quinta-feira, 19 de julho de 2018

Preparação para um cenário de não acordo pós-brexit


As diligências negociais para um acordo pós-brexit entre o Reino Unido (UK) e a União Europeia (UE) não estão a correr bem, seja pelas dificuldades em estabelecer um acordo razoável para ambas as partes, seja pelas dificuldades surgidas na relação entre o Governo britânico e o Parlamento de que emana, o qual não abre mão do seu desígnio de sede constitucional e tradicional do poder.
As consequências desta situação, que deveria estar resolvida daqui a menos de 9 meses, são confusas: deputados pressionam a Primeira-Ministra no Parlamento; Tony Blair, antigo Primeiro-Ministro e a antiga Ministra da Educação do Governo de May defendem reiteradamente um segundo referendo; e Bruxelas pede aos 27 que preparem plano “para o pior dos cenários”.
Na verdade, o The Telegraph adiantava, no dia 17, a informação de que a Comissão Europeia pediria, hoje, quinta-feira, dia 19, aos 27 países da UE que preparem planos de contingência para o pior dos cenários. Isto por estar a equacionar o cenário de um não acordo e por querer que o UK perceba que o bloco de Estados-membros está preparado para o chamado “hard brexit”. Assim, é de crer que a Comissão envie aos 27 que membros da UE um documento em que surja um alerta para as consequências e para se prepararem para qualquer que seja o desfecho.
Sendo assim, o texto chegará às delegações nacionais no dia em que, Michel Barnier, o negociador-chefe da UE para o brexit, recebe, pela primeira vez, Dominic Raab, que sucedeu a David Davis no cargo de ministro para o brexit no governo de May. E, no dia 20, os ministros dos Negócios Estrangeiros da UE reúnem-se em Bruxelas com uma agenda exclusivamente dedicada a esta matéria.
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Por sua vez, May sentiu-se forçada, na tarde do dia 18, no Parlamento, a explicar se o plano de retirada ainda está em marcha ou se o UK acabará por continuar na UE. Com efeito, esta semana a Primeira-Ministra esteve na iminência de ver chumbados os planos do Governo para a retirada do Reino Unido da UE, escapando no fio da navalha, com 307 votos a favor e 301 contra.
A explicação da Chefe do Executivo surge num momento de reforço da ideia da possibilidade de reversão do processo. Um deputado questionou a líder do Governo sobre se “brexit significa permanência” [na UE], vindo May a responder que “brexit continua a significar saída” [da UE].
Boris Johnson, o ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros que renunciou ao plano Checkers, foi um dos primeiros a renovar o pedido para que o Governo repensasse a estratégia, dizendo que “não é tarde de mais para salvar o brexit”.
Em Bruxelas, estão a considerar-se todos os cenários”, incluindo o da inversão do processo. A este respeito, fonte da Comissão comentou ao DN que se mantém aberta a porta “para que fiquem” – isto, sem se desviar da posição pública e oficial relativamente ao processo de retirada do Reino Unido da UE.
Por seu turno, Tony Blair, antigo líder do Partido Trabalhista e Primeiro-Ministro, voltou ontem a manifestar-se a favor dum segundo referendo, para que termine a barafunda em que mergulhou o país desde que o “Sim” pela saída da UE vingou, já lá vão dois anos, com 51,89% dos votos, contra 48,11% para o “Não”.
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O facto de a Comissão Europeia vir a pedir aos 27 da UE “a elaboração de planos de contingência para o pior resultado possível” não significa “um sinal de desconfiança nas negociações”. Segundo o The Telegraphe, a Comissão espera por um acordo a que dedica recursos muito significativos e “comprometeu-se a alcançar esse objetivo”. Por outro lado, o jornal transcreve partes desse documento em que se admite também que as negociações “podem falhar”.
Com o acionamento do artigo 50.º do Tratado de Lisboa – que permite a um país o pedido de saída da UE – a 29 de março de 2017 (quase um ano após o referendo, que se realizou a 26 de junho de 2016) –, o Reino Unido tem até às 23 horas do dia 29 de março de 2019 para sair do bloco. É certo que o país aderiu à UE a 1 de janeiro de 1973, mas esteve sempre com um pé dentro e outro fora, com as situações divergentes, que vão desde a moeda, mantendo a libra, à livre circulação de pessoas, não integrando o espaço Schengen.
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Charles Tannock, eurodeputado britânico conservador, partido de May, que não acredita que os negociadores do bloco estejam a aproveitar para fragilizar o Governo em Londres, disse ao DN:
Eles terão medo também de que o governo caia completamente porque, se a Sra. May não tiver qualquer possibilidade de ir para a frente com esta posição, há um risco de no deal (não acordo) e entramos numa crise económica e política para a qual não há uma resposta certa”.
Depois, alertando para o grande risco para a UE se aproveitar o momento para explorar a fragilidade política do governo de May, avisou:
Nós somos o maior mercado de exportação para muitos países da União Europeia – por exemplo para a Alemanha. Se o Governo cai, haverá um caos político no Reino Unido. Entramos em território desconhecido.”.
E, acreditando que “é com Theresa May que todos os governos querem negociar, [pois] já sabem o que ela quer”, vincou:
Se houver uma queda do Governo e eleições antecipadas, também há um risco – que também mete medo aos conservadores – que haja um governo [trabalhista] de [Jeremy] Corbyn – que conduza ao hard brexit, porque ele é antieuropeísta e de extrema-esquerda”.
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De facto, Jeremy Corbyn, líder trabalhista, pediu a demissão de May, aduzindo que é necessário um Governo “capaz de negociar o brexit”. E questionou a capacidade de a Primeira-Ministra chegar a um acordo com os 27 países da UE, quando não consegue obter acordo dentro do próprio Governo.
Disse, a este respeito, Jeremy Corbyn:
Num momento tão crucial para o nosso país, nestas negociações cruciais, precisamos de um Governo que seja capaz de governar e negociar para o bem deste país e do seu povo. O Governo precisa de agir em conjunto e fazê-lo rapidamente e, se não puder, deve abrir caminho para aqueles que podem.”.
Para o líder trabalhista, a atual proposta de acordo do brexit “não é um plano abrangente para os empregos no Reino Unido e para a economia que o povo deste país merece”. Com efeito, “essas propostas ficam muito aquém de uma união aduaneira abrangente, algo que os sindicatos e empresários vêm exigindo”. Ao invés, “é um plano complexo que já foi ridicularizado pelos próprios membros do Governo como burocrático e de difícil concretização”. E Corbyn interroga:
“Como é que alguém pode ter fé em a Primeira-Ministra conseguir um bom acordo com 27 governos da União Europeia, quando nem consegue chegar a acordo dentro do seu próprio governo”?
Corbyn falava após uma intervenção de May a propósito do plano apresentado no passado dia 13, em que defendeu aceitar as regras europeias, facilitando assim a circulação de bens entre o mercado britânico e os 27 – intervenção que foi perturbada pelo anúncio de demissão dos ministros do brexit, David Davis, e dos Negócios Estrangeiros, Boris Johnson, por discordarem.
No seu depoimento, May alegava que os modelos propostos até agora pela UE eram inaceitáveis, nomeadamente a permanência da Irlanda do Norte no mercado interno para evitar uma fronteira física com a República da Irlanda, o que resultaria numa separação do resto do Reino Unido. E, ante o risco duma saída sem acordo, cenário para que o governo continua a preparar-se, May admitiu que uma saída desordeira teria consequências profundas para o Reino Unido e para a UE, frisando este respeito:
A livre circulação de bens é a única maneira de evitar que uma fronteira entre a Irlanda do Norte e a [República da] Irlanda e entre a Irlanda do Norte e o Reino Unido e a única forma de proteger as cadeias de valor integradas e os processos rápidos dos quais milhões de empregos e meios de subsistência dependem".
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Entretanto, a governante difundiu, no fim de semana, uma mensagem através do FACEBOOK sobre as negociações para a saída do Reino Unido da UE, nos termos seguintes:
Neste fim de semana a minha mensagem ao país é simples: é necessário estarmos focados no resultado final. Caso contrário, arriscamo-nos a não ter brexit algum.”.
Faltam efetivamente menos de 9 meses para Bruxelas e Londres chegarem a acordo e a sociedade britânica continua dividida sobre o brexit e os termos em que este deve ocorrer.
