sexta-feira, 13 de julho de 2018

Em fim de sessão legislativa o debate sobre o Estado da Nação


Como é usual em fim de sessão legislativa, o Parlamento discutiu hoje, dia 13 de julho, o Estado da Nação. É o 3.º debate do género em que António Costa é o protagonista, só que, desta vez, esteve no fogo cruzado disparado de todas as bancadas, à esquerda e à direita, com exceção da bancada do partido que hoje está no centro parlamentar, o PS, de que emerge o Governo.
Costa não aceita a afirmação de Santos Silva, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, de que uma “geringonça II” teria de renovar compromissos, incluindo os compromissos europeus, e afirmou que “a geringonça não só está no nosso coração, como na nossa cabeça”. Fernando Negrão, do PSD, equiparou a geringonça a um escorpião; e Catarina Martins, do BE, disse querer evitar que o Governo vá para o “centrão” e o Primeiro-Ministro protestou a sua fidelidade à esquerda.
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Costa inaugurou o debate a falar de ganhos, proclamando: “Sim, conseguimos”. Começando por reafirmar 4 compromissos do governo – virar a página da austeridade, relançar a economia pela recuperação do rendimento das famílias, recuperar os níveis de proteção social e equilibrar de modo sustentado as finanças públicas, com a redução do défice e do peso da dívida – deu a missão por cumprida, apesar de muita gente ter duvidado de que fosse possível “acabar com a austeridade mantendo a participação na zona euro” (partidos da esquerda) e “melhorar a competitividade rompendo com modelo de desenvolvimento assente na destruição de direitos” (partidos da direita). E considerou satisfeito o cumprimento dos compromissos governativos, porque houve uma “mudança de políticas”. Daqui decorreu que, segundo a sua enumeração:
O crescimento de 2,7% do PIB em 2017 foi o maior do século, o investimento cresceu 9,1%, na maior variação homóloga dos últimos 19 anos, e as exportações de bens e serviços cresceram 11,2% em 2017. Também no emprego foram criados mais de 300 mil empregos e a taxa de desemprego recuou para o nível mais baixo desde 2002 (7,2%), registando a queda mais acentuada da zona euro em 2017. Há hoje menos 250 mil desempregados, dos quais 190 mil de longa duração.”.
Em suma disse que “temos mais crescimento, melhor emprego e maior igualdade” e que tudo isto foi feito a par da “sustentabilidade das contas públicas e da credibilidade do país”.
Depois de enumerar os ganhos do Governo, Costa assegurou que os resultados foram obtidos sem qualquer corte e sem “a falta a nenhum compromisso nem com os portugueses nem com esta Assembleia”, frisando que os resultados “não resultam do acaso nem da conjuntura”, mas da “mudança de políticas”, pois “foi porque revertemos os cortes nos salários, aumentámos as pensões e o SMN (salário mínimo nacional) que o rendimento real das famílias cresceu 4,7%” e que “na base dos resultados não está a falta a nenhum compromisso”.
Porém, os protestos da oposição agudizam-se, enquanto os aplausos do PS redobram, quando o Chefe do Governo se refere a aspetos setoriais. Assim, Costa garante que existem hoje “mais 7 mil professores nos quadros, mais 2.500 assistentes operacionais, menos alunos por turma, manuais gratuitos”. E infere que é por causa deste investimento que “o sucesso escolar aumentou 2 pontos percentuais no ensino básico e no secundário”.

Depois do espelho dos “resultados já alcançados”, continuou dizendo – e a seta foi direita para as bancadas da esquerda, onde estão os parceiros do Governo – que “há ainda um caminho a percorrer e queremos prosseguir este caminho sem impasses ou recuos” e que a “estabilidade das políticas é crucial para a manutenção da confiança”. E, sem indicar diretamente os parceiros ou a solução de Governo em que se tem apoiado nos últimos (quase) três anos, deu a entender que se sente confortável neste modelo, ao declarar que “não podemos pôr em causa tudo aquilo que construímos” e acrescentar que é importante “não voltar a ter uma sociedade fragmentada e um território dividido”, pois “não podemos voltar a aceitar um Estado minimalista e distante” (referência direta ao PSD de Passos Coelho, com a crítica que recorrentemente é feita ao anterior Governo pelos socialistas) momento discursivo que levou o grupo parlamentar do PSD a protestar.
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O PS aplaude e Costa repete linhas do discurso e ironiza: “Esperem, também vão gostar desta”. E, enquanto lê o discurso, a bancada do PS não se cansa de aplaudir. Assim, enquanto Costa lia a parte relativa aos jovens forçados a emigrar e à ideia de que que é preciso rejeitar o modelo de salários baixos e empregos precários para essa fuga de cérebros não voltar a suceder, o PS aplaudia entusiasticamente, abafando o som das palavras do Chefe, cujo entusiasmo o levou a dizer: “Se gostaram vou repetir”, e repetiu aditando: “Esperem que também vão gostar desta”, e leu a parte seguinte: “Não podemos voltar a aceitar um Estado minimalista e distante”.
Depois, foi respondendo às “críticas fundamentais” de que o Governo tem sido alvo: renúncia ao investimento; persistência de dificuldades nos serviços públicos; adiamento de reformas – isto para concluir que tudo é “desmentido pela realidade”. E, para contrapor às críticas, disse que o investimento público cresceu 22% em 2017, falou no “reforço anual de 700 milhões de euros no SNS contratando 7.900 profissionais”. Esta foi a afirmação que levantou os mais fortes protestos das bancadas da direita, que acompanharam este segmento com diversos apartes.
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Carlos César enquanto líder da respetiva bancada fez a última intervenção pelo PS. Disse que “muito fizemos, e muito fizemos bem”, mas que “há muitas ambições por realizar”. E frisou que o PS não se perturba com “o ruído de uma oposição que não tem outro projeto que não o da negação”. Em todo o caso, nota: “nem tudo o que fizemos foi tudo quanto havia a fazer, nem tudo o que fizemos foi bem feito”. E fala em “humildade”. Partilhou os louros com os parceiros parlamentares – “Partilhamos com eles os nossos sucessos, da mesma forma que repartimos as nossas dificuldades” – e garantiu que o PS continuará o trabalho feito pela atual solução governativa, que tem sido “tão recompensadora para o país e para os portugueses”.
Disse que ainda há um caminho a percorrer e que seria mais fácil se as metas orçamentais permitissem uma trajetória mais suave de redução do défice e da dívida, mas os sinais mostram que “seguimos na direção mais avisada”, pois não repetimos a austeridade persecutória da direita nem abraçámos tarefas impossíveis que comprometeriam a credibilidade da esquerda”. E, na saúde e na educação, o PS recebe um país com problemas, mas que está a recuperar.
No final da sua intervenção, falou no “crescimento” do rendimento disponível das famílias enfatizando: “Nos dois últimos anos conseguimos que quase meio milhão de pessoas deixassem de estar em risco de pobreza e em situação de privação material severa”. Depois avançou para as condições do trabalho que estão a ser criadas para sublinhar como é “importante a revisão da legislação laboral que agora está pendente na Assembleia da República”.
O líder parlamentar do PS disse também que a “agenda está longe de estar esgotada” e que deve passar agora por ser “de políticas reformistas, de ordenamento do território, de organização do trabalho de competitividade económica”. E, para terminar, foi além da frase que deixou escrita no discurso distribuído à comunicação social e, em vez de ser genérico na atribuição da responsabilidade de “superar as dificuldades, continuar os sucessos, prosseguir o caminho”, César quis deixar isso nas mãos de toda a esquerda. E acrescentou que o objetivo é fazer da esquerda portuguesa um dos motores do Portugal vencedor.
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Desta feita, foi Pedro Siza Viera, o Ministro-Adjunto do Primeiro-Ministro, a fazer o discurso de encerramento do debate do Estado da Nação em vez do habitual membro do Governo a fazê-lo, o número dois de Costa, Augusto Santos Silva. O governante tem sido um dos temas recorrentes sobretudo à esquerda – depois de ter defendido que uma “geringonça II” teria de renovar compromissos, incluindo os compromissos europeus – asserção corrigida por Costa numa declaração ao Público esta quinta-feira pouco depois de a entrevista ter sido publicada e de ter suscitado comentários de socialistas de peso, como foi o caso de Manuel Alegre. E, no dia seguinte a esta discordância pública, com um dos ministros mais importantes, sobre o futuro da “geringonça”, Costa deixou Santos Silva na bancada do Governo e faz subir ao púlpito Pedro Siza Vieira, o Ministro que está sob a sua alçada (seu amigo de longa data) e que entrou para o Governo em outubro passado, no quadro da remodelação que transferiu Eduardo Cabrita de Ministro-Adjunto do PM para a Administração Interna.
Porém, a subida do Ministro-Adjunto ao púlpito foi motivo de apartes das bancadas da direita, que ironizaram com a ideia de ser “o ministro adequado” para fazer o encerramento do debate do Estado da Nação. Siza Vieira, amigo de longa data de Costa e que entrou para o Governo em outubro passado, como foi referido, esteve recentemente debaixo de fogo mercê da polémica em torno da acumulação de funções ministeriais com um cargo privado já em funções executivas.
Siza Vieira começou por defender que “não vivemos hoje um milagre”, tal como Costa já tinha feito, mas enumerou depois um conjunto de melhorias registadas: Portugal cresce mais do que a UE, “pela primeira vez numa década”; e “este crescimento está assente em bases sólidas”. “Estes resultados não aconteceram por acaso”.
O Ministro encerrou a sua intervenção com o apelo à manutenção da alternativa constituída em 2015, para não pôr em causa o que se conseguiu, declarando e apontando para a hipótese da repetição da atual maioria que sustenta o Governo no Parlamento:
A alternativa ao compromisso assumido em 2015 terá seguramente um sentido oposto ao que foi percorrido, não percorrerá o caminho redução das desigualdades. […] Não podemos dar passos maiores do que a perna, mas o nosso passo é mais seguro e pode fazer levantar novas ambições.”.
