante alguns séculos, é objeto de notável
ressurgimento a partir das duas últimas décadas do século XX. Com efeito, a partir da década de 1980, o Caminho ganhou cada vez mais
popularidade, para o que contribuiu o esforço de sinalização dos trilhos e
percursos urbanos, principalmente no norte de Espanha (o Caminho Francês, o mais concorrido), mas também pelo resto de Espanha,
em França e Portugal (principalmente
no Norte), a par da
recuperação e da abertura de novos albergues de peregrinos ao longo do caminho.
Apesar de muitas das pessoas (segundo algumas fontes, a maioria), fazerem o percurso, não por motivos religiosos, mas por
lazer, o número de peregrinos registados não tem parado de crescer,
principalmente nos Anos Jubilares,
quando o dia do apóstolo, 25 de julho coincide com um domingo (1993, 1999, 2004 e 2010; o próximo é em 2021).
Também nas
últimas décadas, a interpretação do santuário católico sofreu uma evolução
doutrinal, com a palavra “túmulo” a desaparecer dos discursos dos últimos
papas. João Paulo II falou do “memorial de Santiago”, sem usar a palavra
“relíquias”, e Bento XVI disse simplesmente que a catedral de
Compostela “está ligada à memória de Santiago”.
***
Em suma, Dom Nuno Almeida está em perfeita sintonia com a Tradição, com
a doutrina, com o pulsar do povo cristão, que peregrina para o santuário e para
o Além feliz, e com o essencial da sucessão apostólica. Esperamos que seja um
grande Pastor em qualquer lugar que seja requisitada a sua ação e o recebam
como eficaz orientador de consciências e de rumos!
2018.07.25 –
Louro de Carvalho
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