Neste contexto, o plano de May – a aprovar por Bruxelas e no Parlamento britânico – constitui uma tentativa de encontro de um equilíbrio entre o voltar de costas entre as ilhas britânicas e o continente europeu e a continuidade, ao prever o estabelecimento de um acordo de livre movimento de bens entre a UE e o UK.
E Theresa May, ao fazer a predita advertência, enviou um recado à linha dura do seu partido, que se mostra contra o plano delineado pela Primeira-Ministra e aprovado pelo resto do Governo.
No entanto, essa estratégia provocou a demissão de dois ministros e alimentou a especulação de, a qualquer momento, a sua liderança poder ser posta em causa através da aprovação de uma moção de censura. Para tal, a linha de Boris Johnson teria de reunir 48 assinaturas de deputados (há 316 conservadores no Parlamento).
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A ajudar a esta embrulhada, deitando mais lenha para a fogueira, vem uma entrevista de Donald Trump ao jornal The Sun a arrasar a estratégia de Theresa May para o brexit, acusando-a de estar a arruinar o objetivo britânico de saída da UE, com a sua abordagem suave das negociações com Bruxelas, e a afirmar que o ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros britânico Boris Johnson daria um excelente Primeiro-Ministro – o que poderá matar futuros acordos comerciais com os EUA.
A entrevista foi revelada enquanto decorria um jantar de boas-vindas de May ao presidente norte-americano e parece estar a incomodar.
O jornal The Guardian disse tratar-se duma entrevista “extraordinária, que ameaça minar a nova estratégia de May, ao “humilhá-la abertamente”. O The New York Times considera a entrevista uma “notável quebra de protocolo”, com a marca de Trump de “diplomacia confrontacional e disruptiva”. O Washington Post fala em entrevista explosiva.
Acusando a Primeira-Ministra de fazer um “brexit light”, Trump disse que “se [os britânicos] fizerem um acordo [como o que está em cima da mesa], nós vamos negociar com a UE, em vez de negociarmos com o Reino Unido, pelo que provavelmente isso vai matar o acordo” com o UK. Referindo que tinha aconselhado May durante as negociações britânicas com Bruxelas, frisou que esta o tinha ignorado. E, comparando o referendo de junho de 2016, em que se decidiu a saída do Reino Unido da UE, com as eleições norte-americanas desse mesmo ano, disse:
O acordo que ela está a procurar obter é muito diferente do que aquele pelo qual as pessoas votaram”.
Quanto a Johnson, Trump é alguém “muito talentoso” e que gosta “muito” dele. E acrescentou:
Penso que ele seria um grande primeiro-ministro. Penso que tem o que é preciso.”.
Declarou-se “muito entristecido” por o ver sair do Governo, manifestando-se esperançado em que “ele volte” e elogiando-o diretamente:
Acho que ele é um grande representante do vosso país”.
E, questionado diretamente sobre se pensa que Johnson pode um dia substituir May, recusou responder, dizendo que não estava interessado “em pôr um contra o outro”.
Ora, durante a entrevista, o presidente norte-americano revelou ter sido informado da existência dum balão gigante do ‘Bebé Trump’ a flutuar em Londres, junto ao Parlamento, enquanto decorria uma manifestação de protesto contra ele. Sadiq Khan, presidente da câmara de Londres, autorizou os manifestantes a exibirem o balão, com 6 metros de altura, mostrando Trump como um bebé zangado e de fraldas.
Em resposta a esta ocorrência, Trump justificou ao jornal The Sun o facto de passar pouco tempo em Londres, explicitando:
Penso que quando põem balões para me fazer sentir indesejado, não há razões para ir a Londres”.
Depois, responsabilizou Sadiq Khan, que é muçulmano, pela atmosfera da cidade e pelo recente atentado terrorista.
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Enfim, no meio de toda esta confusão, criada pela tentativa da reescrita do Brexit, com os britânicos divididos entre si e pressionados pela UE (não digam que a recomendação de criar planos de contingência não significa desconfiança) e por Trump, teremos um acordo que acautele as opções de May? Não haverá qualquer acordo? Virá o Parlamento a impor um acordo contra o Governo e contra a UE? Demitir-se-á May e teremos um acordo mais duro sob a égide de Corbyn?
A ver vamos. Porém, muitos britânicos que votaram “Sim” no referendo de 2016 devem estar a matutar: Se o arrependimento matasse
2018.07.19 – Louro de Carvalho

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