quinta-feira, 5 de julho de 2018

A Instrução “Ecclesia Sponsae Imago”, sobre o Ordo virginum


A “Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica” publicou, a 3 de julho, a Instrução “Ecclesiae Sponsae Imago”, sobre a Ordem das Virgens – um documento em italiano, inglês, francês e espanhol que vem assinado pelo prefeito do dicastério, o Cardeal João Braz de Aviz, e pelo secretário, o Arcebispo José Rodriguez Carballo.
O cardeal apresentou o documento, que vem na sequência do decreto pelo qual, a 31 de maio de 1970, a Sagrada Congregação para o Culto Divino, sob mandato do Beato Papa Paulo VI, promulgou o novo Rito da consagração das virgens, considerando que “as virgens consagradas são imagem da Igreja  esposa de Cristo” e assim plasmando tal enunciado no Ordo virginum.
Como sucedia nas comunidades apostólicas e na época patrística, após alguns séculos, passou a ser concedida a possibilidade de receber esta consagração também a mulheres que permanecem no seu contexto de vida ordinário, deixando de ser reservada às monjas.
Agora a Instrução Ecclesiae Sponsae Imago retoma aquela definição. Depois do Rito litúrgico e das normas nele contidas, a Instrução (o último é oração a Mariaé o primeiro documento da Sé Apostólica que aprofunda a fisionomia e a disciplina desta forma de vida.
Dentro de dois anos, em 2020, o Rito retomado celebrará o 50.º aniversário da sua instituição pós-conciliar. Neste meio século, com a resposta das Igrejas particulares, esta peculiar vocação feminina foi conhecida e amada em todo o mundo.
As virgens consagradas estão presentes em todos os Continentes, em numerosas Dioceses, oferecendo o seu próprio testemunho de vida em todas os âmbitos da sociedade e da Igreja. Em 2016, durante o Ano da Vida Consagrada, uma estatística aproximada estimava a presença de mais de cinco mil virgens consagradas no mundo, em contínuo crescimento.
E a presente Instrução pretende responder aos pedidos que numerosos Bispos e virgens consagradas nestes últimos anos têm apresentado à Congregação para a Vida Consagrada sobre a vocação e o testemunho da Ordo virginum, a sua presença na Igreja universal, e – em particular – sobre a formação vocacional e discernimento. Assim, a Ecclesiae Sponsae Imago quer ajudar a descobrir a beleza desta vocação e contribuir para mostrar a beleza do Senhor que transfigura a vida de tantas mulheres que diariamente a experimentam.
Além disso, o Prefeito da predita Congregação aproveitou para exprimir o desejo de organizar e concordar e ver reunidas em Roma virgens consagradas de todo o mundo para um novo encontro internacional em 2020, para celebrar com Pedro, o 50.º aniversário do Rito de 1970.
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Em primeiro lugar, o documento tem uma “Introdução” onde se refere que “a imagem da Igreja Esposa de Cristo aparece, no Novo Testamento, como ícone eficaz da revelação da íntima natureza da relação que o Senhor quis estabelecer com a comunidade dos crentes” e que “desde os tempos apostólicos, esta expressão do Mistério da Igreja encontrou una manifestação peculiar na vida das mulheres que, obedecendo ao carisma evangélico suscitado em si pelo Espírito Santo, com amor esponsal, se dedicam ao Senhor Jesus na virgindade, para experimentarem a fecundidade espiritual da íntima relação com Ele e oferecerem os frutos à Igreja e ao mundo”. Além disto, faz a resenha da evolução histórica da vivência destas mulheres consagradas quer na contemplação, quer na vida ativa, evidenciando nomes que são assumidos como referência eclesial e mundial. Depois, a Instrução desenvolve-se em três grandes capítulos: I. “A vocação e o testemunho do Ordo virginum”; II. “A configuração do Ordo virginum nas Igrejas particulares e na Igreja universal”; e “O discernimento vocacional e a formação para o Ordo virginum”.
