É o slogan utilizado pelas autoridades de Diu, que anseiam
pela saída do último recluso da prisão instalada na Fortaleza de Diu, com vista
a promover o antigo território português, já que a zona, como sustentam, tem muito
baixa criminalidade e o encerramento da prisão é medida saudada como um passo
para a promoção turística e ficará aberto o caminho para um “Diu sem crime”.
Segundo o DN, edição online de hoje, dia 21, a Índia encerrará muito em breve a cadeia de Diu na fortaleza construída em
1535 e considerada uma das maravilhas de origem portuguesa no mundo. Resta
apenas que o último recluso, um homem de 30 anos, tenha autorização do tribunal
para dali sair; ou para outra prisão em definitivo por condenação em julgamento
que está a decorrer ou para casa se, por reviravolta processual, for absolvido.
Aquando da tomada da Fortaleza de Diu pela Índia, em 1961, no quadro da
anexação militar do Estado Português da
Índia (designação das possessões portuguesas sobreviventes
à erosão do tempo: Goa, Damão e Diu) esta estrutura de arquitetura militar construída pelos portugueses há
quase 500 anos já integrava a cadeia, uma área de reclusão que se manteve
aberta, mas cujo encerramento já está decidido, aguardando-se apenas pela saída
do último recluso, que, a aguardar julgamento, ocupa sozinho a ala prisional,
vigiado por cinco guardas.
O prisioneiro mais solitário da Índia vive numa cela concebida para 20
pessoas – a área total da cadeia recebia até 60 – com direito a cama, água,
televisão e 50 m2 de espaço vazio. Preso por tentativa de homicídio da mulher, por envenenamento, só pode
sair da cela duas horas por dia. Com cinco guardas prisionais e um
funcionário, a prisão tem as suas torres de vigia vazias.
De acordo com as declarações de Chandrahas Vaja, diretor da prisão ao
jornal The Hindustan Times, os
guardas fazem turnos e o recluso é vigiado 24 horas por dia. Porém, em sua
avaliação, “a situação tem os seus desafios”, já que não pode ser proporcionada
nenhuma atividade para o prisioneiro, pois é o único. E, para as refeições
dele, teve de ser feito um acordo especial com um restaurante perto do forte.
Embora não haja ainda uma data prevista para a saída de Deepak Kanji, sabe-se
que o espaço será entregue à agência arqueológica indiana para fins culturais e
turísticos.
A decisão de encerrar a cadeia está tomada desde
2013. Nessa
altura, estavam ali sete reclusos, incluindo duas mulheres. Quatro foram
transferidos para a prisão de Amreli, a cerca de 100 km de Diu, e os outros dois
já cumpriram as penas desde então. Segundo o chefe dos guardas, Kanji ficou
sozinho pelo facto de o seu processo estar em julgamento no Tribunal de Diu; e
é conveniente mantê-lo ali enquanto estiver a ser julgado, pois as audiências
são no tribunal de Diu e Amreli, a prisão mais próxima, fica muito longe”.
Porém, o recluso, devido ao isolamento, pergunta todos os dias pela sua
situação na justiça. Os guardas limitam-se a fazer-lhe companhia porque não há
mais ninguém ao invés do que se passa em prisões maiores, com mais pessoas, em
que as autoridades organizam atividades sociais importantes para a saúde de
qualquer recluso.
***
A Fortaleza de Diu, edificada em 1535/1536, mas com restauros posteriores e
significativas alterações em 1546, é uma estrutura arquitetónica ímpar na
expansão portuguesa. Desempenhou relevante papel estratégico para o controlo,
por parte de Portugal, da rota marítima das especiarias e das sedas no século
XVI. A sua localização no Índico constituía a ilha como importante entreposto
comercial, a ponto de ter chegado a ser conhecida como a Gibraltar do Oriente.
Os portugueses estiveram 424 anos em Diu, entre 1537 e 1961 ano, em que, pela
Operação Vijay a União Indiana, que conquistou a independência em 1947, acabou
com o domínio português em Goa, Damão e Diu.
Classificada a fortaleza, em 2009, como uma das sete maravilhas de
origem portuguesa no mundo por iniciativa do governo português para divulgar o
património que Portugal deixou no Mundo durante a expansão marítima, a sua prisão, que ocupa apenas uma pequena
parte, já funcionava quando a Índia tomou conta de Diu, em 1961. Hoje, os
turistas visitam a fortaleza, mas sem acesso ao estabelecimento prisional
enquanto ele estiver em funcionamento. A ideia é que toda a Fortaleza fique
acessível aos visitantes; e já há planos para a dotar de novas funcionalidades
e se tornar mais atrativa.
***
A fortaleza
de Diu localiza-se na ilha de Diu, na Índia, no extremo sul da península
de Katiavar, à entrada do golfo de Cambaia, na costa do Gujarate ou Guzerate.
Sucede a um antigo forte que ali existia. Com
efeito, na ilha de Diu, localizava-se o velho forte de Pani-Kote ou de Simbor (forte
do mar), situado,
como a aldeia de Gogolá, no reino de Junaghar. A superfície total de Simbor não
ultrapassaria 1 km2. Além da cidade e fortaleza, na ilha, existiam
sete aldeias: Fodão, MalaIa, Dangravari, Nagoá, ]asoatraque, Brancavará e
Bunchervará.
Uma das
primeiras manifestações do estilo renascentista no Oriente português
destaca-se pela imponente muralha (de 7 quilómetros de perímetro total) pelo lado de terra que ascendia a 250 metros de
comprimento, reforçada por baluartes e apoiada por numerosos fortes e
fortins espalhados pelos 40 quilómetros quadrados da ilha. Tendo em
conta a informação de Dom João de Castro sobre as fortificações no Estado Português da Índia, de que “...são
estas fortalezas tão fracas que, tirando Diu, nenhuma é capaz de se poder
defender oito dias dos nossos inimigos” (carta de 30 de outubro de 1540), Gaspar Correia, no seu Lendas da Índia (c. 1560), ao referir-se à fortaleza de Diu, registou: “...nunca
outra tal nestas partes se viu”.
A defesa era
composta, pelo lado de terra, por uma 1.ª linha, sobre o fosso exterior,
amparada pelo Baluarte de São Domingos (defendendo o Portão de Armas), pelo Baluarte de São Nicolau e pelo Baluarte de São
Filipe. A segunda linha, interna, era integrada, pelo lado de terra, pela Torre
de Menagem, pelo Baluarte Cavaleiro e pelo Baluarte de São Tiago; pelo lado do
mar, pelo Baluarte Chato (sueste) e pelo Baluarte
de Santa Luzia (este); e, pelo
lado do canal, pela Couraça, pelo Baluarte de Santa Teresa e pelo Baluarte de
São Jorge.
A defesa era
complementada pelo chamado Fortim do Mar, um forte de
pequenas dimensões estrategicamente erguido em meio das águas, na embocadura do
canal, e que, em nossos dias, controla a atividade dos numerosos barcos de
pesca na área.
Em 1992, o
Museu da Marinha em Lisboa adquiriu um modelo em pedra da Fortaleza de Diu, com
o nome do seu artífice e a data do trabalho (“Deuchande
Narane mestre – fez 1894”).
Considerada
pelos peritos em arquitetura militar a mais importante e bem fortificada
estrutura erguida no Estado Português da Índia, foi, pela
sua importância estratégica, alvo da cobiça e dos inúmeros cercos e ataques de
árabes, turcos, indianos e de diversas tentativas neerlandesas para
se apoderarem dela em fins do século XVII. Mas, apesar de reputada como
inexpugnável, acompanhou o declínio de Diu a partir do século XVIII até
à queda final em dezembro de 1961.
Segundo
informação de 1597, em Diu viveriam pouco mais de 200 famílias portuguesas, e
uma população muçulmana que atingia os 2000 habitantes. Os indus seriam também
em número considerável já que, em 1613, chegavam aos quatro ou cinco mil. No inverno
juntar-se-iam em Diu mais de 1000 estrangeiros: persas, mogores e outros.
António Bocarro, em 1634, dá conta já da decadência de muitas casas «mui
nobres», localizadas na fortaleza e pertencentes a «cazados portuguezes». A «ma
visinhança» dos capitães obrigara-os a mudarem-se para o exterior.
Diu era um
importante entreposto comercial aquando da chegada portuguesa à costa da Índia.
Por isso, desde 1513, ali se tentou sem sucesso, logo com Afonso de
Albuquerque, estabelecer uma feitoria. E não foram coroadas de êxito algumas
tentativas de conquista empreendidas por Diogo Lopes de Sequeira, em 1521,
e por Dom Nuno da Cunha, em 1523 e em 1531.
Em 1534,
Martim Afonso de Sousa iniciou negociações com o sultão Bahadur Xá, vindo
a obter a posse da ilha em troca de ajuda militar portuguesa prestada contra
o Grão-Mogol de Déli, que o expulsara dos seus domínios. E as
obras de edificação da Fortaleza foram iniciadas pelo 7.º governador do Estado
Português na Índia, Dom Nuno da Cunha, em 20 de novembro de 1535, tendo
ficado concluídas em 1536.
Entretanto, Bahadur
Xá, livre da ameaça e arrependido da sua generosidade, tentou reaver Diu, para
o que matou o governador da praça e chamou em auxílio uma frota turca.
Conhecedor da traição, Martim Afonso mandou prender Bahadur, que acabou morto
numa refrega. Seguiu-se um período de guerra entre os portugueses e a gente
do Guzerate. O novo sultão celebrou um acordo com a Sublime Porta e, em 1538, forças
Guzerates comandadas por Coja Sofar, senhor de Cambaia, com o reforço
duma armada egípcia do Paxá Al Khadim (talvez designação turca de Solimão,
o Magnífico), pôs cerco
a Diu, defendida por tropas portuguesas comandada por António da Silveira.
