Como é
do conhecimento público, os professores do país, sob a indicação dos
sindicatos, fizeram greve às reuniões de avaliação sumativa final interna das
aprendizagens dos alunos. E o alarido surgido na opinião pública publicada foi
tal que até parece que são o único grupo a fazer uma greve e que foi esta a
primeira vez que tal aconteceu.
Obviamente
uma greve traz sempre algum prejuízo à sociedade, mas os próceres do ataque aos
professores, fazendo-se porta-vozes do poder executivo estabelecido – em cujo
carro muitos deles até nem vão à missa – enegreceram as nuvens dos prejuízos.
Pais e mães foram para férias mais tarde? É natural. Ou o cuidado pelo bem dos
filhos não resulta por haver uma eventual perturbação social? Com efeito,
também os professores, que dispõem dum horizonte temporal muito curto (se
forem para fora, a preços impeditivos)
em que podem gozar férias de 25 dias úteis, também viram o seu calendário
baralhado.
Prejuízos
para os alunos? O ME (Ministério da Educação) teve a sorte de ver o problema
contornado a partir do momento em que um colégio arbitral deliberou a
existência de serviços mínimos nos conselhos de turma dos 9.º, 11.º e 12.º
anos. É certo que essa deliberação teve aspetos abusivos e aspetos omissos. Com
efeito, clarificar que a reunião do conselho de turma poderia funcionar com o
quórum previsto no CPA, quando há legislação específica para os órgãos
colegiais das escolas, foi abusivo, como o foi o decretar tais serviços mínimos
para o 11.º ano (onde não há grande problema com o prosseguimento
de estudos), até porque
o ME – e, neste aspeto, com legitimidade – determinara que os alunos poderiam
sujeitar-se a exame/prova final independentemente de conhecerem os resultados
da avaliação sumativa interna. Trata-se dum procedimento administrativo que não
implica mudança de legislação. Até pode constituir, para futuro, uma lição: a
marcação de exames e provas finais poderia ser feita sem exigir que as reuniões
conselho de turma se façam encavalitadas nas aulas dos alunos para quem elas não
terminaram, deixando de sobrecarregar despudoradamente os docentes com
“trabalho” em tempo posterior ao do “trabalho”, só não correndo o risco de o “trabalho”
ficar atabalhoado graças à idoneidade profissional dos docentes, que – pese o
que pensam alguns, mesmo nas esferas governamentais – fazem tudo o que podem e
até o que não podem pelos seus alunos.
Quanto a
aspetos omissos, o colégio arbitral, já que abordou a questão do quórum,
poderia ter indicado os critérios a seguir pelos diretores para convocação dos
docentes para o conselho de turma. Se isso tivesse acontecido, já o ME não
teria azo para mandar sinalizar com vista a procedimento disciplinar os
docentes que faltaram às reuniões. Aliás, o ME, se tivesse a habilidade do
Primeiro-Ministro, ter-se-ia antecipado a muitas situações e não precisava de
fazer pairar a ameaça de procedimento disciplinar em contexto de greve.
Diga-se
que só o novo sindicato é que decretou greve por tempo, a meu ver,
excessivamente longo. De resto, para as demais estruturas sindicais o tempo de
greve decorreu de 18 de junho a 20 de julho. Isto quer dizer que houve tempo
suficiente, depois, para reuniões e matrículas.
***
Nestes
últimos dias, o ME, no pressuposto de que ainda não têm classificações
atribuídas 80 mil alunos
do Básico e do Secundário (Alentejo e Lisboa e Vale do Tejo são as zonas do país
com mais alunos avaliados), faz saber
que os professores só poderão ir de férias depois de
concluídas as avaliações e fixou o 26 de julho como termo do prazo para o
processo estar terminado.