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No atinente ao tema A vocação e o testemunho do Ordo virginum”, o documento, num primeiro momento, evidencia: “O fundamento bíblico da virgindade consagrada”, tomando o exemplo de alguns profetas, as referências do próprio Jesus e as indicações paulinas, bem como o testemunho da dialética do Reino já inaugurado, mas ainda não totalmente realizado agora pelos homens, mas que se consumará na escatologia; “O carisma e a vocação”, pois, renunciando à experiência matrimonial, recebem a graça da singular vocação para participarem de modo mais próximo no mistério da entrega nupcial de Cristo pela sua Igreja; “O propósito, a consagração e o estado de vida”, frisando que, pela consagração, as virgens fazem o propósito de viver perpetuamente a castidade e unem-se, não apenas a Cristo, mas também à Igreja particular e à Igreja universal, assumindo assim um novo estado de vida e um peculiar estilo de serviço de acordo com o carisma de que instituto são dotadas; “A fisionomia espiritual”, nos termos da qual a virgem consagrada tem como referência primordial o modelo da Igreja virgem pela integridade da fé, esposa pela união indissolúvel com Cristo, mãe pela multidão de filhos que gera para a vida da graça. Depois, “A forma de vida” das consagradas implica a manifestação inequívoca do seguimento evangélico e dos carismas pessoais, que devem ser colocados ao serviço da comunidade; a assunção da oração como alma da vida consagrada e como via de ascese com vista à íntima união com o Senhor. Por outro lado, a Instrução regula as condições de vida a imprimir ao quotidiano no sentido de as consagradas não parecerem distantes e diferentes das demais, com a óbvia exceção das celebrações litúrgicas. Assim, por exemplo, devem usar a aliança como as casadas e usar (ou não) o véu como o fizerem as demais mulheres. De facto, devem considerar que estão sempre em ligação estreita com a Igreja particular em que se inserem, atendendo às indicações do Bispo diocesano, e que, embora não pertençam ao mundo, não se retiram dele. Devem ter o estilo de proximidade e de serviço.    
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No capítulo intitulado “A configuração do Ordo virginum nas Igrejas particulares e na Igreja universal” insiste-se na vertente de que as consagradas estão Arreigadas na diocese por um vínculo especial de amor e pertença, afastando-se de vez a ideia da isenção (que era a subtração à autoridade diocesana). Sobressai o sentido da Comunhão e corresponsabilidade no Ordo virginum diocesano, o que implica a relação entre as diversas consagradas que vivem e agem na diocese, podendo ali estabelecer-se o serviço ou a equipa do discernimento vocacional e formação prévia à consagração, bem como o serviço ou a equipa da formação permanente. A este respeito, a Responsabilidade do Bispo diocesano, em nome da qual, por exemplo, deve acolher as consagradas como dom do Espírito e ser para elas o sacerdote dispensador das graças divinas, o mestre que indica e confirma o caminho da fé e o pastor que cuida amorosamente das pessoas que lhe foram confiadas.
No quadro das Colaborações na atenção pastoral do Ordo virginum, o Bispo diocesano deve atribuir uma função pastoral consentânea com o carisma de cada uma ou de cada grupo de consagradas e com as necessidades da diocese. Por outro lado, por si e/ou através de delgado (eleito pelos presbíteros) ou delegada (eleita entre as consagradas), o Bispo ajudará cada aspirante, candidata e consagrada a desenvolver os dons recebidos do Senhor, a promover a comunhão entre todas e o sentido de corresponsabilidade no acolhimento da legítima diferença, a favorecer o acolhimento inteligente e responsável do magistério e das opções pastorais do Bispo diocesano, promovendo o conhecimento do Ordo virginum entre o povo de Deus.
No atinente à Comunhão e corresponsabilidade entre as consagradas de várias dioceses, é de ter em conta que todas as consagradas receberam a mesma consagração e que o enraizamento diocesano “se harmoniza com o sentido de pertença a um ordo fidelium que tem as mesmas caraterísticas constitutivas em toda a Igreja católica”. Assim, terão de organizar-se iniciativas compartilhadas, que testemunhem o serviço de comunhão e, embora cada bispo em sua diocese possa e deva organizar um programa de ação pastoral com as suas consagradas, a Conferência Episcopal designará um bispo que signifique a proximidade e o acompanhamento do colégio episcopal e promova a ação em dinamismo de sinodalidade. Por outro lado, as consagradas hão de manter a referência à Sé Apostólica e ao Secretariado para o Ordo virginum a constituir na respetiva Congregação romana.   
Ainda neste capítulo, a Instrução estabelece normas sobre a Permanência em outra Diocese e a transferência; as Fundações, associações e opções de vida em comum; a Pertença ao Ordo virginum e referência a outros grupos eclesiais; e à Separação do Ordo virginum. Assim, fica assente que o enraizamento da consagração na diocese não impede, antes pode permitir ou aconselhar a transferência, ao menos temporária, para outra diocese – pois, a Igreja é una em qualquer lugar onde viva e aja – por exemplo por motivos de trabalho, ação pastoral, família e outras razões plausíveis e proporcionadas, devendo o Bispo informar as consagradas sobre a transferência de alguma ou algumas para outra diocese, bem como sobre o acolhimento de alguma que haja de ser acolhida na Diocese. Por outro lado, com vista à subsistência económica ou à capacidade organizacional, pode o Bispo instituir uma fundação canónica e autorizar a petição do seu reconhecimento civil, como podem as consagradas organizar-se em associações e solicitar o seu reconhecimento canónico e inclusive decidir livremente viver em comum.
