Como é usual em fim de sessão legislativa, o
Parlamento discutiu hoje, dia 13 de julho, o Estado da Nação. É o 3.º debate do
género em que António Costa é o protagonista, só que, desta vez, esteve no fogo
cruzado disparado de todas as bancadas, à esquerda e à direita, com exceção da
bancada do partido que hoje está no centro parlamentar, o PS, de que emerge o
Governo.
Costa não aceita a afirmação de Santos Silva, o Ministro
dos Negócios Estrangeiros, de que uma
“geringonça II” teria de renovar compromissos, incluindo os compromissos
europeus, e afirmou que “a geringonça não só está no nosso coração, como na nossa
cabeça”. Fernando Negrão, do
PSD, equiparou a geringonça a um escorpião; e Catarina Martins, do BE, disse
querer evitar que o Governo vá para o “centrão” e o Primeiro-Ministro protestou
a sua fidelidade à esquerda.
***
Costa inaugurou o debate
a falar de ganhos, proclamando: “Sim,
conseguimos”. Começando por reafirmar 4 compromissos do governo – virar a
página da austeridade, relançar a economia pela recuperação do rendimento das
famílias, recuperar os níveis de proteção social e equilibrar de modo
sustentado as finanças públicas, com a redução do défice e do peso da dívida –
deu a missão por cumprida, apesar de muita gente ter duvidado de que fosse possível
“acabar com a austeridade mantendo a
participação na zona euro” (partidos da esquerda) e “melhorar a competitividade rompendo com modelo de desenvolvimento
assente na destruição de direitos” (partidos da direita). E considerou satisfeito o cumprimento
dos compromissos governativos, porque houve uma “mudança de políticas”. Daqui decorreu
que, segundo a sua enumeração:
“O
crescimento de 2,7% do PIB em 2017 foi o maior do século, o investimento
cresceu 9,1%, na maior variação homóloga dos últimos 19 anos, e as exportações
de bens e serviços cresceram 11,2% em 2017. Também no emprego foram criados
mais de 300 mil empregos e a taxa de desemprego recuou para o nível mais baixo
desde 2002 (7,2%), registando a queda mais acentuada da zona euro em 2017. Há
hoje menos 250 mil desempregados, dos quais 190 mil de longa duração.”.
Em suma disse que “temos
mais crescimento, melhor emprego e maior igualdade” e que tudo isto foi
feito a par da “sustentabilidade das
contas públicas e da credibilidade do país”.
Depois de enumerar os ganhos do Governo, Costa assegurou que os resultados foram
obtidos sem qualquer corte e sem “a falta a nenhum compromisso nem com os portugueses
nem com esta Assembleia”, frisando que os resultados “não
resultam do acaso nem da conjuntura”, mas da “mudança de políticas”, pois “foi porque revertemos os cortes nos salários, aumentámos as pensões e o SMN (salário mínimo nacional) que o rendimento real das famílias cresceu 4,7%” e que “na base dos resultados não está a falta a
nenhum compromisso”.
Porém, os protestos da oposição
agudizam-se, enquanto os aplausos do PS redobram, quando o Chefe do Governo se
refere a aspetos setoriais. Assim, Costa garante que existem hoje “mais 7 mil
professores nos quadros, mais 2.500 assistentes operacionais, menos alunos por
turma, manuais gratuitos”. E infere que é por causa deste investimento que “o
sucesso escolar aumentou 2 pontos percentuais no ensino básico e no secundário”.
Depois do espelho dos “resultados
já alcançados”, continuou dizendo – e a seta foi direita para as bancadas da
esquerda, onde estão os parceiros do Governo – que “há ainda um caminho a
percorrer e queremos prosseguir este caminho sem impasses ou recuos” e que a
“estabilidade das políticas é crucial para a manutenção da confiança”. E, sem
indicar diretamente os parceiros ou a solução de Governo em que se tem apoiado
nos últimos (quase) três anos, deu a entender que se
sente confortável neste modelo, ao declarar que “não podemos pôr em causa tudo
aquilo que construímos” e acrescentar que é importante “não voltar a ter uma
sociedade fragmentada e um território dividido”, pois “não podemos voltar a
aceitar um Estado minimalista e distante” (referência direta ao PSD de Passos Coelho, com a crítica que
recorrentemente é feita ao anterior Governo pelos socialistas) momento discursivo que levou o
grupo parlamentar do PSD a protestar.
***
O PS aplaude e Costa repete
linhas do discurso e ironiza: “Esperem,
também vão gostar desta”. E, enquanto lê o discurso, a bancada do PS não se
cansa de aplaudir. Assim, enquanto Costa lia a parte relativa aos jovens forçados
a emigrar e à ideia de que que é preciso rejeitar o modelo de salários baixos e
empregos precários para essa fuga de cérebros não voltar a suceder, o PS
aplaudia entusiasticamente, abafando o som das palavras do Chefe, cujo
entusiasmo o levou a dizer: “Se gostaram
vou repetir”, e repetiu aditando: “Esperem
que também vão gostar desta”, e leu a parte seguinte: “Não podemos voltar a aceitar um Estado minimalista e distante”.
