sexta-feira, 6 de julho de 2018

Barack Obama esteve no Porto a falar de alterações climáticas


Se em tempos se falava do cerca de meio milhão de euros que vinha ganhar aquele que foi o 44.º Presidente dos Estados Unidos pela sua participação na conferência Climate Change Leadership Porto Summit 2018, hoje, dia 6 de julho, o acento foi para o forte dispositivo de segurança articulado entre a polícia portuguesa e os serviços secretos norte-americanos, com relevo para os homens da segurança do ex-presidente, os cortes de trânsito nalgumas ruas da cidade do Porto, nomeadamente as que interferem com a situação do Coliseu, e a esperança de alguma manifestação de popularidade de Obama, circunstancialmente transferida para Marques Mendes, antigo líder do PSD e comentador político dominical na SIC.  
De facto, em frente ao Coliseu, o passeio do outro lado da Rua Passos Manuel foi acolhendo desde o fim da manhã vários curiosos e pessoas atraídas pela notícia da presença de Obama. O entusiasmo pela hipótese de o ver de perto foi alimentando conversas e amizades de ocasião, mas, com o passar do tempo, foi cedendo lugar à desilusão face às notícias de que, afinal, o distinto convidado entraria por uma outra porta, traseira, longe dos olhares da multidão.
O aglomerado perdeu gente, mas havia várias dezenas de populares (entre portuenses e turistas surpreendidos) à espera dum aceno do convidado americano no final da conferência. E, à falta de Obama, que não fez declarações à comunicação social nem apareceu no exterior, foi Marques Mendes a ganhar o concurso de popularidade à entrada para o coliseu. O antigo ministro, ex-dirigente do PSD e atual comentador foi bastante saudado e até distribuiu beijos. Assunção Cristas também foi notada, mas a líder do CDS provocou reações mais diversas.
Como era de esperar, não fiz parte da fila de convidados de quase duas horas para entrar no Coliseu. Com efeito, na Rua Passos Manuel esteve montado, desde madrugada, um forte dispositivo de segurança e corte de trânsito, o que levou os convidados para a conferência sobre alterações climáticas a fazerem fila, ao longo da manhã, para recolha do convite e entrada no edifício onde decorreu o evento. Neste cenário, cerca de 2.000 pessoas foram passando, entre as 9,30 e as 11,15 horas, pelas baias de segurança postadas frente ao equipamento cultural que acolheu a Climate Change Leadership Porto Summit 2018organizada pelo setor vinícola em colaboração com várias instituições e empresas –, que foram, depois, submetidas a um rigoroso controlo de segurança semelhante ao utilizado nos aeroportos.
A chegada do ex-presidente dos EUA surgiu pelas 13 horas, tendo a sua sido realizada pela garagem do Coliseu, sem que o antigo líder americano tenha sido visto no exterior.
Como previsto pela organização. Barack Obama falou sobre o impacto das alterações climáticas e – não só –, tendo permanecido em Portugal escassas duas horas.
Na predita Conferência, participou como interveniente o premiado com o Nobel da Paz Mohan Munasinghe, bem como a ex-diretora geral da UNESCO Irina Bokova e o conselheiro económico político Juan Verde. E, ao longo da manhã foram entrando no Coliseu do Porto vários autarcas, empresários e responsáveis por organizações ambientalistas.
Numa breve declaração aos jornalistas, Francisco Ferreira da Associação Zero, valorizou a presença de Obama e desejou que deste evento “saiam conclusões importantes para o futuro”.
E Paulo de Azevedo, líder da Sonae, mostrou a sua expectativa quanto aos trabalhos e lembrou que o pai Belmiro fora “pioneiro” em Portugal na preocupação com as alterações climáticas.
Por outro lado, esta conferência serviu para o lançamento do Protocolo do Porto, que solicita aos seus subscritores que “façam mais do que estão a fazer para ajudar a mitigar e solucionar as alterações climáticas – um problema de toda a humanidade, mas com um impacto direto no setor agrícola”, como se lê num documento a que a agência Lusa acedeu.
O evento visava ainda a criação duma base de dados com casos de estudo do que pode e deve fazer-se e quem poderá colaborar, assumindo que as empresas signatárias partilharão as suas histórias de sucesso para outros poderem facilmente aceder a tais dados. 
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A conferência, promovida por várias entidades, destinada exclusivamente a convidados – cerca de 3000 –, que só puderam entrar com telemóveis, começou com a introdução ao Protocolo do Porto, um acordo de compromisso entre empresas, que tem como objetivos, como ficou dito, a união de esforços e a criação duma base de dados para casos de estudo. Às 11 horas, foi a vez de o professor Mohan Munasinghe, Nobel da Paz em 2007, tomar o palco e falar das sugestões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), instituição de que é ex-vice-presidente, tendo procedido também a uma “atualização sobre as recentes descobertas no campo das alterações climáticas”, segundo o programa da organização. Seguiu-se-lhe, às 11,45 horas, Irina Bokova, ex-diretora geral da UNESCO, que explicou como as mudanças climáticas estão a afetar o vale do Douro e o centro histórico do Porto, sítios que integram a lista de Património Mundial da organização, e o que pode ser feito para os proteger.
Após uma pausa para almoço, Juan Verde, presidente da Advanced Leadership Foundation (ALF), uma das entidades organizadoras, retomou o palco para explicar como a “mitigação das alterações climáticas pode ser positiva para o desenvolvimento económico e o ambiente”.
