Se em tempos se falava do cerca de meio milhão de euros que
vinha ganhar aquele que foi o 44.º Presidente dos Estados Unidos pela sua participação
na conferência Climate Change Leadership
Porto Summit 2018, hoje, dia 6 de julho, o acento foi para o forte dispositivo
de segurança articulado entre a polícia portuguesa e os serviços secretos norte-americanos,
com relevo para os homens da segurança do ex-presidente, os cortes de trânsito
nalgumas ruas da cidade do Porto, nomeadamente as que interferem com a situação
do Coliseu, e a esperança de alguma manifestação de popularidade de Obama, circunstancialmente
transferida para Marques Mendes, antigo líder do PSD e comentador político dominical
na SIC.
De facto, em frente ao Coliseu, o passeio
do outro lado da Rua Passos Manuel foi acolhendo desde o fim da manhã vários curiosos
e pessoas atraídas pela notícia da presença de Obama. O entusiasmo pela
hipótese de o ver de perto foi alimentando conversas e amizades de ocasião, mas,
com o passar do tempo, foi cedendo lugar à desilusão face às notícias de que,
afinal, o distinto convidado entraria por uma outra porta, traseira, longe dos
olhares da multidão.
O aglomerado perdeu gente, mas havia várias dezenas de
populares (entre
portuenses e turistas surpreendidos) à espera
dum aceno do convidado americano no final da conferência. E,
à falta de Obama, que não fez declarações à comunicação
social nem apareceu no exterior, foi Marques
Mendes a ganhar o concurso de popularidade à entrada para o coliseu. O antigo ministro,
ex-dirigente do PSD e atual comentador foi bastante saudado e até distribuiu beijos.
Assunção Cristas também foi notada, mas a líder do CDS provocou reações mais
diversas.
Como era de esperar, não fiz parte da fila de convidados de quase
duas horas para entrar no Coliseu. Com efeito, na Rua Passos Manuel esteve
montado, desde madrugada, um forte dispositivo de segurança e corte de
trânsito, o que levou os convidados para a conferência sobre alterações
climáticas a fazerem fila, ao longo da manhã, para recolha do convite e entrada
no edifício onde decorreu o evento. Neste cenário, cerca de 2.000 pessoas foram
passando, entre as 9,30 e as 11,15 horas, pelas baias de segurança postadas
frente ao equipamento cultural que acolheu a Climate Change Leadership Porto Summit 2018 – organizada
pelo setor vinícola em colaboração com várias instituições e empresas –, que foram, depois,
submetidas a um rigoroso controlo de segurança semelhante ao utilizado nos
aeroportos.
A chegada do ex-presidente dos EUA surgiu pelas 13 horas, tendo
a sua sido realizada pela garagem do Coliseu, sem que o antigo líder americano
tenha sido visto no exterior.
Como previsto pela organização. Barack Obama falou sobre o
impacto das alterações climáticas e – não só –, tendo permanecido em Portugal
escassas duas horas.
Na predita Conferência, participou como interveniente o
premiado com o Nobel da Paz Mohan Munasinghe, bem como a ex-diretora geral da
UNESCO Irina Bokova e o conselheiro económico político Juan Verde. E, ao longo
da manhã foram entrando no Coliseu do Porto vários autarcas, empresários e
responsáveis por organizações ambientalistas.
Numa breve declaração aos jornalistas, Francisco Ferreira da
Associação Zero, valorizou a presença de Obama e desejou que deste evento “saiam conclusões importantes para o futuro”.
E Paulo de Azevedo, líder da Sonae, mostrou a sua expectativa
quanto aos trabalhos e lembrou que o pai Belmiro fora “pioneiro” em Portugal na preocupação com as alterações climáticas.
Por outro lado, esta conferência serviu para o lançamento do Protocolo
do Porto, que solicita aos seus subscritores que “façam mais do que estão a fazer para ajudar a mitigar e solucionar as
alterações climáticas – um problema de toda a humanidade, mas com um impacto
direto no setor agrícola”, como se lê num documento a que a agência Lusa acedeu.
O evento visava ainda a criação duma base de dados com casos de estudo
do que pode e deve fazer-se e quem poderá colaborar, assumindo que as empresas
signatárias partilharão as suas histórias de sucesso para outros poderem facilmente
aceder a tais dados.
***
A conferência, promovida por várias entidades, destinada exclusivamente a convidados – cerca
de 3000 –, que só puderam entrar com telemóveis, começou com a introdução ao
Protocolo do Porto, um acordo de compromisso entre empresas, que tem
como objetivos, como ficou dito, a união
de esforços e a criação duma base de
dados para casos de estudo.
Às 11 horas,
foi a vez de o professor Mohan Munasinghe, Nobel da Paz em 2007, tomar o palco
e falar das sugestões do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), instituição
de que é ex-vice-presidente, tendo procedido também a uma “atualização sobre as
recentes descobertas no campo das alterações climáticas”, segundo o programa da
organização. Seguiu-se-lhe,
às 11,45 horas,
Irina Bokova, ex-diretora geral da UNESCO, que explicou como as mudanças climáticas
estão a afetar o vale do Douro e o centro histórico do Porto, sítios que
integram a lista de Património Mundial da organização, e o que pode ser feito
para os proteger.
Após uma pausa para almoço, Juan Verde, presidente da Advanced Leadership
Foundation (ALF), uma das entidades organizadoras, retomou o palco para explicar como a “mitigação
das alterações climáticas pode ser positiva para o desenvolvimento económico e
o ambiente”.
Este responsável espanhol, que trabalhou nas campanhas de Obama, como
outros políticos americanos, tais como o senador Ted Kennedy, o presidente Bill
Clinton e o ex-vice-presidente Al Gore, é descrito pela organização como “um
dos líderes exponentes da economia verde”.
O ex-presidente dos Estados Unidos da América começou a falar às 15 horas,
naquela que vinha enunciada no programa como “uma conversa com Barack Obama”,
em que este abordou a importância de “mitigar” o problema e respondeu a cerca
de 25 perguntas selecionadas.
No mesmo dia que esteve no Porto, Obama participou
em Madrid como convidado de honra na cimeira sobre economia circular e
inovação, evento também organizado pela ALF – razão pela qual pernoitará em
Madrid e não no Porto.
Recorde-se
que, em maio, Adrian Bridge, presidente da The Fladgate Partnership, outra das
entidades responsáveis, e representante do Porto na ALF, disse que a ideia era
promover uma discussão para encontrar soluções, a médio e longo prazo, pelo que
já estava agendada uma conferência para março de 2019 com a qual se pretende
reunir “pessoas do setor do vinho a nível mundial” com vista a encontrar
soluções para o futuro.
***
Segundo a comunicação social, Bernardo Pires de Lima,
investigador universitário e cronista do Diário
de Notícias (DN),
acompanhou no Coliseu do Porto a intervenção do antigo presidente dos Estados
Unidos, tendo visto nele um homem “simpático, afável, carismático, mas muito cansado”.
Como refere, Juan Verde, o seu gestor de campanha,
fez-lhe nove perguntas como introdução aos tópicos de conversa. E Obama, mesmo
sem grande arroubo respondeu e, no términus da sua esperada intervenção, foi aplaudido
de pé pela plateia, sendo de relevar as referências pertinentes à necessidade
de envolver as novas gerações e de encontrar solução para os media
tradicionais.
Aludindo ao que se passa atualmente nos EUA, disse que a
Fox e o New York Times representam dois mundos desajustados da realidade e
confessou não ter a solução, mas saber que os media tradicionais não são apenas
negócios, são protetores das nossas democracias.
Assegurando que Obama tem hoje um perfil bastante mais
cerebral do que emocional, Pires de Lima que este traço (não totalmente novo para quem o acompanha há anos), ilustra
o facto de o antigo líder político americano ser melhor em campanha política do
que orador neste tipo de formato.
Apesar de comparativamente com o presidente atual falar
de Obama ser como “falar da água e do vinho”, não foi ouvido um ataque expresso
ao presidente Trump nem um discurso aguerrido contra a atual administração
norte-americana. Ao invés, Obama esteve cerebral, sensato, sem precisar de referir
o nome do presidente dos EUA, mas também sem deixar de identificar os lados
perversos da atual administração da Casa Branca. Abordou os vários pontos da agenda
internacional, mas sempre do ângulo positivo e não o apocalíptico. Como ilustração
desta forma de estar contou que, ao pensar em candidatar-se à presidência dos
EUA, perguntara a Michelle Obama o que achava da hipótese, tendo ela respondido
que odiava a política. E ele, embora tenha aceitado a observação, chamou a atenção
da esposa para a existência de Mandela, Luther King e Vaclav Havel, confessando
preferir olhar a política com estes exemplos e não com os perversos.
Num ato de considerável humildade, reconheceu que deve a
eleição de 2008 a um grupo alargado de jovens entre os 20 e 25 anos para dizer
que as temáticas dos países e do mundo devem inspirar as novas gerações. Em 2008,
os jovens acreditaram que era preciso e possível fazer uma campanha diferente,
utilizando novos recursos, contra todos os fatalismos alegados sobre o sucesso
desta receita. E agora sustenta que é para esta geração que se devem continuar
a abrir as portas da política, das empresas e da ação cultural, porque, se não
as agarrarmos, corremos o risco de as perder para o desinteresse político e
para franjas ideológicas.
Falando do combate às alterações climáticas, entende que
o tema está muito mais vivo para a nova geração do que para a geração dele. Na verdade,
os jovens estão muito mais conscientes de que é preciso fazer coisas na
economia, nas energias renováveis e na política, de uma forma concertada e não
entrincheirada. Por isso, como frisou, “não devemos perder esta geração”.
Em relação ao controlo das emissões de dióxido de
carbono, Obama lamentou, segundo o JN,
que Trump tenha revertido algumas medidas aplicadas pela sua administração, dizendo:
“A má notícia é que o meu
sucessor no cargo não concorda comigo. E fez um esforço para retroceder algumas
medidas. Só que estavam tão embrenhadas na economia dos EUA que todas as
companhias perceberam que eram boas para o negócio.”.
O ex-presidente deixou o aviso de que “as alterações
climáticas influenciam as migrações”, lembrando o caso sírio e o empobrecimento
rural resultante da diminuição da capacidade de produção da terra. E,
em momento de pré-cimeira da NATO e do encontro Trump-Putin, sobressaem duas pertinentes
referências: a valorização dos esforços da UE e EUA, sobretudo pelo acordo de
Paris, sustentando que “é preciso não perder as gerações mais novas”; e o
alerta para “a necessidade de democratizar o processo de decisão da Europa para
que o discurso antielites não dê força aos movimentos nacionalistas e populistas”.
Dir-se-á que Obama nada disse de novo, o cachet foi caro e o dispositivo de
segurança foi excessivo. Todavia, convém não esquecer a síndrome do 11 de
setembro de 2011 em relação à segurança, o poder da palavra do ex-líder americano
e o enfoque em pontos nevrálgicos do tema.
2018.07.06 –
Louro de Carvalho
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