Depois, foi respondendo
às “críticas fundamentais” de que o Governo tem sido alvo: renúncia ao
investimento; persistência de dificuldades nos serviços públicos; adiamento de
reformas – isto para concluir que tudo é “desmentido pela realidade”. E, para
contrapor às críticas, disse que o investimento público cresceu 22% em 2017,
falou no “reforço anual de 700 milhões de euros no SNS contratando 7.900 profissionais”.
Esta foi a afirmação que levantou os mais fortes protestos das bancadas da
direita, que acompanharam este segmento com diversos apartes.
***
Carlos César enquanto
líder da respetiva bancada fez a última intervenção pelo PS. Disse que “muito
fizemos, e muito fizemos bem”, mas que “há muitas ambições por realizar”. E
frisou que o PS não se perturba com “o ruído de uma oposição que não tem outro
projeto que não o da negação”. Em todo o caso, nota: “nem tudo o que fizemos foi tudo quanto havia a fazer, nem tudo o que
fizemos foi bem feito”. E fala em “humildade”. Partilhou os louros com os
parceiros parlamentares – “Partilhamos
com eles os nossos sucessos, da mesma forma que repartimos as nossas
dificuldades” – e garantiu que o PS continuará o trabalho feito pela atual
solução governativa, que tem sido “tão recompensadora para o país e para os
portugueses”.
Disse que ainda
há um caminho a percorrer e que seria mais fácil se as metas orçamentais
permitissem uma trajetória mais suave de redução do défice e da dívida, mas os
sinais mostram que “seguimos na direção
mais avisada”, pois “não repetimos a austeridade persecutória da
direita nem abraçámos tarefas impossíveis que comprometeriam a credibilidade da
esquerda”. E, na saúde e na educação, o PS recebe um país
com problemas, mas que está a recuperar.
No final da
sua intervenção, falou no “crescimento” do rendimento disponível das famílias
enfatizando: “Nos dois últimos anos
conseguimos que quase meio milhão de pessoas deixassem de estar em risco de
pobreza e em situação de privação material severa”. Depois avançou para as
condições do trabalho que estão a ser criadas para sublinhar como é “importante a revisão da legislação laboral
que agora está pendente na Assembleia da República”.
O líder parlamentar do PS disse também que a “agenda está longe de estar esgotada” e
que deve passar agora por ser “de
políticas reformistas, de ordenamento do território, de organização do trabalho
de competitividade económica”. E, para terminar, foi além da frase que
deixou escrita no discurso distribuído à comunicação social e, em vez de ser
genérico na atribuição da responsabilidade de “superar as dificuldades,
continuar os sucessos, prosseguir o caminho”, César quis deixar isso nas mãos de
toda a esquerda. E acrescentou que o objetivo é “fazer da esquerda portuguesa um dos motores
do Portugal vencedor”.
***
Desta feita, foi
Pedro Siza Viera, o Ministro-Adjunto do Primeiro-Ministro, a fazer o discurso
de encerramento do debate do Estado da Nação em vez do habitual membro do Governo
a fazê-lo, o número dois de Costa, Augusto Santos Silva. O governante tem sido
um dos temas recorrentes sobretudo à esquerda – depois de ter defendido que uma
“geringonça II” teria de renovar compromissos, incluindo os compromissos
europeus – asserção corrigida por Costa numa declaração ao Público esta quinta-feira pouco depois de a entrevista ter sido
publicada e de ter suscitado comentários de socialistas de peso, como foi o
caso de Manuel Alegre. E, no dia seguinte a esta discordância pública, com um
dos ministros mais importantes, sobre o futuro da “geringonça”, Costa deixou
Santos Silva na bancada do Governo e faz subir ao púlpito Pedro Siza Vieira, o
Ministro que está sob a sua alçada (seu amigo de longa data) e que entrou para o Governo em outubro passado, no quadro
da remodelação que transferiu Eduardo Cabrita de Ministro-Adjunto do PM para a
Administração Interna.
Porém, a
subida do Ministro-Adjunto ao púlpito foi motivo de apartes das bancadas da
direita, que ironizaram com a ideia de ser “o ministro adequado” para fazer o
encerramento do debate do Estado da Nação. Siza Vieira, amigo de longa data de Costa
e que entrou para o Governo em outubro passado, como foi referido, esteve
recentemente debaixo de fogo mercê da polémica em torno da acumulação de
funções ministeriais com um cargo privado já em funções executivas.
Siza Vieira começou por defender que “não vivemos hoje um
milagre”, tal como Costa já tinha feito, mas enumerou depois um conjunto de
melhorias registadas: Portugal cresce mais do que a UE, “pela primeira vez numa
década”; e “este crescimento está assente em bases sólidas”. “Estes resultados
não aconteceram por acaso”.
O Ministro encerrou
a sua intervenção com o apelo à manutenção da alternativa constituída em 2015,
para não pôr em causa o que se conseguiu, declarando e apontando para a
hipótese da repetição da atual maioria que sustenta o Governo no Parlamento:
“A
alternativa ao compromisso assumido em 2015 terá seguramente um sentido oposto
ao que foi percorrido, não percorrerá o caminho redução das desigualdades. […] Não podemos dar passos maiores do que a perna, mas o nosso passo é
mais seguro e pode fazer levantar novas ambições.”.
A intervenção do Ministro-Adjunto foi muito aplaudida por Costa, que se
levantou do lugar para o cumprimentar, após o que o debate do estado da nação
terminou.
***
Em todo
o caso, é de registar que os temas quentes foram quase todos comuns à esquerda
e à direita: todos pegaram no estado da Saúde e do SNS para arrancarem
respostas ao Governo – que respondeu lembrando que há “mais consultas, mais
cirurgias e mais médicos”, mas sem responder aos casos sucessivos de demissões
e ao efeito da vigência das 35 horas de trabalho semanais –, puxaram pela
polémica com os professores, ora exigindo que o tempo de serviço perdido
durante a crise seja contado, ora limitando-se a criticar o Governo por fazer
promessas que não pode cumprir, e referiram os problemas das verbas na Cultura
ou nos Transportes.
Não foi, entretanto comum a análise feita ao momento
político. Depois duma semana em que o Ministro Santos Silva irritou PCP e BE ao
declarar que uma reedição da geringonça exigiria um maior grau de compromisso
da parte destes partidos, os parceiros mostraram-se inseguros. Os comunistas,
por entre queixas sobre os acordos da legislação laboral a que o PS chegou com
a direita, perguntaram: “E agora, que
caminho quer o Governo fazer?” E o BE, depois de desafiar o Governo a “falar
sobre Europa”, rematou: “Disse há dias
que a geringonça está no coração dos portugueses. Ainda continua no coração do
Governo?”.
Face aos desafios dos parceiros, Costa assegurou que a
geringonça “está no coração e na cabeça” do Governo e a fidelidade é garantida,
ao menos até ao fim da legislatura. Mas não é garantido que tenha mais margem
de cedência a novas exigências no contexto do OE19, que definiu como de
continuidade declarando: “Não temos de
pôr o pé no travão, mas temos de moderar a velocidade”. Isto foi dito após a
abertura do debate com o mesmo aviso, por outras palavras: “Não podemos pôr em causa tudo aquilo que
construímos”. E ficou evidenciada a ideia no encerramento do debate, com o
Ministro-Adjunto a frisar que não se pode “dar um passo maior do que a perna”, mas
os passos dados nas contas públicas seguras são mais firmes.
O
líder comunista criticou a “obsessão” do Governo em prosseguir uma política que
promove monopólios nacionais e principalmente estrangeiros; insiste numa legislação
laboral favorável à exploração e ao emprego precário e sem direitos; não combate
o abandono do interior e do mundo rural; vive pelo défice e “recusa” renegociar
a dívida; permite e patrocina a “poderosa operação contra o SNS”; não investe
na Educação, nem nos Transportes, porque lhe convém cumprir “zelosamente as
imposições da União Europeia contrárias ao interesse nacional”.
Por seu
turno, Heloísa Apolónia, do PEV, queixou-se das prioridades do Governo no que
toca ao investimento – “nunca há problemas para a banca” – e aconselha o
Executivo, usando a metáfora, a não andar a “30 ou 40 quilómetros por hora na
autoestrada nem fazer marcha atrás”, referindo-se ao caminho que tem sido
percorrido pela maioria parlamentar.
André
Silva, do PAN, alertou para os níveis de consumo insustentável em Portugal e
responsabilizou a classe política que põe o “produtivismo” à frente dos valores
ambientais:
“No
último mês atingimos a capacidade máxima de regeneração dos nossos
ecossistemas. Se todos os países tivessem o mesmo consumo de Portugal,
precisaríamos de dois planetas. […] Vivemos acima das nossas capacidades,
vivemos a crédito.”
À direita,
do lado do PSD, Negrão atacou o Governo pelas complicações no SNS acabando por
dizer que a geringonça foi posta nos cuidados intensivos por Santos Silva e
declarando:
“Só
podemos concluir que quem conduz hoje o país é uma maioria que tem tanto de
demagógica como de ilusionista. Nada mais tem para oferecer!”.
E Assunção
Cristas, pelo CDS, fez questão de correr em pista própria por entre o cenário
negro do país que traçou – cuja responsabilidade diz ser do Governo, atribuindo
indicadores positivos como os do emprego às reformas do anterior Governo – e
entrou em registo de campanha eleitoral a garantir que o CDS é, por oposição ao
PSD, a única alternativa fiável, “uma
alternativa que não sonha com um bloco central de interesses, o eterno tratado
de Tordesilhas da política portuguesa”.
***
Veremos
no que dará o tempo subsequente ao debate. Teremos aprovado o próximo Orçamento
do Estado apesar das discussões no seio da atual maioria parlamentar. Independentemente
da sanidade da solução política encontrada em outubro de 2015, o país lucraria
com uma inequívoca clarificação nas próximas eleições legislativas, sabendo que
pode acreditar na possibilidade de legislatura completa. Mandarão tapar a foto
de Costa, mas votar o Orçamento?
2018.07.13 – Louro de
Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário