As diligências
negociais para um acordo pós-brexit entre o Reino Unido (UK) e a União Europeia (UE) não estão a correr
bem, seja pelas dificuldades em estabelecer um acordo razoável para ambas as
partes, seja pelas dificuldades surgidas na relação entre o Governo britânico e
o Parlamento de que emana, o qual não abre mão do seu desígnio de sede constitucional
e tradicional do poder.
As consequências
desta situação, que deveria estar resolvida daqui a menos de 9 meses, são
confusas: deputados
pressionam a Primeira-Ministra no Parlamento; Tony Blair, antigo
Primeiro-Ministro e a antiga Ministra da Educação do Governo de May defendem
reiteradamente um segundo referendo; e Bruxelas pede aos 27 que preparem plano “para o pior
dos cenários”.
Na verdade, o The Telegraph
adiantava, no dia 17, a informação de que a Comissão Europeia pediria, hoje,
quinta-feira, dia 19, aos 27 países da UE que preparem planos de contingência
para o pior dos cenários. Isto
por estar a
equacionar o cenário de um não acordo e por querer que o UK perceba que o bloco
de Estados-membros está preparado para o chamado “hard brexit”. Assim, é de
crer que a Comissão envie aos 27 que membros da UE um documento em que surja um
alerta para as consequências e para se prepararem para qualquer que seja o
desfecho.
Sendo assim, o texto chegará às delegações nacionais no dia em que, Michel
Barnier, o negociador-chefe da UE para o brexit, recebe, pela primeira vez,
Dominic Raab, que sucedeu a David Davis no cargo de ministro para o brexit no
governo de May. E, no dia 20, os ministros dos Negócios Estrangeiros da UE
reúnem-se em Bruxelas com uma agenda exclusivamente dedicada a esta matéria.
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Por sua vez, May sentiu-se forçada, na tarde do dia 18, no Parlamento, a
explicar se o plano de retirada ainda está em marcha ou se o UK acabará por
continuar na UE. Com efeito, esta semana a Primeira-Ministra esteve na iminência
de ver chumbados os planos do Governo para a retirada do Reino Unido da UE,
escapando no fio da navalha, com 307 votos a favor e 301 contra.
A explicação da Chefe do Executivo surge num momento de reforço da ideia da
possibilidade de reversão do processo. Um deputado questionou a líder do Governo
sobre se “brexit significa permanência” [na UE], vindo May a responder que “brexit
continua a significar saída” [da UE].
Boris Johnson, o ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros que renunciou ao
plano Checkers, foi um dos primeiros a renovar o pedido para que o Governo
repensasse a estratégia, dizendo que “não
é tarde de mais para salvar o brexit”.
Em Bruxelas, estão a considerar-se todos os cenários”, incluindo o da
inversão do processo. A este respeito, fonte da Comissão comentou ao DN que se mantém aberta a porta “para que fiquem” – isto, sem se desviar
da posição pública e oficial relativamente ao processo de retirada do Reino
Unido da UE.
Por seu turno, Tony Blair, antigo líder do Partido Trabalhista e
Primeiro-Ministro, voltou ontem a manifestar-se a favor dum segundo referendo,
para que termine a barafunda em que mergulhou o país desde que o “Sim” pela
saída da UE vingou, já lá vão dois anos, com 51,89% dos votos, contra 48,11%
para o “Não”.
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O facto
de a Comissão Europeia vir a pedir aos 27 da UE “a elaboração
de planos de contingência para o pior resultado possível” não significa “um sinal de desconfiança nas
negociações”. Segundo o The Telegraphe,
a Comissão espera por um acordo a que dedica recursos muito significativos e “comprometeu-se
a alcançar esse objetivo”. Por outro lado, o jornal transcreve partes desse
documento em que se admite também que as negociações “podem falhar”.
Com o acionamento do artigo 50.º do Tratado de Lisboa – que permite a um
país o pedido de saída da UE – a 29 de março de 2017 (quase um ano após o referendo, que se realizou a 26 de junho de 2016) –, o Reino Unido tem até às 23
horas do dia 29 de março de 2019 para sair do bloco. É certo que o país aderiu
à UE a 1 de janeiro de 1973, mas esteve sempre com um pé dentro e outro fora,
com as situações divergentes, que vão desde a moeda, mantendo a libra, à livre
circulação de pessoas, não integrando o espaço Schengen.
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Charles Tannock, eurodeputado britânico conservador, partido de May, que não
acredita que os negociadores do bloco estejam a aproveitar para fragilizar o Governo
em Londres, disse ao DN:
“Eles terão medo também de que o governo
caia completamente porque, se a Sra. May não tiver qualquer possibilidade de ir
para a frente com esta posição, há um risco de no deal (não acordo) e entramos numa crise económica e política
para a qual não há uma resposta certa”.
Depois, alertando para o grande risco para a UE se aproveitar o momento
para explorar a fragilidade política do governo de May, avisou:
“Nós somos o maior mercado de exportação
para muitos países da União Europeia – por exemplo para a Alemanha. Se o Governo
cai, haverá um caos político no Reino Unido. Entramos em território
desconhecido.”.
E, acreditando que “é com Theresa May que todos os governos querem
negociar, [pois] já sabem o que ela quer”, vincou:
“Se houver uma queda do Governo e eleições
antecipadas, também há um risco – que também mete medo aos conservadores – que
haja um governo [trabalhista] de [Jeremy] Corbyn – que conduza ao hard
brexit, porque ele é antieuropeísta e de extrema-esquerda”.
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De
facto, Jeremy Corbyn,
líder trabalhista, pediu a demissão de May, aduzindo que é necessário um
Governo “capaz de negociar o brexit”. E questionou a capacidade de a
Primeira-Ministra chegar a um acordo com os 27 países da UE, quando não
consegue obter acordo dentro do próprio Governo.
Disse, a este respeito, Jeremy Corbyn:
“Num momento tão crucial para o nosso país,
nestas negociações cruciais, precisamos
de um Governo que seja capaz de governar e negociar para o bem deste país e do seu
povo. O Governo precisa de agir em conjunto e fazê-lo rapidamente e, se
não puder, deve abrir caminho para aqueles que podem.”.
Para o líder trabalhista, a atual proposta de acordo do brexit “não é um plano abrangente para os empregos
no Reino Unido e para a economia que o povo deste país merece”. Com efeito,
“essas propostas ficam muito aquém de uma
união aduaneira abrangente, algo que os sindicatos e empresários vêm exigindo”.
Ao invés, “é um plano complexo que já foi
ridicularizado pelos próprios membros do Governo como burocrático e de difícil
concretização”. E Corbyn interroga:
“Como é que
alguém pode ter fé em a Primeira-Ministra conseguir um bom acordo com 27
governos da União Europeia, quando nem consegue chegar a acordo dentro do seu
próprio governo”?
Corbyn falava após uma intervenção de May a propósito do plano apresentado
no passado dia 13, em que defendeu aceitar as regras europeias, facilitando
assim a circulação de bens entre o mercado britânico e os 27 – intervenção que
foi perturbada pelo anúncio de demissão dos ministros do brexit, David
Davis, e dos Negócios Estrangeiros, Boris Johnson, por discordarem.
No seu depoimento, May alegava que os modelos propostos até agora pela UE
eram inaceitáveis, nomeadamente a permanência da Irlanda do Norte no mercado
interno para evitar uma fronteira física com a República da Irlanda, o que
resultaria numa separação do resto do Reino Unido. E, ante o risco duma saída
sem acordo, cenário para que o governo continua a preparar-se, May admitiu que
uma saída desordeira teria consequências
profundas para o Reino Unido e para a UE, frisando este respeito:
“A livre
circulação de bens é a única maneira de evitar que uma fronteira entre a
Irlanda do Norte e a [República da] Irlanda e entre a Irlanda do Norte e o
Reino Unido e a única forma de proteger as cadeias de valor integradas e os
processos rápidos dos quais milhões de empregos e meios de subsistência
dependem".
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Entretanto, a governante difundiu, no fim de semana, uma mensagem através
do FACEBOOK sobre as negociações para a saída do Reino Unido da UE, nos
termos seguintes:
“Neste fim de semana a minha mensagem ao
país é simples: é necessário estarmos focados no resultado final. Caso
contrário, arriscamo-nos a não ter brexit algum.”.
Faltam efetivamente menos de 9 meses para Bruxelas e Londres chegarem a
acordo e a sociedade britânica continua dividida sobre o brexit e os termos em
que este deve ocorrer.
Neste contexto, o plano de May – a aprovar por Bruxelas e no Parlamento
britânico – constitui uma tentativa de encontro de um equilíbrio entre o voltar
de costas entre as ilhas britânicas e o continente europeu e a continuidade, ao
prever o estabelecimento de um acordo de livre movimento de bens entre a UE e o
UK.
E Theresa May, ao fazer a predita
advertência, enviou um recado à linha dura do seu partido, que se mostra contra
o plano delineado pela Primeira-Ministra e aprovado pelo resto do Governo.
No entanto, essa estratégia provocou a demissão de dois ministros e
alimentou a especulação de, a qualquer momento, a sua liderança poder ser posta
em causa através da aprovação de uma moção de censura. Para tal, a linha de
Boris Johnson teria de reunir 48 assinaturas de deputados (há 316 conservadores no Parlamento).
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A ajudar a esta embrulhada, deitando mais lenha para a fogueira, vem uma
entrevista de Donald Trump
ao jornal The Sun a arrasar a
estratégia de Theresa May para o brexit, acusando-a de estar a arruinar o
objetivo britânico de saída da UE, com a sua abordagem suave das negociações
com Bruxelas, e a afirmar que o ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros britânico
Boris Johnson daria um excelente Primeiro-Ministro – o que poderá matar futuros
acordos comerciais com os EUA.
A entrevista foi revelada enquanto decorria um jantar de
boas-vindas de May ao presidente norte-americano e parece estar a incomodar.
O jornal The Guardian disse tratar-se duma
entrevista “extraordinária, que ameaça minar a nova estratégia de May, ao
“humilhá-la abertamente”. O The New York Times considera a
entrevista uma “notável quebra de protocolo”, com a marca de Trump de “diplomacia
confrontacional e disruptiva”. O Washington
Post fala em entrevista explosiva.
Acusando a Primeira-Ministra de fazer um “brexit light”,
Trump disse que “se [os britânicos] fizerem um acordo [como o que está em cima da mesa], nós vamos negociar com a UE, em vez de negociarmos
com o Reino Unido, pelo que provavelmente isso vai matar o acordo” com o UK.
Referindo que tinha aconselhado May durante as negociações britânicas com
Bruxelas, frisou que esta o tinha ignorado. E, comparando o referendo de junho
de 2016, em que se decidiu a saída do Reino Unido da UE, com as eleições
norte-americanas desse mesmo ano, disse:
“O acordo que ela está a procurar obter é
muito diferente do que aquele pelo qual as pessoas votaram”.
Quanto a Johnson, Trump é alguém “muito talentoso” e que gosta
“muito” dele. E acrescentou:
“Penso que ele seria um grande
primeiro-ministro. Penso que tem o que é preciso.”.
Declarou-se “muito entristecido” por o ver sair do
Governo, manifestando-se esperançado em que “ele volte” e elogiando-o
diretamente:
“Acho que ele é um grande representante do
vosso país”.
E, questionado diretamente sobre se pensa que Johnson
pode um dia substituir May, recusou responder, dizendo que não estava
interessado “em pôr um contra o outro”.
Ora, durante a entrevista, o presidente norte-americano
revelou ter sido informado da existência dum balão gigante do ‘Bebé Trump’ a
flutuar em Londres, junto ao Parlamento, enquanto decorria uma manifestação de
protesto contra ele. Sadiq Khan, presidente da câmara de Londres, autorizou os manifestantes a
exibirem o balão, com 6 metros de altura, mostrando Trump como um bebé zangado
e de fraldas.
Em resposta a esta ocorrência, Trump justificou ao jornal The Sun o facto de passar pouco tempo em
Londres, explicitando:
“Penso que quando põem balões para me fazer
sentir indesejado, não há razões para ir a Londres”.
Depois, responsabilizou Sadiq Khan, que é muçulmano, pela atmosfera da
cidade e pelo recente atentado terrorista.
***
Enfim, no meio de toda esta confusão, criada pela tentativa da reescrita do
Brexit, com os britânicos divididos entre si e pressionados pela UE (não digam que a recomendação de criar planos de contingência não significa
desconfiança) e por Trump, teremos um acordo que acautele as opções de May? Não haverá
qualquer acordo? Virá o Parlamento a impor um acordo contra o Governo e contra
a UE? Demitir-se-á May e teremos um acordo mais duro sob a égide de Corbyn?
A ver vamos. Porém, muitos britânicos que votaram “Sim” no referendo de
2016 devem estar a matutar: Se o
arrependimento matasse…
2018.07.19 –
Louro de Carvalho
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