E as forças Guzerates foram dispersadas com o auxílio de Martim Afonso de
Sousa.
Com a sua
estrutura reparada e reforçada, Diu foi duramente castigada em novo cerco, posto
por novo exército Guzerate comandado pelo mesmo Coja Sofar, no verão
de 1546. Cinco meses os defensores resistiram sob o comando de Dom
João de Mascarenhas, recebendo alguns reforços e suprimentos pelo mar até que,
em 11 de novembro, um reforço naval sob o comando de Dom João de Castro,
posteriormente recompensado com o cargo de 4.º Vice-rei da Índia, decidiu a
vitória em prol dos Portugueses.
Neste cerco,
pereceram Coja Sofar e Dom Fernando, filho de Dom João de Castro. Assim lhe foi
comunicada a perda por seu outro filho, também enviado em socorro da praça:
“Meu irmão, que Deus haja, achei morto; é
certo que Vossa Mercê perdeu um filho e eu um irmão para muito sentir, mas nós
havemos de morrer e o manjar da Guerra são homens e os melhores” (in “carta
de Dom Álvaro de Castro a Dom João de Castro, Diu, 27 de agosto de 1546).
Dom João de
Castro, dirigindo-se ao filho Dom Fernando, enviado a socorrer a praça sitiada
pela segunda vez, tinha afirmado: “Por
cada pedra daquela fortaleza arriscarei um filho”. O episódio da libertação
da Fortaleza de Diu pelas tropas de Dom João de Castro encontra-se retratado
uma tapeçaria em fios de lã, seda, ouro e prata, confecionada em 1557 e exposta
no Kunsthistoriches Museum em Viena,
na Áustria.
Os episódios
foram registados por Camões, em Os Lusíadas, em tom de profecia de
Júpiter a tranquilizar Vénus, protetora do Gama e companheiros,
prenunciando o que os portugueses iriam fazer na Ásia, mesmo depois da
viagem dos portugueses:
“Vereis a inexpugnável Dio forte
/ Que dous cercos terá, dos vossos sendo. / Ali se mostrará seu preço
e sorte, / Feitos de armas grandíssimos fazendo. / Envejoso
vereis o grão Mavorte / Do peito lusitano, fero e horrendo. / Do
mouro ali verão que a voz extrema / Do falso Mahamede ao céu blasfema.”.
(Canto II, estância 50).
E, no canto
X, novamente por meio da profecia, mas desta vez de Calíope, refere as
vitórias dos portugueses nas estrofes 10 a 74 e, em Diu, por doze estrofes (60 a 71). O poeta conclui a história do cerco dizendo:
“Feitos farão tão dinos de memória / Que
não caibam em verso ou larga história” (Canto X, est. 71- 7-8)
Dom João de
Castro, para reconstruir as muralhas da fortaleza, arruinadas pelo
cerco (a fortaleza,
no dizer do próprio, encontrava-se tão gravemente destruída que nela não havia
de aproveitável um só palmo de parede), solicitou à Câmara Municipal de Goa um empréstimo de 20 mil pardaus
(pardau – antiga moeda da Índia portuguesa, de valor variável entre 220
e 1$250 réis), dando em
garantia a própria barba. A Câmara liberou o empréstimo, mas rejeitou o
exótico penhor. As obras de reconstrução foram conduzidas por Francisco Pires,
mestre de pedraria que, pela saída do reino para a Índia em 1546, de
passagem levara o risco para a Fortaleza de São Sebastião na ilha de
Moçambique.
A partir
do século XVIII , o progresso inglês levado às cidades vizinhas do
Katiavar, retiraram importância económica a Diu, que perdeu importância
estratégica (tal como as costas de Oman e do Guzerate) no final do século XIX, com a abertura do Canal do Suez.
Por fim, caiu
sob ataque das forças da União Indiana, em 19 de dezembro de 1961, sem
possibilidade de receber reforços, após esgotada a sua munição. Foi diante dos
seus muros que se desenrolou o episódio da lancha Veja, que sucumbiu ante os
ataques de duas esquadrilhas de aviões a jato que atuaram em apoio à invasão.
Não obstante, as suas imponentes muralhas, com sete quilómetros de perímetro
ainda são motivo de orgulho para os habitantes de Diu que têm na memória a
presença portuguesa de cuja herança se consideram fiéis depositários.
Cf Dn, 21
de julho de 2018; Matos, Artur
Teodoro (1999), O Tombo de Diu 1592, Centro
de Estudos Damião de Góis; Wiquipédia, https://pt.wikipedia.org/wiki/Fortaleza_de_Diu;
http://ensina.rtp.pt/artigo/fortaleza-diu-india/;
http://fortalezas.org/?ct=fortaleza&id_fortaleza=748&muda_idioma=PT;
https://www.indiaportuguesa.com/primeiro-cerco-de-diu-ndash-1538.html.
2018.07.21 –
Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário