terça-feira, 10 de julho de 2018

Área Metropolitana do Porto discute, no dia 11, acordo de descentralização


Foi selado, há dias, um acordo entre a ANMP (Associação Nacional dos Municípios Portugueses) e o Governo sobre a descentralização a fazer em determinadas áreas e alguns itens da futura Lei das Finanças Locais (LFL). Não obstante, a AMP (Área Metropolitana do Porto) reúne no próximo dia 11 para discutir o acordo por considerar que se trata de logro ou de presente envenenado, até pela pressa com que o Governo quer o acordo transformado em lei antes das férias parlamentares.
O anúncio foi feito pelo Presidente da Câmara Municipal do Porto, o independente Rui Moreira, durante a Assembleia Municipal do Porto, no dia 9, colocando a hipótese da retirada do município do Porto da ANMP.
O autarca expressou a sua posição numa carta enviada no passado dia 7 a Manuel Machado, por estar em causa “aquilo que parece ter sido um acordo” entre a ANMP e o Governo sobre a transferência de competências para as autarquias, do qual teve conhecimento “através da comunicação social”. E referiu que esse acordo “não contempla as preocupações legítimas que tinham sido defendidas por estes municípios e áreas metropolitanas”.
Ao ser interpelado pela CDU sobre a anunciada saída do Porto da ANMP, Rui Moreira adiantou não se conformar “de forma alguma” com o acordo, frisando: “Se a ANMP está a fazer fretes, fará fretes sem a nossa participação”. E garantiu que, “se nada voltar atrás”, irá propor, em reunião do executivo camarário de 24 de julho, uma “tomada de posição” em relação à ANMP, pois, como disse, “a associação fez o seu negócio com o Governo e só depois (…) se lembrou que tem municípios associados, mandando os documentos três dias antes para nós analisarmos”. Com efeito, segundo Moreira, a ANMP concordou com o projeto de descentralização sem, antes, ouvir os municípios, algo que disse não considerar correto.
O responsável autárquico lembrou que o Porto participou, de facto, em várias reuniões de descentralização onde foram apresentados um conjunto de dossiês e sublinhou que o projeto não contempla alguns desses temas. E reiterou:
Não nos interessa fazer parte duma associação que nas costas dos municípios faz acordos”.
O deputado comunista Rui Sá, como “não resta ao Porto outra posição senão manifestar a sua discordância”, disse estar “disponível para apoiar as diligências que venham a ser efetuadas para a ANMP inverter a sua posição”, pois, como vincou, não parece aceitável serem transferidas “competências sem o acompanhamento dos meios necessários para que os municípios possam desempenhar essas funções”. Todavia, vincou não estar de acordo com a saída do Porto da ANMP, apesar de ser importante “fazer-se ouvir” nesta matéria.
Também Pedro Braga de Carvalho, do PS, por considerar que abandonar a associação não será a resposta adequada, questionou se não haverá possibilidade institucional para serem colocadas questões nos plenários da associação. E perguntou ao Presidente da Câmara:
Em que medida acha que o Porto fica melhor servido, saindo da associação do que ali se manter e discutir o funcionamento da mesma?”.
A deputada do BE Susana Constante Pereira considera precipitada a decisão de sair da ANMP, mas salientou a importância do assunto:
Falar de descentralização é falar do que são as funções do Estado”.
O socialdemocrata Francisco Carrapatoso não manifestou opinião, mas entendeu que o debate deve ser feito “mais tarde” com outros dados e outros conhecimentos de causa.
E André Noronha, também independente, sustentou não ser razoável que a ANMP envie o documento aos municípios só depois de o remeter para o Governo, pela desconsideração que é.
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Eduardo Vítor, Presidente do Município de Gaia, criticou a rapidez do acordo do Estado e da ANMP, para transformação das câmaras em “serviços de manutenção local” do Governo.
Assim, o Município de Vila Nova de Gaia juntou-se ao Porto nas críticas ao acordo estabelecido entre o Governo e a Associação Nacional de Municípios, que passa por transformar as câmaras municipais em “serviços de manutenção” do Estado. A notícia é revelada hoje, dia 10, pelo “Jornal de Notícias”, que dá conta do descontentamento de Vítor Rodrigues, Presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia e Presidente da Área Metropolitana do Porto, referindo que não quer ser “um tarefeiro” e que, tendo em conta a “ausência de ambição”, dos montantes e das competências que o Estado pensa transferir para a sua autarquia, esta não irá assumir “decisões aventureiras”, já que não possui condições para “abraçar este processo”, caso se mantenha nos mesmos moldes.
Especifica, do lado do ridículo envelope financeiro, que a participação do IVA de 5% para 7,5% trará ganhos de 72 milhões de euros a dividir por 278 municípios, que, segundo Vítor Rodrigues foi anunciado com a “cumplicidade da ANMP”, cria uma “expectativa e representação social de rápido enriquecimento” das autarquias equivocadas. Do atinente, no documento, ao impacto financeiro da descentralização é possível ler que o Governo do PS se predispõe a transferir 882 milhões de euros anuais do orçamento do Estado, para a educação, saúde e cultura.
Eduardo Vítor Rodrigues deu os parabéns de forma irónica ao Governo, ao PSD, à oposição e à ANMP, com exceção dos municípios, afirmando:
A esses o tempo dirá que foi uma oportunidade histórica perdida. Muita tarefa, muita burocracia, muito excel (programa informático), mas pouca política, nenhuma estratégia, pouca participação no desenvolvimento local.”.
Na missiva dirigida a Rui Soalheiro, secretário-Geral da ANMP, o autarca socialista, que preside à Câmara de Gaia e à Área Metropolitana do Porto, arrasa o acordo assumido com o Governo, que sublinha ser um presente envenenado para o poder local, avisando que Vila Nova de Gaia terá muitas dificuldades em assumir decisões aventureiras, depois do esforço financeiro dos últimos quatro anos, caso o processo (de descentralização) se mantenha.
No documento, Vítor Rodrigues titula de “delirante” conceder, por igual, três dias aos municípios (prazo que terminou sexta-feira) para validarem os dados do pacote de descentralização, quando, pelo menos no caso de Gaia, nem sequer estão corretos. Entre as perplexidades com que foi confrontado, Vítor Rodrigues não compreende se os edifícios escolares e de saúde integrarão o património municipal ou se os municípios servirão só para fazerem a manutenção, responsabilidade que só faz sentido se a transmissão patrimonial for contemplada.
O autarca do PS frisa que as verbas inscritas no “excel” foram encontradas de forma alheada da realidade: “São raros os coincidentes com aqueles que conseguimos, in extremis, apurar”. E surpreende-se por os municípios não poderem decidir sobre os horários dos centros de saúdes ou tomar decisões estratégicas nesta área “por não terem tradição” no setor, mas já a tenham agora “tradição na pintura de uma parede e na assunção do (escasso) pessoal operacional”. Têm jeito para artistas os municípios, mas não para proprietários nem para gestores do tempo!
Na saúde, a primeira coisa que Rodrigues estranha é que no ACES Gaia figure apenas um funcionário, “e na categoria de Assistente Operacional”, questionando se, com exclusão dos médicos, “o pessoal não é todo transferido para os municípios”. A provar a confusão, interroga ainda a ANMP se na situação do ACES Gaia-Espinho os encargos serão repartidos ou não pelos dois municípios, considerando o autarca a “informação ainda mais vaga ou opaca do que a relativa à “educação”. Na educação, queixa-se de os custos e as verbas estimados de manutenção dos espaços escolares (pouco mais de 141 mil euros para as EB2/3 e secundárias) não cobrirem o valor real, sendo também “confuso” o previsto para a educação pré-escolar e 1.º Ciclo. As dúvidas estendem-se à habitação, marcada pela falta de rigor e lacunas.
No atinente às Finanças Locais, cai-se “num grande logro”, ver-se transmitida “uma imagem errada” dos valores em questão: “Ridículos” – conclui Rodrigues, tal como Rui Moreira – a adiantar que “vai custar muito aos municípios explicar às pessoas que, afinal, as verbas são irrisórias e a mensagem transmitida, no mínimo, equivocada, com a cumplicidade da ANMP”. E ambos criticam a proposta de LFL por não criar mecanismos de compensação aos municípios de boas contas, “em vez de tentarem branquear as más heranças, os erros e a má gestão”.
Quanto à coesão territorial, Rodrigues diz que o assunto tão presente nos discursos foi ignorado no processo de descentralização, tal como foi ignorada a promessa de que o trabalho feitos pelas áreas metropolitanas do Porto e Lisboa seria articulado com a ANMP e Governo, esquecimento que o Porto apelida de “traição”.
A missiva do autarca finaliza com uma série de parabéns irónicos do Governo, à oposição parceira do processo de descentralização, o PSD, “por participar no que () parece uma reforma estrutural”. E à ANMP, dá os parabéns “pela ilusão” da descentralização.
No passado dia 8, a Associação Cívica ‘Porto, o Nosso Movimento’, que apoia o autarca independente Rui Moreira, enfatizou as preocupações e críticas do Presidente da Câmara do Porto, advertindo que as autarquias locais “não são direções-gerais do Governo, comandadas desde o Terreiro do Paço”, mas, sim, “órgãos eleitos com capacidade para decidir melhor localmente”. Francisco Ramos, líder do movimento e que, em 2013, trocou a militância socialdemocrata para apoiar Moreira na corrida à Câmara, sustenta que “o acordo é um engodo” e que reforça “os taticismos político-partidários nacionais, que se sobrepõem aos interesses do Porto e dos portuenses” – o “bloco central de interesses na ANMP”, segundo o autarca do Porto.
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Por seu turno, o Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) afirmou hoje, dia 10, na sequência das tomadas de posição dos presidentes das câmaras do Porto e de Vila Nova de Gaia sobre a descentralização, que este organismo não se deixa “embrulhar em equívocos”. Declarou, a este respeito Manuel Machado aos jornalistas:
Não há necessidade disso [de a ANMP fazer comentários], as coisas estão evidentes. Não nos deixamos é embrulhar em equívocos ou interpretações insuficientemente fundamentadas na realidade, isso não.”.
O Presidente da Câmara de Coimbra e da ANMP falava aos jornalistas na Câmara de Elvas, no distrito de Portalegre, após reunião do conselho diretivo daquele organismo, e explicou:
As cartas são trocadas, já foi respondida [a que lhe foi enviada] e, se necessário, divulgada, mas por regra de educação não tenho por princípio mandar a carta – com todo o respeito pela comunicação social – por interposta comunicação social. Mando uma carta, ela é dirigida, se for necessário ela leva selo, entregue ao destinatário e depois, se for considerado necessário, oportuno ou conveniente, será divulgada.”.
Em comunicado distribuído aos jornalistas, o conselho diretivo da ANMP afirma que analisou o processo de descentralização de competências em curso e decidiu reiterar que todos os municípios, independentemente da sua localização geográfica, densidade populacional ou dinâmica económica, política ou outra, “têm igual dignidade constitucional” e que essa igualdade “tem de ser respeitada”. E, mercê de algumas posições que têm sido tornadas públicas através dos órgãos de comunicação social sobre este acordo, a ANMP “esclarece que este entendimento é relativo à Proposta de Lei-Quadro da Descentralização e à Proposta de Lei de Finanças Locais”, que estão em apreciação na Assembleia da República. E vinca:
A ANMP sublinha que na Lei-Quadro da Descentralização são definidas as áreas em que poderá vir a existir transferência de competências para os municípios, remetendo a concretização de qualquer descentralização de competências para os decretos-lei setoriais.”.
Segundo a associação, a Lei-Quadro da Descentralização (LQD) “acautela” esta situação ao referir que a transferência será “acompanhada dos recursos humanos, financeiros e patrimoniais necessários e suficientes” para o exercício das competências transferidas. E refere ainda:
Assim, a associação continua a trabalhar com o Governo o conteúdo de cada um dos decretos-lei setoriais, assumindo o compromisso de reforçar as negociações, no sentido de que os decretos-lei setoriais possam vir a estar concluídos até 15 de setembro próximo”.
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Se podia pensar-se que Rui Moreira criticava o acordo por, na sua independência, se posicionar um pouco contra o sistema ou além dele, os argumentos de Vítor Rodrigues pesam pelo detalhe e por ser da família política de Costa, por marcar o desalinhamento e querer envolver toda a AMP. Serão os dois autarcas nortenhos apoiados e seguidos na área metropolitana?
Por outro lado, no Parlamento, um deputado do PS assumiu hoje uma postura de desalinho.
O deputado Trigo Pereira criticou o Governo pelo modo como está a conduzir o processo de alteração da LFL, deixando também reparos à proposta de lei, nomeadamente quanto ao fim do FAM (Fundo de Apoio Municipal) e aos critérios que levam à criação do FFD (Fundo de Financiamento da Descentralização). E disse:
Estou um pouco desiludido sobre este processo porque devíamos ter tido um processo mais ou menos paralelo entre a Lei-Quadro da descentralização e a Lei das Finanças Locais (LFL)”.
Dirigindo-se diretamente a Eduardo Cabrita e depois de explicar que o papel dos deputados da maioria é também melhorar as propostas do Governo, o deputado afirmou que “o Parlamento foi posto um pouco de lado” (a LFL entrou na AR só a 15 de maio; e a LQD entrara em 2017). E explicitou:
Acho bem que o Governo faça acordos de regime com o PSD, que fale com a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e com a Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE), mas sete meses para a primeira fase e uma semana para o Parlamento é muito pouco”.
A crítica da falta de tempo para discutir uma lei estruturante foi também assinalada por PCP, BE e CDS. O PSD, que fechou um acordo com o Governo, preferiu pedir dados sobre o envelope financeiro. Por isso, foi também criticado por Paulo Trigo Pereira, que disse:
O PSD há um ano disse não passava cheques em branco ao Governo. […] Tenho pena de que o processo de especialidade seja feito numa semana.”.
Como especialista em finanças locais, Trigo Pereira deixou críticas a algumas das alterações previstas pelo Governo na lei que pretende ver aprovada ainda este mês. A lei tem “aspetos positivos” – diz – como o cumprimento do estipulado nas transferências para as autarquias e o fim das isenções do IMI, mas “há aspetos críticos”. Assim criticou, por exemplo, a abolição do FAM e perguntou como vai o Governo jogar com o FSM, criado em 2007 para resolver a transferência de competências que começou a ser feita nessa altura. Mas prometeu fazer chegar ao grupo parlamentar do PS propostas suas para o que Governo as avalie.
Isto é que é falar. Estará o Governo atento a Moreira, Rodrigues e Pereira?
2018.07.10 – Louro de Carvalho

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