Foi selado, há dias, um acordo entre a ANMP (Associação
Nacional dos Municípios Portugueses) e o
Governo sobre a descentralização a fazer em determinadas áreas e alguns itens
da futura Lei das Finanças Locais (LFL). Não obstante, a AMP (Área Metropolitana do Porto) reúne no próximo dia 11 para discutir o acordo por
considerar que se trata de logro ou de presente envenenado, até pela pressa com
que o Governo quer o acordo transformado em lei antes das férias parlamentares.
O anúncio foi feito pelo Presidente da Câmara Municipal do Porto, o
independente Rui Moreira, durante a Assembleia Municipal do Porto, no dia 9,
colocando a hipótese da retirada do município do Porto da ANMP.
O autarca expressou
a sua posição numa carta enviada no passado dia 7 a Manuel Machado, por estar
em causa “aquilo que parece ter sido um
acordo” entre a ANMP e o Governo sobre a transferência de competências para
as autarquias, do qual teve conhecimento “através
da comunicação social”. E referiu que esse acordo “não contempla as preocupações legítimas que tinham sido defendidas por
estes municípios e áreas metropolitanas”.
Ao ser interpelado pela CDU sobre a anunciada saída do Porto da ANMP, Rui
Moreira adiantou não se conformar “de forma alguma” com o acordo, frisando: “Se a ANMP está a fazer fretes, fará fretes
sem a nossa participação”. E garantiu que, “se nada voltar atrás”, irá
propor, em reunião do executivo camarário de 24 de julho, uma “tomada de
posição” em relação à ANMP, pois, como disse, “a associação fez o seu negócio
com o Governo e só depois (…) se lembrou que tem municípios associados,
mandando os documentos três dias antes para nós analisarmos”. Com efeito,
segundo Moreira, a ANMP concordou com o projeto de descentralização sem, antes,
ouvir os municípios, algo que disse não considerar correto.
O responsável autárquico lembrou que o Porto participou, de facto, em
várias reuniões de descentralização onde foram apresentados um conjunto de
dossiês e sublinhou que o projeto não contempla alguns desses temas. E
reiterou:
“Não nos interessa fazer parte duma
associação que nas costas dos municípios faz acordos”.
O deputado comunista Rui Sá, como “não resta ao Porto outra posição senão manifestar
a sua discordância”, disse estar “disponível para apoiar as diligências que
venham a ser efetuadas para a ANMP inverter a sua posição”, pois, como vincou,
não parece aceitável serem transferidas “competências sem o acompanhamento dos
meios necessários para que os municípios possam desempenhar essas funções”.
Todavia, vincou não estar de acordo com a saída do Porto da ANMP, apesar de ser
importante “fazer-se ouvir” nesta matéria.
Também Pedro Braga de Carvalho, do PS, por considerar que abandonar a
associação não será a resposta adequada, questionou se não haverá possibilidade
institucional para serem colocadas questões nos plenários da associação. E
perguntou ao Presidente da Câmara:
“Em que medida acha que o Porto fica melhor
servido, saindo da associação do que ali se manter e discutir o funcionamento
da mesma?”.
A deputada do BE Susana Constante Pereira considera precipitada a decisão
de sair da ANMP, mas salientou a importância do assunto:
“Falar de descentralização é falar do que são
as funções do Estado”.
O socialdemocrata Francisco Carrapatoso não manifestou opinião, mas
entendeu que o debate deve ser feito “mais tarde” com outros dados e outros
conhecimentos de causa.
E André Noronha, também independente, sustentou não ser razoável que a ANMP
envie o documento aos municípios só depois de o remeter para o Governo, pela
desconsideração que é.
***
Eduardo Vítor, Presidente do Município de Gaia, criticou a rapidez do
acordo do Estado e da ANMP, para transformação das câmaras em “serviços de
manutenção local” do Governo.
Assim, o Município de Vila Nova de Gaia juntou-se ao Porto nas críticas ao
acordo estabelecido entre o Governo e a Associação Nacional de Municípios, que
passa por transformar as câmaras municipais em “serviços de manutenção” do
Estado. A notícia é revelada hoje, dia 10, pelo “Jornal de Notícias”, que dá conta do descontentamento de Vítor
Rodrigues, Presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia e Presidente da Área Metropolitana
do Porto, referindo que não quer ser “um tarefeiro” e que, tendo em conta a
“ausência de ambição”, dos montantes e das competências que o Estado pensa
transferir para a sua autarquia, esta não irá assumir “decisões aventureiras”,
já que não possui condições para “abraçar este processo”, caso se mantenha nos
mesmos moldes.
Especifica, do lado do ridículo envelope financeiro, que a participação do
IVA de 5% para 7,5% trará ganhos de 72 milhões de euros a dividir por 278
municípios, que, segundo Vítor Rodrigues foi anunciado com a “cumplicidade da
ANMP”, cria uma “expectativa e representação social de rápido enriquecimento”
das autarquias equivocadas. Do atinente, no documento, ao impacto financeiro da
descentralização é possível ler que o Governo do PS se predispõe a transferir
882 milhões de euros anuais do orçamento do Estado, para a educação, saúde e
cultura.
Eduardo Vítor Rodrigues deu os parabéns de forma irónica ao Governo, ao
PSD, à oposição e à ANMP, com exceção dos municípios, afirmando:
“A esses o tempo dirá que foi uma
oportunidade histórica perdida. Muita tarefa, muita burocracia, muito excel
(programa informático), mas pouca política, nenhuma estratégia, pouca
participação no desenvolvimento local.”.
Na missiva dirigida a Rui Soalheiro, secretário-Geral da ANMP, o autarca
socialista, que preside à Câmara de Gaia e à Área Metropolitana do Porto,
arrasa o acordo assumido com o Governo, que sublinha ser um presente envenenado
para o poder local, avisando que Vila Nova de Gaia terá muitas dificuldades em
assumir decisões aventureiras, depois do esforço financeiro dos últimos quatro
anos, caso o processo (de descentralização) se mantenha.
No documento, Vítor Rodrigues titula de “delirante” conceder, por igual,
três dias aos municípios (prazo que terminou sexta-feira) para validarem os dados do pacote de
descentralização, quando, pelo menos no caso de Gaia, nem sequer estão corretos.
Entre as perplexidades com que foi confrontado, Vítor Rodrigues não compreende
se os edifícios escolares e de saúde integrarão o património municipal ou se os
municípios servirão só para fazerem a manutenção, responsabilidade que só faz
sentido se a transmissão patrimonial for contemplada.
O autarca do PS frisa que as verbas inscritas no “excel” foram encontradas
de forma alheada da realidade: “São raros
os coincidentes com aqueles que conseguimos, in extremis, apurar”. E
surpreende-se por os municípios não poderem decidir sobre os horários dos
centros de saúdes ou tomar decisões estratégicas nesta área “por não terem
tradição” no setor, mas já a tenham agora “tradição
na pintura de uma parede e na assunção do (escasso) pessoal operacional”.
Têm jeito para artistas os municípios, mas não para proprietários nem para
gestores do tempo!
Na saúde, a primeira coisa que Rodrigues estranha é que no ACES Gaia figure
apenas um funcionário, “e na categoria de Assistente Operacional”, questionando
se, com exclusão dos médicos, “o pessoal não é todo transferido para os
municípios”. A provar a confusão, interroga ainda a ANMP se na situação do ACES
Gaia-Espinho os encargos serão repartidos ou não pelos dois municípios,
considerando o autarca a “informação ainda mais vaga ou opaca do que a relativa
à “educação”. Na educação, queixa-se de os custos e as verbas estimados de
manutenção dos espaços escolares (pouco mais de 141 mil euros para as
EB2/3 e secundárias) não cobrirem
o valor real, sendo também “confuso” o previsto para a educação pré-escolar e 1.º
Ciclo. As dúvidas estendem-se à habitação, marcada pela falta de rigor e
lacunas.
No atinente às Finanças Locais, cai-se “num grande logro”, ver-se
transmitida “uma imagem errada” dos valores em questão: “Ridículos” – conclui
Rodrigues, tal como Rui Moreira – a adiantar que “vai custar muito aos
municípios explicar às pessoas que, afinal, as verbas são irrisórias e a mensagem
transmitida, no mínimo, equivocada, com a cumplicidade da ANMP”. E ambos
criticam a proposta de LFL por não criar mecanismos de compensação aos
municípios de boas contas, “em vez de tentarem branquear as más heranças, os
erros e a má gestão”.
Quanto à coesão territorial, Rodrigues diz que o assunto tão presente nos
discursos foi ignorado no processo de descentralização, tal como foi ignorada a
promessa de que o trabalho feitos pelas áreas metropolitanas do Porto e Lisboa
seria articulado com a ANMP e Governo, esquecimento que o Porto apelida de
“traição”.
A missiva do autarca finaliza com uma série de parabéns irónicos do Governo,
à oposição parceira do processo de descentralização, o PSD, “por participar no
que (só) parece uma reforma estrutural”. E à ANMP, dá os
parabéns “pela ilusão” da descentralização.
No passado dia 8, a Associação Cívica ‘Porto,
o Nosso Movimento’, que apoia o autarca independente Rui Moreira, enfatizou
as preocupações e críticas do Presidente da Câmara do Porto, advertindo que as
autarquias locais “não são direções-gerais do Governo, comandadas desde o
Terreiro do Paço”, mas, sim, “órgãos eleitos com capacidade para decidir melhor
localmente”. Francisco Ramos, líder do movimento e que, em 2013, trocou a
militância socialdemocrata para apoiar Moreira na corrida à Câmara, sustenta
que “o acordo é um engodo” e que reforça “os taticismos político-partidários
nacionais, que se sobrepõem aos interesses do Porto e dos portuenses” – o
“bloco central de interesses na ANMP”, segundo o autarca do Porto.
***
Por
seu turno, o Presidente
da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) afirmou hoje, dia 10, na sequência das tomadas de
posição dos presidentes das câmaras do Porto e de Vila Nova de Gaia sobre a descentralização,
que este organismo não se deixa “embrulhar em equívocos”. Declarou, a este
respeito Manuel Machado aos jornalistas:
“Não há necessidade disso [de a ANMP fazer
comentários], as coisas estão evidentes. Não nos deixamos é embrulhar em
equívocos ou interpretações insuficientemente fundamentadas na realidade, isso
não.”.
O Presidente
da Câmara de Coimbra e da ANMP falava aos jornalistas na Câmara de Elvas, no distrito
de Portalegre, após reunião do conselho diretivo daquele organismo, e explicou:
“As cartas são trocadas, já foi respondida [a
que lhe foi enviada] e, se necessário, divulgada, mas por regra de educação não
tenho por princípio mandar a carta – com todo o respeito pela comunicação
social – por interposta comunicação social. Mando uma carta, ela é dirigida, se
for necessário ela leva selo, entregue ao destinatário e depois, se for
considerado necessário, oportuno ou conveniente, será divulgada.”.
Em
comunicado distribuído aos jornalistas, o conselho diretivo da ANMP afirma que
analisou o processo de descentralização de competências em curso e decidiu
reiterar que todos os municípios, independentemente da sua localização
geográfica, densidade populacional ou dinâmica económica, política ou outra, “têm igual dignidade constitucional” e
que essa igualdade “tem de ser respeitada”.
E, mercê de algumas posições que têm sido tornadas públicas através dos órgãos
de comunicação social sobre este acordo, a ANMP “esclarece que este
entendimento é relativo à Proposta de Lei-Quadro da Descentralização e à
Proposta de Lei de Finanças Locais”, que estão em apreciação na Assembleia da
República. E vinca:
“A ANMP sublinha que na Lei-Quadro da
Descentralização são definidas as áreas em que poderá vir a existir
transferência de competências para os municípios, remetendo a concretização de
qualquer descentralização de competências para os decretos-lei setoriais.”.
Segundo a
associação, a Lei-Quadro da Descentralização (LQD) “acautela” esta situação ao referir que a transferência será “acompanhada
dos recursos humanos, financeiros e patrimoniais necessários e suficientes”
para o exercício das competências transferidas. E refere ainda:
“Assim, a associação continua a trabalhar
com o Governo o conteúdo de cada um dos decretos-lei setoriais, assumindo o
compromisso de reforçar as negociações, no sentido de que os decretos-lei
setoriais possam vir a estar concluídos até 15 de setembro próximo”.
***
Se podia
pensar-se que Rui Moreira criticava o acordo por, na sua independência, se
posicionar um pouco contra o sistema ou além dele, os argumentos de Vítor
Rodrigues pesam pelo detalhe e por ser da família política de Costa, por marcar
o desalinhamento e querer envolver toda a AMP. Serão os dois autarcas nortenhos
apoiados e seguidos na área metropolitana?
Por
outro lado, no Parlamento, um deputado do PS assumiu hoje uma postura de
desalinho.
O deputado Trigo Pereira criticou o Governo pelo modo como está a
conduzir o processo de alteração da LFL, deixando também reparos à proposta
de lei, nomeadamente quanto ao fim do FAM (Fundo de Apoio Municipal) e aos critérios que levam à criação do FFD (Fundo de Financiamento da
Descentralização). E
disse:
“Estou um pouco desiludido sobre
este processo porque devíamos ter tido um processo mais ou menos paralelo entre a Lei-Quadro da descentralização e a Lei das Finanças Locais (LFL)”.
Dirigindo-se
diretamente a Eduardo Cabrita e depois de explicar que o papel dos deputados da
maioria é também melhorar as propostas do Governo, o deputado afirmou que
“o Parlamento foi posto um pouco de lado” (a LFL entrou na AR só a 15 de maio; e
a LQD entrara em 2017).
E explicitou:
“Acho
bem que o Governo faça acordos de regime com o PSD, que fale com a Associação
Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e com a Associação Nacional de
Freguesias (ANAFRE), mas sete meses para a primeira fase e uma semana para o Parlamento
é muito pouco”.
A
crítica da falta de tempo para discutir uma lei estruturante foi também assinalada
por PCP, BE e CDS. O PSD, que fechou um acordo com o Governo, preferiu pedir
dados sobre o envelope financeiro. Por isso, foi também criticado por Paulo
Trigo Pereira, que disse:
“O
PSD há um ano disse não passava cheques em branco ao Governo. […] Tenho pena de
que o processo de especialidade seja feito numa semana.”.
Como
especialista em finanças locais, Trigo Pereira deixou críticas a algumas das alterações previstas pelo Governo na lei
que pretende ver aprovada ainda este mês. A lei tem “aspetos
positivos” – diz – como o cumprimento do estipulado nas transferências para as
autarquias e o fim das isenções do IMI, mas “há aspetos
críticos”. Assim criticou, por exemplo, a abolição do FAM e perguntou como vai
o Governo jogar com o FSM, criado em 2007 para resolver a transferência de
competências que começou a ser feita nessa altura. Mas prometeu fazer chegar ao
grupo parlamentar do PS propostas suas para o que Governo as avalie.
Isto é
que é falar. Estará o Governo atento a Moreira, Rodrigues e Pereira?
2018.07.10 – Louro de
Carvalho
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