A intervenção do Ministro-Adjunto foi muito aplaudida por Costa, que se levantou do lugar para o cumprimentar, após o que o debate do estado da nação terminou.
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Em todo o caso, é de registar que os temas quentes foram quase todos comuns à esquerda e à direita: todos pegaram no estado da Saúde e do SNS para arrancarem respostas ao Governo – que respondeu lembrando que há “mais consultas, mais cirurgias e mais médicos”, mas sem responder aos casos sucessivos de demissões e ao efeito da vigência das 35 horas de trabalho semanais –, puxaram pela polémica com os professores, ora exigindo que o tempo de serviço perdido durante a crise seja contado, ora limitando-se a criticar o Governo por fazer promessas que não pode cumprir, e referiram os problemas das verbas na Cultura ou nos Transportes.
Não foi, entretanto comum a análise feita ao momento político. Depois duma semana em que o Ministro Santos Silva irritou PCP e BE ao declarar que uma reedição da geringonça exigiria um maior grau de compromisso da parte destes partidos, os parceiros mostraram-se inseguros. Os comunistas, por entre queixas sobre os acordos da legislação laboral a que o PS chegou com a direita, perguntaram: “E agora, que caminho quer o Governo fazer?” E o BE, depois de desafiar o Governo a “falar sobre Europa”, rematou: “Disse há dias que a geringonça está no coração dos portugueses. Ainda continua no coração do Governo?”.
Face aos desafios dos parceiros, Costa assegurou que a geringonça “está no coração e na cabeça” do Governo e a fidelidade é garantida, ao menos até ao fim da legislatura. Mas não é garantido que tenha mais margem de cedência a novas exigências no contexto do OE19, que definiu como de continuidade declarando: “Não temos de pôr o pé no travão, mas temos de moderar a velocidade”. Isto foi dito após a abertura do debate com o mesmo aviso, por outras palavras: “Não podemos pôr em causa tudo aquilo que construímos”. E ficou evidenciada a ideia no encerramento do debate, com o Ministro-Adjunto a frisar que não se pode “dar um passo maior do que a perna”, mas os passos dados nas contas públicas seguras são mais firmes.
O líder comunista criticou a “obsessão” do Governo em prosseguir uma política que promove monopólios nacionais e principalmente estrangeiros; insiste numa legislação laboral favorável à exploração e ao emprego precário e sem direitos; não combate o abandono do interior e do mundo rural; vive pelo défice e “recusa” renegociar a dívida; permite e patrocina a “poderosa operação contra o SNS”; não investe na Educação, nem nos Transportes, porque lhe convém cumprir “zelosamente as imposições da União Europeia contrárias ao interesse nacional”.
Por seu turno, Heloísa Apolónia, do PEV, queixou-se das prioridades do Governo no que toca ao investimento – “nunca há problemas para a banca” – e aconselha o Executivo, usando a metáfora, a não andar a “30 ou 40 quilómetros por hora na autoestrada nem fazer marcha atrás”, referindo-se ao caminho que tem sido percorrido pela maioria parlamentar.
André Silva, do PAN, alertou para os níveis de consumo insustentável em Portugal e responsabilizou a classe política que põe o “produtivismo” à frente dos valores ambientais:
No último mês atingimos a capacidade máxima de regeneração dos nossos ecossistemas. Se todos os países tivessem o mesmo consumo de Portugal, precisaríamos de dois planetas. […] Vivemos acima das nossas capacidades, vivemos a crédito.
À direita, do lado do PSD, Negrão atacou o Governo pelas complicações no SNS acabando por dizer que a geringonça foi posta nos cuidados intensivos por Santos Silva e declarando:
Só podemos concluir que quem conduz hoje o país é uma maioria que tem tanto de demagógica como de ilusionista. Nada mais tem para oferecer!”.
E Assunção Cristas, pelo CDS, fez questão de correr em pista própria por entre o cenário negro do país que traçou – cuja responsabilidade diz ser do Governo, atribuindo indicadores positivos como os do emprego às reformas do anterior Governo – e entrou em registo de campanha eleitoral a garantir que o CDS é, por oposição ao PSD, a única alternativa fiável, “uma alternativa que não sonha com um bloco central de interesses, o eterno tratado de Tordesilhas da política portuguesa”.
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Veremos no que dará o tempo subsequente ao debate. Teremos aprovado o próximo Orçamento do Estado apesar das discussões no seio da atual maioria parlamentar. Independentemente da sanidade da solução política encontrada em outubro de 2015, o país lucraria com uma inequívoca clarificação nas próximas eleições legislativas, sabendo que pode acreditar na possibilidade de legislatura completa. Mandarão tapar a foto de Costa, mas votar o Orçamento?
2018.07.13 – Louro de Carvalho


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