As orientações chegaram através de um e-mail (Veja-se: um
e-mail!) enviado pela DGEstE (Direção-Geral
dos Estabelecimentos Escolares). Segundo
elas, os diretores “apenas podem manter a autorização para o gozo de férias já
marcadas” quando os professores já “tenham entregado todos os elementos de
avaliação para os conselhos de turma” e “seja assegurado quórum deliberativo de
um terço em cada uma das reuniões por realizar”.
É certo que o n.º 1 do art.º 29.º do CPA (Código do
Procedimento Administrativo), aprovado
pelo DL n.º 4/2015, de 7 de janeiro, estabelece que, “os órgãos colegiais só podem, em regra,
deliberar quando esteja presente a maioria do número legal dos seus membros com
direito a voto” e o n.º 3 do mesmo artigo estabelece que, “sempre que se não disponha de forma diferente, os órgãos
colegiais reunidos em segunda convocatória podem deliberar desde que esteja
presente um terço dos seus membros com direito a voto”.
Porém, o
Despacho normativo n.º 1-F/2016, de 5 de abril, no âmbito da avaliação das
aprendizagens dos alunos do ensino básico, determina, nos n.º 7 do art.º 23.º,
que, “sempre que se
verificar ausência de um membro do conselho de turma, a reunião é adiada, no
máximo por 48 horas, de forma a assegurar a presença de todos”; e, no n.º 8 do mesmo artigo,
determina que, “no caso de a ausência a
que se refere o número anterior ser superior a 48 horas, o conselho de turma
reúne com os restantes membros, devendo o respetivo diretor de turma dispor de
todos os elementos referentes à avaliação de cada aluno, fornecidos pelo
professor ausente”. As mesmas disposições
vêm ipsis verbis escritas
respetivamente nos n.os 3 e 4 do art.º 19.º da Portaria n.º
243/2012, de 10 de agosto, na redação atual, no atinente ao ensino secundário.
Convém não esquecer que estes dois são normativos especiais…
Assim, é fácil concluir que o ME comete e leva a
cometer ilegalidades sem necessidade, não atentando que lei geral, como é o
caso do CPA, não derroga lei especial e que esta derroga lei geral. Mas o e-mail
da DGEstE, acima referido, alegando estar a responder a um “elevado número de
pedidos de esclarecimento de diretores”, explica:
“Estas orientações visam salvaguardar a
necessidade imperiosa de assegurar o direito à avaliação dos alunos, o livre
exercício das férias em tempo útil por parte dos docentes e as condições para a
preparação do ano letivo”.
Justifica a tutela o mínimo de um terço dos
professores a viabilização do conselho de turma com a aplicação do CPA, equiparando
as reuniões de avaliação a reuniões administrativas, o que vai ao arrepio de
quanto se tem dito sobre a índole pedagógica dos conselhos de turma.
Também a Secretária de Estado Adjunta e da Educação
sustenta, em declarações à Lusa:
“Os professores que fazem greve, à partida
não podem ir de férias, porque a greve é uma suspensão da relação laboral.
Agora têm é que manifestar a sua adesão à greve, obviamente. O reporte que
temos das escolas é que o que se está a passar e a dificuldade que está a haver
na realização dos conselhos de turma prende[m]-se com o exercício do direito a
férias, e é por isso que agora fizemos essa nota. Os professores que estão em
greve, até pela suspensão do vínculo laboral, não podem pela natureza das
coisas ir de férias.”.
Adiantando que a nota da DGEstE A é sobre a gestão das
férias dos docentes e não sobre greve, não aplicável aos professores que se
encontram em paralisação. A governante vinca:
“Numa turma onde todos os professores
estejam em greve não há um terço que possa ser obrigado a estar presente. Se
uma turma tiver 10 professores e esses 10 professores estiverem todos em greve,
pois evidentemente que o conselho de turma não se pode realizar. Posso garantir
que isso não aconteceu até agora, nunca. O que encontrámos sempre foi haver
dois, três professores num conselho de turma que não estão, e isso até agora
inviabilizava a realização de reuniões.”.