Este responsável espanhol, que trabalhou nas campanhas de Obama, como outros políticos americanos, tais como o senador Ted Kennedy, o presidente Bill Clinton e o ex-vice-presidente Al Gore, é descrito pela organização como “um dos líderes exponentes da economia verde”.
O ex-presidente dos Estados Unidos da América começou a falar às 15 horas, naquela que vinha enunciada no programa como “uma conversa com Barack Obama”, em que este abordou a importância de “mitigar” o problema e respondeu a cerca de 25 perguntas selecionadas.
No mesmo dia que esteve no Porto, Obama participou em Madrid como convidado de honra na cimeira sobre economia circular e inovação, evento também organizado pela ALF – razão pela qual pernoitará em Madrid e não no Porto. Recorde-se que, em maio, Adrian Bridge, presidente da The Fladgate Partnership, outra das entidades responsáveis, e representante do Porto na ALF, disse que a ideia era promover uma discussão para encontrar soluções, a médio e longo prazo, pelo que já estava agendada uma conferência para março de 2019 com a qual se pretende reunir “pessoas do setor do vinho a nível mundial” com vista a encontrar soluções para o futuro.
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Segundo a comunicação social, Bernardo Pires de Lima, investigador universitário e cronista do Diário de Notícias (DN), acompanhou no Coliseu do Porto a intervenção do antigo presidente dos Estados Unidos, tendo visto nele um homem “simpático, afável, carismático, mas muito cansado”.
Como refere, Juan Verde, o seu gestor de campanha, fez-lhe nove perguntas como introdução aos tópicos de conversa. E Obama, mesmo sem grande arroubo respondeu e, no términus da sua esperada intervenção, foi aplaudido de pé pela plateia, sendo de relevar as referências pertinentes à necessidade de envolver as novas gerações e de encontrar solução para os media tradicionais.
Aludindo ao que se passa atualmente nos EUA, disse que a Fox e o New York Times representam dois mundos desajustados da realidade e confessou não ter a solução, mas saber que os media tradicionais não são apenas negócios, são protetores das nossas democracias.
Assegurando que Obama tem hoje um perfil bastante mais cerebral do que emocional, Pires de Lima que este traço (não totalmente novo para quem o acompanha há anos), ilustra o facto de o antigo líder político americano ser melhor em campanha política do que orador neste tipo de formato.
Apesar de comparativamente com o presidente atual falar de Obama ser como “falar da água e do vinho”, não foi ouvido um ataque expresso ao presidente Trump nem um discurso aguerrido contra a atual administração norte-americana. Ao invés, Obama esteve cerebral, sensato, sem precisar de referir o nome do presidente dos EUA, mas também sem deixar de identificar os lados perversos da atual administração da Casa Branca. Abordou os vários pontos da agenda internacional, mas sempre do ângulo positivo e não o apocalíptico. Como ilustração desta forma de estar contou que, ao pensar em candidatar-se à presidência dos EUA, perguntara a Michelle Obama o que achava da hipótese, tendo ela respondido que odiava a política. E ele, embora tenha aceitado a observação, chamou a atenção da esposa para a existência de Mandela, Luther King e Vaclav Havel, confessando preferir olhar a política com estes exemplos e não com os perversos.
Num ato de considerável humildade, reconheceu que deve a eleição de 2008 a um grupo alargado de jovens entre os 20 e 25 anos para dizer que as temáticas dos países e do mundo devem inspirar as novas gerações. Em 2008, os jovens acreditaram que era preciso e possível fazer uma campanha diferente, utilizando novos recursos, contra todos os fatalismos alegados sobre o sucesso desta receita. E agora sustenta que é para esta geração que se devem continuar a abrir as portas da política, das empresas e da ação cultural, porque, se não as agarrarmos, corremos o risco de as perder para o desinteresse político e para franjas ideológicas.
Falando do combate às alterações climáticas, entende que o tema está muito mais vivo para a nova geração do que para a geração dele. Na verdade, os jovens estão muito mais conscientes de que é preciso fazer coisas na economia, nas energias renováveis e na política, de uma forma concertada e não entrincheirada. Por isso, como frisou, “não devemos perder esta geração”.
Em relação ao controlo das emissões de dióxido de carbono, Obama lamentou, segundo o JN, que Trump tenha revertido algumas medidas aplicadas pela sua administração, dizendo:
A má notícia é que o meu sucessor no cargo não concorda comigo. E fez um esforço para retroceder algumas medidas. Só que estavam tão embrenhadas na economia dos EUA que todas as companhias perceberam que eram boas para o negócio.”.
O ex-presidente deixou o aviso de que “as alterações climáticas influenciam as migrações”, lembrando o caso sírio e o empobrecimento rural resultante da diminuição da capacidade de produção da terra. E, em momento de pré-cimeira da NATO e do encontro Trump-Putin, sobressaem duas pertinentes referências: a valorização dos esforços da UE e EUA, sobretudo pelo acordo de Paris, sustentando que “é preciso não perder as gerações mais novas”; e o alerta para “a necessidade de democratizar o processo de decisão da Europa para que o discurso antielites não dê força aos movimentos nacionalistas e populistas”.
Dir-se-á que Obama nada disse de novo, o cachet foi caro e o dispositivo de segurança foi excessivo. Todavia, convém não esquecer a síndrome do 11 de setembro de 2011 em relação à segurança, o poder da palavra do ex-líder americano e o enfoque em pontos nevrálgicos do tema.
2018.07.06 – Louro de Carvalho

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