Por outro lado, embora a consagrada esteja imersa numa espiritualidade própria do seu carisma, pode beneficiar da especificidade dos carismas concedidos pela liberdade do Espírito a outros grupos eclesiais – para o que deve usar do devido discernimento a conselho do Bispo ou de seu Delegado. E, se uma consagrada, depois de uma reflexão orante e amadurecida em diálogo com o diretor espiritual, entender que é chamada ao ingresso num Instituto de vida consagrada ou Sociedade de vida apostólica, comunicá-lo-á por escrito ao Bispo diocesano, que remeterá o pedido à Santa Sé, devendo o ingresso ser feito de acordo com as indicações da Santa Sé dadas ad casum. Algo parecido sucederá no caso de a consagrada entender que deve ser dispensada da continuação das obrigações inerentes à situação de consagrada. Só que o Bispo não tem de o comunicar à Sé Apostólica, mas oferecer-lhe-á a ajuda adequada e tempo para o discernimento, acedendo à dispensa só depois de examinar a fundo as motivações do pedido. E, se o Bispo souber que uma consagrada abandonou a fé católica ou contraiu matrimónio, mesmo que apenas civilmente ou que é acusada de gravíssimos delitos ou faltas graves externas contra o estado de consagração, reunirá as provas (dando oportunidade de defesa no caso dos graves delitos ou faltas e de recurso) e declarará a demissão para que conste juridicamente. Em qualquer dos casos de separação do Ordo virginum, o facto deve ser anotado no livro próprio e comunicado às demais consagradas e o pároco respetivo para efeitos de anotação no livro de Batismos.
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No 3.º capítulo, O discernimento vocacional e a formação para o Ordo virginum”, ficam evidenciados os seguintes itens: i) O compromisso do discernimento e a formação, relevando o “caminho de fé, discernimento vocacional e itinerários formativos” e “a prática do acompanhamento espiritual”; ii) O discernimento vocacional e itinerário formativo prévio à consagração, relevando “a dinâmica do discernimento e da formação prévia à consagração”, “os requisitos e critérios de discernimento”, “o recurso a peritos com competência psicológica”, “o período propedêutico”, “o itinerário formativo prévio à consagração” e “a admissão à consagração e o cuidado da sua celebração; e iii) A formação permanente, com relevo para “a atenção à formação permanente”, o “compromisso pessoal e dimensão de comunhão” e “indicações sobre o conteúdo e o método”.        
A vida eclesial da consagrada parte da consagração batismal, da vocação carismática à virgindade e de outros carismas presentes na própria pessoa. Para responder em termos eclesiais é necessário o permanente discernimento em que se empenha a própria, com o acompanhamento de alguém que garanta o sentir comunitário e espiritual da Igreja. Mais: é necessário um empenhamento pessoal na formação, quer na preparação para a consagração, quer para a sustentabilidade, incremento e aperfeiçoamento do estilo de vida e atividade inerente a este estado eclesial – o que implica o desejo pessoal de aprendizagem e a docilidade atitudinal ao Espírito e seus adjuvantes espirituais e formativos, sempre num sentido de compromisso pessoal e de inserção num dinamismo de comunhão.
A candidata à consagração deve saber dos requisitos de admissibilidade, sobressaindo: a maturidade humana e espiritual; e o propósito de não contrair matrimónio nem de viver em situação contrária a castidade. No âmbito da experiência espiritual, relevam: a relação pessoal com Cristo e o desejo de configuração da vida com Ele numa atitude de oblação sem reservas; o sentido de pertença à Igreja; o cuidado da dimensão contemplativa; a assiduidade do caminho penitencial, ascético e espiritual; o interesse pela Sagrada Escritura, conteúdos da fé, liturgia, e história e magistério da Igreja; a paixão pelo Reino de Deus; e a intuição da própria vocação. No âmbito da maturidade, importam: o conhecimento de si mesma; a capacidade de integrar relações sadias; a integração da sexualidade no quadro global da personalidade; a fidelidade à palavra dada; a capacidade de trabalho; a resistência ao sofrimento e às contrariedades; e o uso responsável dos bens, dos meios de comunicação social e do tempo.
A admissão à consagração é decidida após o período de formação prévio, a juízo do Bispo, decorrerá conforme as indicações do Pontifical e será documentada pela inscrição num registo do Ordo virginum. E deve continuar o interesse pela formação mediante o empenho pessoal, a dimensão comunitária, o estabelecimento de programas formativos e o recurso a peritos.
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Por fim, vem a “Conclusão” em que se reitera o acolhimento pela Igreja do dom da virgindade consagrada sob a égide de Maria – estrela e protetora das virgens – e se declara:
Precedidas e sustentadas pela graça de Deus, estas mulheres são chamadas a viver em docilidade em docilidade ao Espírito Santo, a experimentar o dinamismo transformante da Palavra de Deus que faz de tantas mulheres diferentes uma comunhão de irmãs, e anunciar o Evangelho da salvação com a palavra e a vida, para chegar a ser imagem da Igreja Esposa que, vivendo unicamente para Cristo Esposo, o torna presente no mundo”.
E assim se incrementa um poderoso e fecundo modo de florescimento da Igreja!
2018.07.05 – Louro de Carvalho

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