É óbvio que tudo resulta da situação de greve. O resto
é deitar poeira nos olhos. O
problema das férias dos docentes tinha outras formas de solução. Aliás, se vale
tudo na escola, também o ME deve saber que os professores comunicam ao diretor
de turma, antes do respetivo conselho de turma, quadro discriminativo das
classificações atribuídas a cada aluno e a valoração de cada item que sustenta
a classificação proposta. E, na maior parte dos casos, as matrículas ou a sua
renovação poderiam ter sido feitas e, nalguns casos, poderiam ter sido feitas
de forma condicional, caso que se resolveria em setembro. Aliás, as férias
vencem-se em janeiro e são irrenunciáveis; e gozam-se a seguir a licença
parental e doença prolongada. Algo não bate bem na lei ou na sua interpretação…
***
Como foi entredito, a greve mantém-se por decisão do STOP (Sindicato de
Todos os Professores)
recém-criado, tendo as restantes estruturas sindicais terminado o protesto no
passado dia 20.
Filinto Lima, presidente da ANDAEP (Associação
Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas), mostra-se satisfeito com a “solução equilibrada”
que o ME encontrou e que agrada “a uma maioria de professores”. E diz que vai
acabar por esvaziar a greve. É isto que o ME quer.
Diz o ilustre que a transferência dos alunos suscitava
dúvidas nas escolas, pelo que o ME sugeriu o acionamento de medidas
administrativas para garantir as necessárias correções “e nenhum aluno é
prejudicado”. É de mestre para quem reconhece o direito à greve e fica
satisfeito com o esvaziamento que a tutela lhe imprime! Ainda bem que a maioria
dos diretores não se chama Filinto.
As confederações das associações de pais preocupam-se
por haver alunos sem notas mercê da greve e querem a solução do problema.
Assim, Jorge Ascensão, presidente da CONFAP (Confederação Nacional das
Associações de Pais), não põe
em causa o direito à greve, mas… questiona um sindicato por alegadamente
prejudicar crianças e jovens no direito à educação. Esquece que a educação se
processa durante o ano e não no conselho de turma, muito menos no exame que podia
nem existir. E Rui Martins, presidente da CNIPE (Confederação Independente de Pais e
Encarregados de Educação), também se
mostra apreensivo e quer que Governo e professores se entendam e resolvam “tudo
isto de uma vez por todas”. Também eu quero isso, mas o Governo não pode
manter-se inflexível.
Por sua vez o STOP, o mais atingido de momento, quer a
demissão do Ministro e da Secretária de Estado Adjunta e da Educação. Mantém a
greve às avaliações até final de julho e entregou um pré-aviso de paralisação
para agosto, que “impede a eventual prepotência de diretores que ousem chamar
professores” para concluírem as avaliações e prejudicarem as férias. Neste
contexto, André Pestana, coordenador do STOP, fala em “chantagem” e “ataque”,
pela tentativa de “questionar o direito à greve e às férias dos professores, o
que é totalmente ilegal”.
Alexandra Leitão, sem reagir ao pedido de demissão,
declarou:
“Neste momento, temos cerca de 80 mil alunos
que não conhecem ainda as suas avaliações, que trabalharam todo um ano, e que
têm direito a conhecer as suas avaliações e também eles ir de férias com os
seus pais”.
E reiterou o objetivo da nota chegada às escolas no
dia 20:
“Dessa forma, nós conseguimos, por um lado,
garantir o direito às férias dos professores e, por outro lado, garantir aquele
que é o objetivo primordial, aquilo para que trabalha o Ministério da Educação,
que é exatamente garantir que os alunos têm o seu direito à educação
perfeitamente preenchido e cumprido”.
***
Também há reações da parte dos políticos.
Assim, por exemplo, Catarina Martins, coordenadora do
BE, apelou à intervenção do Primeiro-Ministro para encontro de solução que
acabe com o braço de ferro com os docentes, sustentando aos jornalistas, em
Amarante, que ele “tem de intervir diretamente para que o OE seja cumprido e
que se encontre uma solução negociada”. E disse:
“Os professores não pedem nenhum retroativo
sobre o que deviam ter recebido e não receberam, estão absolutamente
disponíveis a que o descongelamento da carreira tenha efeitos para lá da
legislatura, não querem tudo de uma vez. Tudo o que dizem é que não façam de
conta que é a mesma coisa trabalhar dois anos ou trabalhar nove”. […] O
problema não está, neste momento, do lado dos professores, está do lado do
Governo.”.
Alexandra Leitão não reagiu às declarações de Catarina
Martins, mas aproveitou o ensejo para recordar que a tutela tem negociado com
os professores. E, lembrando que, no calendário do ME, há mais reuniões com os
sindicatos da Educação agendadas para setembro, disse:
“Eu não tiraria nenhumas consequências
daquilo que disse a senhora coordenadora do BE. O que está a acontecer é que,
no âmbito das suas competências, o ME tem negociado com os professores, em
cumprimento da declaração de compromisso que assinámos em 18 de novembro do ano
passado e em cumprimento também da lei do Orçamento.”.
***
O descongelamento do tempo de serviço dos professores
continua em causa; e Alexandra Leitão contorna a norma do OE18 e a cláusula de
acordo de novembro. Por seu turno, o Ministro das Finanças avisa os partidos de
que “não é possível pôr em causa a
sustentabilidade de algo que afeta todos, só por causa” da contabilização
do tempo de serviço dos professores e afirma que o orçamento tem de ser
sustentável.
Mário Nogueira, secretário-geral da FENPROF (Federação
Nacional dos Professores), considera
inaceitável “e quase uma provocação” as afirmações de Centeno e atira, relembrando
que o que “os professores querem não é nada que seja ilegítimo, mas
simplesmente que o tempo que cumpriram a trabalhar na escola com os seus alunos
seja reconhecido”:
“Achamos que é muito mau e, do ponto de
vista dos professores, de facto não é aceitável e é quase uma provocação vir
dizer que os professores são agora
reféns de um OE, onde o senhor Ministro e o Governo não têm qualquer tipo de
problema em usar milhares de euros do erário público para tapar buracos
causados na banca por corruptos, por má gestão, para pagar aos agiotas
internacionais juros absolutamente obscenos. Para isso não há problema, mas
para aquilo que é básico, elementar e justo, aí já é um problema de sustentabilidade
de contas públicas.”.
***
Percebe-se que a população sinta o reflexo das greves.
Todavia, não é tolerável que pretensos formadores da opinião pública e os
governantes ou quem está em posição de aceder a um cargo governativo venham
hipocritamente proclamar o direito à greve e simultaneamente tentem ao máximo
esvaziar todos os seus efeitos e com o beneplácito de alguns que se dizem
professores.
Lamentavelmente não queria acreditar na habilidade
canhestra da Secretária de Estado a contornar o caso alegadamente para
salvaguarda das férias dos docentes nem mesmo num latente agrado do ME por ver
a opinião pública virada contra a classe – o que não faz com outras com greves
mais bem gravosas.
Não digam que não é legítimo reivindicar a contagem do
tempo de serviço, a melhoria do horário de trabalho (está
inutilmente sufocante!) e
condições mais favoráveis de aposentação (42 anos a ensinar é demais)! E esta luta tem custos sobretudo para os
professores: têm de fazer o trabalho na mesma, mais cedo ou mais tarde;
protelam as suas férias; e perdem dinheiro. Mas vale a pena, pois, segundo o
lema de Aquilino Ribeiro, “quem cansa não alcança”!
***
Por fim, o Governo, adivinhando o ambiente de
contestação, porque não teve a habilidade de alterar, por portaria e por
despacho normativo, a portaria e o despacho normativo, respetivamente, acima
referidos? E como é que trata coisas tão importantes por e-mail?
Não, o ME não trata bem as questões da educação. Valham-nos
os professores!
2018.07.25 – Louro de Carvalho
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